Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Dedicação da Basílica do Latrão

São João do Latrão: a Basílica de São Francisco

Basílica de Latrão é considerada a igreja-mãe de todas as igrejas católicas, por ser a catedral do Papa, bispo de Roma. A igreja originária foi construída pelo imperador Constantino, durante o pontificado de papa Melquíades no séc. IV, no terreno doado por Fausta, esposa do Imperador. Nela foram realizados os quatro primeiros Concílios Ecumênicos realizados no Ocidente: em 1123 para resolver a questão das Investiduras, (o provimento em algum cargo eclesiástico por parte do poder civil): em 1139, sobre questões disciplinares; em 1179 para tratar da forma de eleição do Papa; em 1215, sobre várias heresias e a reforma eclesial.

Em 1209, no local onde hoje está a atual Basílica, Francisco e seus onze companheiros receberam a aprovação do papa Inocêncio III para iniciar sua forma de vida. Antes, conta-nos as legendas, o papa “tinha visto em sonhos que a basílica de Latrão prestes a ruir, mas sendo sustentada por um religioso, homem pequeno e desprezível, que a sustentava com seu ombro para não cair. E disse: ‘Na verdade este é o homem que, por sua obra e por sua doutrina, haverá de sustentar a Igreja’.

Foi por isso que aquele senhor acedeu tão facilmente ao seu pedido e, a partir daí, cheio de devoção de Deus, sempre teve especial predileção pelo servo de Cristo” (2Cel 17).

A atual construção data de 1735, e a assistência religiosa na Basílica está confiada aos frades Franciscanos.

Como temos cuidado de nossos templos?

Frei Gustavo Medella

Templo é ambiente sagrado, é morada do divino, é ponto de encontro de pessoas entre si e de pessoas com Deus. Templo é lugar, lugar onde vive gente, onde habita Deus. Nosso corpo é templo, nosso coração é templo, nosso planeta é templo. As leituras desta Festa da Dedicação da Basílica de São João do Latrão, a Festa da Unidade da Igreja Universal, nos levam a refletir:

• De que forma temos habitado nossos templos?
• Com que espírito temos administrado nossos templos?
• Agimos com espírito de vendilhão, que usa, usurpa, explora e quer tirar vantagem? Ou com o Espírito de Jesus, que cuida, zela, olha e se consome?

A primeira leitura, do livro de Ezequiel (Ez 47,1-2.8-9.12), se reveste de significado forte no contexto em que vivemos. Fala da água que brota do templo e que leva a vida por onde passa. Falta-nos água – conforme nos atesta a grave crise do Sistema Cantareira – falta-nos vida, falta-nos interesse pela vida. O espírito do mercado, do consumo desenfreado, do “cada um por si” seca as fontes que nos garantem a sobrevivência tanto material quanto existencial.

Precisamos mais do que nunca ser chacoalhados por Jesus, como foram os vendilhões do templo. E caso a conversão não venha por uma opção de fé ou por uma escolha ética, a própria natureza nos converterá, com métodos certamente bem mais duros e incisivos do que as chicotadas e os gritos do Senhor. Os alertas dos cientistas, as mudanças climáticas, a escassez de água, os surtos de doenças já são sinais claríssimos que nosso templo-planeta já chegou a seu limite. Ilimitados prosseguem nossos caprichos, nosso egoísmo, nossas ambições, sinais de uma humanidade em desumanização. Ainda é tempo de mudar… No entanto, mais um pouco e não mais será. Quem se habilita a dar o primeiro passo numa nova direção?


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.

Textos bíblicos para este domingo

Dedicação da Basílica do Latrão

Primeira Leitura: Ezequiel 47,1-2.8-9.12

Naqueles dias, 1o homem fezw-me voltar até a entrada do templo, e eis que saía água da sua parte subterrânea na direção leste, porque o templo estava voltado para o oriente; a água corria do lado direito do templo, a sul do altar. 2Ele fez-me sair pela porta que dá para o norte e fez-me dar uma volta por fora até a porta que dá para o leste, onde eu vi a água jorrando do lado direito. 8Então ele me disse: “Estas águas correm para a região oriental, descem para o vale do Jordão, desembocam nas águas salgadas do mar, e elas se tornarão saudáveis. 9Aonde o rio chegar, todos os animais que ali se movem poderão viver. Haverá peixes em quantidade, pois ali desembocam as águas que trazem saúde; e haverá vida aonde chegar o rio. 12Nas margens junto ao rio, de ambos os lados, crescerá toda espécie de árvores frutíferas; suas folhas não murcharão, e seus frutos jamais se acabarão: cada mês darão novos frutos, pois as águas que banham as árvores saem do santuário. Seus frutos servirão de alimento, e suas folhas serão remédio”.

Palavra do Senhor.


Sl 45(46)

Os braços de um rio vêm trazer alegria / à cidade de Deus, à morada do Altíssimo.

1. O Senhor para nós é refúgio e vigor, / sempre pronto, mostrou-se um socorro na angústia; / assim não tememos se a terra estremece, / se os montes desabam, caindo nos mares. – R.

2. Os braços de um rio vêm trazer alegria / à cidade de Deus, à morada do Altíssimo. / Quem a pode abalar? Deus está no seu meio! / Já bem antes da aurora, ele vem ajudá-la. – R.

3. Conosco está o Senhor do universo! / O nosso refúgio é o Deus de Jacó! / Vinde ver, contemplai os prodígios de Deus † e a obra estupenda que fez no universo: / reprime as guerras na face da terra. – R.


Segunda Leitura: 1 Coríntios 3,9-11.16-17

Irmãos, 9vós sois lavoura de Deus, construção de Deus. 10Segundo a graça que Deus me deu, eu coloquei – como experiente mestre de obra – o alicerce, sobre o qual outros se põem a construir. Mas cada qual veja bem como está construindo. 11De fato, ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que está aí, já colocado: Jesus Cristo. 16Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? 17Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo, e vós sois esse santuário.

Palavra do Senhor.


Evangelho: João 2,13-22

13Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14No templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. 15Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. 16E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” 17Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá”. 18Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” 19Ele respondeu: “Destruí este templo, e em três dias o levantarei”. 20Os judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário, e tu o levantarás em três dias?” 21Mas Jesus estava falando do templo do seu corpo. 22Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele.

Palavra da salvação.

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

Frei Ludovico Garmus

Oração: “Ó Deus, que edificais vosso templo eterno com pedras vivas e escolhidas, difundi na vossa Igreja o Espírito que lhe destes, para que o vosso povo cresça sempre mais, construindo a Jerusalém celeste”.

  1. Primeira leitura: Ez 47,1-2.8-9.12

Vi sair água do lado direito do templo, e todos os que esta água tocou foram salvos.

Ezequiel pertencia à classe sacerdotal. Quando completou 25 anos de idade estava pronto para exercer o sacerdócio no templo. Os babilônios, porém, conquistaram Jerusalém (597 a.C.) e Ezequiel foi levado junto com outros deportados para a Babilônia. Lá vivia entre os exilados e foi chamado por Deus para ser profeta no meio deles. Em uma das várias visões que teve, foi transportado, em visão, a Jerusalém, onde presenciou a idolatria que os próprios sacerdotes praticavam no templo. Na mesma visão, percebeu que a cidade e o templo seriam destruídos. Viu a glória de Deus abandonando o templo e se dirigindo para a Babilônia, a fim de morar entre os exilados (Ez 10,18-22). Na última parte de seu livro (cap. 40-48) descreve, com pormenores, como será o novo templo quando Jerusalém for reconstruída. Ezequiel já havia vivido cerca de 30 anos com os exilados numa planície fértil, junto ao canal Cobar que irrigava as plantações com as águas do rio Eufrates. Em sua visão, Ezequiel transporta a abundância de água e a fertilidade da Babilônia para as montanhas desertas da Judeia, entre Jerusalém e o mar Morto. Na visão, é conduzido por um anjo para a única fonte que abastecia Jerusalém há dois milênios. Aos pés da colina sobre a qual estava o templo, viu a antiga fonte de Guion jorrando água em tamanha quantidade no vale do Cedron, como nunca tinha visto antes. À medida que o vale descia, a torrente do Cedron transformava-se num rio cada vez mais volumoso, que só a nado se podia atravessar. Nas margens do rio, que atravessava o deserto de Judá em direção leste, cresciam árvores frutíferas sempre verdes, que produziam frutos o ano todo, e suas folhas serviam de remédio. Este rio desaguou no mar Morto (30% de sais!), transformando suas águas mortas em águas doces e saudáveis, repletas de peixes.

Qual é o significado desta maravilhosa transformação do deserto e das águas mortas num “jardim de delícias”, cheio de vida? É porque o mesmo Deus que havia abandonado o templo de Jerusalém para acompanhar seu povo no exílio, retornará com toda sua glória para o novo templo a ser construído (Ez 40,1–43,12). Quando o templo for reconstruído, a cidade receberá um novo nome: “O Senhor está lá” (48,35). Deus não quer a morte de nenhum pecador, mas antes que se converta e viva (33,10-11). Neste novo templo, seu povo purificado com água pura irá adorá-lo. Deus removerá o coração de pedra de seu povo e lhe dará um novo coração de carne, animado pelo seu espírito (36,25-28).

Salmo responsorial: Sl 45

Os braços de um rio vêm trazer alegria à Cidade de Deus, à morada do Altíssimo.

  1. Segunda leitura: 1Cor 3,9c-11.16-17

Sois santuário de Deus.

Paulo fundou a comunidade cristã de Corinto e ali anunciou a Palavra de Deus por mais de um ano. Quando pregava na cidade de Éfeso escreveu sua primeira carta aos cristãos de Corinto. O motivo desta carta foi uma correspondência que recebeu dos coríntios (1Cor 7,1), na qual pediam orientações de Paulo sobre vários problemas de ordem moral e divisões que surgiram na comunidade (1,10–4,21). Na comunidade havia os que diziam: “Eu sou de Paulo”, “eu de Apolo”, “eu de Pedro”, “eu de Cristo” (1,12). O texto escolhido para hoje responde a essas divisões. Paulo lembra que tanto ele como os pregadores que depois dele estiveram em Corinto são antes de tudo colaboradores de Deus e a comunidade cristã é uma construção de Deus. Não faz sentido pertencer a este ou àquele pregador, pois a construção de Deus é uma só. E quem lançou o alicerce foi Paulo e o fundamento é um só, Jesus Cristo, e este, crucificado (1Cor 1,18-31). Apolo e Pedro edificaram sobre o mesmo alicerce. Todos os cristãos são edificados sobre o mesmo fundamento. Todos formamos um único edifício, fundado em Cristo. Nós somos o santuário de Deus e seu Espírito mora em nós. A igreja local é a habitação de Deus, um lugar sagrado. Por isso Paulo adverte: Quem semear desunião na comunidade está tentando destruir o santuário de Deus, e Deus o destruirá.

Aclamação ao Evangelho

Esta casa eu escolhi e santifiquei para nela estar meu nome para sempre.

  1. Evangelho: Jo 2,13-22

Jesus estava falando do Templo do seu corpo.

Quando João escreve seu Evangelho, o Templo já havia sido destruído. Talvez, por isso, João coloca logo no início de seu Evangelho a cena da expulsão dos vendilhões do Templo, que os outros evange-listas situam após a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. O tema central de hoje é a adoração de Deus, “em espírito e verdade”, no Cristo morto e ressuscitado. O tema já é preparado quando Jesus chama Natanael como seu discípulo. Jesus então diz: “Na verdade eu vos digo: vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1,51). O lugar privilegiado para o encontro com Deus não será mais o Templo e, sim, Jesus, “o Filho único do Pai”, “a Palavra que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Antecipando a destruição do Templo, com chicote na mão, Jesus expulsa todos que ali vendiam e compravam, junto com bois, ovelhas, pombas e cambistas, dizendo: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”. O que importa para a verdadeira adoração diz Jesus à samaritana não é este ou aquele templo, “porque os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade; são estes os adoradores que o Pai deseja” (Jo 4,23). Os judeus questionaram a Jesus por ter expulsado os vendedores do templo e pediram um sinal do céu que justificasse tal gesto. Como sinal, Jesus aponta sua futura morte e ressurreição: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei”. Depois da sua ressurreição os discípulos entenderam que Jesus estava falando do templo do seu corpo. Paulo lembra que o corpo de cada pessoa que crê em Jesus, e a própria comunidade cristã, são um templo vivo, onde Deus gosta de morar (Segunda leitura).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Nas comunidades locais está presente a Igreja Universal

Frei Clarêncio Neotti

A Basílica do Latrão é dedicada a Santíssimo Salvador, a São João Batista e a São João Evangelista. É da catedral de Roma, a catedral do Papa. O povo romano a conhece como Basílica de São João do Latrão, ou, simplesmente, Basílica do Latrão. A palavra “Latrão” vem da família dos Leterani, que eram seus proprietários, quando o Imperador Constantino (ⴕ 337), casado com uma Leterani, doou a vila ao Papa, depois do Edito de Milão (313), que permitiu o culto cristão livre em todo o Império romano. O Papa construiu na vila sua primeira moradia e a primeira igreja pública em Roma. Na fachada da Basílica está escrito em latim: Caput et Mater omnium ecclesiarum, que poderíamos traduzir livremente assim: “Primeira e Mãe de todas as igrejas”. Primeira no tempo e primeira em importância. Mãe por ser a Catedral do Papa, que cria todas as catedrais do mundo e com as quais mantém estreita unidade.

A festas celebra-se desde o século XI no dia 9 de novembro. Quando cai em dia de domingo, ocupa a Liturgia dominical, porque é considerada uma festa do Senhor. Mas é também ocasião para que, de vez em quando, todas as igrejas do mundo se unam à Igreja-Mãe. Normalmente, as catedrais e as matrizes celebram o dia em que foram consagradas ou bentas (dia da inauguração). Os textos da liturgia lembram a sacralidade do lugar em que se reúnem os cristãos para a Mesa da Palavra e a Mesa do Pão. Mas lembram também que cada batizado é uma pedra viva (1Pd 2,4) do grande templo de Deus, que é a Igreja, corpo de Cristo (Cl 1,17). São Pedro recorda que isso nos traz muita honra (1Pd 2,7).

Assim como caprichamos na construção das nossas igrejas, onde nos reunimos aos domingos e onde recebemos os Sacramentos, tornando-as, muitas vezes, verdadeiras obras de arte, assim devemos cuidar do templo vivo, que somos nós. São Pedro escreve: “Se sois o templo de Deus, despojai-vos de toda malícia e de toda a falsidade, das hipocrisias, das invejas e toda espécie de maledicência”. E acrescenta com um pouco de humor: “Como crianças recém-nascidas, desejai o leite espiritual, não falsificado, que vos fará crescer” (1Pd 2,1-2).

Significado de “igreja”

Na linguagem cristã, a palavra “Igreja” designa a assembleia litúrgica, a comunidade local e toda a comunidade universal dos que creem em Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador do mundo. O Catecismo ensina que ela “vive da Palavra e do Corpo de Cristo e ela mesma se torna assim Corpo de Cristo” (n. 752). Por estar fundada sobre Cristo e ter por alma o Espírito Santo, mas ser composta de homens pecadores, a Igreja é, ao mesmo tempo, divina e humana, santa e pecadora.

Se a comunidade é a Igreja, o termo igreja passou também a significar o lugar em que a comunidade se reúne para ler ou escutar o Evangelho, para celebrar o mistério da Eucaristia, que é a memória da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, para receber os Sacramentos do batismo, da comunhão, da confissão, do matrimônio, e para fazer suas orações em comum, na certeza de que “onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20).

Jesus quis a comunidade

Podemos dizer que foi São Paulo quem definiu para sempre a comunidade cristã como “Igreja”, uma palavra grega já existente tanto na literatura profana quanto bíblica, com o sentido de “convocação”, “reunião”, “assembleia”. Não significa, porém, que foi São Paulo quem fundou a Igreja. Apenas fixou a palavra com que a comunidade, querida por Jesus em torno de sua pessoa e de seus ensinamentos, passou a ser conhecida. Jesus sempre quis uma comunidade. Veja-se, por exemplo, Mc 8,34-38; Mt 10,26-39. Jesus chegou a definir a lei que regeria a comunidade dos discípulos: o amor (Mt 5,43ss); e até o símbolo da fé: o batismo (Mt 28,19). Depois da Ressurreição, aos poucos, o Cristianismo adotou como seu grande sinal e símbolo a Cruz, sobre a qual Jesus completara a obra salvadora que o trouxera ao mundo.

A palavra “católica” é grega e significa “universal”. A Igreja é católica, primeiro, porque nela está Cristo presente. Escrevia Santo Inácio de Antioquia (ⴕ 107) aos cristãos de Esmirna: “Onde está Cristo Jesus está a Igreja católica”. Segundo, porque ela conserva a totalidade dos ensinamentos recebidos de Jesus, mediante os Apóstolos. Ao longo dos séculos, a Igreja cuidou com muito zelo da fidelidade à doutrina do Evangelho. E não foram poucos os que preferiram o martírio a renegar uma das verdades ou a escamoteá-la com ideologias a serviço da política. Terceiro, a Igreja se chama católica, porque o próprio Cristo a invejoso em missão a todos os povos da terra (Mt 28,19). Todos os povos, de todos os tempos e de todas as culturas, são chamados a fazer parte do novo Povo de Deus, que Jesus chamou de Reino dos Céus.

A Igreja Católica está presente em todas as comunidades locais dos fiéis que, unidos ao Bispo diocesano, quase sempre representado pelo padre, se reúnem para as celebrações. Ensina o Catecismo: “Nessas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou vivendo na dispersão, está presente Cristo, por cuja virtude existe a Igreja una, santa, católica e apostólica” (n. 832). Dentro de uma igreja de pedra ou de madeira, portanto, reúne-se a comunidade dos batizados que, por menor e mais simples que seja, é sempre a Igreja universal, a Igreja de Jesus Cristo, reunida em oração.

Comunhão de bens espirituais

A festa da dedicação da Basílica do Latrão é também a celebração do lugar em que nos reunimos como comunidade de fé. Festejar a igreja que nos congrega é celebrar a unidade entre nós e nossa unidade com a Igreja-Mãe, simbolizada na catedral do Papa, sucessor de Pedro, a quem Jesus entregou as chaves (Mt 16,19), isto é, o poder de presidir, na caridade, a Igreja universal. A palavra “catedral” vem de “cátedra” (cadeira), o lugar onde se assentam os sucessores dos Apóstolos (o Papa com todos os Bispos em comunhão com ele) para ensinar, com autoridade divina, as verdades da fé.

Festejar o lugar em que nos reunimos como comunidade cristã é celebrar nosso encontro com Deus, para adorá-lo “em espírito e verdade” (Jo 4,23). E é também um momento excelente para expressar gratidão pela graça de participarmos de todos os bens espirituais da Igreja universal. Explica-nos o Catecismo: “Uma vez que todos os crentes formam um só corpo, o bem de uns é comunicado aos outros: existe uma comunhão de bens na Igreja. Como ela é governada por um só e mesmo Espírito, todos os bens que ela recebeu se tornam necessariamente um fundo comum” (n. 947).

Festejar o lugar em que nos reunimos como batizados é também recordar a responsabilidade de todos e de cada um pela conservação desse lugar sagrado. Do mesmo jeito como chamamos o lugar de “Casa de Deus”, podemos chamá-lo de “Casa da Comunidade”. Uma igreja bonita, funcional, bem cuidada pode ser o símbolo de uma comunidade responsável, harmônica e feliz.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

 

O amor não se compra

Antonio Pagola

Quando Jesus entra no Templo de Jerusalém não encontra pessoas que buscam a Deus, mas comércio religioso. Sua atuação violenta diante dos “vendedores e cambistas” não é senão a reação do Profeta que se encontra com a religião convertida em mercado.

Aquele Templo, chamado a ser o lugar em que se havia de manifestar a glória de Deus e seu amor fiel, converteu-se em lugar de enganos e abusos, onde reina o afã por dinheiro e o comércio interessado.

Quem conhece Jesus não estranhará sua indignação. Se algo aparece constantemente no próprio núcleo de sua mensagem é a gratuidade de Deus, que ama seus filhos e filhas sem limites e só quer ver entre eles amor fraterno e solidário.

Por isso, uma vida convertida em mercado onde tudo se compra e se vende, inclusive a relação com o mistério de Deus, é a perversão mais destruidora do que Jesus quer promover. É certo que nossa vida só é possível a partir do intercâmbio e do mútuo serviço. Todos vivemos dando e recebendo. O risco está em reduzir nossas relações a comércio interessado, pensando que na vida tudo consiste em vender e comprar, tirando o máximo proveito dos outros.

Quase sem dar-nos conta, podemos converter-nos em “vendedores e cambistas” que não sabem fazer outra coisa senão negociar. Homens e mulheres incapacitados para amar, que eliminaram de sua vida tudo o que seja dar.

É fácil então a tentação de negociar inclusive com Deus. Obsequia-se Deus com algum culto para ficar bem com Ele, pagam-se missas ou se fazem promessas para obter dele algum benefício, cumprem-se ritos para tê-lo a nosso favor. O grave é esquecer que Deus é amor, e o amor não se compra. Por alguma razão, dizia Jesus que Deus “quer amor e não sacrifícios”.

Talvez o mais importante que precisamos escutar hoje na Igreja é o anúncio da gratuidade de Deus. Num mundo convertido em mercado, onde tudo é exigido, comprado ou ganho, só o gratuito pode continuar fascinando e surpreendendo, pois é o sinal mais autêntico do amor.

Nós crentes devemos estar atentos para não desfigurar um Deus que é amor gratuito, fazendo-o à nossa medida: tão triste, egoísta e pequeno como nossas vidas mercantilizadas.

Quem conhece “a sensação da graça” e experimentou alguma vez o amor surpreendente de Deus, sente-se convidado a irradiar sua gratuidade e, provavelmente, é quem melhor pode introduzir algo bom e novo nesta sociedade onde tantas pessoas morrem de solidão, de tédio e de falta de amor.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

 

Consagração da Basílica do Latrão

Johan Konings

Na festa da dedicação da basílica do Latrão, em Roma, celebram-se, de fato, as catedrais de todas as dioceses do mundo. A basílica do Latrão foi a primeira catedral do mundo. Igreja catedral é a Igreja do bispo do lugar. A igreja dedicada a S. João Batista e a S. João Evangelista, no morro do Latrão, em Roma, foi durante muito tempo a igreja do bispo de Roma, o papa. E como o papa exerce a “presidência da caridade” entre os bispos do mundo inteiro, a igreja catedral do Latrão simboliza todas as dioceses.

Mas o que se celebra não são templos de pedra e sim os templos do Espírito, as comunidades dos fiéis. A liturgia de hoje se refere continuamente ao templo de pedras vivas, que são as comunidades cristãs, e ao templo que é o corpo de Cristo, ressuscitado, que substitui o templo do antigo Israel.

O evangelho deixa isso bem claro. Conforme Jo, já no início de sua atuação pública, Jesus chega a Jerusalém por ocasião de uma romaria pascal e expulsa do templo não só os abusos (como descrevem os outros evangelistas, Mt 21,12-13 par.), mas os próprios animais do sacrifício. Em outros termos: expulso o culto do templo. E quando as autoridades lhe pedem um sinal profético que possa respaldar tal gesto inimaginável, Jesus aponta o sinal que só depois (2,22) os discípulos vão conhecer: o sinal de sua ressurreição. O templo antigo pode ser destruído (como de fato ele foi, em 70 d.C., alguns anos antes de João escrever seu evangelho), mas Jesus “fará ressurgir” um novo templo em três dias: o templo de seu corpo, de sua pessoa. Jesus é templo, santuário, lugar de culto a Deus, de encontro com Deus. Nele, a Palavra de Deus armou tenda entre nós (Jo 1,14). Nele também é oferecido a Deus o único culto da nova Aliança, o dom da própria vida por amor.

Ora, ao templo que é Jesus associa-se o templo de pedras vivas que é a comunidade. A 1ª carta de Pedro apresenta uma bela homilia pascal, para os novos batizados, neste sentido. Eles devem se aproximar (termo do culto) da pedra rejeitada, Cristo, que pela ressurreição se tornou pedra angular, alicerce (cf. a “primeira pedra” de uma igreja). Eles são assim o edifício “espiritual” (= constituído pelo espírito, a força ativa de Deus, que ressuscitou também Jesus). E nessa comunidade é que se oferece o “sacrifício espiritual” (= promovido pelo Espírito de Deus), que é a prática da vida cristã (ler 1Pd 2,4-10 e Rm 12,1). Paulo (2ª leitura) usa uma imagem semelhante, ao falar de seu trabalho de fundação da igreja de Corinto. A comunidade é construção de Deus, morada do Espírito. O alicerce, posto pelo próprio Paulo, é Cristo. Adiante, ao proscrever a imoralidade sexual, ele aplica essa mesma imagem ao comportamento pessoal dos fiéis (1Cor 6,19).

A abertura dessas imagens é fornecida pela “utopia de Ezequiel”, na qual aparece a descrição do novo templo, a ser construído quando os exilados da Babilônia voltarem à Judéia (1ª leitura). Ezequiel vê a fonte do templo (o riacho do Gion) como um rio caudaloso que saneia as águas e as margens e até o Mar Morto… Um símbolo da salvação que deve fluir do novo templo. Pela “lógica da liturgia”, isso se aplica a Cristo e à sua comunidade (cf. Jo 7,37-39). A comunidade de Jesus deve ser a edificação de Deus da qual sai a água salvadora para a humanidade.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Diego Atalino de Melo