Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Domingo da Páscoa do Senhor

Domingo da Páscoa do Senhor

A Páscoa nossa de cada dia

 

Frei Gustavo Medella

“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro” (Lc 20, 1a). Madrugada é hora do sono, da vigilância, da emergência, da transição entre noite e dia, da balada. É hora da insônia, da solidão, dos pensamentos estranhos, dos medos, das preocupações.

Para Maria Madalena, hora do gesto de carinho discreto e silencioso para com o Mestre, ou melhor, para com sua sepultura. Em seu pensamento, a partir de agora, passar uma vassoura ao redor da sepultura e colocar algumas singelas flores por ali era a única forma possível de reverenciar aquele que para ela fora tão importante.

Certamente, trazia consigo saudade e resignação que, prontamente, transformaram-se em susto quando ela percebeu que o túmulo estava vazio. Certamente, o mesmo vazio por um instante tomou conta do seu coração, afinal, não podia fazer ideia do que teria acontecido ao seu Senhor.

A narrativa prossegue relatando a entrada de Simão Pedro e do outro discípulo na história, descrevendo como encontraram os panos dispostos no túmulo, encerrando-se com o seguinte versículo: “De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos” (Lc 20,9).

Deste episódio, algumas lições pontuais que a Páscoa pode trazer para a vida:

1) Mesmo sem ter clareza da ressurreição, Maria Madalena é exemplo de fidelidade e cuidado, revelando que a força do amor é sempre capaz de superar a dor da morte. Seu gesto por si já representa uma profissão de fé no Ressuscitado. Onde o amor está presente, a Páscoa acontece.

2) A madrugada não traz consigo uma escuridão definitiva, mas é o prenúncio da luz do dia, assim como a morte de Cristo não foi o seu fracasso, mas a porta de entrada para a vida plena. Onde a esperança está presente, a Páscoa acontece.

3) O susto também está presente na cena. As surpresas da ressurreição vêm revelar a criatividade surpreendente de Deus, que deseja despertar no ser humano as melhores qualidades que cada um traz dentro de si. Onde a capacidade de se admirar está presente, a Páscoa acontece.

4) Mesmo próximos de Jesus, os discípulos custaram a compreender a dinâmica da ressurreição. Os esclarecimentos surgiram aos poucos, já na caminhada pós-pascal. Isto significa que a Páscoa não se reduz a um acontecimento a ser apreendido pela razão, mas uma verdade a ser vivida no coração. Onde a disposição do coração está presente, a Páscoa acontece.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Atos 10,34.37-43

Naqueles dias, 34Pedro tomou a palavra e disse: 37“Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João: 38como Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os que estavam dominados pelo demônio, porque Deus estava com ele. 39E nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, pregando-o numa cruz. 40Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia, concedendo-lhe manifestar-se 41não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia escolhido: a nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos. 42E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu juiz dos vivos e dos mortos. 43Todos os profetas dão testemunho dele: ‘Todo aquele que crê em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados’”.
Palavra do Senhor.


SL 117(118)
Este é o dia que o Senhor fez para nós: / alegremo-nos e nele exultemos!
Dai graças ao Senhor, porque ele é bom! / “Eterna é a sua misericórdia!” / A casa de Israel agora o diga: / “Eterna é a sua misericórdia!” – R.
A mão direita do Senhor fez maravilhas, / a mão direita do Senhor me levantou. / Não morrerei, mas, ao contrário, viverei / para cantar as grandes obras do Senhor! – R.
A pedra que os pedreiros rejeitaram / tornou-se agora a pedra angular. / Pelo Senhor é que foi feito tudo isso: / que maravilhas ele fez a nossos olhos! – R.


Segunda Leitura: Colossenses 3,1-4

Irmãos, 1se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, 2onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. 3Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. 4Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória.
Palavra do Senhor.


Evangelho: João 20,1-9
1No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. 2Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”. 3Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. 4Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. 5Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. 6Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão 7e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. 8Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu e acreditou. 9De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.
Palavra da salvação.

Na missa vespertina, pode-se proclamar o Evangelho de Lucas 24,13-35.

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Páscoa do Senhor, ano C

 Oração: “Ó Deus, por vosso Filho Unigênito, vencedor da morte, abristes hoje para nós as portas da eternidade. Concedei que, celebrando a ressurreição do Senhor, renovados pelo vosso Espírito, ressuscitemos na luz da vida nova”.

  1. Primeira leitura: At 10,34a.37-43

Comemos e bebemos com ele depois que ressuscitou dos mortos.

Lucas traz um exemplo de como poderia ser o querigma, sito é, a pregação inicial dos apóstolos, testemunhas da ressurreição de Cristo, para os que ouviram falar de Jesus, mas, ainda não conheciam a fé cristã. Pedro está na casa de Cornélio, comandante do exército romano, que o convidou para que falasse sobre Jesus de Nazaré, algo mais do que ele já conhecia. Por isso, Pedro não perde tempo em falar de coisas conhecidas: “Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo pregado por João”. Invertendo a frase, temos a estrutura dos evangelhos sinóticos: atividade de João Batista, atividade de Jesus na Galileia, paixão e morte de Jesus na Judeia. Pedro afirma que Jesus andou por toda a parte só fazendo o bem, porque “foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder” (v. 38). Apesar do bem que fazia na terra dos judeus e em Jerusalém, Jesus acabou sendo morto, pregado numa cruz. Mas Deus o ressuscitou dos mortos, ao terceiro dia, e Jesus se manifestou a eles. Os apóstolos foram escolhidos como testemunhas qualificadas, porque “comeram e beberam com Jesus depois que ressuscitou dos mortos”. Jesus foi constituído por Deus como Juiz dos vivos e dos mortos. Quem nele crê recebe o perdão dos pecados.

Salmo responsorial

Este é o dia que o Senhor fez para nós:

alegremo-nos e nele exultemos.

  1. Segunda leitura: Cl 3,1-4

Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo.

O autor do texto que ouvimos convida os cristãos a guiarem sua vida pelos valores celestes e não pelos da terra. O cristão deve morrer para tudo que leva ao pecado, para viver uma vida nova em Cristo. Isso é simbolizado pelo batismo: No símbolo da imersão na água batismal morre o homem velho e, ao emergir, nasce o homem novo, para viver uma vida nova em Cristo. Como Cristo ressuscitou e está com Deus, diz o autor, assim nossa vida “está escondida, com Cristo, em Deus”. Esta vida se manifestará quando Cristo voltar triunfante em sua glória, no fim dos tempos. É o que diz Paulo ao falar da ressurreição dos mortos: “Cristo ressuscitou dos mortos como o primeiro dos que morreram”. Por isso, “assim, em Cristo todos reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: Cristo como primeiro fruto, em seguida os que forem de Cristo por ocasião de sua vinda” (1Cor 15,20-23). Quando isso acontecer, “o último inimigo a ser vencido será a morte (1Cor 15,26). Para Marta, que chorava a morte de seu irmão Lázaro, Jesus diz: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo 11,25). Para quem crê em Cristo morto e ressuscitado, “O homem não nasce para morrer; morre para ressuscitar” (L. Boff).

Aclamação ao Evangelho:
Aleluia, Aleluia, Aleluia.

O nosso cordeiro pascal, Jesus Cristo, já foi imolado.

Celebremos, assim, esta festa, na sinceridade e verdade.

  1. Evangelho: Jo 20,1-9

Ele devia ressuscitar dos mortos.

No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai de madrugada ao túmulo e encontra a pedra removida. É uma das mulheres que estavam junto à cruz, com a mãe de Jesus e o discípulo que Jesus amava. Não vai ao túmulo para ungir o corpo de Jesus, como as mulheres em Mc 16,1, pois Nicodemos e José de Arimateia já o tinham feito, usando aromas e trinta quilos de mirra e aloés (Jo 19,39-40). Como a mulher do Cântico dos Cânticos (Ct 3,1), bem de madrugada, ainda “no escuro”, ela sai para visitar o sepulcro e chorar o seu amado. Vendo a pedra removida, sai correndo para avisar a Pedro e ao outro discípulo: “Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram”. Os dois discípulos também correm para verificar o que aconteceu e buscar uma explicação. Com o Senhor morto e o sepulcro fechado, a vida parecia ter parado. Mas a pedra, que parecia selar para sempre o destino do Mestre, foi removida e o sepulcro estava aberto e vazio. O túmulo vazio, esvazia o poder da morte (1Cor 15,26). Primeiro entra Pedro e encontra apenas as faixas de linho, que envolviam o corpo, e o sudário, que envolvia a cabeça de Jesus. Depois entra o outro discípulo e encontra as mesmas coisas que Pedro; mas, ele “viu e creu”.

Por que Pedro viu apenas viu um sepulcro vazio e panos espalhados pelo chão? Por que o discípulo amado, a testemunha por excelência, “viu e creu”? Pedro pode ter pensado o que Madalena pensou: alguém roubou o corpo de Jesus, boato mencionado por Mateus. O discípulo amado, fiel a Jesus até aos pés da cruz, acreditou nas Escrituras que anunciam sua ressurreição. Porque amava, viu não apenas um sepulcro vazio, mas também os panos esvaziados, afrouxados, testemunhando a vitória de Jesus sobre a morte, porque tinha o poder de dar sua vida e de retomá-la (10,17-18). O discípulo amado lembra a figura do Apóstolo João. Representa, também, todo o cristão iniciado na fé, que ama o Senhor e é por ele amado. O discípulo amado é, por excelência, a testemunha de Cristo Ressuscitado. Ele não crê apenas porque “viu” o Cristo Ressuscitado como Maria Madalena, os Apóstolos e Tomé. Crê porque compreende a Escritura (como os iniciados), “segundo a qual Cristo devia ressuscitar dos mortos”.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Páscoa, passagem

Frei Clarêncio Neotti

Há séculos os hebreus celebravam a Páscoa. Era uma festa de que ninguém mais sabia a origem. Talvez se prendesse à passagem do inverno para a primavera, quando as ovelhas tinham pasto verde e macio. Moisés, porém, deu-lhe novo sentido: celebrar a libertação do povo da escravidão e sua caminhada para a Terra prometida. De novo, uma passagem: a passagem de Deus, que passou por entre o povo para protegê-lo da morte (Êx 12,26-27); a passagem de vida de escravo para vida de pessoas livres (Dt 16 e Êx 13 a 15).

Jesus escolheu a festa da Páscoa hebraica, rica em sentido de libertação trazida por Deus, para libertar em definitivo a humanidade da morte, arrancá-la da escravidão da maldade e passá-la à gloriosa condição de filhos livres de Deus (Jo 11,52; 1Jo 3,1-2). De novo uma passagem. Páscoa quer dizer passagem. Passagem na vida de Jesus. Passagem na nossa vida.

Jesus passou do estado de homem em corpo e alma, para o estado de ressuscitado. Ao ressuscitar, Jesus não voltou atrás, como aconteceu com Lázaro, mas foi além da morte, assumindo uma condição que escapa à nossa compreensão e à nossa experiência. Esse destino nos espera depois de nossa morte. Desde os primeiros dias, os cristãos criaram o costume de celebrar o fato maravilhoso e inaudito da Ressurreição de Jesus, que confirmou suas palavras: “Eu sou a ressurreição e a vida!” (Jo 11,256). A Eucaristia é a celebração da morte e ressurreição de Jesus.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Ele vive e nos dá vida

Frei Almir Guimarães

Ó maravilha de amor pelo homens!  Em seus pés e mãos  inocentes,  Cristo recebeu os cravos e  suportou a dor; e eu, sem dor nem esforço, mas apenas pela comunhão em suas dores, recebo gratuitamente a salvação.
Das Catequeses de Jerusalém

Celebrar é tornar atual,  conhecida, divulgada alguma coisa, um evento que  nos encheu de vida, de alegria, de esperança  e de vigor: a chegada de um amigo, a volta de um filho querido depois de gestos de  loucura e desvario, a lembrança de um amor que nos foi manifestado no passado. Celebrar a ressurreição de Jesus é fazer de sorte que a vida nova do  Mestre seja para nós,  hoje,  luz para a caminhada, profunda alegria para nossa vida e  claridade para o mundo. Importante o  “hoje”. Somos chamados a viver a vida nova de Jesus.  Páscoa, festa da vida.  Convite a que vivamos intensamente, e não de maneira queixosa. Na medida em que os anos passam, mesmo sem nenhuma autorização de nossa parte, sentimos, cristãos que somos, que nossa vida se renova.  É proibido envelhecer.  Nossa nudez foi coberta com a veste de Cristo. Somos renascidos, “renatos”.

Vida nova, vida no Senhor. Que bom, na manhã de Páscoa, ouvir Paulo a nos dizer: “Vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com  Cristo em Deus”. Vida, corpo, sonhos, esperas, anelos, casamento, paternidade, maternidade, coração, contradições, rejeições…tudo está escondido em Cristo Jesus.  A glória da vida sem fim já habita em cada um de nós. Nada de pensamentos de morte.  A vida venceu a morte.

Não nos foi dado de ver o Senhor ressuscitado. Os apóstolos, os discípulos de Emaús, Maria Madalena  disseram que o viram.  Tomé, por sua vez, lamentou não tê-lo visto quando ele se tinha manifestado a seus companheiros.  Precisava tocar com seus dedos suas feridas.

Os apóstolos se tornaram testemunhas da  ressurreição. Visão?  Visão especial para testemunhar que, por sua pregação e jeito de viver, haveriam de nos dizer que a vida não é banal, que ela não existe para terminar de qualquer jeito. Ele vive, o Senhor vive e  nos arrasta num movimento de vida.  Temos a graça de crer em sua presença.  Os que tiveram a graça de vê-lo  ressuscitado no-lo garantem.  Não podemos dizer outra coisa:  somos profundamente felizes por crer na vida do corpo que veio  de Maria, do condenado do Gólgota e que as graças da morte do Senhor redundaram em vida para nós que, apesar de toda fragilidade, renascemos nele.  Vida, sempre a vida do Ressuscitado.

Viera da parte do Pai. Tinha querido que  os seus desígnios se inscrevessem  nos projetos dos homens e das mulheres.  Fez com que compreendêssemos que somente morrendo a nós mesmos renasceríamos na sua vida. Ele havia proposto um novo estilo de viver: os últimos seriam os primeiros, os que lavam os pés dos outros seriam príncipes, irmãos cuidam de irmãos e vivem como irmãos. Quis um mundo de transparência,  de reza no quarto,  de gestos colocados sem alarido. Pessoas simples.  Nos que assim agem ele continua vivendo.

Ele andou por toda a terra fazendo o bem, curando os que eram presa do mal. Conheceu a perseguição, a condenação, o sofrimento, a morte.  Foi literalmente o grão que morre e que morrendo dá a vida.  Quando seu peito estava para estourar inclinou a cabeça e nos deu o seu Espírito.

Nada da reanimação de um cadáver. É ele, mas reconhecido nos gestos de amor sem limites e no despertar da fé nos corações adormecidos.  Certeza nossa é que ele vive, transfiguradamente. Madalena, os discípulos de Emaús, os apóstolos viram o Senhor. Com seus olhos do rosto? Ou com a luminosidade do olhar da fé que enxerga além da barba, das pernas e do rosto?  Sim, ele está presente.  Presente de modo particular  na comunidade dos fieis que aprenderam a conjugar o verbo amar em todos os modos e tempos, nos sacramentos-sinais onde ele se imiscui, no pão branco e no vinho generoso e nos rostos contorcidos do mais humildes  homens da face da terra.

Na  segunda leitura desta liturgia, Paulo pede que busquemos as coisas do alto.  A vida espiritual consiste precisamente em buscar as coisas do alto. Um pensamento para terminar: “ A vida espiritual do batizado se delineia como dinâmica da espera do Senhor e como vida  interior, não exibida nem gritada, mas envolta em discrição e pudor como pedem toda as realidades preciosas”.


Texto  para meditação e reflexão

Explodindo de alegria

Das homilias de Santo Astério,  bispo

Alegre-se hoje a Igreja herdeira: Cristo, seu Esposo, depois da  Paixão, ressuscitou!  Ela, que chorou por sua paixão, alegre-se por sua ressurreição!

Alegre-se, Igreja-Esposa!   A ressurreição do Esposo te levantou do chão, onde jazias prostrada, e eras pisoteada.  Os pés da cortesã não mais dançam por causa da morte de João Batista, mas os da Igreja calcam a morte. A fé não é mais negada, e todos os joelhos se dobram; cessaram  os sacrifícios, e os salmos brotam como flores.  Não é mais a fumaça dos sacrifícios que se eleva, mas o incenso das orações:  Minha oração suba a vós como o incenso (Sl 140,2). As imolações de animais não têm mais valor, depois que foi imolado o Cordeiro que tira o pecado do mundo.

Ó maravilha! A mansão dos mortos devorou o Cristo Senhor e não o digeriu. O leão engoliu o Cordeiro  não pôde conserva-lo em seu estômago. A morte sorveu a vida, mas tomada de náuseas, os que anteriormente devorara. O gigante não conseguiu levar Cristo que morria;  morto, ele tornou-se terrível para o gigante;  lutou com alguém que estava vivo e esse caiu vencido pelo morto.

Um só grão foi semeado e o mundo inteiro alimentado.   Imolado como homem, voltou à vida como  Deus, dando a vida ao universo. Como ostra foi esmagado e como pérola adornou a Igreja. Como ovelha foi sacrificado, e como um pastor com o cajado, expulsou com a cruz a tropa dos demônios.  Como uma lâmpada no candelabro, extinguiu-se na cruz e, como sol, levantou-se  do túmulo.  Presenciou-se um duplo prodígio: enquanto Cristo estava sendo crucificado, o dia era encoberto  pelas trevas; e enquanto ressurgia, a noite brilhava como o dia.

Por que o dia escureceu?  Por que acerca desse dia está escrito:  Das trevas fez o seu esconderijo (Sl 17,2). E por que a noite brilhou como o dia?  Porque o profeta disse: “Mesmo as trevas para vós  não serão escuras,  a própria noite resplandecerá como o dia”(Sl 138, 12).

Ó noite mais clara que o dia!  Ó noite mais fúlgida que o sol! Ó noite mais alva que a neve!  Ó noite mais brilhante que os archotes! Ó noite mais deleitável que o paraíso.

Ó noite livre das trevas! Ó noite que repeles o sono! Ó noite que ensinas a vigiar com os anjos! Ó noite terrível para os demônios! Ó noite desejo do ano!

Ó noite  que apresentas a Igreja a seu Esposo! Ó noite  que geras os recém-nascidos pelo batismo! Ó noite na qual o diabo adormecido foi desarmado! Ó noite na qual o herdeiro introduz a herdeira na herança!

Lecionário  Monástico III., p. 21-22   


Oração da Manhã de  Páscoa

Dá-nos, Senhor, a coragem  dos recomeços. Mesmo nos dias quebrados, faz-nos descobrir limiares límpidos. Não nos deixes acomodar ao saber daquilo que foi:  dá-nos largueza de coração  para abraçar aquilo que é. Afasta-nos do repetido, do juízo mecânico que banaliza a história, pois a desventura de qualquer surpresa e esperança.  Torna-nos atônitos  como os seres que florescem. Torna-nos livres, insubmissos. Torna-nos inacabados, como quem deseja e de desejo  vive… Torna-nos confiantes como os que  se atrevem a olhar tudo, e a si mesmos, uma primeira vez.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

As cicatrizes do Ressuscitado

José Antonio Pagola

“Vós o matastes, mas Deus o ressuscitou”. Isto é o que pregam com fé os discípulos de Jesus pelas ruas de Jerusalém, poucos dias depois de sua execução. Para eles, a ressurreição é a resposta de Deus à ação injusta e criminal daqueles que quiseram calar para sempre sua voz e destruir pela raiz seu projeto de um mundo mais justo.

Não devemos esquecer nunca que no cerne de nossa fé há um Crucificado a quem Deus deu razão. No próprio centro da Igreja há uma vítima à qual Deus fez justiça. Uma vida “crucificada”, mas vivida com o espírito de Jesus, não terminará em fracasso, mas em ressurreição.

Isto muda totalmente o sentido de nossos esforços, penas, trabalhos e sofrimentos por um mundo mais humano e uma vida mais feliz para todos. Viver pensando nos que sofrem, estar perto dos mais desvalidos, dar uma mão aos indefesos … seguir os passos de Jesus, não é algo absurdo. É caminhar para o Mistério de um Deus que ressuscitará para sempre nossas vidas.

Os pequenos abusos que possamos padecer, as injustiças, rejeições ou incompreensões que possamos sofrer são feridas que um dia cicatrizarão para sempre. Temos de aprender a olhar com mais fé as cicatrizes do Ressuscitado. Assim serão um dia nossas feridas de hoje: cicatrizes curadas por Deus para sempre.

Esta fé nos sustenta por dentro e nos faz mais fortes para continuar correndo riscos. Pouco a pouco vamos aprendendo a não queixar-nos tanto, a não viver sempre nos lamentando do mal que há no mundo e na Igreja, a não sentir-nos sempre vítimas dos outros. Por que não podemos viver como Jesus dizendo: “Ninguém me tira a vida, sou eu que a dou”?

Seguir o Crucificado até compartilhar com Ele a ressurreição é, em última análise, aprender a “dar a vida”, o tempo, nossas forças e, talvez, nossa saúde por amor. Não nos faltarão feridas, cansaço e trabalho árduo. Mas uma esperança nos sustenta: um dia “Deus enxugará as lágrimas de nossos olhos, então não haverá mais morte nem pranto, nem gritos, nem fadigas, porque todo este velho mundo terá passado”.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Páscoa: O Ressuscitado em nossa vida

Pe. Johan Konings

Conforme o evangelho da missa da tarde, os discípulos de Emaús estavam desanimados. Tinham pensado que Jesus fosse o Messias revolucionário, que expulsasse o poder romano. Mas foi morto. Passaram três dias, e nada aconteceu. Desistiram de esperar. Não se lembravam de que na Bíblia está escrito: “Depois de dois dias nos fará reviver, no terceiro dia nos levantará” (Os 6,2).

Não havia por que permanecerem abatidos. Após uns três dias, Jesus reviveu para os discípulos, no caminho de Emaús, abrindo-Ihes as Escrituras. Moisés, os Profetas, os Salmos, tudo começou a falar-lhes de Jesus, como para moça apaixonada tudo fala do namorado. Para quem ama Jesus, os textos da Escritura revelam sua lógica: entrar na glória através da cruz. De repente, os discípulos entenderam que este foi o plano de Deus para com Jesus.

Mais ainda lhes falou o gesto do repartir o pão. Tantas vezes Jesus lhes tinha partido o pão, à maneira de um pai de família que o distribui a seus filhos. Tinha feito disso o sinal da partilha de sua própria vida, na Última Ceia. Agora, reconheceram-no ao partir o pão. Então, ele retirou-se da vista deles, mas não do coração…

A memória de Jesus, na Palavra e na Eucaristia, ensina-nos que ele vive conosco. Ele é o centro de nossa vida. Temos que relacionar tudo com ele, enxergar tudo à sua luz, que venceu as trevas, a vida que venceu a morte, a graça que superou a desgraça e o pecado. Isso é vivenciar a ressurreição de Cristo em nossa própria vida, “procurar as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus” (2ª leitura). A nossa vida velha e abatida morreu, temos uma vida nova escondida lá com ele. Isso transforma nosso modo de viver. Mesmo se exteriormente andamos envolvidos com as lidas e lutas desta sociedade injusta, interiormente já não nos deixamos vencer por ela. Após uns pequenos três dias, experimentamos a presença daquele que venceu a morte. Por isso, vamos viver de cabeça erguida, os olhos fixos em nossa verdadeira vida, que está nele. Se o pecado nos abate, vamos abrir-nos na comunidade, no sacramento. Se a injustiça nos faz morrer, vamos unir-nos em comunidade em torno a Cristo. Isto é Páscoa, nossa ressurreição com Cristo.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella