Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

É pouco, mas é tudo…

Apresentação

32º Domingo do Tempo Comum

É pouco, mas é tudo…


Frei Gustavo Medella

“O pouco, meu filho, com Deus é muito! Já o muito, ah, o muito, sem Deus, é nada!” A sabedoria popular se faz Boa Notícia no Evangelho proclamado neste 32º Domingo do Tempo Comum. O texto de Marcos (Mc 12,38-44) relata o conhecido episódio do Óbolo da Viúva. A partir da generosidade daquela mulher simples e pobre, Jesus oferece aos discípulos uma aula de matemática a partir da lógica do Reino. Afinal, o próprio texto diz que, financeiramente, a quantia depositada pela mulher no cofre do templo era desprezível, duas moedas que não valiam quase nada. No entanto, tratava-se de tudo o que ela possuía para viver, ou seja, sua doação era total e sem reservas.

Em tempos modernos, certamente esta senhora não estaria no cadastro dos maiores doadores de qualquer campanha beneficente, nem seu nome constaria na lista dos clientes VIP de grandes lojas, companhias ou magazines. Mas, diante dos olhos sensíveis de Deus, capazes de contemplar o íntimo de cada coração, a generosidade da pobre viúva adquire status de top, vip, premium e qualquer outra qualificação que o mercado invente para exaltar a quantidade que se destaca pelo volume, pelo brilho, pelo estardalhaço.

Na primeira leitura, também é top a coragem, a ousadia e a fé da viúva de Sarepta, que não se furta em partilhar o pouco pão que possui com o profeta andarilho Elias. Gesto heroico de quem se propõe a colocar o quase nada que tem à disposição de alguém que sequer conhece. Estes gestos de generosa entrega, de certa forma, prefiguram o mistério de Jesus Cristo, Deus pleno que se faz todo entrega e doação, conforme descreve a segunda leitura, da Carta aos Hebreus (Hb 9,24-28).

O ensinamento das viúvas – a de Sarepta e a do Templo – e o testemunho de Jesus não deixam dúvida em relação ao que se espera daqueles que desejam ser discípulos do Senhor: cada um, de acordo com os próprios limites, é convidado a uma entrega total de si mesmo, fazendo jus a um outro célebre ditado que garante: “A verdadeira medida do amor é amar sem medida”.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFMé o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 

 

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura (1Rs 17,10-16)

 Leitura do Primeiro Livro dos Reis

Naqueles dias, 10 Elias pôs-se a caminho e foi para Sarepta. Ao chegar à porta da cidade, viu uma viúva apanhando lenha. Ele chamou-a e disse: “Por favor, traze-me um pouco de água numa vasilha para eu beber”.

11 Quando ela ia buscar água, Elias gritou-lhe: “Por favor, traze-me também um pedaço de pão em tua mão”. 12 Ela respondeu: “Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão. Só tenho um punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra. Eu estava apanhando dois pedaços de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho, para comermos e depois esperar a morte”.

13 Elias replicou-lhe: “Não te preocupes! Vai e faze como disseste. Mas, primeiro, prepara-me com isso um pãozinho e traze-o. Depois farás o mesmo para ti e teu filho. 14 Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘A vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até o dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra’”. 15A mulher foi e fez como Elias lhe tinha dito. E comeram, ele e ela e sua casa, durante muito tempo. 16A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra, conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias.

Responsório (Sl 145)

— Bendize, minh’alma, bendize ao Senhor!

— Bendize, minh’alma, bendize ao Senhor!

— O Senhor é fiel para sempre,/ faz justiça aos que são oprimidos;/ ele dá alimento aos famintos,/ é o Senhor quem liberta os cativos.

— O Senhor abre os olhos aos cegos,/ o Senhor faz erguer-se o caído;/ o Senhor ama aquele que é justo./ É o Senhor quem protege o estrangeiro.

— Quem ampara a viúva e o órfão,/ mas confunde os caminhos dos maus./ O Senhor reinará para sempre!/ Ó Sião, o teu Deus reinará/ para sempre e por todos os séculos!

Segunda Leitura (Hb 9,24-28)

 Leitura da Carta aos Hebreus

24Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor.

25E não foi para se oferecer a si muitas vezes, como o sumo sacerdote que, cada ano, entra no Santuário com sangue alheio. 26Porque, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes, desde a fundação do mundo. Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo.

27O destino de todo homem é morrer uma só vez e, depois, vem o julgamento. 28Do mesmo modo, também Cristo, oferecido uma vez por todas, para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam.

 

Jesus condena a dominação intelectual

Evangelho: Mc 12, 38-44

-* 38 E Jesus continuava ensinando: «Tenham cuidado com os doutores da Lei. Eles gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas; 39 gostam dos primeiros lugares nas sinagogas e dos lugares de honra nos banquetes. 40 No entanto, exploram as viúvas e roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas orações. Por isso eles vão receber uma condenação mais severa.»

A verdadeira atitude religiosa -* 41 Jesus estava sentado diante do Tesouro do Templo e olhava a multidão que depositava moedas no Tesouro. Muitos ricos depositavam muito dinheiro. 42 Então, chegou uma viúva pobre, e depositou duas pequenas moedas, que valiam uns poucos centavos. 43 Então Jesus chamou os discípulos, e disse: «Eu garanto a vocês: essa viúva pobre depositou mais do que todos os outros que depositaram moedas no Tesouro. 44 Porque todos depositaram do que estava sobrando para eles. Mas a viúva na sua pobreza depositou tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver.»

* 38-40: Jesus critica os intelectuais da classe dominante, que transformam o saber em poder, aproveitando-se da própria situação para viverem ricamente à custa das camadas mais pobres do povo. Disfarçando tal exploração com orações, isto é, com motivo religioso, tornam-se ainda mais culpados.
* 41-44: Enquanto os doutores da Lei «exploram as viúvas e roubam suas casas», uma viúva pobre deposita no Tesouro do Templo «tudo o que possuía para viver». É o único fato positivo que Jesus vê em Jerusalém. Por isso proclama solenemente esse gesto («eu garanto a vocês»), em contraposição à solenidade ostensiva dos ricos. Mostra, assim, o significado dessa oferta: as relações econômicas que devem vigorar numa sociedade que crê em Deus são as relações de doação total, que deixam as próprias seguranças, e não as relações baseadas no supérfluo.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Comentário de Frei Ludovico Garmus

32º Domingo do Tempo Comum, ano B

 Frei Ludovico Garmus, ofm

 Oração: “Deus de poder e misericórdia, afastai de nós todo obstáculo para que, inteiramente disponíveis, nos dediquemos ao vosso serviço”.

  1. Primeira leitura: 1Rs 17,10-16

A viúva, do seu punhado de farinha,

fez um pãozinho e o levou a Elias. 

Acab, rei de Israel, tinha casado com Jezabel, filha do rei pagão de Tiro e Sidônia, no atual Líbano. Jezabel promovia a religião do deus Baal, considerado o deus da fertilidade, em prejuízo da fé no Deus de Israel. Como punição pelo pecado de idolatria, Elias então anunciou uma seca, que duraria até que o Deus de Israel mandasse chuva. Jurado de morte, Elias teve que fugir. Por ordem de Deus, foi hospedar-se na casa de uma viúva em Sarepta, região donde viera a rainha. Lá Deus providenciou para o profeta uma hospedagem: “Eu ordenei a uma viúva de lá que te sustentasse” (v. 9). Chegando a Sarepta, o profeta pediu à viúva que lhe trouxesse água e pão. Ela jurou em nome do Deus de Israel que não tinha pão; na verdade, estava catando alguns gravetos para preparar o último pão para si e seu filho órfão, e depois esperaria a morte. Mesmo assim, Elias pediu-lhe que, primeiro, preparasse um pão para ele e só depois, para si e seu filho. E prometeu em nome do Senhor: Não faltará farinha nem azeite até Deus mandar chuva sobre a terra. Ela acreditou na palavra de Deus anunciada por Elias. E o pão partilhado com generosidade se multiplicou: “E comeram, ele e ela e sua casa, durante muito tempo” (veja o Evangelho e Mt 14,13-21; Jo 6,9). A historieta no ensina que o Deus de Israel é o protetor dos pobres, representados pela viúva e o órfão, e não Baal. – Os pobres confiam em Deus e partilham com mais facilidade o pouco que têm do que os ricos, que confiam nas riquezas.

Salmo responsorial: Sl 145

Bendize, minh’alma, bendize ao Senhor!

No Salmo, os nove verbos da ação divina em defesa dos oprimidos nos convidam a fazer o mesmo. É a Deus, defensor dos pobres, que louvamos?

  1. Segunda leitura: Hb 9,24-28

Cristo foi oferecido uma vez, para tirar os pecados da multidão.

Cada ano, na Festa da Expiação, o sumo sacerdote entrava no Santuário para oferecer um sacrifício cruento em expiação de seus pecados e dos pecados do povo. Jesus ofereceu uma única vez o sacrifício da própria vida em expiação dos pecados da humanidade toda, abolindo assim todos os sacrifícios do antigo Templo. Jesus ressuscitou e entrou definitivamente no santuário do céu, onde está junto de Deus como nosso intercessor. “O destino de todo homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento” (v. 27). Cristo voltará uma segunda vez (juízo final), para nos salvar. Nele podemos confiar, porque já agora intercede por nós junto do Pai.

Aclamação ao Evangelho

Felizes os pobres em espírito,

porque deles é o Reino dos Céus.

  1. Evangelho: Mc 12,38-44

Esta viúva pobre deu mais do que todos os outros. 

Os ensinamentos de Jesus aos discípulos e ao povo, durante a viagem, terminam com sua entrada triunfal em Jerusalém (cap. 11). No cap. 12 temos ensinamentos resultantes do confronto de Jesus com seus adversários e conclui-se com o Evangelho que hoje ouvimos. O texto se divide em duas cenas, ligadas pelo tema da viúva. Na primeira cena Jesus está ensinando o povo na área do Templo e tece críticas aos escribas ou doutores da Lei de Moisés. Os escribas e fariseus acusavam Jesus de não observar o sábado e outras prescrições da Lei. Jesus os critica porque não fazem o que ensinam: Usam roupas vistosas, exibem-se nas praças e sinagogas, mas, a pretexto de longas orações, “devoravam as casas das viúvas”. A mesma crítica vale, hoje, aos que ensinam o povo cristão, mas não praticam a mensagem.

Na segunda cena o evangelista mostra Jesus no Templo, sentado junto ao cofre das esmolas. Enquanto observava os mais ricos depositando punhados de moedas no cofre, Jesus viu uma pobre viúva que do fundo da sua bolsa tirou duas moedinhas e colocou-as no cofre. Era o cofre das esmolas que serviam para socorrer também os pobres de Jerusalém. Com os olhos de Deus, Jesus viu a cena e disse aos discípulos: “Esta viúva deu mais do que todos os outros”. De fato, ela ofereceu tudo o que tinha para vive; entregou sua vida nas mãos de Deus (1ª leitura!), enquanto outros, apenas o que lhes sobrava.

Jesus deve ter ficado muito feliz com o gesto generoso da viúva. Ela entregou sua vida nas mãos de Deus. Em breve Jesus também iria entregar sua vida para salvar a humanidade do pecado do egoísmo. Na esmola daquela pobre viúva Jesus viu o Reino de Deus que anunciava sendo vivido na prática. Cumpria-se o caminho das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Festa de Todos os Santos). A viúva, entregando sua vida nas mãos de Deus, mostrava que o caminho do Reino de Deus era viável para os discípulos: “Quem perder a sua vida por amor de mim e pela causa do Evangelho, há de salvá-la”.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Lição, que vai além da esmola

Frei Clarêncio Neotti

A lição, repito, é fundamental para compreender o Reino dos Céus. Marcos, além de fazer Jesus dar a lição sentado, isto é, como mestre, faz Jesus chamar para perto de si os discípulos (v. 43), isto é, quer que eles escutem a lição. E para dizer que a lição é importantíssima, põe na boca de Jesus a forma solene: “Em verdade vos digo” (v. 43).

A lição de hoje vai além, e muito além, da boa obra que é a esmola. A boa obra vem muito explicitada no livro de Tobias: “Dá esmola segundo as tuas posses. Se tiveres em abundância, dá esmola em proporção a teus bens. Se tiveres pouco, não tenhas receio de tirar desse pouco. Assim acumulas em teu favor um precioso tesouro. A esmola preserva da morte e não deixa entrar nas trevas. Para todos os que a praticam diante do Altíssimo, a esmola é oferenda de grande valor” (Tb 4,8-11). Por isso, seria de esperar que a viúva desse uma das moedas e ficasse com a outra. Mas a lição de Jesus é radical. Vai muito além da esmola. O verdadeiro discípulo de Jesus não dá alguma coisa do que tem a Deus ou ao próximo. Mas renuncia a tudo, em benefício de Deus e do próximo. Exatamente como fez Jesus, que não se apegou nem à sua humanidade nem à sua divindade (FI 2,6) e, morrendo nu na cruz em benefício de muitos, pôde dizer ao Pai: “Em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46), isto é, a minha existência, o meu destino, tudo o que sou. É o extremo da generosidade. É o extremo do amor.

As civilizações e as culturas costumam considerar a grandeza de alguém por seus bens materiais ou intelectuais. Aos olhos do mundo, a criatura humana é valorizada pelo que tem.

Poderíamos até dizer que o homem, quando escreve a história, fala dos reis, papas, chefes de Estado, vitoriosos guerreiros, escritores famosos, cientistas geniais. Aos olhos de Deus, eles terão feito história, se tiveram um coração semelhante ao da viúva de hoje, que muito se assemelha ao coração de Jesus.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A reluzente beleza de uma viúva

 Frei Almir Guimarães

Vamos avançando para o final do ano litúrgico. No primeiro domingo de dezembro começa, outra vez, o tempo do Advento. Seguiremos o evangelho de Lucas. Ainda lições de Marcos neste domingo. Queremos colocar em destaque a figura anônima de uma mulher viúva, seu coração reto e sua beleza interior.

As viúvas sempre ocuparam lugar importante no pensamento dos escritores sacros do velho e do novo testamento. Na perícope do Livro dos Reis vemos uma viúva sem nada a conversar com Elias. Quando o profeta chega à sua casa ela estava apanhando dois pedaços de lenha para fazer um pão para ela e seu filho e depois morrer. As viúvas, na Escritura, constituem pessoas pobres e dependentes da misericórdia dos outros. Precisam da caridade dos outros.

A viúva do evangelho é vista por Jesus por outro ângulo. Na primeira parte do trecho proclamado hoje há uma advertência de Jesus a respeito com os sabidos doutores da lei. Sentem-se importantes, satisfeitos com a vida e com sua posição superior diante dos outros. O linguajar de Jesus (ou de Marcos colocado nos lábios de Jesus) é forte. Os doutores gostam de ser cumprimentados e saudados nas praças, de ocupar os primeiros e melhores lugares nas sinagogas e nos banquetes. São pessoas que se bastam a si mesmas. Jesus, en passant, lembra que eles devoram as casas das viúvas.

Vem, então, a descrição do olhar de Jesus. Ele observa a multidão depositando suas esmolas  no cofre. Ricos colocavam grande quantidade de moedas. Talvez com estardalhaço. De repente, vinha se aproximando uma pobre viúva.  Podemos imaginá-la com roupas simples, chinelo de dedos, o dinheirinho enrolado num lenço. Duas pequenas moedas sem grande valor. Estava ali tudo o que tinha. Nada reservou para si.

Dar tudo. Dar a vida. Colocar à disposição do Senhor nosso ser. Não reservar uma parte. Dar o pouco de material, mas também a simplicidade de uma vida sem píncaros, não projetada nas redes sociais.

Jesus deu toda a sua vida pelo Reino. Chegou para ele o momento de dar a vida. Ninguém lha tirava. Ele a dava livremente. Nesse dom total, todo o amor. Nós, discípulos do Senhor, nos reunimos com ele na celebração de sua memória na Eucaristia.  Naquele momento levamos a pobreza e singeleza de nossa vida e as juntamos à sua oferenda amor. A Eucaristia é sempre para nós momento de colocar no cofre do templo o melhor que temos, sobretudo nossa pobreza.


Texto para reflexão

Sabemos dar o que nos sobra, mas não sabemos estar perto dos que talvez precisem de nossa companhia ou defesa. Damos de vez em quando nosso dinheiro, mas não somos capazes de dar parte de nosso tempo ou de nosso descanso. Damos coisas, mas recusamos  nossa ajuda  pessoal.

Oferecemos aos nossos idosos  residências cada vez mais bem equipadas, mas talvez estejamos negando-lhes o calor e o carinho  que nos pedem. Reclamos todo tipo de melhorias sociais para os deficientes, mas não nos agrada aceita-los em nossa convivência normal.

Na própria vida de família, não é, às vezes mais fácil, dar coisas aos filhos do que dar-lhe carinho e atenção próxima de que necessitam? Não é mais cômodo aumentar-lhes a mesada  do que aumentar o tempo dedicado a eles? (José Antonio Pagola, Marcos, p. 237)


Oração

Tu, Senhor, me conheces.

Conheces a minha vida e as minhas entranhas,

minhas veredas e  meus rodeios,

minhas dúvidas de sempre.

Tu és, apesar de meus erros, o Senhor de minhas alegrias e de minhas penas.

Deixa-me estar em tua presença.

Tranquiliza-me. Serena meu espírito.

Abre meus sentidos.

Lava-me com água fresca

(F. Ulíbarri)


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

A lição da viúva pobre

José Antonio Pagola

A cena é comovente. Uma pobre viúva se aproxima silenciosamente de um dos treze cofres de esmola colocados no recinto do templo, não longe do pátio das mulheres. Muitos ricos estão depositando quantidades importantes. Quase envergonhada, ela deposita suas duas moedinhas de cobre, as mais pequeninas que circulam em Jerusalém.

Seu gesto não foi observado por ninguém. Mas diante dos cofres está Jesus, vendo tudo. Comovido, Jesus chama os seus discípulos. Quer ensinar-lhes algo que só se pode aprender das pessoas pobres e simples. De ninguém mais.

A viúva deu uma quantidade insignificante e miserável, como ela própria. Seu sacrifício não será notado em lugar nenhum; não transformará a história. A economia do templo se sustenta com a contribuição dos ricos e poderosos. O gesto desta mulher não servirá praticamente para nada.

Jesus vê as coisas de outra maneira: “Esta pobre viúva depositou no cofre mais do que todos os outros”. Sua generosidade é maior e autêntica. “Os outros depositaram o que lhes sobra’, mas esta mulher que passa necessidade “deu tudo o que tinha para viver”.

Se é assim, esta viúva vive provavelmente mendigando na entrada do templo. Não tem marido. Não possui nada. Só um coração grande e uma confiança total em Deus. Se sabe dar tudo o que tem é porque “passa necessidade” e pode compreender as necessidades de outros pobres que são ajudados a partir do templo.

Nas sociedades do bem-estar estamos esquecendo o que é a “compaixão”. Não sabemos o que é “padecer com” aquele que sofre. Cada um se preocupa com as suas coisas. Os outros ficam fora de nosso horizonte. Quando alguém se instalou em seu cômodo mundo de bem-estar, é difícil “sentir” o sofrimento dos outros. Entendem-se cada vez menos os problemas dos outros.

Mas, como precisamos alimentar a ilusão de que ainda somos humanos e temos coração, damos “o que nos sobra” Não é por solidariedade. Simplesmente já não precisamos disso para continuar desfrutando nosso bem-estar. Só os pobres são capazes de fazer o que a maioria de nós estamos esquecendo: dar algo mais do que as sobras.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A verdadeira generosidade

Pe. Johan Konings

Tempo de seca. O profeta migrante Elias, aliviado pela água do córrego do Carit e alimentado pelos corvos do céu, dirige-se a Sarepta, no país vizinho (no Líbano). Pede a uma pobre viúva um pedaço de pão, e ela, com a última farinha, prepara-o para o profeta. Depois, não tendo mais nada, ela terá de morrer de fome, ela e seu filho. Milagrosamente, porém, a partir daquele momento a farinha não termina mais (1ª leitura).

A generosidade da pobre viúva tornou-se proverbial. Viúva naquela sociedade geralmente era pobre, sobretudo se não tivesse filho que a sustentasse. Assim era a viúva que entrou no templo, naquele dia em que Jesus estava observando a sala onde se depositavam as ofertas (evangelho). Ela tirou um donativo para o templo daquilo que lhe servia de sustento. Observa Jesus que os ricaços piedosos que passavam por aí davam uma ninharia de seu supérfluo, enquanto a viúva deu tudo quanto tinha para viver, “toda sua vida” (tradução literal). É essa a generosidade que Jesus preza. E essa prática da generosidade é acessível a ricos e pobres, especialmente aos pobres, porque são menos apegados. Isso é importante, pois no tempo de Jesus – e ainda hoje – há quem pense que é preciso ser rico para oferecer donativos e assim agradar a Deus.

A observação de Jesus faz parte de uma critica aos escribas que ensinam a Lei, mas entretanto exploram os pobres e “devoram as casas das viúvas” (Mc 12,38-41). Como? Induzindo as viúvas a entregar em herança as suas moradias em troca de uma pequena assistência? Não se sabe com exatidão a que Jesus se refere, mas sua observação constitui uma crítica violenta à generosidade calculista que encontramos em nossa sociedade hoje. Em vez de praticar a justiça social, em vez de fazer (e aplicar) leis que garantam a distribuição equitativa dos bens, a sociedade mantém um sistema de beneficência paterna lista, que justifica lucros maiores. As esmolas até se podem descontar do imposto …

A generosidade que Jesus preza é duplamente generosa. É radical, pois priva a gente do necessário. É gratuita, pois ocorre sob os olhos de Deus, com quem não é possível fazer negócios escusos. Dá-se tudo sem pedir nada de volta. “Loucura, a vida não é assim!” Mas na loucura está a felicidade de amar sem restrição nem cálculo, como que para responder ao infinito amor de Deus para conosco. Generosidade gratuita é imitação de Deus (Mt 5,45-48).

Mas, e o lucro que é o “céu”? “Deus te pague”, “Dar ao pobre é investir no céu” … Essas maneiras de falar, examinadas à lupa, mostram ainda muito egoísmo. Não devemos ser generosos para comprar o céu. Devemos ser generosos porque o céu já chegou até nós, porque Deus veio à nossa presença em Jesus. Em certo sentido já ganhamos o céu, porque Jesus se doou a nós. E é por isso que queremos ser generosos como a viúva da entrada do templo e a viúva de Sarepta. Por gratidão.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella