Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Santíssima Trindade

Solenidade da Santíssima Trindade

Deus joga amor no ventilador

 

Frei Gustavo Medella

Em tempos em que cantar “Atirei o pau no gato” é passível de punição como apologia de maus tratos a animais, em que criança não pode andar descalça para não ferir o pé no caco do anel de vidro que se quebrou na “Ciranda, cirandinha”, a sociedade parece ter se revestido de um tom sisudo demais. A gratuidade da festa, da dança, da brincadeira adormece esquecida na vala comum do que é considerado “perda de tempo”. “Sucesso é fruto de trabalho! Arte, cultura, folclore, poesia, teatro, nada disso contribui para o ‘progresso do país’”, garantem aqueles que perderam a capacidade de brincar.

A Solenidade da Santíssima Trindade, no entanto, vem nos apresentar a figura de um Deus que se faz brincadeira, conforme se lê no texto do Livro dos Provérbios: “Eu [a Sabedoria] estava ao seu lado como mestre de obras; eu era seu encanto, dia após dia, brincando, todo o tempo, em sua presença [do Senhor], brincando na superfície da terra, e alegrando-me em estar com os filhos dos homens” (Pr 8,30-31). Pai, Filho e Espírito Santo se entregam mutuamente numa ciranda amorosa que tem como vocação eterna espalhar-se como fonte inesgotável de Bênção. Deus joga amor no ventilador.

Numa sociedade hiperconectada, onde a intimidade se devassa em vídeos, áudios e gravações, tudo que remete a mistério corre o risco de ficar em segundo plano. A sutileza do erótico tende a ser substituída pelo escracho do pornográfico. Neste contexto, Deus Trindade deseja agir em nós com duas forças que se equilibram. A força centrípeda, atraindo-nos para o núcleo amoroso que habita em nossos corações, e a força centrífuga, que nos leva a sair de nós mesmos para anunciar em palavras e ações o quanto é bom e salutar sermos filhos e filhas do Mistério.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Provérbios 8,22-31

Leitura do livro dos Provérbios – Assim fala a sabedoria de Deus: 22“O Senhor me possuiu como primícias de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas; 23desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes das origens da terra. 24Fui gerada quando não existiam os abismos, quando não havia os mananciais das águas, 25antes que fossem estabelecidas as montanhas, antes das colinas fui gerada. 26Ele ainda não havia feito as terras e os campos nem os primeiros vestígios de terra do mundo. 27Quando preparava os céus, ali estava eu; quando traçava a abóbada sobre o abismo, 28quando firmava as nuvens lá no alto e reprimia as fontes do abismo, 29quando fixava ao mar os seus limites – de modo que as águas não ultrapassassem suas bordas – e lançava os fundamentos da terra, 30eu estava ao seu lado como mestre de obras; eu era seu encanto, dia após dia, brincando, todo o tempo, em sua presença, 31brincando na superfície da terra e alegrando-me em estar com os filhos dos homens”. – Palavra do Senhor.


Salmo Responsorial: 8

Ó Senhor nosso Deus, como é grande / vosso nome por todo o universo!

Contemplando estes céus que plasmastes / e formastes com dedos de artista; / vendo a lua e estrelas brilhantes, / perguntamos: “Senhor, que é o homem, / para dele assim vos lembrardes / e o tratardes com tanto carinho?” – R.
Pouco abaixo de Deus o fizestes, / coroando-o de glória e esplendor; / vós lhe destes poder sobre tudo, / vossas obras aos pés lhe pusestes. – R.
As ovelhas, os bois, os rebanhos, / todo o gado e as feras da mata; / passarinhos e peixes dos mares, / todo ser que se move nas águas. – R.


Segunda Leitura: Romanos 5,1-5

Leitura da carta de são Paulo aos Romanos – Irmãos, 1justificados pela fé, estamos em paz com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo. 2Por ele tivemos acesso, pela fé, a esta graça, na qual estamos firmes e nos gloriamos, na esperança da glória de Deus. 3E não só isso, pois nos gloriamos também de nossas tribulações, sabendo que a tribulação gera a constância, 4a constância leva a uma virtude provada, a virtude provada desabrocha em esperança; 5e a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. – Palavra do Senhor.


Evangelho: Jo 16,12-15

– 12 «Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar. 13Quando vier o Espírito da Verdade, ele encaminhará vocês para toda a verdade, porque o Espírito não falará em seu próprio nome, mas dirá o que escutou e anunciará para vocês as coisas que vão acontecer. 14 O Espírito da Verdade manifestará a minha glória, porque ele vai receber daquilo que é meu, e o interpretará para vocês. 15 Tudo o que pertence ao Pai, é meu também. Por isso é que eu disse: o Espírito vai receber daquilo que é meu, e o interpretará para vocês.

* 4b-15: Através do testemunho dos discípulos, o testemunho de Jesus continua na história. Guiados pelo Espírito, os discípulos se tornam capazes de interpretar o mundo a partir da palavra e ação de Jesus. Em qualquer lugar e época, eles irão testemunhar, mostrando que: o pecador é aquele que rejeita a obra de Deus realizada em Jesus e em seus seguidores; o justo é Jesus, presente e atuante naqueles que o testemunham; o condenado é príncipe ou chefe do sistema que condenou Jesus e continua perseguindo seus seguidores. Desse modo, o julgamento de Deus inverte o julgamento dos homens: a morte de Jesus transforma-se em vida, e aqueles que o condenaram, agora são condenados.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Comentários do exegeta Frei Ludovico Garmus

Santíssima Trindade, ano C

Oração: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito Santo santificador, revelastes vosso inefável mistério. Fazei que, professando a verdadeira fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.

  1. Primeira leitura: Pr 8,22-31

Antes que a terra fosse feita

a Sabedoria já tinha sido concebida. 

No Antigo Testamento temos a ideia de um único Deus, mas não a ideia de um Deus uno e Trino. Mesmo assim, Deus cria o universo pela sua “Palavra” e pelo seu “Espírito” (Gn 1–2; Sl 104,27-30), e fala pela “Sabedoria”. Na primeira leitura é a “Sabedoria de Deus” que fala de Deus criador e de sua origem em Deus. Desde a eternidade foi constituída, “antes das origens da terra” (universo) foi gerada e Deus a “possui”. A sabedoria de Deus acompanha toda a obra da criação. Alegre como uma criança, brinca na presença de Deus, na superfície da terra, entre as criaturas; mas sua maior alegria é “estar com os filhos dos homens”. No livro do Gênese, o Criador alegra-se com obra da criação, fruto de seu amor: “E Deus viu que era bom”. E, ao falar da criação do ser humano no sexto dia, conclui: “E Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1). Pela Sabedoria, tudo estava preparado para a encarnação do Filho de Deus, que assumiu nossa humanidade e veio morar entre nós. Paulo identifica Cristo com a “força e sabedoria de Deus” (1Cor 1,23-24). Em Cristo, Sabedoria de Deus, por ele e para ele “foram criadas todas as coisas nos céus e na terra” (cf. Ef 1,16). Na criação, fruto de sua sabedoria divina, Deus se revela a todos os seres humanos, como diz Paulo: “Desde a criação do mundo, o invisível de Deus – o eterno poder e a divindade – torna-se visível à inteligência através de suas obras” (Rm 2,20). – Como me relaciono com as criaturas, com as pessoas criadas pela Sabedoria de Deus? Percebo nelas a presença do Criador? Cuido delas como se fossem parte de nossa “Casa Comum”?

Salmo responsorial: Sl 8

Ó Senhor nosso Deus, como é grande

o vosso nome por todo o universo!

  1. Segunda leitura: Rm 5,1-5

A Deus, por Cristo, na caridade difundida pelo Espírito. 

O apóstolo Paulo fala dos bens recebidos por quem foi justificado pela fé em Cristo Jesus. Pela fé estamos em paz, reconciliados com Deus, por meio de Jesus Cristo; a reconciliação é o mais precioso dom (cf. Jo 20,19-29). Jesus Cristo morreu por nós e obteve para nós a graça do perdão dos pecados e o dom da fé, plantou em nós a esperança de um dia participar da glória de Deus. Por isso Paulo se alegra em meio aos sofrimentos, porque fortificam nele a perseverança, que fortalece a esperança e desabrocha no amor de Deus, “derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”.

Aclamação ao Evangelho: Aleluia, Aleluia, Aleluia.

Glória ao Pai, ao Filho, e ao Espírito Santo,

Ao Deus que é, que era e que vem, pelos séculos. Amém.

  1. Evangelho: Jo 16,12-15

Tudo o que o Pai possui é meu.

O Espírito Santo receberá do que é meu e vo-lo anunciará. 

Ouvimos no Domingo da Ascensão, que os discípulos, apesar de Jesus os ter instruído após a ressurreição, ainda não entendiam qual era sua missão. Jesus os enviava a pregar o reino de Deus, e eles perguntavam: “Senhor, é agora que vais instaurar o reino [terrestre] de Israel”? Por isso, no evangelho de hoje Jesus diz: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de compreender agora”. O texto do Evangelho nos fala da missão do Espírito Santo: a) conduzir os discípulos à plena verdade, isto é, colocá-los nos passos de Jesus, que é “o caminho, a verdade e a vida” (cf. 14,6); b) ensinar “até as coisas futuras” e recordar tudo o que Jesus falou (cf. 14,26); c) tudo o que Jesus ensinou recebeu do Pai e, ao concluir sua missão, confiou ao Espírito Santo. Jesus de Nazaré revela o rosto misericordioso de Deus como Pai. Em Cristo Jesus, Deus se revela como Filho e sua presença e ação entre nós continua pela ação do Espírito Santo, o dom maior da Páscoa e de Pentecostes concedido aos discípulos. Deus não é um ser solitário. Deus é comunhão de amor. O Espírito Santo é a força do amor de Deus, presente entre nós: “Eis que estou convosco, todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). É o amor a Deus e ao próximo que nos faz viver na presença de Deus e em comunhão de amor com a Santíssima Trindade: “Se alguém me ama, guarda a minha palavra; meu Pai o amará, viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14,23).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Um Deus que se relaciona, que se manifesta, que ama e é amado

Frei Clarêncio Neotti

O mistério da Santíssima Trindade vem-nos dizer ainda que Deus não é um ser fechado sobre si mesmo, mas um Deus, sempre usando linguagem humana, aberto, dialogante, que se relaciona, que se manifesta, que ama e é amado, que age, cria, recria, quer ser procurado e deixa-se encontrar. Na frase do Evangelho de hoje: “O Espírito Santo vos transmitirá toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas de tudo aquilo que terá ouvido” (v. 13), temos, de alguma maneira, esse relacionamento entre as Pessoas divinas e das Pessoas divinas com as criaturas. O Espírito Santo transmitirá o que ouviu do Pai, fará os discípulos compreenderem o que Jesus ensinou. Não esqueçamos que ‘ouvir’ e ‘escutar’ em João tem mais o significado de ‘vivenciar’. O Espírito Santo, então, transmite-nos a vida que vive a Trindade e ensina-nos como viver também nós em comunhão com Deus. De novo, a grande verdade trazida por Jesus: formamos uma coisa só com Deus (Jo 17,21).

Entre as coisas que o Espírito Santo deverá esclarecer aos discípulos estão “as coisas futuras” (v. 13). Essas coisas são a paixão, morte e ressurreição de Jesus que deveriam acontecer em breve. Fatos que uma inteligência humana, sozinha, não consegue entender. Estão também as consequências desses fatos: mundo novo, vida nova, nova presença de Deus entre as criaturas, novo relacionamento entre o céu e a terra e, de modo especial, a graça da inabitação divina na criatura humana e a inaudita graça da nossa “participação da natureza divina” (2Pd 1,4), de nosso destino de perene comunhão com a Santíssima Trindade.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Um abismo de dom

Adoramos a Trindade três vezes santa

 

Frei Almir Guimarães

O espaço em que o Mistério se torna visível é a história da pessoa. Sua presença se realiza fundamentalmente na tensão humana entre a abertura infinita do homem para a verdade, o bem, a beleza e os limites colocados para tanto no espaço e no tempo da corporalidade própria e do outro.
Maurizio Formini

♦ Quem somos nós? De onde viemos e para onde a vida quer nos levar? Um ser cheio de perguntas e de questões. Este somos nós. Tomamos consciência desta tensão quando visitamos nosso interior. Se isso não acontece vivemos por viver. Temos saudade sem saber de que quê. Quase nunca encontramos respostas a tantas perguntas. Mistério: transcendência, Deus, abismo dos abismos, morte, futuro, amanhã, Deus Trindade. Tudo isso atravessa nossa mente. Em tantos momentos da vida: essa Trindade. Sinal da cruz em nossa fronte cada manhã ou ao anoitecer, na testa dos irmãos, na bênção da missa, sobre o corpo inerte dos que terminaram a peregrinação. Um Deus em três. Inútil querer compreender. Fé de carvoeiro? Talvez não. Abertura ao Mistério. Nada de matemática: três em um e um em três. Um abismo de amor. Que bom que seja assim para não corrermos o risco de colocar Deus dentro de nossas caixinhas e impedir que ele seja o que é: Mistério que nunca acabamos de descobrir. Um abismo de amor que se revela a quem ele quiser e aos que o coração não tiver sido empedernido.

♦ Esse Mistério anda a nos rondar. Sentimos seu apelo. Dele viemos e para ele nos voltamos, cansando as pernas, sorrindo e chorando, mas sempre com o bastão de peregrinos apontando para a frente, para um oceano de amor. O carburante de nossa caminhada é o Amor que nos chama. Profundidade das profundidades, nossa vida, nosso ser, a meta das metas. Sem ele, sem Mistério com m maiúsculo, tudo se torna opacidades: amores incompletos, viagens pela metade, vidas que vegetam.

♦ Um Tu para o qual precisamos nos abrir em vista de um diálogo que nos permita sobreviver ou viver de verdade. Não precisamos de um inspetor a examinar nosso comportamento, nem de um policial com arma apontada, ou um controlador de nossos atos escrevendo numa cadernetinha o que andamos perpetrando de funesto. Precisamos um sopro, de um Tu, de Alguém, precisamos do Amor. Somente o Amor nos dá alegria nesses tempos de cansativas esperas.

♦ Moisés percebeu alguma coisa do Mistério num arbusto que queimava e não parava de queimar. Fogo ardente. Terra santa, espaço sem mancha, imaculado. Foi convidado a tirar as sandálias dos pés porque pisava uma terra santa, por assim dizer, a terra de Deus. Pés nus e coração livre de toda prepotência que leva à macabra dança em torno de nós mesmos. Isaías, por sua vez, também o vislumbrou como santo, com serafins a voltejar e a cantar definitivamente santo, santo, santo. O profeta não tinha outra coisa se não juntar sua voz ao coral dos anjos: santo, santo, santo. Elias, cansado da vida e das diabólicas tomadas de decisão da megera Jezabel, entrega os pontos. Vai para uma montanha. Solidão. De repente, trovoada, mexer-se da terra, tumultos, gritarias, conversas fiadas, lá e cá, ontem e hoje. Ali não estava o Senhor… Depois, à porta da caverna, uma brisa suave. Elias cobre o rosto com as mangas de suas vestes e murmura palavras de adoração e de amor. Deixa-se envolver pelo Mistério. Pedro, o apóstolo, percebe que o Senhor Jesus está próximo dele e de seus companheiros no trabalho da pesca. Mal vestido joga-se ao mar. Sente-se indigno de uma tal vizinhança. Como nós, nus em nós mesmos, lançamo-nos ao mar. Reconhecimento de nossa nudez mais interior. Clamamos por uma veste. Não podemos viver nus.

♦ “Quem és tu? Como chamar-te? Onde é tua casa? Por que falas tão pouco? O que tu fizeste e andas fazendo?” Como uma criança somos convidados a fazer tantas perguntas quase infantis Àquele que nos envolve. A possibilidade de abrirmo-nos ao mundo do Mistério parece fundamental para nossa cultura, fragmentada, instrumental, cultura de consumo e de banalidades. Necessário respeitar a gratuidade e não querer programação no que tange à aproximação do Senhor. A experiência de Deus não é algo de automático que acontece em determinado momento ao nível de nossa consciência. Será sempre necessário o empenho da abertura. O Divino é maior do que as elucubrações racionais ou sentimentais. Ele tem iniciativa. Ele quer nos surpreender.

♦ Jesus, de alguma forma abre para nós as cortinas do Mistério. Ele fala de um Pai que o ama e de onde ele proveio. Um Pai que o cerca de todo carinho, para o qual ele volta incessantemente. Ele mesmo, esse Jesus de carne e osso, é a Palavra do Pai. Ele e o Pai são um. Todo poder ele recebe do Pai e veio ao mundo da parte desse Pai. Num determinado momento de sua caminhada ele promete de sua parte e do Pai a missão e o envio do Espírito, do Sopro, do Vento do Hálito. Antes que tudo existisse os três, a Tríade era e sempre foi. Pai, Filho e Espirito. Trindade sacrossanta.

♦ O Pai não é gerado, mas eternamente Pai. O Verbo eternamente gerado. Na plenitude dos tempos o Verbo se faz carne. Missão ad extra da segunda pessoa da Trindade. O amor do Pai pelo Verbo e vice versa é forte, tão forte que é um liame, um laço, ou seja, o Espírito. Depois da missão do Filho continua a ação do Espírito, Deus derramado em nossos corações. Vivemos o tempo do Espírito.

♦ “A perda do senso do Mistério impede o relacionamento pleno com a totalidade do existente: quem se obstina, plena ou levemente consciente, em excluir de seu interesse ou de levar em conta a realidade do Mistério contenta-se com relacionamentos imediatos, fruíveis, indecifráveis. Não atinge a realidade e nunca entra em contato com aquela parta do eu que só pode ser vivenciada a partir do envolvimento total com o real. E o real inclui essa sôfrega busca do Mistério.

Temos apenas vontade de dizer a mais não poder: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.


Oração

Senhor, Tu sempre me deste a força necessária:
e, embora eu seja fraco,
creio em ti.
Senhor, Tu sempre colocas paz em minha vida
e, embora eu viva perturbado,
creio em ti.
Senhor, tu sempre me proteges na provação
e, embora eu sofra,
creio em ti.
Senhor, tu sempre iluminas as minhas trevas
e, embora eu não tenha luz,
creio em ti.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Deus é de todos

José Antonio Pagola

Poucas frases terão sido tão citadas como esta que o Evangelho de João coloca nos lábios de Jesus. Os autores veem nela um resumo do essencial da fé, tal como era vivida entre os poucos cristãos nos começos do século II: “Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único”.

Deus ama o mundo inteiro, não só aquelas comunidades cristãs às quais chegou a mensagem de Jesus. Deus ama todo gênero humano, não só a Igreja. Deus não é propriedade dos cristãos. Não deve ser monopolizado por nenhuma religião. Não cabe em nenhuma catedral, mesquita ou sinagoga.

Deus habita em todo ser humano acompanhando cada pessoa em suas alegrias e desgraças. Não deixa ninguém abandonado, pois tem seus caminhos para encontrar-se com cada qual, sem que tenha que seguir necessariamente os caminhos que nós lhe indicamos. Jesus o via cada manhã “fazendo surgir o Sol sobre bons e maus”.

Deus não sabe nem quer, nem pode fazer outra coisa senão amar, pois, no mais íntimo de seu ser, Ele é amor. Por isso diz o Evangelho que Ele enviou seu Filho único, não para “condenar o mundo”, mas para que “o mundo se salve por meio dele”. Deus ama o corpo tanto como a alma, e o sexo tanto como a inteligência. O que Ele deseja unicamente é ver já, desde agora e para sempre, a humanidade inteira desfrutando de sua criação.

Este Deus sofre na carne dos famintos e humilhados da Terra; está nos oprimidos defendendo sua dignidade e nos que lutam contra a opressão dando ânimo a seu esforço. Está sempre em nós para “buscar e salvar” o que nós deturpamos e deixamos se perder.

Deus é assim. Nosso maior erro seria esquecê-lo. Mais ainda, fechar-nos em nossos preconceitos, condenações e mediocridade religiosa, impedindo as pessoas de cultivar esta fé primeira e essencial. Para que servem os discursos dos teólogos, dos moralistas, dos pregadores e dos catequistas, se não despertam o louvor ao Criador, se não fazem crescer no mundo a amizade e o amor, se não tornam a vida mais bela e luminosa, lembrando que o mundo está envolto nos quatro lados pelo amor de Deus?


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Deus comunica sua intimidade

Pe. Johan Konings

Para muitas pessoas, a pregação da Igreja a respeito da Trindade é obscurantismo. Para que ofender a inteligência dizendo que Deus é ao mesmo tempo um e três? Tal pergunta é tão precipitada quanto o marido que não tem tempo para escutar sua mulher quando ela lhe abre a complexidade de seu coração. Deus quer manifestar a sua riqueza íntima, mas nós não queremos escutar o Mistério. Preferimos o nível de entendimento de uma maquininha de calcular …

Deus é um só, sempre o mesmo e fiel, mas ele abre seu interior em Jesus de Nazaré, um ser pessoal, livre e autônomo. Deus se dá a conhecer no modo como Jesus, livremente e por decisão própria, nos amou e nos ensinou, sendo para nós palavra de Deus, muito mais do que a sabedoria tão elogiada pelo Antigo Testamento (1ª leitura). E depois que Jesus cumpriu sua missão, perpetua-se para nós a “palavra” que ele tem sido, numa outra realidade pessoal, o Espírito de Deus, a inspiração que, vinda de Deus e de Jesus, invade o nosso coração, a ponto de nos tornar semelhantes a Jesus (2ª leitura). Tanto em Jesus como no Espírito Santo, quem age é Deus mesmo, embora sejam personagens distintas.

Riqueza inesgotável que a Igreja nos aponta para que saibamos onde Deus abre seu íntimo para nós: no seu Filho Jesus e no Espírito de Jesus que nos anima. Lá encontramos Deus, e o encontramos não como bloco de granito, monolítico, fechado, mas como pessoas que se relacionam, tendo cada uma sua própria atuação: o Pai que nos ama e nos chama à vida; o Filho Jesus, que fala do Pai para nós e mostra como é o Pai, sendo bom e fiel até o dom da própria vida na morte da cruz; e o Espírito Santo, que doutro jeito ainda, fica sempre conosco. O Espírito atualiza em nós a memória da vida e das palavras de Jesus e anima a sua Igreja. E todos os três estão unidos e formam uma unidade naquilo que Deus essencialmente é: amor.

Essas reflexões não visam a “compreender” a Trindade como se compreende que 1 + 1 = 2! Visam a abrir o mistério de Deus, que é maior que nossa cabeça. Santo Agostinho, ao ver uma criança na praia colocar água do mar num poço na areia, caçoou dela, dizendo que o mar nunca ia caber aí. E a criança respondeu: “Assim também não vai caber na tua cabeça o mistério da Santíssima Trindade”. Pois bem, se não conseguimos colocar o mistério do amor de Deus em nossa cabeça, coloquemos nossa cabeça e nossa vida toda dentro desse mistério!


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella