Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Assunção de Nossa Senhora

Solenidade da Assunção de Nossa Senhora

Maria, Mãe que nos alcança as coisas do alto

 

Frei Gustavo Medella

“Mãe, por favor, alcance para mim aquele pote de biscoito em cima da geladeira! Mãe, a senhora pode pegar na parte de cima do armário aquele brinquedo que a senhora guardou?” Para o filho pequeno, a mãe é gigante. Alcança lugares que ele, em sua baixa estatura, não consegue alcançar. Tão grande e tão próxima! Tão distante no tamanho e tão acessível na disponibilidade! Grandeza que se faz pequenez para atender aos pedidos de pequenos tão amados.

Maria assunta aos céus é esta Mãe Grande capaz de interceder pelos filhos e filhas a fim de que eles tenham acesso a graças que, caso não recebessem ajuda, seriam para eles inacessíveis. Intercessão poderosa e incansável. No dia em que a Igreja celebra esta verdade de fé que apresenta Nossa Senhora em sua versão mais sublime e gloriosa, é tempo propício para recordarmos desta presença materna tão importante na vida de fé da comunidade.

A porta de acesso a Cristo é a Rainha que se encontra à sua direita, conforme reza o Salmo proposto para esta solenidade (Sl 44). Estar próxima ao Rei, especialmente a seu lado direito, manifesta a proximidade que existe entre Maria e seu Filho e, por outro lado, a confiança que Jesus deposita em sua Mãe, elegendo-a como auxílio fundamental para a instauração do Reino. Na beleza do Mistério da Encarnação, o mesmo Jesus Glorioso é o menino pequeno da Galileia que dependeu do seio de Maria para vir ao mundo e para se alimentar. Para Jesus, Maria também foi grande, do Natal à Cruz. Nada mais justo que, com Ele, participasse ativamente da grandeza da Ressurreição.

Que aprendamos desta Grande Mãe a fidelidade incondicional ao Filho. Que Ela nos alcance, hoje e sempre, a graça de um coração generoso, disponível e serviçal, sempre pronto a colocar-se a serviço do Reino.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para esta solenidade

Primeira Leitura: Ap 11,19a;12,1.3-6a.10ab

19 aAbriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a Arca da Aliança. 12,1Então apareceu no céu um grande sinal: uma Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas.

3Então apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão, cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete coroas. 4Com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu, atirando-as sobre a terra. O Dragão parou
diante da Mulher, que estava para dar à luz, pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse. 5E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o Filho foi levado para junto de Deus e do
seu trono. 6aA Mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar.

10abOuvi então uma voz forte no céu, proclamando: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo”.


Responsório: Sl 44

— À vossa direita se encontra a rainha, com veste esplendente de ouro de Ofir.

— À vossa direita se encontra a rainha, com veste esplendente de ouro de Ofir.

— As filhas de reis vêm ao vosso encontro,/ e à vossa direita se encontra a rainha/ com veste esplendente de ouro de Ofir.

— Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto:/ “Esquecei vosso povo e a casa paterna!/ Que o Rei se encante com vossa beleza!/ Prestai-lhe homenagem: é vosso Senhor!

— Entre cantos de festa e com grande alegria,/ ingressam, então, no palácio real”.


Segunda Leitura: 1Cor 15,20-27a

Irmãos: 20Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. 21Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. 22Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos
reviverão. 23Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.

24A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus-Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força. 25Pois é preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. 26O último inimigo a
ser destruído é a morte. 27aCom efeito, “Deus pôs tudo debaixo de seus pés”.


Bem-aventurada aquela que acreditou
Evangelho: Lc 1,39-56

-* 39 Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, às pressas, a uma cidade da Judéia. 40 Entrou na casa de Zacarias, e saudou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre,
e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42 Com um grande grito exclamou: «Você é bendita entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre! 43 Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar? 44 Logo que a sua saudação
chegou aos meus ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. 45 Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.»

O cântico de Maria – * 46 Então Maria disse: «Minha alma proclama a grandeza do Senhor,47 meu espírito se alegra em Deus, meu salvador,48 porque olhou para a humilhação de sua serva. Doravante todas as gerações me felicitarão,49 porque o
Todo-poderoso realizou grandes obras em meu favor: seu nome é santo,50 e sua misericórdia chega aos que o temem, de geração em geração.

51 Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, 52 derruba do trono os poderosos e eleva os humildes;53 aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias.54 Socorre Israel, seu servo, lembrando-se
de sua misericórdia,55 – conforme prometera aos nossos pais – em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre.» 56 Maria ficou três meses com Isabel; e depois voltou para casa.

* 39-45: Ainda no seio de sua mãe, João Batista recebe o Espírito prometido (1,15). Reconhece o Messias e o aponta através da exclamação de sua mãe Isabel.
* 46-56: O cântico de Maria é o cântico dos pobres que reconhecem a vinda de Deus para libertá-los através de Jesus. Cumprindo a promessa, Deus assume o partido dos pobres, e realiza uma transformação na história, invertendo a ordem
social: os ricos e poderosos são depostos e despojados, e os pobres e oprimidos são libertos e assumem a direção dessa nova história.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Comentários do exegeta Frei Ludovico Garmus

Assunção de Nossa Senhora ao Céu

 Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, que elevastes à glória do céu em corpo e alma a imaculada Virgem Maria, Mãe do vosso Filho, dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória”.

  1. Primeira leitura: Ap 11,19a; 12,1.3-6ab.10ab

Uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés.

O texto que ouvimos utiliza uma linguagem simbólica, de tipo apocalíptico, linguagem apropriada para revelar o agir de Deus na história do seu povo. O templo que se abre não é mais o segundo templo de Jerusalém, reconstruído após o exílio, mas é o templo escatológico, do fim dos tempos. A antiga arca da aliança, guardada no templo, marcava a presença do Deus que libertou seu povo da escravidão do Egito. Lembrava também a aliança que Deus fez com Israel no monte Sinai. A arca desapareceu quando Jerusalém foi destruída pelos babilônios (587 a.C.). Segundo a lenda, a arca foi escondida pelo profeta Jeremias num lugar desconhecido, para ser reapresentada “quando Deus reunir de novo seu povo disperso e lhe fizer misericórdia” (2Mc 2,5-8). Segundo o vidente do Apocalipse, a tenda na qual Deus vai morar com a humanidade redimida reaparecerá na nova Jerusalém. Então, a antiga aliança será substituída pela nova e definitiva aliança com Deus (Ap 21,1-4).

A mulher com a coroa de doze estrelas simboliza o povo de Israel do qual nasceu o Messias, e também Maria, a mãe do Messias. A criança (Messias) recém-nascida, ameaçada pelo dragão (falso messias), representa a Igreja perseguida. O dragão/serpente é o mesmo dragão cuja cabeça a primeira Eva haveria de esmagar (cf. Gn 3,15). De fato, esmagou por meio de Maria, a Mãe de Jesus, que nos trouxe o Salvador prometido (Ap 12,10).

Trata-se de um texto cheio de esperança para a comunidade cristã perseguida, no tempo do vidente João. Maria assunta ao céu resume em si toda a certeza do triunfo e da glória do povo de Deus. O dragão ameaça a criança recém-nascida, isto é, a vida da jovem comunidade cristã. No Evangelho, Isabel e Maria geram a vida que renova e traz salvação para a comunidade. Hoje, o dragão ameaçador é o capitalismo financeiro e consumista, que devora as riquezas de nossa “casa” comum. Ameaça não só a humanidade, mas a própria vida do planeta Terra. Que a Virgem Maria, Assunta ao Céu, nos proteja e nos ajude a esmagar a cabeça do dragão, símbolo das forças do mal.

Salmo responsorial: Sl 44(45)

À vossa direita se encontra a rainha,

com veste esplendente de ouro de Ofir.

  1. Segunda leitura: 1Cor 15,20-27a

Cristo, como primícias; depois os que pertencem a Cristo.

Paulo nos diz que a ressurreição dos mortos acontece numa ordem de sequência, onde Cristo é o primeiro dos ressuscitados e garantia de nossa futura ressurreição: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda”. Ninguém melhor do que Maria pertence ao seu Filho. A fé nos diz que em Maria já se realizou esta ressurreição, que todos nós esperamos, quando morrermos. Então, “o último inimigo a ser vencido será a morte” (1Cor 15,26). – Em 1950, o Papa Pio XII, declarou como verdade infalível de nossa fé que “a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste”.

Aclamação ao Evangelho

Maria é elevada ao céu,

alegram-se os coros dos anjos.

  1. Evangelho: Lc 1,39-56

O Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor:

elevou os humildes.

O Cântico de Maria revela a pedagogia de Deus: Deus opera “grandes coisas”, isto é, a obra de nossa salvação, através da humildade de Maria, a serva do Senhor. No encontro das duas mães, Maria e Isabel, encontram-se também duas crianças, João Batista, o Precursor, e Jesus, o Salvador prometido. Pela saudação de Maria comunicam-se as mães. Mas o louvor de Isabel a Maria – aquela “que acreditou” – brota do reconhecimento prévio da presença do Messias Jesus pelo seu filho João. No seio de Isabel o filho se agita, dá o alarme e, cheia de alegria, ela exclama: “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” É o encontro do tempo da promessa, que termina com João Batista, com o tempo da realização da promessa, que se inicia com Jesus. Torna-se verdadeiro o que diz o salmo: “Da boca das criancinhas tiraste o teu louvor” (Sl 8,3). De fato, porque duas crianças se encontraram – a promessa e a realização da promessa – Isabel louva Maria e Maria põe-se a louvar o Senhor, que fez grandes coisas nela e por meio dela, ao gerar em seu seio o Salvador do mundo. Assim se manifesta o amor misericordioso de Deus, para Israel, seu povo, e para toda a humanidade. Maria é Assunta ao céu. Maria que em sua vida colocou-se a serviço de Deus; por obra do Espírito Santo acolheu em seu ventre o Filho de Deus e tornou-se a serva do Senhor. Ao final de sua vida foi definitivamente atraída, assumida e glorificada por Deus: “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3,22-23). Na Solenidade da Assunção de Maria ao Céu, o louvor de Maria torna-se o nosso louvor. “Terminado o curso de sua vida terrena”, Maria foi assunta em corpo e alma ao Céu significa que nela já se realizou de modo absoluto a vida em Deus. Pois “a morte liberta a semente de ressurreição que se esconde dentro da vida mortal”. Para nós, a Assunção significa que aquilo que “Maria vive agora, no corpo e na alma, é o que nós iremos também viver quando morrermos e formos ao céu” (Leonardo Boff).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Causa de esperança

Frei Clarêncio Neotti

Quando o Papa Pio XII proclamou verdade de fé a Assunção de Maria ao céu, destacou quatro razões. A primeira delas seria para maior glória da Santíssima Trindade (…) A segunda razão, apontada por Pio XII, seria a de provocar na Igreja
o aumento do amor a Maria (…), a terceira razão seria a de alcançar de Maria, Mãe do Cristo-Cabeça, uma maior unidade entre os membros do corpo de Cristo, que é a Igreja (…)

A quarta razão seria para a sociedade tomar consciência do valor da vida humana e das funções do nosso corpo. Como andamos necessitados dessa consciência! Fala-se muito numa teologia do corpo, numa teologia da vida. Mas a sociedade
perdeu o sentido da sacralidade do corpo humano e do caráter divino da vida. O documento do papa João Paulo II – Evangelium Vitae – e suas inúmeras intervenções em defesa dos nascituros, dos famintos, das etnias perseguidas, da mulher escravizada, dos anciãos e doentes soam como um contínuo e insistente alerta.

Maria de Nazaré, que gerou o Autor da Vida (At 3,15), aquele que se definiu como sendo “a Vida” (Jo 14,6), aquele que disse ter vindo ao mundo para “dar a vida e dá-la em abundância” (Jo 10,10), é hoje glorificada em corpo e alma ao céu
para mostrar-nos a dignidade da pessoa humana e o destino eterno da vida, que de Deus recebemos. Maria, elevada ao céu e coroada rainha dos anjos e dos santos, foi e continua o exemplo de mulher forte que não duvidou em afirmar que Deus é o vingador dos humildes e dos oprimidos e derruba do trono os poderosos do mundo (w. 51-53).

Joia da Santíssima Trindade, mulher cheia de graça, encarnação do amor mais terno e puro, que mereceu dar vida humana ao Filho de Deus, mãe venerada de todas as criaturas, primogênita da eternidade, a ti cantam os anjos e aplaudem os santos, enquanto nós na terra exultamos de esperança.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A Senhora assunta na glória

Frei Almir Guimarães

Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas
Ap 11,19a

Nossa viagem através do tempo

Nossa vida pode se comparar a uma viagem através do tempo. Entre o nascer e o morrer atravessamos planícies, escalamos montanhas, andamos com facilidade no terreno plano e, com o tempo, as pessoas nos sugerem delicadamente o uso de uma bengala ou nos oferecem o braço. Colocamos gestos, tomamos decisões, acertamos e erramos. E tudo passa. Não conseguimos reter essa sucessão de coisas, de estados interiores, esse incessante fluir. Tudo tem perfume de caducidade.

Ao longo do tempo que passa vamos modelando nosso semblante interior, nosso verdadeiro rosto. Não somos donos do tempo. Temos a graça de viver no tempo. E há tempo para tudo, como diz o Eclesiastes: tempo para rir e para chorar, tempo para trabalhar e descansar, tempo pra viver e tempo para morrer.

A impressão que temos é que Na estrada percorrida houve tempos fortes, belos, fecundos que deixaram marcas para sempre. De outro lado, também, houve tempos mortos. Permanece para sempre o bem que foi sendo feito. Terrível pensar nesses tempos vazios, tempos que nos ocupamos demais de nós mesmos, tempo em que não fizemos questão de marcar ou aceitar os toques do Senhor, tempo marcado pelo dilaceramento do pecado.


Maria teve uma existência sem tempos mortos

Hoje, solenidade da Assunção de Maria à glória, Maria, a cheia de graça, o tabernáculo do Senhor, comemoramos o tempo de Maria que se transformou em eternidade. Claro, ela também vivera sob o signo do efêmero e transitório. Vicissitudes, tempo de menina moça, promessa de casamento, a visita do anjo, o menino que nasceu nas palhas e toda a sua trajetória até o momento de sua dormição. Nasceu ela num cantinho do Oriente Médio: cuidados com as coisas de todos os dias, o pão que precisava ser assado, o cântaro para buscar água poço, a conversa com as vizinhas sobre coisas que se passavam aldeia, ramalhete de preocupações e sofrimentos, buquê de alegrias, horas cinzentas e momentos doloridos como todos vivemos.

Mas com Maria acontece alguma coisa diferente daquilo que conosco sucede. Em seu caminhar, por graça de Deus, ela não conheceu a tragédia do pecado, essa fissura interior, esse desejo contrariado de fazer o bem, mas de efetivamente fazer o mal. Maria não conheceu o drama do pecado. De nada teve que se arrepender, de renegar o que quer que seja de seu passado. Quando terminou sua carreira estava pronta para entrar na glória. Maria não conheceu tempos mortos.


A Imaculada é Senhora da glória

Fixando nosso olhar nessa mulher agraciada divisamos aquela na qual o Senhor opera maravilhas, fiel serva do Senhor que levava para o fundo dos corações tudo que lhe era anunciado, aquela que teve sua vida profundamente vinculada a de Jesus, a segunda pessoa da Trindade que tomou nossa carne na carne de Maria. Dele, desse Deus encarnado, ela fora mãe. Em tudo acompanhou o Filho e teve como ápice desse acompanhamento o estar ao pé da cruz. Ela não conheceu o pecado e por privilégio, ao terminar sua peregrinação foi elevada à glória.

Maria é a porteira da glória. Está nos espaços espirituais que designamos de céu. Seu nome é Maria da Glória, Maria do face-a-face eterno. Nós que não fomos poupados do pecado, mas resgatados pelo filho de Virgem, por sua paixão, morte e ressurreição somos também destinados à mesma glória que Maria.

Pio XII, no dia 1° de novembro de 1950 declarou como verdade de fé assunção da Virgem: “Desde toda a eternidade unida misteriosamente a Jesus Cristo, pelo mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, Imaculada na concepção, virgem completamente intacta na divina maternidade, generosa companheira do divino Redentor que obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas consequências, ela alcançou ser guardada imune da corrupção do sepulcro como suprema coroa de seus privilégios, Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi levada em corpo e alma à pátria celeste, onde, rainha, refulge à direita de seu Filho, o Imortal, rei dos séculos”.


Texto para oração

MARIA, FILHA E MÃE DA HUMANIDADE

Maria, no coração do mundo,
no começo dos tempos,
na aurora de nossas vidas.

Maria, na noite de Belém
que dá a terra a Deus.

Maria, ternura e fidelidade,
tendo a Vida em nossas mãos.

Maria, doce e frágil,
a força e a luz,
pobre e humilde,
a glória e a riqueza.

Maria, ao pé da cruz,
mãe e filha, só,
traspassada e radiante,
humana em teu sofrimento,
divina em teu semblante.

Maria, mãe de nosso salvador,
salvadora tu mesma para nosso mundo perdido, sem rota.

Maria, filha e mãe de nossa humanidade,
ao pé da cruz.

Maria, nossa força e nossa luz,
nossa glória e nossa riqueza.

Maria, na manhã de Páscoa
discreta e quase ausente,
Maria do dias de alegria,
feliz e esquecida.

Maria, nossa alegria e nosso sorriso,
mão estendida ao pecador,
socorro dos aflitos,
Maria – perdão.

Maria, em Pentecostes,
fortaleza dos apóstolos,
sustentáculo nosso na tormenta de nossas incertezas.

Maria, nossa esperança,
que a cada dia dás ao mundo
nosso Deus.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Traços característicos de Maria

José Antonio Pagola

A visita de Maria a Isabel permite ao evangelista Lucas pôr em contato o Batista e Jesus, antes mesmo de nascer. A cena está carregada de uma atmosfera muito especial. As duas mulheres vão ser mães. As duas foram chamadas a colaborar no
plano de Deus. Não há varões. Zacarias ficou mudo. José está surpreendentemente ausente. As duas mulheres ocupam toda a cena.

Maria, que veio apressadamente de Nazaré, transforma-se na figura central. Tudo gira em torno dela e de seu Filho. Sua imagem brilha com certos traços mais genuínos do que muitos outros que lhe foram acrescentados ao longo dos séculos, a
partir de invocações e títulos alheios aos evangelhos.

Maria, “a mãe de meu Senhor”. Assim o proclama Isabel em alta voz e cheia do Espírito Santo. Isto é certo: para os seguidores de Jesus, Maria é, antes de tudo, a Mãe de nosso Senhor. Daí parte sua grandeza. Os primeiros cristãos nunca
separam Maria de Jesus. Eles são inseparáveis. “Bendita por Deus entre todas as mulheres”, ela nos oferece Jesus, “fruto bendito de seu ventre”.

Maria, a crente. Isabel proclama Maria feliz porque ela “acreditou”. Maria é grande não simplesmente por sua maternidade biológica, mas por ter acolhido com fé o chamado de Deus para ser Mãe do Salvador. Ela soube ouvir a Deus; guardou sua Palavra dentro de seu coração; meditou-a; a pôs em prática cumprindo fielmente sua vocação. Maria é mãe crente.

Maria, a evangelizadora. Maria oferece a todos a salvação de Deus, que ela acolheu em seu próprio Filho. Essa é sua grande missão e seu serviço. De acordo com o relato, Maria evangeliza não só com seus gestos e palavras, mas porque traz
consigo, para onde vai, a pessoa de Jesus e seu Espírito. Isto é o essencial do ato evangelizador.

Maria, portadora de alegria. A saudação de Maria comunica a alegria que brota de seu Filho Jesus. Ela foi a primeira a ouvir o convite de Deus: “Alegra-te…, o Senhor está contigo”. Agora, a partir de uma atitude de serviço e de ajuda a
quem precisa, Maria irradia a Boa Notícia de Jesus, o Cristo, que ela sempre traz consigo. Ela é para a Igreja o melhor modelo de uma evangelização prazerosa.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A mãe gloriosa e a grandeza dos pobres

Pe. Johan Konings

Em 1950, o Papa Pio XII definiu a Assunção de Maria como dogma, ou seja, como ponto referencial de sua fé. Maria, no fim de sua vida, foi acolhida por Deus no céu “com corpo e alma”, ou seja, coroada plena e definitivamente com a glória
que Deus preparou para os seus santos. Assim como ela foi a primeira a servir Cristo na fé, ela é a primeira a participar na plenitude de sua glória, a “perfeitissimamente redimida”. Maria foi acolhida completamente no céu porque ela
acolheu o Céu nela – inseparavelmente.

O evangelho de hoje é o Magnificat de Maria, resumo da obra de Deus com ela e em torno dela. Humilde serva – nem tinha sequer o status de mulher casada -, ela foi “exaltada” por Deus, para ser mãe do Salvador e participar de sua glória,
pois o amor verdadeiro une para sempre. Sua grandeza não vem do valor que a sociedade lhe confere, mas da maravilha que Deus opera nela. Um diálogo de amor entre Deus e a moça de Nazaré: ao convite de Deus responde o “sim” de Maria, e à
doação de Maria na maternidade e no seguimento de Jesus, responde o grande “sim” de Deus, a glorificação de sua serva. Em Maria, Deus tem espaço para operar maravilhas. Em compensação, os que estão cheios de si mesmos não deixam Deus agir e, por isso, são despedidos de mãos vazias, pelo menos no que diz respeito às coisas de Deus. O filho de Maria coloca na sombra os poderosos deste mundo, pois enquanto estes oprimem, ele salva de verdade.

Essa maravilha, só é possível porque Maria não está cheia de si mesma, como os que confiam no seu dinheiro e seu status. Ela é serva, está a serviço – como costumam fazer os pobres – e, por isso, sabe colaborar com as maravilhas de Deus.
Sabe doar-se, entregar-se àquilo que é maior que sua própria pessoa. A grandeza do pobre é que ele se dispõe para ser servo de Deus, superando todas as servidões humanas. Mas, para que seu serviço seja grandeza, tem que saber decidir a
quem serve: a Deus ou aos que se arrogam injustamente o poder sobre seus semelhantes. Consciente de sua opção, o pobre realizará coisas que os ricos, presos na sua auto-suficiência, não realizam: a radical doação aos outros, a
simplicidade, a generosidade sem cálculo, a solidariedade, a criação de um homem novo para um mundo novo, um mundo de Deus.

A vida de Maria, a “serva”, assemelha-se à do “servo”, Jesus, “exaltado” por Deus por causa de sua fidelidade até a morte (Fl 2,6-11). O amor torna semelhantes as pessoas. Também a glória. Em Maria realiza-se, desde o fim de sua vida na
terra, o que Paulo descreve na 2ª leitura: a entrada dos que pertencem a Cristo na vida gloriosa do pai, uma vez que o Filho venceu a morte.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella