Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Epifania do Senhor

Solenidade da Epifania do Senhor

Matar ou Adorar

 

José Antonio Pagola

Herodes e sua corte representam o mundo dos poderosos. Tudo vale nesse mundo, desde que assegure o próprio poder: o cálculo, a estratégia e a mentira. Vale inclusive a crueldade, o terror, o desprezo ao ser humano e a destruição de inocentes. Parece um mundo grande e poderoso e se apresenta a nós como defensor da ordem e da justiça, mas é fraco e mesquinho, pois acaba sempre buscando o menino “para matá-lo”.

Segundo o relato de Mateus, magos vindos do Oriente irrompem neste mundo de trevas. Alguns exegetas interpretam hoje a lenda evangélica recorrendo à psicologia do profundo. Os magos representam o caminho seguido por aqueles que escutam os anseios mais nobres do coração humano; a estrela que os guia é a nostalgia do divino; o caminho que percorrem é o desejo. Para descobrir o divino no humano, para adorar o menino em vez de buscar sua morte, para reconhecer a dignidade do ser humano em vez de destruí-la, é preciso percorrer um caminho oposto ao seguido por Herodes.

Não é um caminho fácil. Não basta ouvir o chamado do coração: é preciso pôr-se a caminho, expor-se, correr riscos. O gesto final dos magos é sublime. Não matam o Menino, mas o adoram. Inclinam-se respeitosamente diante de sua dignidade; descobrem o divino no humano. Esta é a mensagem de sua adoração ao Filho de Deus encarnado no Menino de Belém.

Podemos vislumbrar também o significado simbólico dos presentes que lhe oferecem. Com o ouro reconhecem a dignidade e o valor inestimável do ser humano: tudo deve ficar subordinado à sua felicidade; um menino merece que se ponham a seus pés todas as riquezas do mundo.

O incenso resume o desejo de que a vida desse menino desabroche e sua dignidade se eleve até o céu: todo ser humano é chamado a participar da própria vida de Deus. A mirra é medicamento para curar a enfermidade e aliviar o sofrimento: o ser humano necessita de cuidados e consolo, não de violência e agressão.

Com sua atenção para com o frágil e sua ternura para com o humilhado, este Menino nascido em Belém introduzirá no mundo a magia do amor, única força de salvação que já desde agora faz tremer o poderoso Herodes.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para esta solenidade

Leituras bíblicas para esta solenidade

1ª Leitura: Is 60, 1-6

1Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor.

2Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor, e sua glória já se manifesta sobre ti. 3Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora.

4Levanta os olhos ao redor e vê: todos se reuniram e vieram a ti; teus filhos vêm chegando de longe com tuas filhas, carregadas nos braços. 5Ao vê-los, ficarás radiante, com o coração vibrando e batendo forte, pois com eles virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas nações; 6será uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te cobrir; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor.

Responsório (Sl 71)

— As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!

— As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!

— Dai ao Rei vossos poderes, Senhor Deus, vossa justiça ao descendente da realeza! Com justiça ele governe o vosso povo, com equidade ele julgue os vossos pobres.

— Nos seus dias a justiça florirá e grande paz, até que a lua perca o brilho! De mar a mar estenderá o seu domínio, e desde o rio até os confins de toda a terra!

— Os reis de Társis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhe seus presentes e seus dons; e também os reis de Seba e de Sabá hão de trazer-lhe oferendas e tributos. Os reis de toda a terra hão de adorá-lo, e todas as nações hão de servi-lo.

— Libertará o indigente que suplica, e o pobre ao qual ninguém quer ajudar. Terá pena do indigente e do infeliz, e a vida dos humildes salvará.

Segunda Leitura (Ef 3,2-3a.5-6)

 Irmãos: 2Se ao menos soubésseis da graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito, 3ae como, por revelação, tive conhecimento do mistério.

5Este mistério, Deus não o fez conhecer aos homens das gerações passadas, mas acaba de o revelar agora, pelo Espírito, aos seus santos apóstolos e profetas: 6os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.

Jesus, perigo ou salvação?

Evangelho: Mt 2, 1-12

* 1 Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judéia, no tempo do rei Herodes, alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2 e perguntaram: «Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Nós vimos a sua estrela no Oriente, e viemos para prestar-lhe homenagem.»

3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou alarmado, assim como toda a cidade de Jerusalém. 4 Herodes reuniu todos os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei, e lhes perguntou onde o Messias deveria nascer. 5 Eles responderam: «Em Belém, na Judéia, porque assim está escrito por meio do profeta: 6 ‘E você, Belém, terra de Judá, não é de modo algum a menor entre as principais cidades de Judá, porque de você sairá um Chefe, que vai apascentar Israel, meu povo.’ «7 Então Herodes chamou secretamente os magos, e investigou junto a eles sobre o tempo exato em que a estrela havia aparecido. 8 Depois, mandou-os a Belém, dizendo: «Vão, e procurem obter informações exatas sobre o menino. E me avisem quando o encontrarem, para que também eu vá prestar-lhe homenagem.»

9 Depois que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que parou sobre o lugar onde estava o menino. 10 Ao verem de novo a estrela, os magos ficaram radiantes de alegria.

11 Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele, e lhe prestaram homenagem. Depois, abriram seus cofres, e ofereceram presentes ao menino: ouro, incenso e mirra. 12 Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, partiram para a região deles, seguindo por outro caminho.»


* 2,1-12: Jesus é o Rei Salvador prometido pelas Escrituras. Sua vinda, porém, desperta reações diferentes. Aqueles que conhecem as Escrituras, em vez de se alegrarem com a realização das promessas, ficam alarmados, vendo em Jesus uma séria ameaça para o seu próprio modo de viver. Outros, apenas guiados por um sinal, procuram Jesus e o acolhem como Rei Salvador. Não basta saber quem é o Messias; é preciso seguir os sinais da história que nos encaminham para reconhecê-lo e aceitá-lo. A cena mostra o destino de Jesus: rejeitado e morto pelas autoridades do seu próprio povo, é aceito pelos pagãos.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Epifania do Senhor

 Oração: “Ó Deus, que hoje revelastes o vosso Filho às nações, guiando-as pela estrela, concedei aos vossos servos e servas que já vos conhecem pela fé, contemplar-vos um dia face a face no céu”.

Primeira leitura: Is 60,1-6

Apareceu sobre ti a glória do Senhor.

Em 597 a.C., Nabucodonosor conquistou Jerusalém e levou para Babilônia a elite governante de Judá, inclusive o sacerdote Ezequiel. Na época pós-exílica, um profeta anônimo anima os exilados que ainda estão na Babilônia a retornarem a Jerusalém. O Templo estava sendo reconstruído e a cidade aumentava sua população; as luzes das lamparinas, sinal de vida nas casas novamente habitadas, começavam a multiplicar-se na escuridão das ruínas da cidade em reconstrução. Jerusalém logo haveria de brilhar como um facho luminoso, atraindo a si até os povos pagãos. Se no passado Jerusalém foi saqueada pelos dominadores, agora, camelos e dromedários vão trazer riquezas de todas as partes. Com seu incenso, proclamarão a glória do Senhor no Templo. No exílio, os judeus aprenderam a conviver com exilados de outras nações. O profeta anuncia que essas nações também farão parte do novo Israel. O Deus de Israel é o Deus de todos os povos.

Salmo responsorial: Sl 71

As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor! 

  1. Segunda leitura: Ef 3,2-3a.5-6

            Agora foi-nos revelado que os pagãos

           são co-herdeiros das promessas.

O Evangelho pregado por Paulo dirigia-se a judeus e pagãos, escravos e livres, sem distinção. Paulo entende que as promessas de um Salvador não se restringem apenas aos judeus, mas incluem a todos os povos. O Apóstolo considera esta nova forma de anunciar a salvação em Jesus Cristo como a revelação que lhe foi dada pelo Espírito, um mistério escondido no passado e agora revelado: Não só os judeus são destinatários da salvação trazida por Jesus Cristo, mas também todos os pagãos. Paulo abre seu coração à comunidade cristã de Éfeso, formada, sobretudo, por pagãos convertidos: “Se ao menos soubésseis da graça que Deus me concedeu para realizar o seu plano a vosso respeito”. Paulo se alegra por ter podido colaborar na difusão do evangelho também em Éfeso. Hoje, também nós nos alegramos com os magos que vieram de longe para adorar o Menino Jesus, Salvador de toda a humanidade (Evangelho). Uma “Igreja em saída”, proposta pelo Papa Francisco, nos ajudará a atualizar o sonho de Paulo: uma Igreja disposta a levar a salvação trazida por Cristo para todos os povos.

Aclamação ao Evangelho

Vimos sua estrela no Oriente

            e viemos adorar o Senhor. 

Evangelho: Mt 2,1-12

            Viemos do Oriente adorar o Rei.

Magos vêm do oriente para Jerusalém, orientados pelo sinal de uma estrela. Eles procuram um rei recém-nascido, que esperavam encontrar no palácio de Herodes. O rei Herodes fica alarmado com a notícia que parecia ameaçar seu trono. Com ele, toda a cidade de Jerusalém fica perturbada, pois o rei era conhecido como um homem violento. Herodes consulta os entendidos nas Escrituras, a fim de responder aos magos onde deveria nascer o tal futuro rei. Os sumos sacerdotes e escribas respondem, citando a profecia de Miqueias: o futuro rei, o Messias esperado como o salvador de Israel, deveria nascer em Belém de Judá, num vilarejo próximo de Jerusalém. Os doutores não acreditam nos magos, embora soubessem ler interpretar as Escrituras. Herodes finge interesse, mas tem más intenções. Somente os magos pagãos acreditaram na profecia de Balaão, um profeta pagão famoso na Transjordânia e citado na Bíblia: “Vejo-a, mas não é agora, contemplo-a, mas não está perto: Uma estrela avança de Jacó, um cetro se levanta de Israel (…), um dominador sairá de Jacó” (Nm 24,17-19).

Iluminados pelas Escrituras Sagradas, os magos são novamente guiados pela maravilhosa estrela até o vilarejo de Belém. Chegando à casa onde moravam os pais com o menino, os magos prostram-se em adoração e oferecem seus presentes: ouro, porque ele é rei; incenso, porque é Deus e mirra, porque é homem mortal. Mais tarde, José de Arimateia e Nicodemos irão preparar o corpo de Jesus para a sepultura, utilizando 30 quilos de uma mistura de mirra e aloés (Jo 19,39).

Há dois caminhos que nos conduzem a Deus: Os sinais da natureza e os Livros Sagrados. Santo Agostinho fala de dois livros escritos por Deus: um livro que todos podem ler são as obras da Criação, outro são as Escrituras Sagradas. Estes são os livros que nos levam ao encontro com o Salvador da humanidade. Os magos leram os sinais nas estrelas e chegaram até Jerusalém. Julgavam que um rei deveria nascer num palácio. Mas iluminados pela Palavra de Deus, encontraram uma casa simples onde o menino-rei morava com seus pais, Maria e José.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A graça que frutifica, a graça que se perde

Frei Clarêncio Neotti

Fiquemos ainda no tema da luz. Na primeira leitura da Missa de hoje, Isaías fala da luz que chega a Jerusalém (1560,1): a luz do Senhor. As nações todas são atraídas por essa luz, e a alegria inundará a cidade (ls 60,3). Jesus adulto dirá: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12), ou seja, “eu sou a salvação do mundo”. A estrela dos Magos bem simboliza a salvação que chega, trazida por Cristo, que tira o pecado e repleta o mundo da alegria do encontro com o Senhor e da abundância das bênçãos divinas. Na segunda leitura, Paulo volta recordar que a luz, a salvação veio para todos, inclusive para os povos pagãos, hoje simbolizados nos Magos: “Os pagãos são também herdeiros conosco e membros do mesmo corpo, coparticipantes das promessas em Cristo Jesus” (Ef 3,6).

Celebramos hoje a universalidade da salvação. O Evangelho mostra-nos a presença de um sério problema: a coexistência de gente boa e gente má. Mais tarde, Jesus vai comparar esses dois tipos ao trigo e ao joio semeados num mesmo campo, parecidos entre si no crescimento, mas totalmente diferentes nos frutos (Mt 13,24-30). O Pai do Céu os deixa crescer, mas é rigoroso na colheita final. A presença do mal é um mistério (2Ts 2,7). A ação do maligno é uma desgraça. Todos temos a experiência do mal, e ninguém até hoje conseguiu explicá-lo. No episódio de hoje, Herodes encarna as pessoas más que, por terem medo do bem, procuram destruí-lo. Os Magos personificam o lado bom da humanidade à procura do Sumo Bem, encarnado em Jesus.

Jesus veio tanto para Herodes quanto para os Magos. Ninguém é excluído da graça. Assim como Jesus lembrou que o sol brilha para todos, bons e maus (Mt 5,45), também a salvação por ele trazida é para todos. Se olharmos o comportamento de Herodes e dos Magos, perceberemos por que no coração de uns a graça frutifica e no coração de outros a graça é estéril. Esse problema, que preocupa a tantos e a muitos até tem escandalizado, acompanhar-nos-á até o fim dos tempos. O Evangelista João, para expressar o mesmo problema, diz: “A luz resplandeceu nas trevas, mas as trevas não a compreenderam” (Jo 1,1). Na verdade, embora a salvação venha sempre pelo Cristo, ela depende da disposição, da procura e acatamento do nosso coração.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Dos que buscam a casa de Deus

Frei Almir Guimarães

Hoje, os Magos que o procuravam resplandecente nas estrelas, o encontram no berço. Hoje, os Magos veem claramente, envolvido em panos, aquele que há muito tempo procuravam de modo obscuro nos astros (São Pedro Crisólogo).

♦ Domingo da Epifania, domingo dos Magos. Desde nossa infância esses personagens misteriosos foram pedindo licença para ocupar lugar importante de nossa atenção. Havia o presépio das coisas singelas e simples e, de repente, alguém tirava de uma caixa de papelão esses senhores com pompa e coroas, montados em camelos e dando uma tonalidade um tanto grandiosa ao presépio do frágil menino. Ficamos sabendo que eram três. Chegou-se mesmo a dar-lhes nomes: Melchior, Gaspar e Baltasar. Mateus é o único evangelista a mencionar esses personagens que povoaram de cores e luzes nossa imaginação de crianças. O evangelista simplesmente diz que eram Magos e nada mais. Depois, bem depois, místicos e espirituais, nos disseram que eram buscadores de Deus, peregrinos da casa de Deus. Que significado tem esse episódio para nós?

♦ “É nossa própria história, história de nossa peregrinação sem fim, quem deciframos através dos doze versículos do evangelho de Mateus que nos falam desse magos vindos da longínqua Babilônia, guiados pela estrela, obstinados vencedores da imensidão dos desertos como da indiferença e da política na terra em que nasceu o Menino, chegando finalmente a encontrar a Criança e adorar o Deus salvador. É nossa história que lemos ou, dizendo melhor, que devíamos ler neste relato. Não somos todos peregrinos e viajantes, pessoas sem domicilio fixo mesmo quando nunca deixamos nossa casa? Vejam como o tempo passa, como os dias terminam, como a mudança é lei eterna de nossa existência, como estamos sempre indo para frente. Se sinceros somos podemos nos descrever como peregrinos…

♦ O profeta Isaías, na primeira leitura desta solenidade tem palavras de ânimo e de alento. “Levanta-te, acende as luzes Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor. Eis que está a terra envolvida em trevas, e nuvens escuras cobrem os povos; mas sobre ti apareceu o Senhor e a sua glória já se manifesta sobre ti. Os povos caminham à tua luz e os reis, ao clarão de tua aurora” (Is 60, 1-3). Luz, claridade, estrela… Os passos desses buscadores da casa de Deus serão guiados pela estrela.

♦ O Menino deitado nas palhas, no despojamento total, é a verdadeira luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo. Veio para todo o orbe. Vemos, com a chegada dos Magos, a procissão dos estrangeiros e dos diferentes que buscam a Deus guiados pela estrela. Os Magos representam homens e mulheres que carregam questionamentos e interrogações, que se sentem mal com uma vida vivida pela metade, que querem um sentido de vida pujante, que têm sede de plenitude. Fazem parte do grupo daqueles que Agostinho designa de gente de coração inquieto.

♦ “Hoje os contemplam maravilhados, no presépio, o céu na terra, a terra no céu, o homem em Deus, Deus no homem e, incluído no corpo pequenino de uma criança, aquele que o universo não pode conter. Vendo-o, proclamam sua fé e não discutem, oferecendo-lhe místicos presentes, incenso a Deus, ouro ao rei e mirra ao que haveria de morrer” (São Pedro Crisólogo).

♦ Deus em nosso meio, Deus com rosto de homem, irmão. Mistura do divino e do humano. Deus próximo, Deus Emanuel, Deus dos caminhos do Oriente e Jesus ressuscitado que vive nos chamando para segui-lo. Ele luz que veio a esse mundo para abrir os olhos aos cegos. Claridade da fé.

Os buscadores de Deus:

♥ Muitos nascemos em famílias católicas e fomos sendo envolvidos em ritos e símbolos. Passamos a viver no regime da religião. Muitos desses que foram batizados em criança tiveram ocasião de crescer no conhecimento do Senhor e sempre conservaram saudade da luz. Pode acontecer, no entanto, que muitas pessoas tenham se acostumado com a fé. Há o perigo da rotina, da separação de fé e vida, da privatização da fé. Tais pessoas perderam o gás, não têm o fogo de que fala o Evangelho. Deus não pode ser um mero acessório em nossa vida, ao lado de tudo o que chamamos de vida, de nossa vida.

♥ Há aqueles que tiveram uma catequese falha, que depois de um tempo de prática deixaram tudo. Formulam perguntas. Acham Deus mudo demais, indiferente a tudo, ao mundo, ao amanhã. Para estes talvez Deus tenha morrido.

♥ Há aqueles que interpelados pelo maravilhoso ou pelo trágico da vida sentem o brilhar de uma estrela, o mero cintilar de uma estrela: um filho que nasce, um fracasso conjugal, a união numa família toda complicada, uma visita na vida de pessoa que era como que um anjo do céu. E tudo mudo.

♥ Há os que encontram ou reencontram a fé frequentando as páginas dos Evangelhos e tentando descobrir o Deus de Jesus Cristo em suas posturas, no comportamento de gente que viveu perto de Jesus, na audácia de Paulo. São pessoas que aos poucos vão dando suas mãos a Zaqueu, ao filho pródigo, à viúva que deposita no cofre do templo tudo o que tem.

♥ Há os que descobrem a Deus na dedicação aos outros. Sua fé é marcada pelo encontro do Senhor nos seres humanos mais abandonados.

♥ Muitos conseguem alimentar sua fé frequentando grupos de pessoas límpidas que perscrutam suas vidas, iluminam suas historias com o evangelho. Pessoas que carregam uma pergunta: “Senhor, onde é a tua casa?”


Quem são esses Magos?
São esses diferentes, esses outros que chegam nesse tempo plural.
São caminhantes rumo a uma Jerusalém bem assentada.
São nômades que chegam a um mundo instalado.
São espreitadores de uma sociedade adormecida.
Constituem a alegria para um mundo triste.
Chegam a Jerusalém com uma pergunta nos lábios:
“Onde está o rei do judeus que acaba de nascer?”
Não precisamos de carregadores de perguntas nós que somos daqueles que conhecem todas as respostas?
Nós que sabemos tudo.
Os Magos chegam à cidade colocar uma bomba.
Chegam ao mais secreto de nós mesmos.
Veem para nos questionar.
São diferentes.
São o outro.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Cristo para os de longe

Pe. Johan Konings

Na Igreja oriental, 6 de janeiro é Natal. Na Igreja ocidental romana, é a Epifania, manifestação do Senhor. A Epifania, que acrescenta ao Natal? A manifestação de Cristo aos que vêm de longe. Deus avisou os magos do oriente a respeito do nascimento do Salvador. Os magos viviam em países longínquos, que o povo de Israel lembrava com certa amargura: a Babilônia, terra do exílio; a Arábia, terra inóspita … Representantes dessas terras tão alheias vão adorar o Messias na cidade de Davi, Belém – assim anunciam a 1ª leitura e o evangelho! A 2ª leitura aponta a unificação de Israel com os “gentios” (os pagãos do mundo grego, da Europa), no novo povo de Deus, que é a Igreja, corpo e presença atuante de Cristo no mundo de hoje. Todos participam da mesma herança: a salvação em Cristo Jesus.

O menino nascido em Belém atraiu os que viviam longe de Israel geograficamente. Mas a atração exercida por Jesus envolve também os social e religiosamente afastados, os pobres, os leprosos, os pecadores e pecadoras … Todos aqueles que de alguma maneira estão longe da religião estabelecida e acomodada recebem em Jesus um convite de Deus para se aproximarem dele.

Quem seriam esses “longínquos” hoje? Os muçulmanos do Iraque (a antiga Babilônia) e da Arábia? Por que não? Mas talvez a estrela brilhe de modo especial para os que, em nosso próprio ambiente católico, ficaram afastados do templo. O povinho que ficava no fundo da igreja, ou que não podia ir à igreja porque não tinha roupa decente … Graças a Deus estão surgindo capelas nos barracos das favelas, bem semelhantes ao lugar onde Jesus nasceu e onde a roupa não causa problema.

Há também os que se afastaram porque seu casamento despencou (muitas vezes se pode até questionar se ele foi realmente válido). Jesus se aproximou da samaritana, da pecadora, da adúltera … será que para estas pessoas não brilha alguma estrela em Belém?

E os que viraram as costas aos problemas do povo? Haverá um convite para esses, também?

Será que, numa Igreja renovada, o Menino Jesus poderá de novo brilhar para todos esses afastados, como sinal de salvação e libertação? Depende um pouco da atitude dos “fiéis”. Se ser fiel significa permanecermos com o nosso grêmio, com os nossos costumes de sempre, bem protegidos contra quem possa ter outra experiência de vida, outra visão do mundo, então a luz de Cristo não vai ser vista muito longe. Mas se ser fiel é entendido como a imitação da vida missionária de Jesus, que ia ao encontro daqueles que estavam longe, então vale lembrar os reis do oriente e celebrar a Epifania, a gloriosa manifestação do Filho de Deus.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão de Frei Gustavo Medella (vídeo)