Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Festa da Sagrada Família

Festa da Sagrada Família

A tarefa de fazer-se família

 

Frei Gustavo Medella

O ancião com o recém-nascido nos braços. Poderiam ser avô e neto num abraço fecundo capaz de envolver as diversas etapas da vida. Passado, presente e futuro integrados na simplicidade de um encontro que transmite ternura e esperança. Os extremos da existência revelando que o cuidado e a proximidade devem estar na essência do relacionamento humano. A festa da Sagrada Família, disposta com sabedoria no domingo imediatamente posterior à Solenidade do Natal, simboliza que a família, como lugar de acolhida e partilha, é figura central nos planos de Deus quando Ele decide vir ao encontro da fragilidade de seus filhos e filhas.

Maria, José e o Menino, com todos os apertos que passaram, testemunham que a família não é uma idealização, mas uma realidade construída com escolhas criativas diante das dificuldades e contradições. Mesmo que hajam os laços consanguíneos incanceláveis, fazer-se família é um esforço diário que exige empenho, renúncia e dedicação.

Na primeira leitura, por exemplo (Eclo 3,3-7.14-17), o autor sagrado apresenta uma série de instruções para filhos se façam família com seus pais, especialmente quando estes estiverem na velhice, necessitados de apoio e atenção. A caridade, a paciência e a compreensão certamente levarão estes filhos a fazer escolhas nem sempre conciliáveis com os planos de sucesso e bem-estar que poderiam ter traçado para si. No entanto, ao se deixarem conduzir pela generosidade e pela gratidão, serão capazes de ter o coração preenchido pela bênção de terem cumprido os apelos que Deus lhes apresentou na fragilidade de seus genitores.

Que a Sagrada Família nos inspire sempre a disponibilidade de empregarmos nossas melhores forças na construção da grande família humana, marcada pelo respeito, pela justiça, pela generosidade mútua e pela paz.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas deste domingo

Primeira Leitura: Eclesiástico 3,3-7.14-17

3Deus honra o pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe. 4Quem honra o seu pai alcança o perdão dos pecados; evita cometê-los e será ouvido na oração quotidiana. 5Quem respeita a sua mãe é como alguém que ajunta tesouros. 6Quem honra o seu pai terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido. 7Quem respeita o seu pai terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe. 14Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive. 15Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele; não o humilhes em nenhum dos dias de sua vida: a caridade feita a teu pai não será esquecida, 16mas servirá para reparar os teus pecados 17e, na justiça, será para tua edificação.


Sl 127(128)

Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!

Feliz és tu se temes o Senhor / e trilhas seus caminhos! / Do trabalho de tuas mãos hás de viver, / serás feliz, tudo irá bem! – R.

A tua esposa é uma videira bem fecunda / no coração da tua casa; / os teus filhos são rebentos de oliveira / ao redor de tua mesa. – R.

Será assim abençoado todo homem / que teme o Senhor. / O Senhor te abençoe de Sião / cada dia de tua vida. – R.


Segunda Leitura: Colossenses 3,12-21

Irmãos, 12vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, 13suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente se um tiver queixa contra o outro. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai vós também. 14Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição. 15Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual fostes chamados como membros de um só corpo. E sede agradecidos. 16Que a palavra de Cristo, com toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria. Do fundo dos vossos corações, cantai a Deus salmos, hinos e cânticos espirituais, em ação de graças. 17Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus Cristo. Por meio dele, dai graças a Deus, o Pai. 18Esposas, sede solícitas para com vossos maridos, como convém, no Senhor. 19Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. 20Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, pois isso é bom e correto no Senhor. 21Pais, não intimideis os vossos filhos, para que eles não desanimem.


Evangelho: Lc 2,22-40.

22 Terminados os dias da purificação deles, conforme a Lei de Moisés, levaram o menino para Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor, 23 conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo primogênito de sexo masculino será consagrado ao Senhor.» 24 Foram também para oferecer em sacrifício um par de rolas ou dois pombinhos, conforme ordena a Lei do Senhor.

* 25 Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Era justo e piedoso. Esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava com ele. 26 O Espírito Santo tinha revelado a Simeão que ele não morreria sem primeiro ver o Messias prometido pelo Senhor. 27 Movido pelo Espírito, Simeão foi ao Templo. Quando os pais levaram o menino Jesus, para cumprirem as prescrições da Lei a respeito dele, 28 Simeão tomou o menino nos braços, e louvou a Deus, dizendo:

29 «Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar o teu servo partir em paz.

30 Porque meus olhos viram a tua salvação, 31 que preparaste diante de todos os povos: 32 luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel.»

33 O pai e a mãe estavam maravilhados com o que se dizia do menino. 34 Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: «Eis que este menino vai ser causa de queda e elevação de muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. 35 Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações.»

36 Havia também uma profetisa chamada Ana, de idade muito avançada. Ela era filha de Fanuel, da tribo de Aser. Tinha-se casado bem jovem, e vivera sete anos com o marido. 37 Depois ficou viúva, e viveu assim até os oitenta e quatro anos. Nunca deixava o Templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. 38 Ela chegou nesse instante, louvava a Deus, e falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.

39 Quando acabaram de cumprir todas as coisas, conforme a Lei do Senhor, voltaram para Nazaré, sua cidade, que ficava na Galiléia. 40 O menino crescia e ficava forte, cheio de sabedoria. E a graça de Deus estava com ele.

* 21-24: Todo primogênito pertencia a Deus, e devia ser resgatado por meio de um sacrifício. Nessa ocasião, também se fazia a purificação da mãe, e se oferecia um cordeiro. Quem era pobre podia oferecer duas rolas ou dois pombinhos, em lugar do cordeiro (cf. Lv 5,1-8). O Messias nasce como dominado, em lugar pobre, e vem pobre, para os pobres.

* 25-40: Simeão e Ana também representam os pobres que esperam a libertação. E Deus responde à esperança deles. O cântico de Simeão relembra a vida e missão do Messias: Jesus será sinal de contradição, isto é, julgamento para os ricos e poderosos, e libertação para os pobres e oprimidos (cf. Lc 6,20-26).

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

 

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

Sagrada Família

Oração: “O Deus de bondade, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos imitar em nossos lares as suas virtudes, para que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa”.

  1. Primeira leitura: Eclo 3,2-6.12-14

Quem teme o Senhor, honra seus pais.

No Natal celebramos o nascimento do Filho de Deus, que assumiu em tudo nossa humanidade, menos o pecado. No Menino Jesus, de modo visível, Deus começa a fazer parte da família humana. O Criador, que nos fez à sua “imagem e semelhança”, assume nossa frágil condição humana. Entrou na família humana para que nós pudéssemos participar da família divina, como filhos e filhas de Deus. Muito cedo os cristãos começaram a interessar-se pela Sagrada Família de Nazaré. O apóstolo Paulo (54 d.C.), na Carta aos Gálatas, assim escreve: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher e sob a Lei (…), a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Entre os anos 70 e 85, Mateus e Lucas introduzem seus Evangelhos com a narrativa sobre a origem humano-divina de Jesus Cristo, respondendo à pergunta que muitos cristãos se faziam a respeito da família de Jesus.

Na liturgia de hoje, a primeira leitura nos mostra quais eram as virtudes recomendadas pelo judaísmo, para uma vida familiar feliz e equilibrada. O texto hoje lido é do livro do Eclesiástico, um livro sapiencial escrito pelo ano 200 a.C. Nele recolhem-se conselhos sábios, vividos durante séculos no judaísmo e em outros povos. Inicialmente, o texto dirige-se aos filhos, estabelecendo princípios e dando motivações para um bom relacionamento com os pais (3,3-7). Já no início, o texto nos dá a chave de leitura do que segue: “Deus honra o pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe” (v. 3). Em outras palavras, quando os filhos honram e respeitam os pais estão fazendo a vontade de Deus. Como podemos dizer que honramos e respeitamos a Deus, que é nosso Pai e criador, se não honramos nem respeitamos os pais, que nos deram a vida? Seguem as motivações: Quem honra o pai recebe o perdão dos pecados e evita de os cometer de novo; por cima, quando orar a Deus, sua oração será atendida. Quem respeita a mãe ajunta tesouros, provavelmente, os tesouros do amor. Terá alegria com seus filhos, terá uma vida longa e deixará sua mãe feliz. Na continuação (v. 14-17), vem os conselhos, talvez mais exigentes, do respeito, do amparo e do amor que os filhos devem aos pais idosos. Muito oportunos são os conselhos da primeira leitura para os tempos que estamos vivendo. Por ocasião da pandemia (2020) tivemos uma experiência mais profunda do valor de nossas relações familiares.

Salmo responsorial: Sl 127

Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos.

  1. Segunda leitura: Cl 3,12-21

A vida da família no Senhor.

Paulo nunca visitou a comunidade de Colossos, fundada por Epafras e formada, sobretudo, por pagãos convertidos. O próprio Epafras é um convertido de Paulo em Éfeso (1,7) e lhe trouxe informações de Colossos. Paulo estava preso em Éfeso e foi informado por Epafras que reinava certo sincretismo religioso na comunidade. À luz destas informações, vistas como ameaçava à fé cristã, Paulo ditou a carta e, ao final, assinou-a de próprio punho (4,18). No trecho lido hoje, Paulo insiste no amor de Deus que deve unir a comunidade e as famílias. Lembra aos colossenses que são amados por Deus e chamados a serem santos. Como tais, são revestidos por Cristo para viver a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão e a paciência, perdoando uns aos outros “como o Senhor os perdoou”. Unidos pela mesma fé, os cristãos formam um só corpo em Cristo. Quando a palavra de Cristo habita nos corações dos fiéis eles se admoestam uns aos outros com sabedoria e, juntos, louvam a Deus com hinos, salmos, cânticos espirituais e de ação de graças. Por fim, Paulo volta-se para a comunidade familiar: a mulher cuide bem do marido e o marido trate sua esposa com delicadeza e amor. Os filhos obedeçam aos pais e os pais os eduquem com firmeza e ternura, para não entristecê-los.

Aclamação ao Evangelho

       Que a paz de Cristo reine em vossos corações

            e ricamente habite em vós sua palavra!

  1. Evangelho: Lc 2,22-40

O menino crescia cheio de sabedoria.

Cumpridos os quarenta dias após o nascimento, José e Maria levaram o menino Jesus ao Templo para apresentá-lo ao Senhor e cumprir os ritos previstos pela Lei. Segundo a Lei, todo o primogênito menino pertencia ao Senhor e devia ser resgatado por um sacrifício cruento. Quando o casal era pobre bastava oferecer um par de rolas ou dois pombinhos. Foi o que Maria e José fizeram. Havia no Templo um velhinho muito piedoso, chamado Simeão. Ele dizia que não haveria de morrer antes de ver o Messias Salvador, a “Consolação de Israel”. Quando Simeão viu José e Maria com o menino, inspirado pelo Espírito Santo, tomou-o nos braços e louvou a Deus, dizendo: “Agora, ó Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz”. Na Anunciação, o Anjo Gabriel comunicava a Maria quem seria o filho que iria conceber: Filho do Altíssimo, filho de Davi (Messias prometido) e Filho de Deus. Agora, Simeão louva o Senhor e reconhece que a promessa de ver o Salvador se cumpria antes de ele morrer. Cumpria-se também a promessa ao povo de Israel, porque nasceu “a luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”. Maria e José ficaram admirados com as palavras de Simeão, que disse a Maria: O menino “será um sinal de contradição” e Maria haveria de sofrer por causa disso: “uma espada te traspassará tua alma”. Na ocasião, uma mulher chamada Ana, também se aproximou e começou a louvar a Deus e falar “a todos que esperavam a libertação de Israel”.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Sagrada Família: uma família de fé

Frei Clarêncio Neotti

A Família de Nazaré é para nós, antes de tudo, um exemplo e modelo de fé. Logo depois da Anunciação, Maria se dirigiu à casa de Isabel, que a proclamou bem-aventurada, porque havia acreditado no Senhor (Le 1,45). Maria foi uma mulher, uma mãe que acreditou no Senhor em todas as circunstâncias, inclusive na paixão e morte de Jesus e quando sepultou o Filho, para quem estava prometido “o trono de Davi e um reinado sem-fim” (Lc 1,32-33). Diz o Catecismo da Igreja: “Durante toda a sua vida, e até à sua última provação, quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou. Maria não cessou de crer ‘no cumprimento’ da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé” (n. 149).

A fé de Maria abraça-se desde o início da encarnação do Senhor com a fé de José. Lembra o Papa São João Paulo II na Exortação Apostólica sobre São José: “Pode-se dizer que aquilo que José fez o uniu, de maneira absolutamente especial, à fé de Maria: ele aceitou como verdade proveniente de Deus o que Maria tinha aceitado na Anunciação” (Redemptoris Custos, 4c). Maria e José fizeram juntos uma caminhada de fé. Foram verdadeiros ‘peregrinos da fé’. Fé nas promessas escutadas. Fé vivida no dia a dia, na guarda, educação e no crescimento do menino. Foram os primeiros depositários do mistério divino.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Família, sempre de novo a família

Frei Almir Guimarães

Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, continuam caminhando, embora caiam muitas vezes ao longo do caminho.
Papa  Francisco

♦ Era uma senhora, já de muita idade. Estava pensativa, olhando a vida pela janela, naquela tarde de sexta-feira. Estava às vésperas de suas bodas de ouro. De repente, ela fechou os olhos, agradeceu a Deus o dom da vida, o companheiro de tantos anos, os filhos, os netos, a força que nela habitou em todas essas cinco décadas. E pediu ao Senhor que, naquele momento, olhasse para todos, não esquecesse de ninguém. Depois abriu o armário deu uma olhadela no vestido das bodas a esperar por ela e ficou todinha feliz. Uma lágrima morna rolou rosto abaixo. Uma cena familiar. Simplesmente.

♦ Entre o Natal e o Ano novo somos convidados a refletir sobre o tema da família. João Paulo II dizia que o amanhã da humanidade passa pela família. Não olhamos com olhos “sentimentaloides” para esta realidade tão fundamental. Nem tudo é cor-de-rosa. Por vez pode parecer uma “camisa de força”. Conhecemos seus dramas. Dificilmente, no entanto, o ser humano será humano se não for envolvido por sua família, por uma família. Comunidade de vida e de amor, espaço de humanização, lugar de dom, de serviço, plataforma onde as pessoas se preparam para a vida e primeiro lugar de anúncio da fé difundido por um clima evangélico que se vive em casa. Por favor, família aberta!

♦ Ficamos penalizados com tantos casamentos que perduram sem viço, outros que duram pouco, cenas de violências, pessoas que casam e descasam, casam e descasam, casam e descasam, feminicídios, pais que matam os filhos, filhos que matam os pais, casas sem o mínimo de conforto, palacetes sem alma, casas sem calor, meros hotéis para comer e dormir. Basta de enumeração. Sonhamos com uma pastoral familiar que não aconteça tão enfeitada de laçarotes, mas acompanhe vida, prepare histórias, fortifique gente e forje cristãos no meio do mundo.

♦ A família é lugar humano por excelência, o berço do homem, espaço onde o amor conjugal cresce, onde se exercem responsabilidades e serviços entre pais e filhos. Experiência humana sem comparação porque enraizada nos laços humanos.

♦ A família é o lugar onde o ser humano é colocado no mundo, recebido (nem sempre bem recebido), cuidado, respeitado, amparado, protegido em sua fragilidade. Normalmente, no seio de uma família, família de verdade, são vividos os valores próprios da pessoa: reconhecimento, gratuidade, dom, comunhão, respeito. Lugar de crescimento humano e espiritual. No seio desse espaço costuma-se escutar pela primeira vez os convites do Ressuscitado para seu seguimento. Ali se aprende que se tem um Pai no céu ou dentro de nós que é Pai nosso. Ali muitos descobrem o carinho de Maria e passam a dizer todos os dias: “Ó minha mãe, eu me consagro todo a vós…”

♦ Ali as crianças e os jovens têm suas asas fortalecidas. Aos poucos, eles precisarão aprender a voar. Aprenderão a arte de viver no seio de uma família, não fechada, não isolada do mundo. Ali todos têm consciência de que recebem a herança do passado, da terra dos avós, as festas alemães, japonesas ou italianas. As massas de Nápoles e as pizzas da Toscana, os cantos da Baviera e danças de Espanha. Não nascemos tábula rasa. O passado tem que vir à tona. Ele faz parte de nosso DNA. Somos resultado de um encadeado de vidas de histórias, de gente que viveu a guerra de homens agricultores no norte de Portugal e de mulheres da Ilha da Madeira. Padres alemães e italianos vieram até nós e partilharam suas vidas. Ajudaram a fortalecer o sangue de nossas veias e os sonhos de nossa mente.

♦ O Papa Francisco, na “Amoris laetitia”, fala da família alargada, ampliada. Ela deveria acolher as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação de seus filhos, pessoas deficientes, pessoas separadas, e tantas outras situações delicadas, dependentes químicos. Uma família alargada que cuida dos velhos, dos avós, dos tios que ficaram solteiros.


Textos para refletir

Temos que aprender a ser suporte, temos que querer eficiência técnica, mas também compaixão, temos que reconhecer o valor de um sorriso, ainda que imperfeito em certas horas extremas. À beira do fim há tanta coisa que começa. Uma das lembranças que me são mais queridas provém, por exemplo, do último internamento de meu pai. Recordo-me de, por dias e dias, andar de mãos dadas com ele, muito devagarinho, no grande corredor do hospital. Eu passava-lhe toda força que podia com minha mão era maior do que a minha. E sei que ainda é.

José Tolentino  Mendonça


Amor bom, além do mais, tem que suportar e superar a convivência diária. A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido, ou o emprego sem graça e o patrão grosseiro.  Quando cai aquela última gota, a gente explode: quer matar ou morrer… Amor bom, além do mais, tem que suportar e superar a convivência diária…

Lya Luft, Perdas e Ganhos, p. 78


Um pedido

Para que nos perdoes mais plenamente
dá-nos, Deus de misericórdia,
um coração indulgente para com os outros.
Por Cristo, Senhor nosso. Amém.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Alegria para todo o povo

José Antonio Pagola

Há coisas que só as pessoas simples sabem captar. Verdades que só o povo é capaz de intuir. Alegrias que só os pobres podem desfrutar.

Assim é o nascimento do Salvador em Belém: Não algo para ricos e pessoas abastadas, um acontecimento que só os cultos e sábios podem entender, algo reservado a minorias seletas. É um acontecimento popular. Uma alegria para todo o povo.

Mais ainda. Uns pobres pastores, considerados na sociedade judaica como gente pouco honrada, marginalizados por muitos como pecadores, são os únicos que estão acordados para ouvir a notícia. Também hoje é assim, embora muitas vezes os mais pobres e marginalizados tenham ficado tão longe de nossa Igreja.

Deus é gratuito. Por isso, é acolhido mais facilmente pelo povo pobre do que por aqueles que pensam poder adquirir tudo com dinheiro. Deus é simples e está mais próximo do povo humilde do que daqueles que vivem obcecados por ter sempre mais. Deus é bom, e o entendem melhor aqueles que sabem amar-se como irmãos do que aqueles que vivem egoisticamente, fechados em seu bem-estar.

Continua sendo verdade aquilo que o relato do primeiro Natal insinua. Os pobres têm um coração mais aberto a Jesus do que aqueles que vivem satisfeitos. Seu coração encerra uma “sensibilidade para o Evangelho” que nos ricos ficou muitas vezes atrofiada. Têm razão os místicos quando dizem que para acolher a Deus é necessário “esvaziar-nos”, “despojar-nos” e “tornar-nos pobres”.

Enquanto vivermos buscando a satisfação de nossos desejos, alheios ao sofrimento dos outros, conheceremos diferentes graus de exaltação, mas não a alegria anunciada aos pastores de Belém.

Enquanto continuarmos alimentando o desejo de posse não será possível cantar entre nós a paz entoada em Belém: “A ideia de que se pode fomentar a paz enquanto se estimulam os esforços de posse e lucro é uma ilusão” (Erich Fromm).

Teremos cada vez mais coisas para desfrutar, mas elas não preencherão nosso vazio interior, nosso enfado e solidão. Alcançaremos sucessos cada vez mais notáveis, mas crescerá entre nós a rivalidade, o conflito e a competição desapiedada.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Dar um filho ao mundo

Pe. Johan Konings

Os educadores pretendem formar “homens e mulheres para o mundo”. Mas o que vemos são filhos ou abandonados ou mimados, e o resultado é o mesmo: só vivem para si.

Os pais de Jesus oferecem seu filho a Deus, e assim, ao mundo.

A lei judaica prescrevia oferecer a Deus o primeiro filho homem, porque Deus é o dono da vida. Simbolicamente, resgatava-se então o filho mediante um sacrifício. Para os mais pobres – o caso de José e Maria – este sacrifício podia ser um par de rolinhas.

Ao apresentar Jesus ao templo, os pais de Jesus encontram o velho Simeão, pessoa piedosa, que tinha até visões. Assim, ele explicou a Maria que seu filho não pertencia a ela, mas a Deus. E que o filho a faria sofrer, porque seria um “sinal de contradição”…

Depois, José e Maria voltaram a Nazaré, para criar Jesus até o tempo em que Deus o requisitasse. E ele crescia física e intelectualmente, e “a graça de Deus estava com ele”.

Muitos pais são incapazes de educar os filhos para deixá-los afastar-se deles… É um drama quando o adolescente revela a ideia de assumir uma profissão fora do quadro da família, ainda que seja médico dos pobres ou ecologista. E no dia-a-dia, quantos pais deixam os filhos organizar sua vida conforme sua consciência e não conforme os interesses desproporcionados da família? E quando se trata de noivado, casamento… E a escolha do partido político…

A família cristã deve se caracterizar pelo oferecimento dos filhos a Deus e ao mundo, conforme o projeto de Deus. Para isso, eles têm de receber educação – educação para a liberdade, para o serviço, para o desapego. Desapego por parte dos pais que os educam para doá-los ao mundo. E desapego como virtude dos filhos, levando-os a doar-se, em vez de procurar a própria satisfação. Nem abandonados, nem mimados, mas filhos de Deus e homens e mulheres para o mundo.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

 

 

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella