Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Domingos de Ramos e da Paixão do Senhor

Domingos de Ramos e da Paixão do Senhor

Um verdadeiro sentido pascal

 

Frei Gustavo Medella

Com o retorno às celebrações, neste Domingo da Paixão do Senhor, os ramos voltam às nossas mãos, para nos reunirmos à porta de nossas igrejas e caminharmos para dentro do templo recordando a entrada solene de Jesus em Jerusalém: “Hosana Hey!”, “Hosana ao Filho de Davi!”.

Nesta Jerusalém também teremos de lidar com o absurdo e o paradoxo de mandarmos crucificar aquele mesmo a quem poucos dias atrás aclamamos como Rei. É a Paixão de Cristo que se atualiza no grito surdo dos sofrimentos silenciosos que muitos de nossos irmãos e irmãos enfrentam no seio do local que deveria ser seu porto seguro. As chicotadas do carrasco sobre as costas doloridas do Senhor se atualizam na solidão de idosos abandonados, na violência doméstica sofrida por tantas mulheres, na panela vazia do chefe de família que não tem o que comer para si e para seus filhos, na situação insalubre e desumana a que tantos estão submetidos pela falta de água, luz, saneamento, pela falta de moradia. Cada gesto de egoísmo, intolerância e desumanidade que praticamos é uma martelada seca e dolorosa no cravo que dilacera a carne de Cristo sobre o madeiro da cruz.

Seguindo com o Mestre, perceberemos sua presença solidária e silenciosa no sepulcro das tantas incertezas que temos vivido dia a dia. O silêncio de tantas perguntas sem resposta que brotam no profundo de nossos corações: “Quando tudo isso vai passar? O que será de nós daqui para frente?” Nesta hora, não adianta a pressa. As respostas vêm num ritmo que não é nosso e não depende de nós. É hora de fazermos coro ao grito de Cristo: “Eu me entrego, Senhor, em tuas mãos”.

Tal situação, humanamente difícil de ser suportada, adquire um sentido de esperança quando com ela lidamos a partir da lógica da Ressurreição. Mais do que nunca esta Páscoa vem nos ensinar que esperança verdadeira não é necessariamente a certeza de que tudo vai dar certo ou sairá conforme planejamos, mas a capacidade que Jesus nos oferece de conferir a tudo o que nos acontece um verdadeiro sentido pascal, enxergando no horizonte a luz da vida e da Ressurreição.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos deste domingo

Primeira Leitura: Isaías 50,4-7

4O Senhor Deus deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida; ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo. 5O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás. 6Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. 7Mas o Senhor Deus é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado.


Salmo Responsorial: Sl 21(22)

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

1. Riem de mim todos aqueles que me veem, / torcem os lábios e sacodem a cabeça: / “Ao Senhor se confiou, ele o liberte / e agora o salve, se é verdade que ele o ama!” – R.

2. Cães numerosos me rodeiam furiosos, / e por um bando de malvados fui cercado. / Transpassaram minhas mãos e os meus pés, / e eu posso contar todos os meus ossos. – R.

3. Eles repartem entre si as minhas vestes / e sorteiam entre si a minha túnica. / Vós, porém, ó meu Senhor, não fiqueis longe, / ó minha força, vinde logo em meu socorro! – R.

4. Anunciarei o vosso nome a meus irmãos / e no meio da assembleia hei de louvar-vos! / Vós que temeis ao Senhor Deus, dai-lhe louvores, † glorificai-o, descendentes de Jacó, / e respeitai-o, toda a raça de Israel! – R.


Segunda Leitura: Filipenses 2,6-11

6Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, 7mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, 8humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz. 9Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo nome. 10Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra 11e toda língua proclame: “Jesus Cristo é o Senhor”, para a glória de Deus Pai.


Evangelho:

Mateus 27,11-54 – mais breve

Jesus Cristo se tornou obediente, / obediente até a morte numa cruz; / pelo que o Senhor Deus o exaltou / e deu-lhe um nome muito acima de outro nome (Fl 2,8s). – R.

N (Narrador): Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo segundo Mateus – Naquele tempo, 11Jesus foi posto diante de Pôncio Pilatos, e este o interrogou:

L (Leitor): Tu és o rei dos judeus?

N: Jesus declarou:

P (Presidente): É como dizes.

N: 12E nada respondeu, quando foi acusado pelos sumos sacerdotes e anciãos. 13Então Pilatos perguntou:

L: Não estás ouvindo de quanta coisa eles te acusam?

N: 14Mas Jesus não respondeu uma só palavra, e o governador ficou muito impressionado. 15Na festa da Páscoa, o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse. 16Naquela ocasião, tinham um prisioneiro famoso, chamado Barrabás. 17Então Pilatos perguntou à multidão reunida:

L: Quem vós quereis que eu solte: Barrabás ou Jesus, a quem chamam de Cristo?

N: 18Pilatos bem sabia que eles haviam entregado Jesus por inveja. 19Enquanto Pilatos estava sentado no tribunal, sua mulher mandou dizer a ele:

L: Não te envolvas com esse justo! Porque esta noite, em sonho, sofri muito por causa dele.

N: 20Porém os sumos sacerdotes e os anciãos convenceram as multidões para que pedissem Barrabás e que fizessem Jesus morrer. 21O governador tornou a perguntar:

L: Qual dos dois quereis que eu solte?

N: Eles gritaram:

G (Grupo ou assembleia): Barrabás.

N: 22Pilatos perguntou:

L: Que farei com Jesus, que chamam de Cristo?

N: Todos gritaram:

G: Seja crucificado!

N: 23Pilatos falou:

L: Mas que mal ele fez?

N: Eles, porém, gritaram com mais força:

G: Seja crucificado!

N: 24Pilatos viu que nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão e disse:

L: Eu não sou responsável pelo sangue deste homem. Este é um problema vosso!

N: 25O povo todo respondeu:

G: Que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos.

N: 26Então Pilatos soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus e entregou-o para ser crucificado. 27Em seguida, os soldados de Pilatos levaram Jesus ao palácio do governador e reuniram toda a tropa em volta dele. 28Tiraram sua roupa e o vestiram com um manto vermelho; 29depois teceram uma coroa de espinhos, puseram a coroa em sua cabeça e uma vara em sua mão direita. Então se ajoelharam diante de Jesus e zombaram, dizendo:

G: Salve, rei dos judeus!

N: 30Cuspiram nele e, pegando uma vara, bateram na sua cabeça. 31Depois de zombar dele, tiraram-lhe o manto vermelho e, de novo, o vestiram com suas próprias roupas. Daí o levaram para crucificar. 32Quando saíam, encontraram um homem chamado Simão, da cidade de Cirene, e o obrigaram a carregar a cruz de Jesus. 33E chegaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer “lugar da caveira”. 34Ali deram vinho misturado com fel para Jesus beber. Ele provou, mas não quis beber. 35Depois de o crucificarem, fizeram um sorteio, repartindo entre si as suas vestes. 36E ficaram ali sentados, montando guarda. 37Acima da cabeça de Jesus, puseram o motivo da sua condenação: “Este é Jesus, o rei dos judeus”. 38Com ele também crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus. 39As pessoas que passavam por ali o insultavam, balançando a cabeça e dizendo:

G: 40Tu que ias destruir o templo e construí-lo de novo em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!

N: 41Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, junto com os mestres da lei e os anciãos, também zombavam de Jesus:

G: 42A outros salvou… a si mesmo não pode salvar! É rei de Israel… Desça agora da cruz! e acreditaremos nele. 43Confiou em Deus; que o livre agora, se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus.

N: 44Do mesmo modo, também os dois ladrões, que foram crucificados com Jesus, o insultavam. 45Desde o meio-dia até as três horas da tarde, houve escuridão sobre toda a terra. 46Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito:

P: Eli, eli, lamá sabactâni?

N: Que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” 47Alguns dos que ali estavam, ouvindo-o, disseram:

G: Ele está chamando Elias!

N: 48E logo um deles, correndo, pegou uma esponja, ensopou-a em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e lhe deu para beber. 49Outros, porém, disseram:

G: Deixa, vamos ver se Elias vem salvá-lo!

N: 50Então Jesus deu outra vez um forte grito e entregou o espírito.

Todos se ajoelham e faz-se uma pausa.

N: 51E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a terra tremeu e as pedras se partiram. 52Os túmulos se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram! 53Saindo dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, apareceram na cidade santa e foram vistos por muitas pessoas. 54O oficial e os soldados que estavam com ele guardando Jesus, ao notarem o terremoto e tudo que havia acontecido, ficaram com muito medo e disseram:

G: Ele era mesmo Filho de Deus!

N: Palavra da salvação.

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

Domingo de Ramos

 Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, para dar aos homens um exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e morresse na cruz. Concedei-nos aprender o ensinamento da sua paixão e ressuscitar como ele em sua glória”. 

  1. Leitura: Is 50,4-7

Não desviei o meu rosto das bofetadas e cusparadas.
Sei que não serei humilhado.

O texto de hoje traz as palavras do 3º Cântico do Servo Sofredor. É uma figura profética que está entre os judeus exilados na Babilônia. Ele está convencido de ter recebido uma missão da parte de Deus para levar uma mensagem de conforto para os exilados desanimados. O Servo apresenta-se como um discípulo obediente, atento a cada manhã para receber a mensagem divina que deverá transmitir. Mas, para cumprir esta missão, enfrentará o desprezo e o sofrimento.

Embora ameaçado de morte pelos adversários, Jesus entra resolutamente em Jerusalém para cumprir sua missão até o fim. Confiando no auxílio divino, Jesus não se deixou abater, mas foi fiel até a morte de cruz; por isso, foi glorificado por Deus, que o tornou “Senhor” (2ª leitura).

Salmo responsorial: Sl 21

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

  1. Segunda leitura: Fl 2,8-9

Humilhou-se a si mesmo;
por isso, Deus o exaltou acima de tudo. 

Jesus, Filho de Deus, podia ter escolhido o caminho do poder, mas esvaziou-se de si mesmo e assumiu a condição de servo. Apresentando-se como quem é “manso e humilde de coração” (Mt 11,29), procurou socorrer os mais necessitados (Mt 27,42). Não se identificou com a classe dominante, mas com a maioria das pessoas, sujeitas à dominação, exploradas, desprezadas, marginalizadas; tornou-se solidário com todos os “crucificados” da história humana. Como o Servo do Cântico de Isaías, foi obediente até a morte de cruz. Por isso, o Pai o ressuscitou dos mortos. O exemplo de Cristo tornou-se o caminho do cristão.

Aclamação ao Evangelho

Salve, ó Cristo obediente! / Salve, amor onipotente,
que te entregou à cruz/ e te recebeu na luz!

  1. Evangelho: Mt 26,14–27,66

“Ele era mesmo Filho de Deus”.

Jesus não é entregue à morte contra a sua vontade. Ele se entrega nos sinais do pão e do vinho, na doação livre de sua vida, de seu corpo e de seu sangue. Se quisesse pedir, o Pai lhe enviaria em socorro 12 legiões de anjos. Renuncia ao poder e à violência e se entrega humildemente nas mãos do Pai, para que se cumpram as Escrituras (26,53). É traído por Judas e negado por Pedro, que se arrepende. É condenado à morte pelo Sinédrio porque se apresenta como o Cristo e Filho de Deus. Judas entra em desespero e se enforca. Os sumos sacerdotes entregam Jesus a Pilatos, porque só ele podia condenar alguém à morte.

A acusação diante do governador romano é de caráter político, como se vê na pergunta de Pilatos: “Tu és o rei dos judeus”? Sob pressão da multidão, “sabendo que haviam entregue Jesus por inveja”, Pilatos propõe a escolha entre Barrabás e Jesus que chamam de Messias. O povo, instigado pelos sumos sacerdotes, escolhe Barrabás, preso por suas aspirações messiânicas de caráter político, e rejeita o próprio Messias, Servo do Senhor (27,21-22). – Destacam-se algumas afirmações próprias de Mateus: o sonho da mulher de Pilatos (27,19); Pilatos que lava as mãos, responsabilizando a multidão (27,24-25); o terremoto, a cortina do templo que se rasga, e a ressurreição dos mortos na hora da morte de Jesus (27,51b-53). Os judeus zombam de Jesus como Messias (26,68) e os soldados romanos como rei (27,27-31). Nas zombarias, dirigidas a Jesus na cruz, aparece o motivo da destruição do Templo (26,60-62), usado como acusação contra Jesus no processo do Sinédrio; os chefes religiosos lembram a ação salvadora de Jesus, mas agora incapaz de salvar-se a si mesmo; a confiança de Jesus em Deus, que agora abandona seu Filho; a confissão do centurião romano que diz: “Ele era mesmo Filho de Deus”. Por fim, os guardas que os sumos sacerdotes colocam como vigias junto ao túmulo, para que o corpo de Jesus não fosse roubado pelos discípulos.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A morte na Cruz revela um homem-Deus

Frei Clarêncio Neotti

O verso 64 do capítulo 26 “vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” dá uma visão nova à Paixão. A morte não está sendo vista como uma vergonha, mas como caminho de glória, uma ‘teofania’, isto é, uma manifestação de Deus. Várias vezes Jesus aplica a si a expressão do profeta Daniel ‘Filho do Homem’. Também nesse momento em que é julgado e condenado, ele aproxima a expressão à glória divina. Por um lado, a expressão ‘filho do homem’, na linguagem poética do tempo, tinha um sentido adjetivo de “criatura pequena, frágil, insignificante” – que cabia bem a Jesus amarrado, açoitado, sem defesa. Por outro lado, ‘Filho do Homem’, desde o profeta Daniel, significava “um ser misterioso, conduzido por Deus sobre as nuvens do céu para receber a realeza divina” (Dn 7,13ss.).

Ao chamar-se com esse apelido, talvez Jesus quisesse afastar a ideia de um messias terreno, com força militar e estratégia humana, e acentuar sua origem, seu poder e destino divinos. A um messias apenas humano, os inteligentes poderiam compreender, adaptar-se a ele sem deixar os interesses pessoais. Mas a um messias divino quem quisesse compreender e seguir deveria renunciar-se primeiro. Jesus mesmo prevenira: “Se alguém quiser me seguir, renuncie primeiro a si mesmo” (Mc 8,34). O momento da Paixão era decisivo. Decisivo para Jesus, Filho de Deus Salvador. Decisivo para os discípulos a quem Jesus pedia: “Crede em mim!” (Jo 14,1).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A porta de entrada na Semana das Semanas

Frei Almir Guimarães

♦ “Vinde, subamos juntos ao Monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério da nossa salvação” (Santo André de Creta, Lecionário Monástico II, p. 511).

♦ Chegamos aos dias da Semana Santa. Um duplo sentimento toma conta de nós quando acompanhamos os passos da liturgia: alegria pelo Rei que entra triunfantemente em Jerusalém, mas humildemente sentado num burrico. Aqueles que esperavam a redenção imediata para o povo, cantam, acenam ramos, atapetam o caminho por onde ele deve passar. Quando a procissão dos ramos penetra no templo, tudo é austeridade: leitura das dores do servo de Javé. Paulo escreve aos Filipenses falando daquele que, de condição divina, agora era obediente até a morte e morte de cruz. Tudo culminando com a leitura da Paixão quando ouvimos o grito de abandono: “Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonaste?”.

♦ A meditação de todas essas passagens nos mergulha num clima de reconhecimento de nossas faltas e também faz nascer em nós desejo enorme de pedido de perdão. No final da liturgia sentimos que passamos por uma porta que vai nos permitir acompanhar os passos do amor sem limites. O amor do Senhor foi tão grande que esta semana só pode ser um tempo de recolhimento, de silêncio e de imersão total no abismo do amor de Deus. Passaremos o tempo batendo no peito e dizendo: “Piedade, Senhor, piedade!”.

♦ Um pouco antes de entrar em Jerusalém, Jesus havia estado em casa de Marta, Maria e Lázaro, seus amigos. Sentira aperto no coração? Experimentara frio e solidão? Precisava de fôlego que lhe seria dado pelos que o amavam e estimavam? É assim. Na hora da dor, os amigos podem nos valer.

♦ A Procissão dos Ramos evoca, pois, a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. O formulário da bênção das palmas suplica o olhar do Altíssimo sobre os ramos que os fiéis carregam em sinal de sua adesão a Cristo Rei que ingressa em sua cidade sentado num burrico. A festa de hoje é exaltação do Cristo-Rei. Os paramentos são vermelhos e lembram o fogo do amor e do martírio. Em toda a Semana Santa o que ocorre é esse paradoxo de dor e de alegria.

♦ Carregamos em nossas mãos ramos. Acompanhamos o Cristo na procissão de entrada. Ele é nosso Rei. Não somos donos de nós mesmos. Ele é o centro de nossa vida, de nossa vida de cristãos, de nossa família. Para ele, orientamos o melhor de nós mesmos. Fazemos questão de guardar o ramo deste domingo em nossa casa. Haveremos de olhar para ele como um sacramental, um sinal de uma vivência religiosa profunda.

♦ “O Senhor vem, mas não rodeado de pompa como se fosse conquistar a glória. Ele não discutirá, diz a Escritura, nem gritará, nem ninguém ouvirá sua voz. Pelo contrário, será manso e humilde se apresentará com vestes pobres e aparência modesta” (André de Creta, ut supra, p. 511).

♦ Jesus entra em Jerusalém montado num jumento. O gesto marca a pobreza e a simplicidade do Messias. Pede que lhe providenciem um asno que depois haverá de devolver. O burrico é a cavalgadura do Messias pobre e humilde de Zacarias (9,9). Insistamos: o burrico é apenas emprestado. Por sua vez, o cortejo que acompanha Jesus mostra características reais expressas nos mantos estendidos pelo chão e nas palavras de ovação. Há diferença entre a maneira como Jesus de um lado e as pessoas encaram a situação.

♦ “Em vez de ramos e mantos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo, revestido dele próprio – vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo (Gl 3,27) – prostremo-nos a seus pés com mantos estendidos” (André de Creta, ut supra, p. 512).


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

O caminho para salvar o ser humano

José Antonio Pagola

Para um cristão, a cruz de Cristo não é mais um acontecimento que se perde no passado. É o acontecimento decisivo no qual Deus salva a humanidade. Por isso, a vida de Jesus entregue até a morte nos revela o caminho para libertar e salvar o ser humano.

A cruz nos revela, em primeiro lugar, que é importante “tomar sobre si o pecado”. É claro que devemos eliminar o mal e a injustiça, devemos combatê-los de todas as formas possíveis. Mas devemos também estar dispostos a assumir esse mal até onde for preciso. Jesus redime sofrendo. Só aqueles que se comprometem até sofrer o mal em sua própria carne humanizam o mundo.

Além disso, a cruz nos revela que o amor redime da crueldade. Muitos dirão que o importante é a defesa da democracia e de seus valores. Para que queremos o amor? O amor é necessário para chegarmos a ser simplesmente humanos. Esquece-se que o próprio Iluminismo baseou a democracia na “liberdade, igualdade e fraternidade”. Hoje insiste-se muito na liberdade, bem pouco se fala da igualdade e nada se diz da fraternidade. Cristo redime amando até o final. Uma democracia sem amor fraterno não levará a uma sociedade mais humana.

A cruz também revela que a verdade redime da mentira. Costuma-se pensar que, para combater o mal, o que é importante é a eficácia das estratégias. Isso não é certo. Se não há vontade de verdade, se difundimos a mentira ou encobrimos a realidade, estamos obstaculizando o caminho que leva à reconciliação. Cristo redime dando testemunho da verdade até o fim. Só aqueles que buscam a verdade acima de seus próprios interesses humanizam o mundo.

Nossa sociedade continua necessitando urgentemente de amor e verdade. É inegável que devemos concretizar suas exigências entre nós. Mas concretizar o amor e a verdade não significa desvirtuá-los ou manipulá-los: menos ainda eliminá-los. Aqueles que “tomam sobre si o pecado” de todos, e continuam lutando até o final para pôr amor e verdade entre os humanos, geram esperança. O teólogo alemão Iürgen Moltmann faz esta afirmação: “Nem toda vida é motivo de esperança, mas sim esta vida de Jesus que, por amor, toma sobre si a cruz e a morte”.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Obediência de Jesus até a morte

Pe. Johan Konings

Muitos cristãos pensam que Deus obrigou Jesus a morrer para pagar com seu sangue os nossos pecados. Será que um tal Deus se pode chamar de “pai”? Que significa que Jesus foi obediente até a morte? No relato da paixão de Nosso Senhor (evangelho), Mateus vê o Messias sob o ângulo da realização do projeto do Pai (cf. 3,15). Jesus realiza o modelo do Servo-discípulo, que pede a Deus “um ouvido de discípulo” para proclamar a sua vontade com “boca de profeta” e lhe ser fiel até o fim (1ª leitura).

A fidelidade à missão de Deus é que faz de Jesus o Messias e Salvador. Jesus não veio para “fazer qualquer coisa”, mas para realizar o projeto do Pai. Ensina-nos a obediência até a morte como instrumento da salvação do mundo (2ª leitura).

Pois quem sabe o que é preciso para salvar o mundo é Deus. Ele sabe que a morte daquele que manifesta seu amor infinito é a resposta suprema ao supremo desafio do mal. Jesus poderia ter sido infiel a Deus, pois era livre. Mas então teria sido infiel a si mesmo, Servo, Discípulo, Messias e Filho. Levou a termo a obra iniciada: pregar e mostrar o amor de Deus – até no dom da própria vida.

O exemplo de Cristo nos ensina o caminho da libertação. Vamos realizar a missão de libertar o mundo pela fidelidade radical à vontade do Pai. Por isso, devemos “prestar-lhe ouvidos”- sentido original de “obediência”. Obedecer não é deserção da liberdade. É unir nossa vontade à vontade do Pai, para realizar seu projeto de amor, e a outras vontades (humanas) que estão no mesmo projeto. E é também dar ouvidos ao grito dos injustiçados, que denuncia o pisoteamento do plano de Deus. Só depois de ter escutado todas essas vozes poderemos ser verdadeiros porta-vozes, profetas, para denunciar e anunciar… Profetismo supõe obediência e contemplação.

Deus não obrigou Jesus a pagar por nós, nem desejou a morte dele. Só desejava que ele fosse seu Filho. Esperava dele a fidelidade a seu plano de amor e que ele agisse conforme este plano. Jesus foi fiel a esta missão até o fim. Quem quis a sua morte não foi Deus, e sim os homens que o rejeitaram.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella