Quarto Domingo do Advento
- 4º Domingo do Advento
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Não se entende Natal sem fé
- Duas mulheres de fé se encontram
- “Eis-me aqui para fazer tua vontade”
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
4º Domingo do Advento
Acompanhar ao vivo
José Antonio Pagola
Um dos traços mais característicos do amor cristão é saber comparecer junto aos que podem estar precisando de nossa presença. Esse é o primeiro gesto de Maria depois de acolher com fé a missão de ser mãe do Salvador. Pôr-se a caminho e andar depressa para junto de outra mulher que neste momento precisa de sua ajuda.
Existe uma maneira de amar que precisamos recuperar em nossos dias e que consiste em “acompanhar ao vivo” a quem se encontra mergulhado na solidão, bloqueado pela depressão, apanhado pela doença ou, simplesmente, vazio de alegria e esperança.
Estamos consolidando entre todos nós uma sociedade feita só para os fortes, os afortunados, os jovens, os sadios e os que são capazes de gozar e desfrutar a vida.
Estamos fomentando assim aquilo que foi chamado de “segregarismo social” (Jürgen Moltmann). Reunimos as crianças nas creches, instalamos os doentes nas clínicas e hospitais, guardamos nossos velhos em asilos e casas para idosos, confinamos os delinquentes nas prisões e pomos os dependentes de drogas sob vigilância …
Assim, tudo está em ordem. Cada um recebe ali a atenção de que precisa, e nós outros podemos dedicar-nos com mais tranquilidade a trabalhar e desfrutar a vida sem ser molestados. Procuramos cercar-nos de pessoas sem problemas que ponham em perigo nosso bem-estar, e conseguimos viver “bastante satisfeitos”.
Só que assim não é possível experimentar a alegria de transmitir e dar vida. Explica-se assim que muitos, mesmo tendo conseguido um nível elevado de bem -estar, tenham a impressão de que a vida lhes está escapando tediosamente dentre as mãos.
Aquele que crê na encarnação de Deus, que quis compartilhar nossa vida e acompanhar-nos em nossa indigência, sente-se chamado a viver de outra maneira.
Não se trata de fazer “coisas grandiosas”. Talvez, simplesmente, oferecer nossa amizade a esse vizinho submerso na solidão, estar próximo desse jovem que sofre de depressão, ter paciência com esse velhinho que procura ser ouvido por alguém, estar junto desses pais que têm o filho na prisão, alegrar o rosto dessa criança triste marcada pela separação de seus pais …
Este amor que nos leva a compartilhar os fardos e o peso que o irmão tem que suportar é um amor “salvador”, porque liberta da solidão e introduz uma esperança nova em quem sofre, porque ele se sente acompanhado em sua aflição.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura: Miqueias 5,1-4
Assim diz o Senhor: 1“Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel; sua origem vem de tempos remotos, desde os dias da eternidade. 2Deus deixará seu povo ao abandono, até o tempo em que uma mãe der à luz; e o resto de seus irmãos se voltará para os filhos de Israel. 3Ele não recuará, apascentará com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus; os homens viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até os confins da terra, 4e ele mesmo será a paz”.
Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 79(80)
- Iluminai a vossa face sobre nós, / convertei-nos para que sejamos salvos!
Ó pastor de Israel, prestai ouvidos. † Vós que sobre os querubins vos assentais, / aparecei cheio de glória e esplendor! / Despertai vosso poder, ó nosso Deus, / e vinde logo nos trazer a salvação! – R.
Voltai-vos para nós, Deus do universo! † Olhai dos altos céus e observai. / Visitai a vossa vinha e protegei-a! / Foi a vossa mão direita que a plantou; / protegei-a e ao rebento que firmastes! – R.
Pousai a mão por sobre o vosso protegido, / o filho do homem que escolhestes para vós! / E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus! / Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome! – R.
Segunda Leitura: Hebreus 10,5-10
– Irmãos, 5ao entrar no mundo, Cristo afirma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo. 6Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. 7Por isso eu disse: ‘Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’”. 8Depois de dizer: “Tu não quiseste nem te agradaram vítimas, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado” – coisas oferecidas segundo a lei –, 9ele acrescenta: “Eu vim para fazer a tua vontade”. Com isso, suprime o primeiro sacrifício para estabelecer o segundo. 10É graças a essa vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas.
Palavra do Senhor.
Visitação
Evangelho: Lc 1,39-45
-* 39 Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, às pressas, a uma cidade da Judéia. 40 Entrou na casa de Zacarias, e saudou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42 Com um grande grito exclamou: «Você é bendita entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre! 43 Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar? 44 Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. 45 Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.»
* 39-45: Ainda no seio de sua mãe, João Batista recebe o Espírito prometido (1,15). Reconhece o Messias e o aponta através da exclamação de sua mãe Isabel.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
4º Domingo do Advento
Oração: “Derramai, ó Deus, a vossa graça em nossos corações para que, conhecendo pela mensagem do Anjo a encarnação do vosso Filho, cheguemos, por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição”.
- Primeira leitura: Mq 5,1-4a
De ti há de sair aquele que dominará em Israel.
Miqueias atuou como profeta no tempo de Isaías, na segunda metade do séc. VIII a.C. Era um tempo difícil, marcado pelas invasões dos reis assírios. O reino do Norte e sua capital Samaria foram destruídos em 722 a.C., e Jerusalém chegou a ser cercada pelo exército inimigo (701 a.C.). O texto hoje lido está também presente no livro de Isaías (Is 2,2-5). Quando os magos do Oriente vieram a Jerusalém perguntavam onde estaria o rei recém-nascido dos judeus. E os sumos sacerdotes e escribas responderam, “em Belém”, citando a profecia que acabamos de ouvir (Mt 2,1-6). Em tempos de crise são relidas e se renovam as antigas promessas. Os reis de Israel e de Judá não souberam salvar seu povo por não terem obedecido a Lei da aliança com o Senhor. Por isso o profeta anuncia o nascimento de um novo rei, não em Jerusalém, mas na pequena vila de Belém. Relembra, assim, as origens da monarquia de Israel, na humilde figura de um pastor, Davi filho de Jessé (1Sm 16,1-13; 2Sm 7,8). Antes, porém, “Deus deixará seu povo ao abandono, até ao tempo em que uma mãe der à luz”.
O texto apresenta algumas características do menino que vai nascer em Belém: Ele será um rei que dominará em Israel; apascentará seu povo “com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus”. Então, os homens viverão em paz. Com o domínio e com a força de Deus, o novo rei protegerá seu povo. Não será, porém, um rei dominador: “Meu reino não é deste mundo… meu reino não é daqui” (Jo 18,33-37; Mt 26,51-54). Jesus escolhe ser um pastor, capaz de dar sua vida por aqueles que ama (Jo 10,1-11). O salmo responsorial esclarece que tipo de rei será o Messias: Um rei que protege seu povo e lhe traz a salvação. O desejo do rei-pastor é que seu reino de justiça, de amor e de paz se estenda “até aos confins da terra”. Este deveria ser também o desejo e o compromisso dos filhos e filhas de seu reino.
Salmo responsorial: Sl 79
Iluminai a vossa face sobre nós,
convertei-nos para que sejamos salvos!
- Segunda leitura: Hb 10,5-10
Eis que eu venho para fazer a tua vontade.
No Advento esperamos o Salvador que vem nos salvar. No 4º domingo do Advento ou vinda do Senhor, a 2ª leitura, tirada da Carta aos Hebreus, explica-nos quem é a pessoa esperada. A mensagem se concentra no mistério da Encarnação do Filho de Deus. Ele assume um corpo humano, gerado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria. No texto hoje lido Cristo nos dá a reposta, dialogando em 1ª pessoa com Deus: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo”. Deus não se agrada de oferendas ou holocaustos pelo pecado quando não representam um coração que lhe é fiel. Por isso Cristo diz: “Eis que eu venho… Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (v. 7 e 8). O Filho de Deus, assume um corpo humano e apresenta-se para fazer a vontade do Pai. Graças à obediência total à vontade do Pai, Jesus Cristo tornou-se causa de santificação e salvação para todos os que lhe obedecem (Hb 5,7-9).
Nossa sociedade busca um corpo perfeito, saudável e belo. Fazem-se tatuagens e até cirurgias de risco para embelezá-lo. Na contramão, o texto nos ensina que todos recebemos de Deus um corpo animado pelo seu espírito de vida para fazermos a sua vontade. A vontade de Deus é esta: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Fazer a vontade de Deus é obedecê-lo. Cristo é o exemplo desta obediência. Por nosso amor, Ele se fez obediente até à morte na cruz (Fl 2,5-11).
Aclamação ao Evangelho: Lc 1,38
Eis a serva do Senhor; cumpra-se em mim a tua palavra!
- Evangelho: Lc 1,39-45
Como posso merecer
que a mãe do meu Senhor me venha visitar?
O Evangelho de Lucas começa com um prólogo ou prefácio (Lc 1,1-4) e com a história da infância de Jesus. Nesta história coloca em paralelo as narrativas da origem, nascimento e infância de João Batista, o precursor, e de Jesus Cristo, o salvador (Lc 1,5–2,52). Após falar da gravidez de Isabel e de Maria, introduz a cena da visita de Maria à sua prima Isabel. Maria soube que Isabel estava no sexto mês de gravidez quando o anjo Gabriel lhe anunciou que foi escolhida por Deus para ser a mãe do Messias Jesus, o Filho de Deus (Lc 1,26-38). Como sinal de que Maria será a mãe do Filho de Deus e “para Deus nada é impossível”, o Anjo lhe dá um exemplo: Tua prima Isabel, idosa e considerada estéril, já está no sexto mês de gravidez. Maria acredita nas palavras do Anjo e diz: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo tua palavra”. Maria, guardando o segredo em seu coração, apressa-se a visitar Isabel para servi-la nos meses finais de sua gravidez. A visita é marcada pela alegria do encontro das duas mães, grávidas de seus filhos. As mães já se conheciam, os filhos ainda não. Quando Isabel ouve a saudação de Maria, a criança se agita em seu ventre e, cheia do Espírito Santo, Isabel exclama: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”! E reconhece em Maria a presença da mãe de Deus, da “mãe do meu Senhor”.
Como seria bom e desejável que os pais e, especialmente as mães, contassem a seus filhos o verdadeiro sentido da alegria do Natal. Não é o papai Noel que esperamos com seus presentes, mas o nascimento de Jesus, Filho de Deus que nos ama e é nosso irmão. Deus se nos dá como presente. Por isso as crianças recebem presentes.
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Não se entende Natal sem fé
Frei Clarêncio Neotti
Maria soubera, na hora da Anunciação, que sua parenta, já idosa, iria ter criança (Lc 1,36). O Arcanjo lhe dera a notícia como uma prova de que para Deus nada é impossível e, portanto, ela, Maria, não tivesse a menor dúvida a respeito da concepção divina acontecida. A visita a Isabel (uma viagem de 150km que levava dois a três dias) tem, então, duas finalidades práticas: uma a de ajudar Isabel nos trabalhos domésticos nos três últimos meses da gravidez e fazer-lhe companhia; outra, a de buscar a certeza do sinal, a certeza de sua vocação para mãe do Messias.
Não que Maria duvidasse de Deus e da encarnação milagrosa de Jesus. Mas a busca da certeza, da verdade faz parte da condição humana, porque a fé madura não dispensa provas e razões. Isabel elogia a fé no cumprimento das palavras do Senhor (v. 45). Esse espírito de fé – que não dispensa as razões e os sinais da verdade – é uma das condições para bem se receber a chegada de Jesus no Natal.
Não se entende Natal sem fé. Vira dia feriado. Vira dia de se dormir até mais tarde. Vira dia de praia. Vira dia de cartões postais a amigos. O Natal de Jesus é antes de tudo um dia de fé na pessoa e na missão divina de Jesus. Maria e Isabel, mulheres agraciadas, mas de comportamento normal, são-nos propostas hoje como modelo da criatura diante do mistério da Encarnação e do Natal: respeitoso acolhimento tanto do Senhor que vem, quanto de quem no-lo traz e de quem o
sabe presente. O Natal é a festa do acolhimento.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Duas mulheres de fé se encontram
Frei Almir Guimarães
A fé não é uma espécie de “capital” que recebemos no batismo e do qual podemos dispor para o resto da vida. A fé é uma atitude viva que nos mantém atentos a Deus, abertos cada dia ao seu mistério de proximidade e amor a cada ser humano.
José Antonio Pagola
♦ É quase Natal. Quarto domingo: domingo da visita, da visitação. Grande novidade vem do seio de Isabel: uma mulher já de certa idade, estéril surpreende a irrupção da vida em seu seio. Maria, ainda jovem e apenas prometida em casamento, já vê nela florescer aquele que é o desejado das nações. É a alegria do encontro de duas mulheres de fé, duas agraciadas.
♦ Maria de Nazaré, mulher transparente, sempre buscara com sinceridade o rosto do Deus de seus pais. Balbuciava salmos, foi se deixando impregnar das palavras do Altíssimo. É, na verdade, “informada” de que o Altíssimo necessita de seu assentimento para realizar seu plano de amor: Deus quer viver na terra dos homens e convida-los a mergulhar no mistério da Trindade. Depois de breve hesitação a mulher de Nazaré dá seu assentimento. Nela se fez e se fará sempre a vontade de Deus. Ela se vê inundada de imensa alegria que precisa partilhar com alguém.
♦ Toma a decisão de ir ter com sua parenta, Isabel, grávida de seis meses. A cena da visitação já foi descrita de mil maneiras e representada na pintura com as cores da leveza, do frescor, da paz. As duas mulheres se abraçam, se congratulam. O filho de Isabel pula de alegria no ventre da mãe ao encontrar-se com o filho de Maria, Filho do Altíssimo, fazendo-se gente no seio da mãe. Visita querida, jubilosa que termina com exultação. Maria canta o Magnificat, tema de incontáveis peças musicais de refinado brilho. Visita de duas mulheres. Vem à mente a visita os anjos fazem a Abraão junto do carvalho de Mambré, de Jesus visitando Marta, Maria e Lázaro.
♦ No cotidiano da vida irmãos visitam irmãos, amigos visitam amigos. A visita é sinal de atenção, de carinho, de mútuo interesse. Oferecemos hospitalidade uns aos outros. Começamos a viver a alegria da visita antes mesmo do encontro. Seu anuncio já nos faz bem. Para o hóspede preparamos a melhor cama, sobre a mesa a mais bonita das toalhas, limpamos as janelas e colocamos flores nos cantos da sala.
♦ Os que se visitam têm coisas a se dizer. Os que chegam normalmente trazem um presente por mais singelo que seja ou até mesmo mais sofisticado: uma rosa, um bibelô, uma garrafa de vinho, um frasco de perfume. O verdadeiro presente, no entanto, é a presença do amigo.
♦ Bem no coração das visitas ficamos sabendo das alegrias, medos, receios, intuições, esperanças do amigo. Podemos até mesmo sentir que o amigo precisa de dinheiro para pagar uma conta.
♦ Há visitas com motivos grandes e por coisa de nada. “Passei por ai e entrei para te ver!” Belas as visitas em que não há tagarelice.
♦ Visitas particularmente importantes são aquelas que fazemos aos doentes, aos envelhecidos. Quebramos sua solidão e lhes damos ânimo e coragem simplesmente com nossa presença.
♦ Lembramo-nos das visitas que o Senhor nos faz através de suas inspirações, quando ouvimos seus desejos nas páginas das Escrituras, quando permanecemos com ele no sacrário ou quando ele chega perto de nós no olhar triste ou alegre de um irmão.
Relato de Isabel a respeito da visita de Maria
Meditação livre
Assim que se podia ouvir os passos leves de suas sandálias à frente da minha casa, o menino estremeceu dentro de mim.
– “Paz, Isabel!” Assim ela me saudou e sua voz me encheu de uma alegria que até então eu não conhecia. Era um transbordamento jubiloso no Espírito.
Abraçamo-nos em silêncio e foi então que eu tive o pressentimento que não éramos apenas três, quer dizer eu, ela e meu filho. Havia algo a ser perscrutado. Depois do abraço ela colocou suas mãos no meu ventre e olhou para mim sorrindo ao sentir os pés do menino que impaciente se remexia dentro de mim.
Sentamo-nos à sombra do limoeiro. Falei-lhe longamente dos anos da minha esterilidade, anos de desolação e obscura vergonha. Falei de minha reação tão parecida com a de Sara no momento em que meu amrido Zacarias voltou mudo do santuário e fez com que eu soubesse que nossa oração fora atendida. No começo não acreditei até o momento em que me dei conta a vida brotava dentro de mim. O Altíssimo havia se lembrado de mim, como se recordara de nossas mães e me havia visitado com o dom da fecundidade. Resolvi, por isso, recolher-me por uns meses. Precisava dar tempo ao meu coração para exprimir toda gratidão no silêncio e na solidão.
Quando terminei meu relato, Maria começou a falar e foi só então que pude abeirar-me de poço profundo em que se escondia seu mistério. Ao ouvi-la, meus olhos deslumbrados viam apenas seu rosto transparente refletido na água. Estava diante de mim a cheia de graça, a verdadeira filha de Sião convocada para ser grande anunciadora de uma alegria e ser também orgulho de seu povo. Nesse momento lembro que lhe disse: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu ventre. Ditosa és tu porque confiaste em Deus como nosso Pai Abraão”.
Recebeu minhas palavras como que acolhendo a água clara de um ribeiro cristalino iluminado pelo sol: “Não te fixes em mim, Isabel, é ao Senhor que cabe louvar, ele que se inclinou para olhar a menor de suas filhas. Encontrou em mim todos aqueles e aquelas que nada possuem, nada pode e somente nele se apoiam. Quando alguém confia em seu amor, ele opera maravilhas. Senta-se à sua mesa. Os que se acham importantes, são afastados de sua presença. Eu nada mais era do que uma terra vazia e pobre e ele pronunciou sobre mim uma palavra exatamente como na manhã da criação. Fez brilhar a luz de um nome novo, o deste filho que cresce dentro de mim. Deus aproximou-se de tal modo de nós como a semente penetra na terra e começa a germinar. Eu não poderia ter dito outra coisa, senão: “Faça-se em mim…” e deixar de lado qualquer inquietação… Não sei como os passos vão se desenrolar. O que posso dizer é que amparo protegida por sua sombra, que nele tenho colocado os meus olhos, como os olhos da escrava se fixam nas mãos de sua senhora (cf Sl 123,2).
Por um momento guardamos silêncio. De repente percebi que ela acariciava minhas mãos ásperas e rugosas e repetia: “Como os olhos da escrava estão fixos nas mãos de sua senhora…” Vamos, Isabel, não te levantes, vou buscar água para que lavar a roupa”.
Já estava saindo com o cântaro, quando de repente parou, voltou-se para mim e disse: “Ainda não te falei o nome de meu filho… Ele vai se chamar Jesus”.
Na calma daquela tarde aquele nome ficou como que suspenso no ar enquanto eu a contemplava, ela que ia cantando… Pensei que teria sido aqui que Zacarias deveria estar oferecendo incenso para que seu perfume se misturasse com a erva colhida, a lenha e o pão que estava para ser feito. Sim, porque o santuário do Santo de Israel era aquela moça que, com o cântaro no ombro, ia deixando atrás de seus passos um rastro de silêncio e uma sinfonia de pássaros nos ciprestes no caminho que leva ao poço.
Dolores Aleixadre, rscj
Vida Nueva 2330 dez. 2000, p, 8-9
Maria é o melhor modelo de uma fé viva e confiante. É a mulher que sabe ouvir Deus no fundo de seu coração e vive aberta aos desígnios da salvação. Sua prima Isabel a elogia com estas palavras: “Feliz és tu, porque creste” . Feliz também tu se aprenderes a crer. É a melhor coisa que te pode acontecer na vida,
José Antonio Pagola
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
“Eis-me aqui para fazer tua vontade”
Pe. Johan Konings
Na proximidade de Natal, diante dos enfeites de nossas igrejas e nossas casas e diante das vitrines cheias de supérfluos, cabe perguntar para que Jesus veio ao mundo. Ele veio para fazer a vontade de Deus, que é a nossa salvação (2ª leitura).
Ele veio como o messias e libertador anunciado pelos profetas. A 1ª leitura descreve Belém como a cidade onde nasce o rei, descendente de Davi, que será o Salvador do povo. Davi era pastor e rei. Seu descendente, o Messias, será um Davi superior, ou melhor, um Davi mais plenamente consagrado à vontade de Deus: o novo pastor enviado para conduzir o povo pelo caminho de Deus.
Deus elege seu enviado e também a mãe que o dá ao mundo. O mistério da eleição de Deus se realiza no útero de Maria. O evangelho de hoje narra o encontro entre Maria, nos primeiros dias de gravidez, e sua parenta Isabel, já no sexto mês. João Batista, ainda no útero de Isabel, manifesta alegria pela presença do Messias no seio de Maria. Em Maria que visita Isabel Deus visita o seu povo, na figura do Messias que há de nascer.
Ora, que significa, concretamente, a liderança messiânica para a qual Jesus nasceu? Ele veio fazer reinar a justiça e o amor que Deus colocou como fundamentos de seu Reino. Veio ensinar-nos a amar-nos mutuamente, procurando cada um servir a seus irmãos e irmãs, em vez de explorá-los. Jesus não veio exercer as funções dos sacerdotes do Antigo Testamento – oferecer sacrifícios de bois e cordeiros – mas realizar a vontade do Pai, até o dom da própria vida: “Me deste um corpo … Aqui estou … para fazer tua vontade” (2ª leitura). O nascimento de Jesus é o primeiro momento do dom da vida de Jesus. O presépio do nascimento é da mesma madeira que a cruz da Sexta-feira Santa.
A disposição com que Jesus oferece sua vida à vontade do Pai é um exemplo para nós. Só acolheremos Jesus de verdade, se assumirmos sua atitude como programa para a nossa vida. O amor é contagioso. Quem ama, gosta de imitar a quem ama. Nosso cristianismo não é em primeiro lugar uma questão de ritos e práticas devocionais, mas de fazer a vontade do Pai. É antes de tudo adesão ao plano divino de salvação, que as nossas mãos vão pôr em prática. É assumir a justiça, o respeito, a libertação e o amor em atos e de verdade, aquilo que Deus deseja para todos os homens. As práticas devocionais devem ser alimento para a prática de nossa vida no meio da sociedade, e não desculpa e fuga. Não basta entrarmos no templo; devemos dizer: “Eis-me aqui, para fazer tua vontade”.
Se Natal significa acolher Jesus, essa acolhida só será verdadeira se, com ele, repetirmos: “Eis-me aqui”.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella