Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Solenidade de Pentecostes

Solenidade de Pentecostes

Espírito da ação discreta e eficiente

 

Frei Gustavo Medella

Um Espírito de sensibilidade e atenção, capaz de socorrer e cuidar de acordo com as necessidades que se apresentam. Este é o retrato do Espírito Santo apresentado pela célebre Sequência de Pentecostes, texto litúrgico muito antigo proclamado ou cantado na Missa que marca a Solenidade.

No labor, descanso; na aflição, remanso; no calor, aragem. É o Espírito dócil e inteligente, que traz e proporciona o necessário. Para o fome, comida; para o vírus, vacina. Sempre atento à realidade; jamais alienado e delirante.

Assim aprendemos que o Espírito Santo age menos por apresentações extravagantes, à semelhança de um show pirotécnico, e se revela simples e discreto, mas profundamente eficaz. Produz uma transformação silenciosa e interior, porém efetiva, sempre para melhor. Discernir os sinais e apelos do Espírito é um exercício constante, tendo em vista ser Ele próprio dinamismo e movimento.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras Bíblicas deste domingo

Primeira Leitura: Atos 2,1-11

1Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar. 2De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. 3Então apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. 4Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava. 5Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. 6Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua. 7Cheios de espanto e admiração, diziam: “Esses homens que estão falando não são todos galileus? 8Como é que nós os escutamos na nossa própria língua? 9Nós que somos partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, 10da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia próxima de Cirene, também romanos que aqui residem; 11judeus e prosélitos, cretenses e árabes, todos nós os escutamos anunciar as maravilhas de Deus na nossa própria língua!”
Palavra do Senhor.


Sl 103(104)
Enviai o vosso Espírito, Senhor, / e da terra toda a face renovai.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor! / Ó meu Deus e meu Senhor, como sois grande! / Quão numerosas, ó Senhor, são vossas obras! / Encheu-se a terra com as vossas criaturas! – R.
Se tirais o seu respiro, elas perecem / e voltam para o pó de onde vieram. / Enviais o vosso espírito e renascem / e da terra toda a face renovais. – R.
Que a glória do Senhor perdure sempre, / e alegre-se o Senhor em suas obras! / Hoje, seja-lhe agradável o meu canto, / pois o Senhor é a minha grande alegria! – R.


Segunda Leitura: 1 Coríntios 12,3-7.12-13

Irmãos, 3ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor”, a não ser no Espírito Santo. 4Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. 5Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. 6Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos. 7A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum. 12Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo. 13De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito.
Palavra do Senhor.


Jesus ressuscitado está vivo na comunidade
Evangelho: Jo 20,19-23

-* 19 Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: «A paz esteja com vocês.» 20 Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos ficaram contentes por ver o Senhor.  21 Jesus disse de novo para eles: «A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês.» 22 Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: «Recebam o Espírito Santo. 23 Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.»

* 19-23: O medo impede o anúncio e o testemunho. Jesus liberta do medo, mostrando que o amor doado até à morte é sinal de vitória e alegria. Depois, convoca seus seguidores para a missão no meio do mundo, infunde neles o Espírito da vida nova e mostra-lhes o objetivo da missão: continuar a atividade dele, provocando o julgamento. De fato, a aceitação ou recusa do amor de Deus, trazido por Jesus, é o critério de discernimento que leva o homem a tomar consciência da sentença que cada um atrai para si próprio: sentença de libertação ou de condenação.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Domingo de Pentecostes

Oração: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”.

  1. Primeira leitura: At 2,1-11

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar.

João coloca a doação do Espírito Santo no dia da Páscoa, quando Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos reunidos no Cenáculo (Evangelho). O evangelho de Lucas (cap. 24), também, situa no mesmo dia as manifestações de Jesus Ressuscitado aos discípulos de Emaús e aos apóstolos, concluindo com a promessa do Espírito Santo e a Ascensão de Jesus ao céu. Nos Atos dos Apóstolos, porém, a Ascensão acontece quarenta dias após a Páscoa e, dez dias depois, na festa judaica de Pentecostes, a vinda do Espírito Santo. Na origem, Pentecostes era uma festa agrícola ligada à colheita do trigo, celebrada sete semanas após a festa da Páscoa. Era uma festa de peregrinação. Nesta festa o israelita devia comparecer diante de Deus e apresentar os primeiros frutos da colheita do trigo. No II século a.C., a festa de Pentecostes passou a comemorar a promulgação da Lei de Moisés no Sinai, feita 50 dias após a saída do Egito (cf. Ex 19,1-16). Na teofania do Sinai, a descida de Deus era acompanhada por “trovões, relâmpagos (…), fortíssimo som de trombetas (…) em meio ao fogo” (Ex 19,16-19). Rabi Johanan dizia a respeito: A voz divina “saiu e se repartiu em setenta vozes ou línguas, de modo que todos os povos a entendessem; e cada povo ouviu a voz em sua própria língua”. Lucas conhecia tal tradição. Por isso fala que a doação do Espírito se dá em meio a um “barulho” e “forte ventania”. Com a voz do Sinai, repartida em setenta línguas, a Lei de Moisés tornou-se conhecida em todo o mundo e unia os judeus dispersos no Império Romano. Agora, a partir de Jerusalém (At 1,8), também o Evangelho é pregado a todos os povos, citados em nosso texto. A diversidade das línguas nas quais cada um entendia a mensagem do Evangelho é um convite aos apóstolos e discípulos, impulsionados pelo Espírito Santo, a levarem a mensagem de Jesus a todos os povos e culturas. Quando Lucas escreve, de certa forma, todos os povos do Império Romano estão ouvindo a mensagem do Evangelho, levada pelos discípulos e discípulas que aprenderam ou conheciam suas línguas.

Salmo responsorial: Sl 103

    Enviai o vosso Espírito, Senhor,

            e da terra toda a face renovai.

  1. Segunda leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13

Fomos batizados num único Espírito,

para formarmos um único corpo.

Paulo fala longamente aos cristãos de Corinto sobre os dons do Espírito Santo (1Cor 11,2-16; 12,1–14,39). Sem estes dons, nada podemos fazer, nem mesmo dizer: “Jesus é o Senhor”. Os dons ou “carismas” são “atividades”, serviços ou manifestações do Espírito “em vista do bem comum”; cada membro presta serviço para o bem do mesmo corpo. Paulo usa a imagem do corpo que tem muitos membros, mas forma uma única unidade. O Espírito nos unifica num só Corpo com o Cristo: “judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito”. O Espírito Santo distribui seus dons ou carismas em vista do bem da comunidade, e não para distinguir esta ou aquela pessoa. A manifestação do Espírito se dá em todos os membros da comunidade. Não é privilégio do clero, dos religiosos ou de “grupos carismáticos”. O projeto imperial de Babel era de impor o domínio, unindo todas as raças e culturas por meio de uma só língua (Gn 11,1-9: primeira leitura da Vigília). Deus, porém, pôs fim a tal domínio, multiplicando as línguas e culturas. É na diversidade de línguas e culturas que Deus quer ser louvado e adorado. Em Pentecostes Deus refaz a unidade pela mensagem do Evangelho, a ser anunciado a todos os povos, preservando, porém, as diferentes culturas e raças. O que nos une é a linguagem do amor a Deus e ao próximo (Evangelho).

Aclamação ao Evangelho:

      Vinde, Espírito Divino,

            e enchei com vossos dons os corações dos fiéis;

            e acendei neles o amor como um fogo abrasador.

  1. Evangelho: Jo 20,19-23

Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio:

Recebei o Espírito Santo!

No domingo da Ascensão ouvimos, no evangelho de Lucas, que Jesus prometia aos discípulos enviar-lhes a “força do alto”, o Espírito Santo, antes de começarem a anunciar “a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações”. Hoje, segundo João, Jesus no dia de sua ressurreição, se manifesta aos discípulos e concede o dom do Espírito Santo e a paz. Depois de lhes dizer “a paz esteja convosco”, Jesus se identifica, mostrando-lhes as mãos e o lado perfurados. Ele é o mesmo Jesus crucificado, que cumpriu sua missão, a obra de nossa salvação e volta ao Pai (Jo 20,17). Antes, porém, deixa-nos a tarefa de continuar a sua missão: “Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Ao voltar para junto do Pai, Jesus promete estar sempre conosco: “Eis que estou convosco, todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). A presença de Cristo se dá pelo seu Espírito, o Advogado e Consolador, que estará sempre ao lado de seus discípulos. Pelo dom de sua vida Jesus nos reconciliou com Deus, manifestando o amor misericordioso do Pai. O presente da Páscoa que nos deixa é o Amor: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”. Agora confia aos seus discípulos a missão de manifestar este mesmo amor misericordioso: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados…”. O perdão dado e recebido reconstrói os vínculos do Amor, reconstrói a paz. “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, que é Amor (Mt 5,9). Nossa missão é viver o que anunciamos aos outros. Para isso recebemos a “força do alto”, o Espírito Santo.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

 

Espírito Santo, um Deus revelado por Jesus

Frei Clarêncio Neotti

Até pouco tempo, o Espírito Santo era chamado ‘o Deus desconhecido’, numa alusão ao discurso de São Paulo em Atenas (At 17,23), De fato, o Antigo Testamento desconhecia o Espírito Santo. Falava-se no Espírito de Deus, mas sempre em referência às obras criadoras do Pai. Humanamente falando, era impossível aos profetas e sábios do Antigo Testamento chegar ao conhecimento do Espírito Santo como Deus-pessoa. O mistério da Santíssima Trindade era totalmente desconhecido no Antigo Testamento.

Foi Jesus Cristo quem revelou a existência de um Deus único em três pessoas distintas. Talvez em nenhuma época da Igreja se falou tanto no Espírito Santo como nos dias de hoje, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, encerrado em dezembro de 1965, Isso não só porque todos os movimentos carismáticos se centralizam no Espírito Santo, mas também, e sobretudo, porque ele é inseparável de qualquer reflexão teológica. Ele é o horizonte dentro do qual se movimentam e se compreendem todas as verdades da fé cristã.

O Espírito Santo não tomou corpo como Jesus Cristo. Ele foi enviado de modo concreto e visível, como Jesus. Mas a forma visível de sua aparição é apenas símbolo. O vento, a pomba e as línguas de fogo não são encarnação do Espírito Santo, mas figuras, símbolos que o representam e que nos ajudam a compreendê-lo em linguagem humana quanto é possível à nossa mente e ao nosso coração. Lembra o “Catecismo da Igreja”: “Espírito e Santo são atributos divinos comuns às três Pessoas Divinas. Mas, ao juntar os dois termos, a Escritura, a Liturgia e a linguagem teológica designam a Pessoa inefável do Espírito Santo, sem equívoco possível com os outros empregos dos termos espírito e santo” (n. 691).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Esse vento diferente...

Frei Almir Guimarães

♦ Belíssima solenidade esta do fogo, do vento violento e brisa suave. O Espírito, o Advogado, o Defensor…Mistério da Trindade. O Pai, o Filho unidos. O Filho gerado não criado. Entre eles um sopro o Espírito. O Pai envia o Filho e o Espírito o unge nas águas do Jordão. O Filho e o Espírito. O Filho é o Ungido. No alto da cruz, no momento da morte, segundo João, “Jesus entrega o seu Espírito”. Espírito com E maiúsculo. Ele cumpriu a promessa de não nos deixar órfãos. Esse Espírito que pairava sobre o caos primordial para tudo organizar, depois da ascensão do Senhor paira sobre os apóstolos na manhã de Pentecoste. Vento e fogo, sopro que movimenta e chamas que iluminam e que ardem. Vivemos a era do Espírito. A Igreja não tem outra finalidade senão a de auscultar o vento do Espírito. Ela é criatura do Espírito.

♦ Ele é movimento, empurra para frente. Vento, chama crepitante, água viva, pomba que se desloca. Sopra, dilata, recria, transforma, inspira.

♦ É ação. Preside os começos do universo. Age na concepção do Verbo Encarnado, no batismo do Messias, nos primeiros passos da Igreja, na luminosa e ventosa manhã de Pentecostes. Paulo nos convida a entrarmos na dinâmica do Espírito: “Se vivemos do Espírito, andemos também segundo o Espírito” (Gl 5,25).

♦ É liberdade. Não nos escraviza na lei fria, no legalismo, no rubricismo. Onde está o Espírito de Deus está a liberdade. Faz com que a Igreja se liberte dos grilhões históricos, culturais, ideológicos e religiosos. Na medida em que vai se libertando de tudo isso, torna-se Igreja libertadora.

♦ É novidade. Normalmente se atribui ao Espírito o excepcional, o extraordinário. Ele não se compraz com caminhos batidos. É força de vida nova, fonte inesgotável de criatividade. Entra em conivência com toda sorte de novidade quando esta venha a favorecer a instauração do Reino. A presença do Espírito na Igreja faz com que esta se embrenhe por caminhos de um futuro não previsível.

♦ O Espírito é impregnação. É agua que penetra tudo. Ao lado das imagens do Espírito como movimento e ação, há outras que apontam para impregnação, interiorização, habitação, morada. Nesta mesma linha vão as imagens do óleo e da unção. Apoiado nessas imagens Agostinho haverá de falar do Espírito como alma da Igreja. Dizemos que estamos “repletos” do Espírito Santo.

♦ O Espírito é comunhão. Abolindo fronteiras e barreiras o Espírito liga, une, reúne. O relato da manhã de Pentecostes bem ilustra essa dimensão de comunhão. Várias línguas, várias culturas e todos se entendendo. Completamente impregnada do Espirito a comunidade encontra nele saúde, equilíbrio e alegria.

♦O Espírito é memória. Jesus mesmo disse que quando ele e o Pai enviassem o Espírito ele haveria de permitir que os discípulos se lembrassem de tudo quando ele havia dito. O Espírito atualiza no hoje de cada geração a presença de Jesus de Nazaré que passando pela morte foi ressuscitado pelo Pai. Graças ao Espírito pudemos nos transformar em filhos no Filho. A vinda de Cristo na proclamação da Escritura e na celebração sacramental se realiza graças à invocação do Espírito, dita “epíclese”. Não existe oração eucarística sem esta imploração do Espirito sobre as pessoas e os dons.


Texto para reflexão

Sem o Espírito…

Sem o Espírito, Deus se faz distância,
o Cristo permanece no passado,
o Evangelho é letra morta,
a Igreja é uma simples organização,
a autoridade, dominação,
a missão, uma propaganda,
o culto, uma evocação,
o agir cristão uma moral de escravo.

Mas nele:
O cosmos é soerguido e geme na parturição do Reino,
Cristo Jesus se faz presente,
o Evangelho é dinamismo de vida,
a Igreja significa comunhão trinitária,
a autoridade é um serviço libertador,
a missão é um Pentecostes,
a liturgia é memorial e antecipação
e o agir cristão é deificado.

Metropolita Ignatios de Lattaquié (Síria).


Oração

ESPÍRITO SANTO
Hóspede desconhecido

Espírito Santo, que nome podemos te dar, tu que tanto te escondes, que não tens rosto, que não és nem o Pai nem o Filho, mas o amor entre eles?
Não te chamarei “consolador”, palavra desvalorizada em nossas línguas. Tu és muito mais: és descanso no trabalho. Reúnes em ti as coisas que se opõem. Estás presente em minhas sensações para purifica-las, em meus pensamentos para lhes dar corpo.

Espírito Santo, tu inspiras o que começa, és paciência nas lentidões, tu nos ajudas a sempre recomeçar e a levar os empreendimentos a bom termo, hóspede invisível, hóspede desconhecido de toda a história humana.

És a suavidade do que é forte e a força do que é suave, atuas no mais secreto das profundidades, conheces bem o que existe em nosso interior: uma esperança decepcionada, um amor traído, uma separação entre aqueles que se tinham amado; sabes que é mais difícil reconcilia do que conciliar, tu que soubeste tão bem fazer o que foi feito, recupera o que foi desfeito.

Tu sabes que há palavras que não se pronunciam, tu que és a voz de nossos silêncios, o gemido de nossas preces, sê nosso recriador!
Vem, Espírito Criador e recriador!

Jean Guitton (1901-1999)


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Novo começo

José Antonio Pagola

Apavorados com a execução de Jesus, os discípulos se refugiaram numa casa conhecida. Estão de novo reunidos, mas Jesus não está mais com eles. Na comunidade há um vazio que ninguém pode preencher. Falta-lhes Jesus. Não podem escutar suas palavras cheias de fogo. Não podem vê-lo abençoando com ternura os desgraçados. A quem seguirão agora?

Está anoitecendo em Jerusalém e também em seu coração. Ninguém pode consolar sua tristeza. Pouco a pouco, o medo vai tomando conta de todos, mas não têm Jesus para que fortaleça seu ânimo. A única coisa que lhes dá uma certa segurança é “fechar as portas”. Ninguém mais pensa em sair pelos caminhos para anunciar o reino de Deus e curar a vida. Sem Jesus, como vão transmitir sua Boa Notícia?

O evangelista João descreve de maneira insuperável a transformação que se opera nos discípulos quando Jesus, cheio de vida, se faz presente no meio deles. O ressuscitado está de novo no centro de sua comunidade. Assim há de ser para sempre. Com Ele tudo é possível: libertar-nos do medo, abrir as portas e pôr a caminho a evangelização.

Segundo o relato, o que Jesus infunde primeiro em sua comunidade é sua paz. Nenhuma censura por tê-lo abandonado, nenhuma queixa nem reprovação. Só paz e alegria. Os discípulos sentem seu sopro criador. Tudo começa de novo. Impulsionados por seu Espírito, continuarão colaborando ao longo dos séculos no mesmo projeto salvador que o Pai encomendou a Jesus.

O que a Igreja de hoje precisa não é só de reformas religiosas e apelos à comunhão. Precisamos experimentar em nossas comunidades um “novo começo”, a partir da presença viva de Jesus no meio de nós. Só Ele há de ocupar o centro da Igreja. Só Ele pode impulsionar a comunhão. Só Ele pode renovar nossos corações.

Não bastam nossos esforços e trabalhos. É Jesus quem pode desencadear a mudança de horizonte, a libertação do medo e da apreensão, o clima novo de paz e serenidade de que tanto necessitamos para abrir as portas e sermos capazes de compartilhar o Evangelho com os homens e mulheres do nosso tempo.

Mas temos de aprender a acolher com fé a presença de Jesus no meio de nós. Quando Ele torna a apresentar-se, depois de oito dias, o narrador nos diz que as portas ainda continuavam fechadas. Não é só Tomé que deve aprender a crer com confiança no Ressuscitado. Também os outros discípulos devem ir superando aos poucos as dúvidas e medos que ainda os fazem viver com as portas fechadas à evangelização.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes

A obra de Cristo e o Espírito Santo

Pe. Johan Konings

“É bom para vós que eu me vá: se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se eu for, eu o enviarei a vós” (Jo 16,7). Meditando sobre a festa de Pentecostes, poderíamos dizer assim: Jesus foi a presença de Deus “em carne”, em existência humana, limitada no tempo e no espaço. Mas a presença de Deus na história da humanidade e no universo não se esgota em Jesus. O Espírito de Deus enche a terra e, contendo o universo, tem conhecimento de todo som” (Sb 1,7). O espaço que Jesus deixou ao encerrar sua missão na terra é preenchido pelo Espírito que vem do Pai, e que é também o Espírito de Jesus, pois, diferente dos dois, é o que une os dois.

Assim, o Espírito vem para continuar a obra de Jesus. Ele leva os discípulos a pregar o evangelho de Jesus (1ª Leitura). Ele é dado à Igreja para vencer o pecado (evangelho), como fez Jesus, “cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). A Igreja tem por missão limpar o mundo do pecado, do ódio, de tudo o que exclui Deus, tanto nas pessoas como nas estruturas da sociedade, na vida individual e na vida política – tudo isso, no poder do Espírito. Agindo assim, a Igreja completará a obra que Jesus selou com o dom da própria vida e mostrará que Jesus, “exaltado” na cruz, lhe confiou o Espírito. O Espírito é a atualidade de Jesus. Por isso, é a alma do Corpo de Cristo, que é a Igreja (2ª leitura). Ele faz com que Jesus atue no mundo de hoje, por meio da Igreja. Ele faz com que a Igreja não seja mera instituição burocrática, preocupada apenas em perpetuar-se a si mesma, mas constante encarnação do Espírito que veio sobre Jesus no batismo e o levou a realizar sua missão de ser a palavra de amor que Deus dirige ao mundo. Assim, ele é o Espírito do Pai e do Filho, como diz o Credo. Ele é o Espírito do Senhor glorioso, laço de amor divino que nos une, e que transforma o mundo em nova criação, na qual todos se abrem à voz de Deus.

Ninguém pode reclamar para si esse Espírito se não está na linha de Jesus. Mas o inverso é verdade também. Ninguém pode cumprir a missão recebida do Senhor glorioso se não se deixa animar pelo Espírito, que Jesus mesmo pede ao Pai para nós (Jo 14,16). Cristo é dinâmico e atual em nós graças ao Espírito Santo. Assim, Pentecostes continua acontecendo como se mostrou no Concílio Vaticano II, quando a Igreja se voltou para os pobres e excluídos, e em tantas outras coisas que não chamam a atenção, mas que mostram a verdadeira “renovação da face da terra” (que o Sl 104 [103], atribui ao Espírito de Deus)

O Espírito do Senhor enche a terra, contém o universo. Nada escapa a seu calor, se o deixarmos penetrar. Não desejemos o Espírito para brilhar, para sermos diferentes dos outros, mas para sermos condutores de seu calor, para que atinja a todos.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella