Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Quarto domingo do Advento

Quarto domingo do Advento

A força da fragilidade cuidadosa

 

Frei Gustavo Medella

Quatro velas acesas na Coroa do Advento. A singeleza do símbolo nos passa a ideia de um itinerário preparatório percorrido. Aprendemos mais uma vez a caminhar numa teimosa esperança, educando-nos para depositar nossa confiança mais em Deus e menos em nós. Ele foi e continuará sendo o nosso Guia, ajudando-nos a encontrar lampejos luminosos na obscuridade de nossos limites.

Na Carta Apostólica “Patris Corde”, em honra a São José, o Papa Francisco oferece uma bela catequese sobre os desígnios salvíficos de Deus: “A história da salvação realiza-se, ‘na esperança para além do que se podia esperar’ (Rm 4, 18), através das nossas fraquezas. Muitas vezes pensamos que Deus conta apenas com a nossa parte boa e vitoriosa, quando, na verdade, a maior parte dos seus desígnios se cumpre através e apesar da nossa fraqueza (…) Se esta é a perspectiva da economia da salvação, devemos aprender a aceitar, com profunda ternura, a nossa fraqueza” (PAPA FRANCISCO. Patris Corde).

Às vésperas do Natal, vamos mais uma vez renovar nossa “matrícula” na “Escola de Belém”, onde o Senhor feito criança, frágil, pequena e desprotegida, nos ensina a força da bondade e da ternura. Neste ano em que vivemos sob a sombra de uma grave pandemia, a espiritualidade do Natal aparece como remédio salutar para curar nossas dores mais profundas e para mais uma vez nos ensinar a buscarmos a força misteriosa emanada pela frágil figura do Menino Jesus e da fragilidade cuidadosa que o cerca em cada um dos personagens que contemplamos no presépio.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: 2 Samuel 7,1-5.8-12.14.16

1Tendo-se o rei Davi instalado já em sua casa e tendo-lhe o Senhor dado a paz, livrando-o de todos os seus inimigos, 2ele disse ao profeta Natã: “Vê, eu resido num palácio de cedro, e a arca de Deus está alojada numa tenda!” 3Natã respondeu ao rei: “Vai e faze tudo o que diz o teu coração, pois o Senhor está contigo”. 4Mas, nessa mesma noite, a palavra do Senhor foi dirigida a Natã nestes termos: 5″Vai dizer ao meu servo Davi: ‘Assim fala o Senhor: Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar? 8Fui eu que te tirei do pastoreio, do meio das ovelhas, para que fosses o chefe do meu povo, Israel. 9Estive contigo em toda parte por onde andaste e exterminei diante de ti todos os teus inimigos, fazendo o teu nome tão célebre como o dos homens mais famosos da terra. 10Vou preparar um lugar para o meu povo, Israel: eu o implantarei, de modo que possa morar lá sem jamais ser inquietado. Os homens violentos não tornarão a oprimi-lo como outrora, 11no tempo em que eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. Concedo-te uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos. E o Senhor te anuncia que te fará uma casa. 12Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, então suscitarei, depois de ti, um filho teu e confirmarei a sua realeza. 14Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. 16Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim, e teu trono será firme para sempre’”.


Salmo Responsorial: 88(89)

Ó Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor!

  1. Ó Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor, / de geração em geração eu cantarei vossa verdade! / Porque dissestes: “O amor é garantido para sempre!” / E a vossa lealdade é tão firme como os céus. – R.
  1. “Eu firmei uma aliança com meu servo, meu eleito, / e eu fiz um juramento a Davi, meu servidor. / Para sempre, no teu trono, firmarei tua linhagem, / de geração em geração garantirei o teu reinado! – R.
  1. Ele, então, me invocará: † ‘Ó Senhor, vós sois meu Pai, sois meu Deus, / sois meu rochedo onde encontro a salvação!’ / Guardarei eternamente para ele a minha graça / e com ele firmarei minha aliança indissolúvel.” – R.

Segunda Leitura: Romanos 16,25-27

Irmãos, 25glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu Evangelho e à pregação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério mantido em sigilo desde sempre. 26Agora esse mistério foi manifestado e, mediante as Escrituras proféticas, conforme determinação do Deus eterno, foi levado ao conhecimento de todas as nações, para trazê-las à obediência da fé. 27A ele, o único Deus, o sábio, por meio de Jesus Cristo, a glória pelos séculos dos séculos. Amém!


O Messias vai chegar

Evangelho: Lc 1,25-38

 

-* 26 No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré. 27 Foi a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José, que era descendente de Davi. E o nome da virgem era Maria. 28 O anjo entrou onde ela estava, e disse: «Alegre-se, cheia de graça! O Senhor está com você!» 29 Ouvindo isso, Maria ficou preocupada, e perguntava a si mesma o que a saudação queria dizer. 30 O anjo disse: «Não tenha medo, Maria, porque você encontrou graça diante de Deus. 31 Eis que você vai ficar grávida, terá um filho, e dará a ele o nome de Jesus. 32 Ele será grande, e será chamado Filho do Altíssimo. E o Senhor dará a ele o trono de seu pai Davi, 33 e ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó. E o seu reino não terá fim.» 34 Maria perguntou ao anjo: «Como vai acontecer isso, se não vivo com nenhum homem?» 35 O anjo respondeu: «O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com sua sombra. Por isso, o Santo que vai nascer de você será chamado Filho de Deus. 36 Olhe a sua parenta Isabel: apesar da sua velhice, ela concebeu um filho. Aquela que era considerada estéril, já faz seis meses que está grávida. 37 Para Deus nada é impossível.» 38 Maria disse: «Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo a deixou.

* 26-38: Maria é outra representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Dela nasce Jesus Messias, o Filho de Deus. O fato de Maria conceber sem ainda estar morando com José indica que o nascimento do Messias é obra da intervenção de Deus. Aquele que vai iniciar nova história surge dentro da história de maneira totalmente nova.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

4º Domingo do Advento

 Oração: “Derramai, ó Deus, a vossa graça em nossos corações para que, conhecendo pela mensagem do Anjo a encarnação do vosso Filho, cheguemos, por sua paixão e cruz, à glória da ressurreição”.

  1. Primeira leitura: 2Sm 7,1-5.8b-12.12.14a.16

O teu reino será estável para sempre diante de mim, diz o Senhor.

Deus é totalmente livre nas suas escolhas. No passado escolheu Abraão para ser o portador da promessa de salvação para todos os povos. Depois escolheu Moisés para libertar um povo, escravizado do Egito, com ele fez uma Aliança no Sinai e lhe deu uma terra para seu povo habitar. O rei Davi havia construído para si um palácio em Jerusalém e queria edificar também uma “casa”, isto é um templo para Javé, o Deus libertador do Egito. Mas, por meio do profeta Natã, Deus rejeitou uma “casa” de pedra e madeira. Em vez disso, tomou a iniciativa de escolher Davi, prometendo-lhe construir uma “casa” (família, dinastia). Deus fez uma aliança com Davi: “Eu serei para ele um pai, e ele será para mim um filho (2Sm 7,14). Porque da família de Davi haveria de nascer o Messias Salvador, Jesus Cristo, concebido do Espírito Santo no seio da Virgem Maria. Deus não precisa de templos materiais para morar no meio de seu povo. Precisa, sim, de corações que o acolham com fé.

Salmo de aclamação: Sl 88

Ó Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor!

  1. Segunda leitura: Rm 16,25-27

O mistério mantido em sigilo desde sempre agora foi manifestado.

A Carta de Paulo aos Romanos conclui-se com um hino de louvor a Deus que, finalmente, revelou em Jesus Cristo o mistério da salvação. As “eleições” de Abraão, de Israel e de Davi não visavam apenas à salvação do povo de Israel. Mas, o povo de Israel foi escolhido como o portador de um “mistério”, escondido no passado e agora revelado: O Messias esperado, descendente de Davi, veio para trazer a salvação não apenas para Israel, mas para todos os povos. “O meu Evangelho” era a pregação de Paulo; era a mensagem de salvação aberta a todas as nações. Primeiro, Paulo anunciou o Evangelho aos judeus; mas logo abriu seu anúncio de salvação para os pagãos, a fim de trazê-los todos “à obediência da fé”.

Aclamação ao Evangelho

Eis a serva do Senhor; cumpra-se em mim a tua palavra!

  1. Evangelho: Lc 1,26-38

Eis que conceberás e darás à luz um filho.

A promessa feita a Davi de uma “casa” estável, isto é, de uma dinastia permanente, cumpre-se hoje no Evangelho que acabamos de ouvir. Maria é noiva de José, da casa de Davi. O noivado já tinha força jurídica. Maria não “conhece homem algum”, isto é, ainda não convivia maritalmente com seu noivo, mas colocou-se inteiramente à disposição do plano divino: ”Eis aqui a serva do Senhor: Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Ela concebe pela força do Espírito Santo: “O Espírito virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. O anjo dá as indicações sobre a missão e a identidade deste Filho: Seu nome Jesus, significa Salvador; será chamado Santo, Filho do Altíssimo, Filho de Deus; “receberá o trono de seu pai, Davi, reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó e seu reino não terá fim”. O modo como se realizará o seu reino será surpreendente: Sua mensagem principal será anunciar o Reino de Deus, um reino de justiça, de amor e de paz, mas isso o levará a morrer crucificado, sentenciado como “Rei dos Judeus”.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Quando chegou a plenitude dos tempos  

Frei Clarêncio Neotti

Como o anunciado era o Filho de Deus, Lucas usa a figura do anjo, mensageiro de Deus, para anunciar às criaturas os grandes e excepcionais acontecimentos. O anjo se chama Gabriel. Como Lucas pode saber o nome do anjo? Desde o profeta Daniel (Dn 8,16-26), que vivera exilado, uns 500 anos antes de Cristo, dava-se o nome de Gabriel ao anjo de Deus, que, segundo o profeta, anunciaria os últimos tempos, isto é, aquele momento que todos os profetas pregavam, pelo qual

todos esperavam e que São Paulo chamou de ‘plenitude dos tempos’ (GL 4,4), quando não mais se julgaria por ouvir dizer (Is 11,3-8), quando os pobres e fracos teriam justiça, quando o lobo feroz fosse hóspede do cordeiro manso, quando a criança pudesse brincar com as serpentes, quando os cegos enxergariam e os mudos falariam e os surdos ouviriam, quando os tiranos e ditadores desapareceriam, quando todos tivessem liberdade e, pacificados, vestidos de alegria, entoassem cânticos de glória (Is 12,6). Seria o dia do retorno da descendência de Adão ao paraíso perdido.

Lucas vê chegada a plenitude dos tempos na Encarnação de Jesus Cristo. Vê chegado o começo dos novos tempos, caracterizados pelo Emanuel, isto é, Deus Conosco (Is 7,14), um Deus sempre presente no meio da comunidade, misericordioso, legislador e mestre, santificador, mediador entre o céu e a terra. São Paulo dirá: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher … , para que todos recebêssemos a adoção de filhos” (GL 4,4-5).

Essa é a razão de ser da Encarnação de Jesus. Assumindo a natureza humana, Jesus como que recriou a humanidade, transformou a criatura humana em nova criatura: “quem está em Cristo é criatura nova” (2Cor 5,17), ensina São Paulo aos Coríntios.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A Mãe do Menino que está para chegar

Frei Almir Guimarães

O Advento é como uma mão de homem que,

ternamente acaricia o ventre da promessa.

O Advento é como a palma da mão de Deus

 sobre os frutos de nossas almas que, pacientemente,

espera que amadureçam.

O Advento é uma mulher admirada que,

de repente, se torna mãe, tomando em seus braços a

criança que colocou no mundo.

Betrand  Reveillon

♦ Neste quarto domingo do Advento desenha-se diante de nossos olhos, a partir das leituras e dos cantos litúrgicos, a figura de Maria. Ouvimos, ainda uma vez em nossas existências, o relato da Anunciação, quantas e muitas vezes representado por pintores de todos os tempos. Todos nos sentimentos fascinados por esse na anúncio que concerne a todos nós. Uma mulher requisitada por Deus para o desígnio que une céu  e a terra.

♦ Um mocinha judia. Com sua história de  mulher de fé. Pertence ela à “raça”  dos pobres de  Deus, daquele resto  fiel ao  Senhor, os pobres de Javé.  Certamente,  frequentadora das páginas das Escrituras.  Deve ter sido formada na escola de  Abraão. Mulher que aguardava  a irrupção do Altíssimo na história. O mensageiro divino se  aproxima.  Lá por dentro dela uma surpresa.  Há um lugar todo especial para ela nos projetos de Deus.  Deus quer o seio dela, o ventre dela, ela inteira.  Quer vir por ela.

♦ Ela é convidada a se alegrar  porque o  Senhor está com ela. Mensagem de alegria com  a proximidade de Deus.  Por isso ela é convidada a se alegrar. Em nossos dias andamos  precisando da alegria de coisas simples, de um barco que  volta, de amor que se renova, de uma mesa em torno da qual há pessoas que amamos e pessoas que nos amam.   Não estamos sozinhos.  E Deus está conosco.

♦ Maria dá voltas em seu coração por um  tempo. Essa convocação  parece misteriosa. Ela  concorda: “Está  bem,  eis aqui a serva do  Senhor.  Faça-se em mim segundo a sua palavra.  Vamos em frente”.  Sim….sim… sim.  Maria do sim, Maria do assentimento, Maria que com seu sim gera Deus nela.  Todos os que se abrem aos apelos e chamados do  Mistério  podem também dizer esse sim.  Um dia  Jesus dirá:  “Minha mãe é aquele que faz a vontade do  Pai”.

♦ Bernardo de Claraval:  “Apressa-te, ó Virgem, em dar a tua resposta;  responde sem demora ao Anjo,  ou melhor, responde ao Senhor, por meio do  Anjo.  Pronuncia um palavra e recebe a  Palavra;  profere a tua palavra e concebe a   Palavra de  Deus,  Dize uma palavra   passageira   e  abraça a Palavra eterna.  Por que demoras?  Por que hesitas? Crê, consente, recebe”.

♦ Um projeto inaudito:  Deus quer viver a aventura humana. Para tanto precisa de um mãe, de um tabernáculo, de uma arca.  E esta foi Maria.  Deus não podia ser homem sem a carne de Maria.  Uma mulher escondida. Sem aparato.  Exultando de alegria ao visitar sua parenta Isabel casada com Zacarias.  Quase uma menina no momento do nascimento do Menino, quando esteve no tempo encontrando  Simeão   quando  cuidava das roupas e da comida do menino.  Fé. Tão igual a todos. Fé. A mulher da fé.  E ainda e sobretudo aos pés da cruz.

♦ Ela passou a guardar estas coisas no fundo do coração. Vestida da força do alto, respirando esperança, Maria vai percorrer seu itinerário de mãe até o momento em que o mais belo dos filhos dos  homens, aquele que nasceu de suas entranhas, será estraçalhado  de dor e de abandono  da cruz.  Sempre mãe, sempre fiel, sempre levando as coisas para o fundo do coração.  “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra”.


Para rezar

Abre, ó Virgem santa, teu coração  à fé,  teus lábios ao consentimento, teu seio ao  Criador.  Eis que o Desejado de todas as nações bate à tua porta. Ah, se tardas e ele passa, começarás novamente a procurar com lágrimas aquele que teu coração ama. Levanta-te, corre, abre.  Levanta-te pela fé, corre pela entrega a Deus, abre pelo consentimento.  Eis aqui, diz a Virgem,  a serva do  Senhor;  faça-se em mim segundo a tua palavra” (São  Bernardo).


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Acolher Jesus com alegria

José Antonio Pagola

O evangelista Lucas temia que seus leitores lessem seu escrito de qualquer jeito. O que ele queria anunciar-lhes não era uma notícia a mais, como tantas outras que corriam pelo império. Eles deviam preparar seu coração: despertar a alegria, desterrar medos e crer que Deus está perto, disposto a transformar nossa vida.

Com uma arte difícil de igualar, Lucas recriou uma cena evocando a mensagem que Maria ouviu no íntimo de seu coração para acolher o nascimento de seu Filho Jesus. Todos nós podemos unir-nos a ela para acolher o Salvador. Como preparar-nos para receber com alegria o Deus encarnado na humanidade entranhável de Jesus?

“Alegra-te” É a primeira palavra que escuta aquele que se prepara para viver uma experiência boa. Hoje não sabemos esperar. Somos como crianças impacientes, que querem tudo imediatamente. Não sabemos estar atentos para conhecer nossos desejos mais profundos. Simplesmente nos esquecemos de esperar Deus, e já não sabemos como encontrar a alegria.

Estamos perdendo o melhor da vida. Contentamo-nos com a satisfação, o prazer e a diversão que o bem-estar nos proporciona. Sabemos que é um erro, mas não nos atrevemos a crer que Deus, acolhido com fé simples, pode revelar-nos novos caminhos para a alegria.

“Não tenhas medo”. A alegria é impossível quando vivemos cheios de medos, que nos ameaçam a partir de dentro e de fora. Como pensar, sentir e agir de maneira positiva e cheia de esperança? Como esquecer nossa impotência e covardia para enfrentar o mal?

Esquecemos que cuidar de nossa vida interior é mais importante do que tudo o que nos vem de fora. Se vivemos vazios por dentro, somos vulneráveis a tudo. Vai-se diluindo nossa confiança em Deus e não sabemos como defender-nos do que nos prejudica.

“O Senhor está contigo”. Deus é uma força criadora que é boa e nos quer bem. Não vivemos sozinhos, perdidos no cosmos. A humanidade não está abandonada. Donde tirar verdadeira esperança, a não ser do Mistério último da vida? Tudo muda quando o ser humano se sente acompanhado por Deus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Filho de Davi e filho de Deus

Pe. Johan Konings

Uma história antiga. Por volta do ano 1000ª.C., o Rei Davi consegue firmar seu “império” e pensa em construir uma “casa” para Deus, um templo. Mas Deus manda o profeta Natã dizer a Davi que ele não é de viver em templo: acompanhou o povo de Israel pelo deserto numa tenda, a Tenda da Aliança. E mais: ele, Deus, vai construir uma casa para Davi – casa no sentido de família, descendência. E então, Deus será como um pai para o descendente do rei (1ª leitura).

Mil anos depois, Deus se mostra fiel à sua promessa. Vive em Nazaré um descendente remoto de Davi. Chama-se José. Tem uma noiva, Maria. Nesta, ligada à casa de Davi por ser noiva do descendente, Deus quer suscitar, pela misteriosa ação de seu Espírito, o prometido “filho de Davi”. Conforme a promessa, Deus será um pai para o prometido, que será para ele um filho: o “Filho do Altíssimo”, o Messias (Lc 1,32, evangelho). Maria não consegue imaginar como isso será possível. Ela nem está convivendo com José. Então, Deus lhe dá um sinal para mostrar que ela pode confiar em sua palavra. Faz-lhe conhecer a gravidez de sua parenta Isabel, que era estéril. E Maria, confiante na fidelidade de Deus, dá o seu “sim”: “Aconteça-me segundo a tua palavra” (1,38).

Deus dá sinais. As profecias, que revelam o modo de agir de Deus, são sinais de fidelidade de Deus (2ª leitura). Que de Maria nasça um remoto “filho de Davi” é um sinal de que ele é “Filho de Deus”, obra de Deus na humanidade. Ora, para realizar seu projeto, Deus se expõe ao “sim” dessa mocinha do povo. Assim, o “Filho de Deus” será um verdadeiro “filho da humanidade”, alguém que faça parte de nossa história e nos liberte de verdade. Só o que é assumido pode ser salvo, diz Sto. Irineu. Se Jesus não fosse verdadeiro filho da humanidade, nossa salvação nele seria mera ficção.

Não expliquemos. Contemplemos. “Revelação de um mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos”… (Rm 1,25). Não peçamos a Deus que ele justifique seu modo de agir para os nossos critérios “científicos”. Quanto sabemos das coisas da criação… e das do Criador? Admiremos o modo de Deus se tornar presente. E, sobretudo, não queiramos fazer da mãe de Jesus uma Maria qualquer. Será que temos medo de reconhecer que, em algumas pessoas, Deus faz coisas especiais? Estamos com ciúmes? Ora, não acha cada qual a sua namorada excepcional em comparação com as outras moças? Não neguemos a Deus esse prazer…

Essa admiração, porém, não é alienação. Só por ser verdadeiramente humano é que Jesus realiza entre nós uma missão verdadeiramente divina. Pois se fosse um anjo, nada teria a ver conosco. Jesus é tão humano como só Deus pode ser. Que ele é descendente de Davi significa que ele resume em si toda a história humana. Resume, recapitula, reescreve essa história. A história de Adão, a história de Davi, o “reinado”, da comunidade humana política e socialmente organizada. Será que desta vez vai dar certo – menos guerra, adultérios, idolatrias…? Da sua parte, a “qualidade divina” da obra está garantida. Deus está com ele, “Emanuel”. Mas, e da nossa parte?


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella