Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Sagrada Família

Festa da Sagrada Família

Encontrar-nos com Deus

José Antonio Pagola

Muitos cristãos vivem hoje num estado intermediário entre o cristianismo tradicional que alimentou os primeiros anos de sua vida e uma descristianização que foi aos poucos invalidando-o totalmente.

Talvez sem expressá-lo com palavras, muitas pessoas vivem com a secreta inquietude de que as profundas mudanças socioculturais que estão acontecendo ameaçam fazer desaparecer de nosso povo a fé cristã, da qual vivemos até há pouco.

É normal então esse cristianismo “na defensiva”, que se observa em não poucos crentes, desconcertados diante de costumes e propostas que arrasam o sentido cristão da vida, e perturbados por tanto embuste e ataque desrespeitoso à fé.

Uma fé exposta a tantas críticas e combatida por tantas frentes só pode ser vivida com autenticidade por aqueles que descobrem a alegria de encontrar-se com a realidade do Deus vivo. Cada um tem de fazer sua própria experiência. Pertencer à Igreja e confessar com os lábios a doutrina cristã não protege mecanicamente contra a incredulidade. Hoje é mais necessária do que nunca “a experiência religiosa”.

De pouco servirá aos cristãos confessar rotineiramente suas crenças, se não descobrem a fé como experiência feliz, calorosa e revitalizadora. O decisivo é sempre encontrar “o tesouro escondido no campo”. Encontrar-se com o Deus de Jesus Cristo e experimentar que é Ele que pode responder de maneira plena as perguntas mais vitais e os anseios mais profundos.

Mais do que nunca precisamos rezar, fazer silêncio, livrar-se de tanta pressa e superficialidade, deter-nos diante de Deus, abrir-nos com mais sinceridade e confiança a seu mistério insondável. Não se pode ser cristão por nascimento, mas por uma decisão que se alimenta na experiência pessoal de cada um.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Eclesiástico 3,3-7.14-17

Leitura do livro do Eclesiástico – 3Deus honra o pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe. 4Quem honra o seu pai alcança o perdão dos pecados; evita cometê-los e será ouvido na oração quotidiana. 5Quem respeita a sua mãe é como alguém que ajunta tesouros. 6Quem honra o seu pai terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido. 7Quem respeita o seu pai terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe. 14Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive. 15Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele; não o humilhes em nenhum dos dias de sua vida: a caridade feita a teu pai não será esquecida, 16mas servirá para reparar os teus pecados 17e, na justiça, será para tua edificação. – Palavra do Senhor.

Salmo Responsorial: 127(128)

  1. Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!

Feliz és tu se temes o Senhor / e trilhas seus caminhos! / Do trabalho de tuas mãos hás de viver, / serás feliz, tudo irá bem! – R.

A tua esposa é uma videira bem fecunda / no coração da tua casa; / os teus filhos são rebentos de oliveira / ao redor de tua mesa. – R.

Será assim abençoado todo homem / que teme o Senhor. / O Senhor te abençoe de Sião / cada dia de tua vida. – R.

Segunda Leitura: Colossenses 3,12-21

Leitura da carta de são Paulo aos Colossenses

Irmãos, 12vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, 13suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente se um tiver queixa contra o outro. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai vós também. 14Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição. 15Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual fostes chamados como membros de um só corpo. E sede agradecidos. 16Que a palavra de Cristo, com toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria. Do fundo dos vossos corações, cantai a Deus salmos, hinos e cânticos espirituais, em ação de graças. 17Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus Cristo. Por meio dele, dai graças a Deus, o Pai. 18Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém, no Senhor. 19Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. 20Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, pois isso é bom e correto no Senhor. 21Pais, não intimideis os vossos filhos, para que eles não desanimem. – Palavra do Senhor. 

O Messias é o Filho de Deus

Evangelho: Lc 2, 41-52

* 41 Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. 42 Quando o menino completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. 43 Passados os dias da Páscoa, voltaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. 44 Pensando que o menino estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá-lo entre parentes e conhecidos. 45 Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém à procura dele. 46 Três dias depois encontraram o menino no Templo. Estava sentado no meio dos doutores, escutando e fazendo perguntas. 47 Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com a inteligência de suas respostas. 48 Ao vê-lo, seus pais ficaram emocionados. Sua mãe lhe disse: «Meu filho, por que você fez isso conosco? Olhe que seu pai e eu estávamos angustiados, à sua procura.» 49 Jesus respondeu: «Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?» 50 Mas eles não compreenderam o que o menino acabava de lhes dizer.

51 Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e permaneceu obediente a eles. E sua mãe conservava no coração todas essas coisas. 52 E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e dos homens.

* 41-52: Neste Evangelho, as primeiras palavras de Jesus mostram que toda a sua missão decorre da sua relação filial com o Pai. Isto significa que essa missão provém do próprio mistério de Deus e da realização de sua vontade entre os homens. Contudo, ela se processa dentro do mistério da Encarnação onde Jesus vai aprendendo a viver a vida humana como qualquer outro homem.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Sagrada Família

Oração do dia: “O Deus de bondade, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos imitar em nossos lares as suas virtudes, para que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa”.

  1. Primeira leitura: Eclo 3,3-7.14-17a

Quem teme o Senhor, honra seus pais.

O texto da 1ª leitura está centrado no relacionamento ideal dos filhos com seus pais. A reflexão baseia-se no 4º mandamento, “honra teu pai e tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu Deus te dá” (Ex 20,12). Apoia-se também na tradição sapiencial de Israel e dos povos vizinhos. O ensino sapiencial é dado pelo sábio a seus discípulos ou pelo ancião da família a seus filhos. Por isso os conselhos se dirigem mais aos filhos que aos pais. Um relacionamento de respeito e de amor dos filhos com os pais traz e bênção de Deus, que é uma vida feliz. Ao contrário, o mau relacionamento na família traz a desgraça e a maldição. O texto termina exortando os filhos para que honrem e cuidem de seus pais, especialmente na velhice. Segundo o sábio, esse cuidado amoroso dos pais idosos servirá como reparação dos pecados cometidos contra seus pais.

Salmo responsorial: Sl 127

    Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos.

  1. Segunda leitura: Cl 3,12-21

A vida da família no Senhor.

Na exortação, Paulo se dirige em primeiro lugar à Igreja (v. 12-17), composta por famílias cristãs. Em seguida, a cada família cristã. Desde o batismo, os cristãos são amados por Deus, santos e eleitos. Em consequência, devem revestir-se das virtudes de Cristo: misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência. Para superar divergências na comunidade, recomenda-se suportar uns aos outros e perdoar-se mutuamente (Pai Nosso!). Antes de tudo, é o amor mútuo que une os cristãos na comunidade. Assim o cristão estará unido a Cristo e aos irmãos, formando um único corpo. Esta união de amor se fortalece pela palavra de Cristo, pela catequese e pela admoestação. Deus quer habitar no coração das pessoas, pois é do coração que brota a liturgia, os salmos, os cânticos de louvor e gratidão e todas as boas obras serão feitas em nome do Senhor Jesus Cristo.

As admoestações dirigidas à família são válidas ainda hoje: as mulheres sejam solícitas “como convém no Senhor”; os maridos devem amar suas esposas, evitando grosserias; os filhos sejam obedientes em tudo a seus pais, “pois isso é bom e correto no Senhor” (Evangelho). A autoridade dos pais seja exercida com mansidão, para não intimidar nem desanimar seus filhos. A família cristã se orienta pela sabedoria recebido dos pais, mas é fortalecida no amor de Cristo.

Aclamação ao Evangelho

     Que a paz de Cristo reine em vossos corações

            e ricamente habite em vós sua palavra!

  1. Evangelho: Lc 41-52

Jesus foi encontrado por seus pais no meio dos doutores.

No domingo entre o Natal e o Ano Novo a Igreja nos faz meditar sobre a Sagrada Família. O evangelista Lucas dá algumas pistas para esta meditação. Os primeiros cristãos acreditavam que Jesus de Nazaré era não só o Messias e Salvador prometido, mas o próprio Filho de Deus. Sem dúvida, muitos gostariam de conhecer algo mais sobre a família de Jesus. Lucas, no prólogo de seu Evangelho, diz ter pesquisado sobre isso “desde o início”, mas selecionou as informações mais importantes, para os cristãos conhecerem “a firmeza da doutrina em que foram instruídos” (Lc 1,1-4). Hoje, Lucas satisfaz, em parte, nossa curiosidade ao apresentar um episódio da vida de Jesus quando completou doze anos de idade.

Aos doze anos, o menino judeu é considerado “adulto” na fé, capaz de assumir com responsabilidade as práticas religiosas. Com doze anos completos, pela primeira vez, Jesus acompanhou os pais na peregrinação anual a Jerusalém que se fazia por ocasião da festa da páscoa. Podemos imaginar Jesus e os meninos de sua idade, chegando ao monte das Oliveiras e vendo as maravilhosas construções do Templo de Jerusalém. Era uma explosão de gritos de alegria, acompanhados pelo canto do Salmo 122: “Que alegria quando ouvi que me disseram: Vamos à casa do Senhor”!

Terminados os dias da festa da páscoa seus pais começaram a fazer a viagem de volta. Conforme o combinado, Jesus voltaria com os meninos de sua idade, parentes ou conhecidos. Ao final do 1º dia de viagem, Maria e José se deram conta que o menino não estava no meio de seu grupo e, aflitos, começaram a procurá-lo. Como não o encontrassem, voltaram a Jerusalém e no terceiro dia o encontraram no Templo. “Estava sentado no meio dos mestres da Lei, escutando e fazendo perguntas”. Os que ouviam Jesus ficavam admirados com a sabedoria das respostas que ele dava. Quando seus pais viram o menino, ficaram maravilhados. Maria, porém, disse: “Meu filho, por que fizeste isso conosco? Teu pai e eu estávamos, aflitos, à tua procura”. E Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai”? Os pais não entenderam o que Jesus queria dizer. Sua mãe, porém, “conservava no coração todas estas coisas”. Isto é: refletia sobre tudo que acontecia na infância e na adolescência de Jesus. “E Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens”.

Sem dúvida, a família de Nazaré pode ser um modelo para as famílias de nossos dias. Maria e José aprendiam com Jesus a serem pais, a perceberem o Espírito de Deus agindo nele. Por outro lado, Jesus aprendia com os pais a obedecer e ser um filho responsável. A Sagrada Família preparou Jesus para descobrir um grande segredo: que ele devia estar na casa do Pai Celeste.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A mistura de sentimentos e símbolos

Frei Clarêncio Neotti

Lucas faz os doutores da lei admirarem a sabedoria do menino (v. 47), para sugerir que Jesus adolescente, igual a todos os adolescentes, difere de todos, porque nele está a sabedoria divina. A procura angustiada de José e Maria (v. 48) mostra, primeiro, os sentimentos normais de pai e mãe; depois, lembra um tema central do Antigo Testamento, que não será abolido no Novo, mas até reforçado: a criatura humana é um ser à procura de Deus, que parece estar despreocupado conosco. Todos temos essa experiência. Se Maria e José, que conviviam fisicamente com ele, devem sair à sua procura, quanto mais os que só podem viver com ele pela fé!

A volta submissa com eles (v. 51) mostra os sentimentos humanos e filiais de Jesus. Mas, ao mesmo tempo, o Evangelista insinua que a obediência de Jesus é maior que a obediência ao pai e à mãe terrenos: ela se prende à vontade do Pai do Céu. Mais tarde Jesus vai dizer: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34).

Lucas não tem interesse em descrever um ‘menino-prodígio’, mas um menino que tem pela frente um destino que ultrapassa a compreensão humana, mesmo daqueles que conseguem achegar-se a ele, como Maria e José. Lucas chega a dizer claramente: “Eles não entenderam o que se passava” (v. 50). O Evangelista, portanto, embora querendo dizer que grandes coisas estavam à espera de Jesus, toma cuidado em não acentuar o sobrenatural, o extraordinário, para não criar um mito em torno do menino. Por isso, apesar da sabedoria demonstrada, termina o fato, dizendo: “Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e diante dos homens” (v. 52). Em outras palavras, como todo adolescente, também ele cresceu, aprendendo.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A beleza humano-divina da Família de Nazaré

Frei Almir Guimarães

♦ Ninguém pode pensar que o enfraquecimento da família como sociedade natural fundada no matrimônio seja algo que que beneficia a sociedade. Antes pelo contrário, prejudica o amadurecimento das pessoas, o cultivo dos valores comunitários e o desenvolvimento ético das cidades e vilas. Já não se atina claramente que só a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função plena por ser um compromisso estável e tornar possível a fecundidade.
Papa Francisco, A alegria do amor, n. 52

♦ Entre o Natal e o Ano Novo somos convidados a contemplar a beleza humano-divina da família de Nazaré. Sabemos que o amanhã da humanidade passa pela família, como repetia sem cessar o Papa João Paulo II. Não ignoramos que a pequena célula da sociedade e da Igreja passa por delicadas, constantes e inusitadas transformações (fragilidade do vínculo conjugal, casamentos concluídos sem a devida maturidade, separações, recasamentos, união entre pessoas do mesmo sexo, crianças abandonadas pela inconsequências dos pais, miséria, guerra, conflitos urbanos). Ficamos penalizados vendo também casamentos que perduram sem viço e marcados por infidelidades do coração e do corpo. Pais, pastores e educadores vivemos refletindo sobre modos e meios de educar as novas gerações. Neste particular é como se sempre estivéssemos num canteiro de obras. Os que nascemos ainda na metade do século passado sentimos na pele a dificuldade de anunciar a Boa Nova da família cristã.

♦ Quais os valores próprios da família e a natureza dos laços familiares? A família é o lugar humano por excelência, o berço do homem, o espaço onde cresce o amor dos esposos, modelo das relações éticas, onde se exercem as responsabilidades dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais. Trata- de uma experiência humana inultrapassável porque enraizada nos laços humanos.

♦ A família é um bem para a sociedade porque o cidadão é pessoa e a pessoa cresce sendo amada e amando, sendo reconhecida e exercitando-se na arte do dom, ou seja, de um amor que a liberta do egoísmo. Na família o ser humano é considerado pelo que ele é e não por suas aparências. O homem é um mistério a ser descoberto e o primeiro espaço dessa viagem ao interior de cada um ocorre no seio da família.

♦ A família é o lugar em que o ser humano é colocado no mundo, cuidado, protegido, amparado em sua fragilidade. Ali se vivem os valores próprios da pessoa: reconhecimento, gratuidade, dom, comunhão.

♦ Ela não pode ser uma camisa de força sufocante, mas um espaço em que cada um pode se exprimir sem receios, desfrutando de certa independência, recebendo e dando o afeto que merecem e que precisam.

♦ A família será sempre um bem para sociedade porque aí nascem os futuros cidadãos de um país.

♦ Na família são transmitidos os valores da cultura, do comportamento. Ali se vive a herança recebida das gerações anteriores e são traçadas as linhas da vida num mundo que nasce diante de nossos olhos.

♦ Nós, cristãos, desejamos ardentemente que nossas famílias sejam efetivamente “igrejas domésticas”, pequenas células de acolhida da força do Evangelho. Por isso urge:

♥ que os jovens que se casam tenham plena consciência do que vem a ser um casal cristão, que se preparem bem para a recepção do sacramento do matrimônio, que vivam a cerimônia como uma visita de Deus e não apenas com uma cerimônia mundana;
♥ marido e mulher haverão de cultivar uma espiritualidade conjugal: ajuda mútua, santidade buscada em comum, transparência de vida, revisões de vida;
♥ trata-se de um empenho em se construir a conjugalidade;
♥ os dois aprenderão o respeito pelos mais frágeis: o feto, as crianças, os “especiais”, os idosos e doentes;
haverão de fazer de sorte que o espírito do Sermão da Montanha impregne sua casa e não as leis do mercado, do consumismo e da aparência.


Para refletir

Cuidado com “famílias” fechadas!

Vale a pena refletir sobre estas considerações do Papa Francisco sobre o tema da “família alargada”.

Além do círculo pequeno formado pelos cônjuges e seus filhos, temos a família alargada, que não pode ser ignorada. Com efeito o amor de um homem e de uma mulher no matrimônio e, de forma derivada e mais ampla, o amor entre os membros da mesma família – entre pais e filhos, irmãos e irmãs, entre parentes e familiares – é animado e impelido por um dinamismo interior e incessante, que leva a família a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar. Aí também se integram também os amigos e as famílias amigas, e mesmo as comunidades de famílias que se apoiam mutuamente nas suas dificuldades, no seu compromisso social e na fé.

Esta família alargada deveria acolher, com tanto amor, as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação de seus filhos, as pessoas deficientes que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem a solidão, os idosos e doentes, que não recebem o apoio de seus filhos, até incluir no seio dela mesmo os mais desastrados nos comportamentos de sua vida. E pode também ajudar a compensar as fragilidades dos pais, ou a descobrir e denunciar a tempo possíveis situações de violência ou mesmo de abuso sofridas pela crianças, dando-lhes um amor sadio e um sustentáculo familiar, quando seus pais não podem assegurar.

Por fim, não se pode esquecer que, nesta família alargada, estão também o sogro, a sogra, e todos os parentes do cônjuge. Uma delicadeza própria do amor é vê-los como concorrentes, como pessoas perigosas, como invasores. A união conjugal exige que se respeite as suas tradições e costumes, se procura compreender a sua linguagem, evitar maledicências, cuidar deles e integrá-los de alguma forma no próprio coração, embora se deva preservar a legítima autonomia e a intimidade do casal. Estas atitudes são também uma excelente maneira de exprimir a generosidade da dedicação amorosa do próprio cônjuge.

Papa Francisco, A alegria do amor.n.196-198


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

A Casa do Pai…

Pe. Johan Konings

O tempo de Natal é o tempo das reuniões em família, aquele almoço que começa com uma caipirinha ao meio-dia e termina ao pôr-do-sol… Mas o evangelho de hoje põe em xeque aquela sensação de segurança e aconchego, a família patriarcal, com a casa e os pais no centro e os filhos girando em redor. São José, partilhando a mentalidade de seu povo, deve ter julgado desse jeito patriarcal a respeito da educação de Jesus. Mas o evangelho nos conta uma história que entra em colisão com esse conceito tão natural…

Na véspera de se tornar membro adulto da comunidade judaica, os pais levaram Jesus para o templo de Jerusalém, para celebrar a Páscoa e mostrar-lhe a alegria de viver na comunidade dos fiéis israelitas. Na volta, constatou-se a ausência do menino na caravana. Depois de três dias de busca, o encontraram numa dependência do templo, recebendo aulas dos mestres de Sagrada Escritura. E aos aflitos pais, ele respondeu: “Não sabíeis que devo estar naquilo que é de meu Pai?” Depois, voltou com eles para casa e continuou vivendo lá na mais natural obediência filial.

Jesus tinha duas “casas do pai”: a de José, por enquanto; e a de Deus, para sempre. E esta última é a casa decisiva.

Essa história contém uma lição para os pais cristãos. “Teus filhos não são teus filhos”, diz o profeta no livro de Kahlil Gibran. Os filhos são filhos de Deus. É por isso que se batizam os filhos desde pequenos. Ora, isso tem consequências: a casa, o sustento e a educação que os pais cristãos proporcionam a seus filhos, por maior que seja sua dedicação, tudo isso está a serviço daquela “casa” mais importante e destina-se a um encaminhamento superior, no sentido do plano de Deus.

Os pais não educam seus filhos para si, mas para Deus. A pais ricos pode assim acontecer que paguem estudos de médico, para depois ver seu filho se dedicar, quase de graça, ao serviço de saúde da Prefeitura ou do Estado, para atender gente sem renda … A pais pobres – como foram José e Maria – acontece que o filho que lhes poderia facilitar a vida começa, num determinado momento, a empenhar todos os seus recursos nos projetos e nas lutas da comunidade. Nem por isso, tais filhos são desobedientes ou ingratos. Apenas manifestam que a casa de Deus é maior que a casa da gente.

“Já não sei onde está minha casa!” – frase colhida da boca de um jovem agente de pastoral, cansado de percorrer noite após noite as ruas do bairro. Um pai de família se queixa ao pároco de que seu filho, líder de jovens, nunca está em casa. Talvez os pais de tais filhos estejam passando pela aflição que assolou José. O consolo é: ler o evangelho até o fim…

Mas ficamos com outra preocupação ainda. A grande maioria dos filhos hoje não “se perde” no templo da comunidade, na “casa do Pai”, e sim, nos templos do consumo, os shopping centers, as danceterias etc. E o caminho que aprendem naqueles palácios da satisfação imediata e ilimitada não está no evangelho de Lucas- a não ser a parábola do filho pródigo.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella