Assunção de Nossa Senhora
- Solenidade da Assunção de Nossa Senhora
- Textos bíblicos para este domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Exulto em Deus, meu Salvador
- A Senhora da Glória
- Traços característicos de Maria
- Magnificat: a mãe gloriosa e a grandeza dos pobres
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
Solenidade da Assunção de Nossa Senhora
A subida ao céu de quem trouxe o céu a nós
Frei Gustavo Medella
A Solenidade da Assunção de Nossa Senhora proclama uma verdade de fé que nos ajuda a perceber o lugar de Maria na história da salvação. Colocou sua fragilidade de jovem mulher pobre a serviço de um bem maior e soube confiar-se à graça divina. Por isso tornou-se grande, por isso voou alto. Celebrar a glória de Maria é jamais perder de vista a grandeza presente nas coisas pequenas do cotidiano, nas discretas gentilezas do dia a dia.
Não é à toa que o Evangelho proclamado nesta Solenidade é o texto da visitação (Lc 1,39-56) que descreve nada mais do que o gesto de parceria e solidariedade de uma prima mais nova, grávida, que se coloca em marcha para socorrer a prima mais velha, também à espera de seu primeiro filho. Nos três meses em que com Maria esteve com Isabel, certamente não faltaram belos colóquios sobres as grandes pequenas coisas que de fato importam na vida. Também não deve ter faltado interajuda e partilha.
A Solenidade da Assunção reforça a integralidade do projeto salvífico de Deus. Cada vida humana é um mistério insondável de amor e, por isso, um território inviolável de dignidade diante do qual a reverência é atitude urgente e necessária. Neste final de semana também se recorda a vocação à Vida Religiosa. Maria, modelo dos consagrados, inspire e anime todos aqueles e aquelas que decidiram apostar a vida no seguimento de Jesus Cristo.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Textos bíblicos para este domingo
Primeira Leitura:
Apocalipse 11,19; 12,1.3-6.10
19 Abriu-se o templo de Deus que está no céu e apareceu no templo a arca da Aliança. 12,1 Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas. 3 Então apareceu outro sinal no céu: um grande dragão, cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete coroas. 4 Com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu, atirando-as sobre a terra. O dragão parou diante da mulher, que estava para dar à luz, pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse. 5 E ela deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro. Mas o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. 6 A mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar. 10 Ouvi então uma voz forte no céu, proclamando: “Agora, realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo”.
Palavra do Senhor.
Sl 44(45)
À vossa direita se encontra a rainha / com veste esplendente de ouro de Ofir.
As filhas de reis vêm ao vosso encontro, † e à vossa direita se encontra a rainha / com veste esplendente de ouro de Ofir. – R.
Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto: / “Esquecei vosso povo e a casa paterna! / Que o rei se encante com vossa beleza! / Prestai-lhe homenagem: é vosso Senhor! – R.
Entre cantos de festa e com grande alegria, / ingressam, então, no palácio real”. – R.
Segunda Leitura:
1 Coríntios 15,20-27
Irmãos, 20 Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. 21 Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. 22 Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão. 23 Porém cada qual segundo uma ordem determinada: em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. 24 A seguir, será o fim, quando ele entregar a realeza a Deus Pai, depois de destruir todo principado e todo poder e força. 25 Pois é preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. 26 O último inimigo a ser destruído é a morte. 27 Com efeito, “Deus pôs tudo debaixo de seus pés”.
Palavra do Senhor.
João aponta o Messias
Evangelho: Lc 1, 39-56
* 39 Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, às pressas, a uma cidade da Judéia. 40 Entrou na casa de Zacarias, e saudou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42 Com um grande grito exclamou: «Você é bendita entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre! 43 Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar? 44 Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. 45 Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.»
O cântico de Maria -* 46 Então Maria disse: «Minha alma proclama a grandeza do Senhor, 47 meu espírito se alegra em Deus, meu salvador, 48 porque olhou para a humilhação de sua serva. Doravante todas as gerações me felicitarão, 49 porque o Todo-poderoso realizou grandes obras em meu favor: seu nome é santo, 50 e sua misericórdia chega aos que o temem, de geração em geração. 51 Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, 52 derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; 53 aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias. 54 Socorre Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, 55 – conforme prometera aos nossos pais – em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre.» 56 Maria ficou três meses com Isabel; e depois voltou para casa.
* 39-45: Ainda no seio de sua mãe, João Batista recebe o Espírito prometido (1,15). Reconhece o Messias e o aponta através da exclamação de sua mãe Isabel.
* 46-56: O cântico de Maria é o cântico dos pobres que reconhecem a vinda de Deus para libertá-los através de Jesus. Cumprindo a promessa, Deus assume o partido dos pobres, e realiza uma transformação na história, invertendo a ordem social: os ricos e poderosos são depostos e despojados, e os pobres e oprimidos são libertos e assumem a direção dessa nova história.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
Assunção de Nossa Senhora ao Céu
Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, que elevastes à glória do céu em corpo e alma a imaculada Virgem Maria, Mãe do vosso Filho, dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória”.
- Primeira leitura: Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab
Uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés.
O texto que ouvimos utiliza uma linguagem simbólica de tipo apocalíptico, linguagem apropriada para revelar o agir de Deus na história do seu povo. O templo que se abre não é mais o segundo templo de Jerusalém, reconstruído após o exílio e destruído no ano 70, mas é o Templo escatológico de Deus no fim dos tempos. No novo Templo aparece a arca da aliança. A antiga arca da aliança, guardada no templo, era o sinal da presença do Deus que libertou Israel da escravidão do Egito. Lembrava também a aliança que Deus fez com Israel no monte Sinai. A arca desapareceu quando Jerusalém foi destruída pelos babilônios (587 a.C.). Conforme a lenda, a arca teria sido escondida pelo profeta Jeremias num lugar desconhecido, para ser reapresentada quando Deus reunisse de novo seu povo disperso e lhe fizesse misericórdia (cf. 2Mc 2,5-8). Segundo o vidente do Apocalipse, a tenda na qual Deus vai morar com a humanidade redimida reaparecerá na nova Jerusalém. Então, a antiga aliança será substituída pela nova e definitiva aliança com Deus (cf. Ap 21,1-4).
A mulher com a coroa de doze estrelas simboliza o povo de Israel do qual nasceu o Messias, e também Maria, a mãe do Messias. A criança (Messias) recém-nascida, ameaçada pelo dragão (falso messias), representa a Igreja perseguida. O dragão/serpente é o mesmo dragão cuja cabeça a primeira Eva haveria de esmagar (cf. Gn 3,15). Esmagou-a por meio de Maria, a Mãe de Jesus, que nos trouxe o Salvador prometido (Ap 12,10).
Trata-se de um texto cheio de esperança dirigido à comunidade cristã perseguida, no tempo do vidente João. Maria assunta ao céu resume em si toda a certeza do triunfo e da glória do povo de Deus. O dragão ameaça a criança recém-nascida, isto é, a vida da jovem comunidade cristã. No Evangelho, Isabel e Maria geram a vida que renova e traz salvação para a comunidade. Hoje, o dragão ameaçador da Vida é o capitalismo selvagem, financeiro e consumista, que devora as riquezas de nossa Casa Comum. Ameaça não só a humanidade, mas a própria vida do planeta Terra. Que a Virgem Maria, Assunta ao Céu, nos proteja e nos ajude a esmagar a cabeça do dragão, símbolo das forças do mal.
Salmo responsorial: Sl 44
À vossa direita se encontra a rainha,
Com veste esplendente de ouro de Ofir.
- Segunda leitura: 1Cor 15,20-27a
Cristo, como primícias; depois os que pertencem a Cristo.
Paulo nos diz que a ressurreição dos mortos acontecerá numa ordem de sequência, onde Cristo é o primeiro dos ressuscitados e garantia de nossa futura ressurreição: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda”. Ninguém melhor do que Maria pertence a seu Filho. A fé nos diz que em Maria já se realizou esta ressurreição, que todos nós esperamos, quando morrermos. Então, “o último inimigo a ser vencido será a morte” (1Cor 15,26).
Em 1950, o Papa Pio XII, declarou como verdade infalível de nossa fé que “a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste”.
Aclamação ao Evangelho
Maria é elevada ao céu,
Alegram-se os coros dos anjos.
- Evangelho: Lc 1,39-56
O Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor:
Elevou os humildes.
O Cântico de Maria revela a pedagogia de Deus: Deus opera “grandes coisas”, isto é, a obra de nossa salvação, através da humildade de Maria, a serva do Senhor. No encontro das duas mães, Maria e Isabel, encontram-se também duas crianças, João Batista, o Precursor, e Jesus, o Salvador prometido. Pela saudação de Maria comunicam-se as mães. Mas o louvor de Isabel a Maria – aquela “que acreditou” – brota do reconhecimento prévio da presença do Messias Jesus pelo seu filho João. No seio de Isabel o filho se agita, dá o alarme e, movida pelo Espírito Santo, ela exclama cheia de alegria: “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar”? É o encontro do tempo da promessa, que termina com João Batista, com o tempo da realização da promessa, que se inicia com Jesus. Torna-se verdadeiro o que diz o salmo: “Da boca das criancinhas tiraste o teu louvor” (Sl 8,3). De fato, porque duas crianças se encontraram – a promessa e a realização da promessa – Isabel louva Maria e Maria põe-se a louvar o Senhor, que fez grandes coisas nela e por meio dela, ao gerar em seu seio o Salvador do mundo. Assim se manifesta o amor misericordioso de Deus, para Israel, seu povo, e para toda a humanidade. Maria é Assunta ao céu. Maria, que em sua vida colocou-se a serviço de Deus. Maria, que, por obra do Espírito Santo, acolheu em seu ventre o Filho de Deus e tornou-se a serva do Senhor. Ao final de sua vida foi definitivamente atraída, assumida e glorificada por Deus: “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (cf. 1Cor 3,22-23). Na Solenidade da Assunção de Maria ao Céu, o louvor de Maria torna-se o nosso louvor. “Terminado o curso de sua vida terrena”, Maria foi assunta em corpo e alma ao Céu, significa que nela já se realizou de modo absoluto a vida em Deus. Pois “a morte liberta a semente de ressurreição que se esconde dentro da vida mortal”. Para nós, a Assunção sinaliza aquilo que “Maria vive agora, no corpo e na alma, é o que nós iremos também viver quando morrermos e formos ao céu” (L. Boff).
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Exulto em Deus, meu Salvador
Frei Clarêncio Neotti
Os Evangelhos, sobretudo o de Marcos, descrevem uma longa caminhada de Jesus, desde o norte da Palestina até Jerusalém. Mas não é a geografia e o tempo que contam, e, sim, uma outra caminhada: a que deve fazer todo o discípulo, ajudado pelos ensinamentos novos de Jesus. Trata-se de um verdadeiro caminho de fé, de uma lenta passagem do homem carnal ao homem espiritual (Gl 5,16-25). Também a Liturgia de hoje traz a viagem como símbolo: Maria parte de Nazaré, desce ao longo do rio Jordão e sobe as montanhas de Judá até Ain Karem, onde moravam Zacarias e Isabel, pais de João Batista. Na casa de Isabel canta o Magnificat, o hino da encarnação, o hino do agradecimento, o hino do cumprimento das promessas.
Chamei a viagem de símbolo. Não que ela não tivesse acontecido. Mas por mostrar muito bem uma outra viagem que celebramos hoje. Maria, que saiu de si mesma, renunciou a seus interesses para servir com exclusividade o mistério de Cristo; desceu, durante a vida, às baixuras da humanidade pecadora, fazendo-se, como seu Filho, solidária com os irmãos (Hb 2(17), assumindo a condição de serva, humilhando-se em tudo (Fl 2,7-8); depois subiu com ele a noite do Calvário, alcançou a manhã solar da Ressurreição; da Páscoa subiu aos céus, cantando uma segunda vez o Magnificat, para agradecer a glorificação da humildade e da pequenez, a vitória sobre a morte, as grandes coisas operadas por Deus em benefício seu e da humanidade.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
A Senhora da Glória
Frei Almir Guimarães
Hoje, a Virgem Maria, Mãe de Deus,
foi elevada à glória do céu.
Aurora e esplendor da Igreja triunfante,
ela é consolo e esperança para o povo
ainda em caminho,
pois preservaste da corrupção da morte,
aquela que gerou de modo inefável,
vosso próprio Filho feito homem,
autor de toda a vida.
Prefácio da solenidade da Assunção
Nossa viagem no tempo
Nossa vida pode se comparar a uma viagem através do tempo. Entre o nascer e o morrer atravessamos planícies, escalamos montanhas, andamos com facilidade ou precisamos de apoios. Vamos colocando gestos, pensamentos e ações. E tudo passa. Não conseguimos reter essa sucessão de coisas, de estados interiores, esse incessante fluir.
Vamos modelando nosso rosto interior ao longo do tempo que passa. Não somos seus proprietários. O Senhor é o dono do tempo. Tudo passa. Há tempo para tudo, como diz o Eclesiastes: tempo para rir e para chorar, para trabalhar e descansar, tempo para viver e morrer.
A impressão que temos é que há tempos fortes e vigorosos que, de alguma forma, deixam marcas para sempre. Pensamos nas boas ações feitas no tempo. Há, de outro lado, o tempo das coisas mortas. Fica, de alguma forma, o bem que foi feito. Terrível pensar nesses tempos vazios, tempos em que nos ocupamos demais de nós mesmos, esquecemos o Senhor, tempos marcado pelo pecado.
Uma existência sem tempos mortos
Hoje, solenidade da Assunção de Maria, a cheia de graça, o tabernáculo do Senhor, a mãe da divina graça comemoramos o tempo de Maria que se transformou em eternidade. Vivera ela também sob o signo do efêmero e o transitório. Vicissitudes, vida de menina moça, a promessa de casamento, o anúncio da chegada do Menino, sua trajetória. Nasce num cantinho da Palestina: cuidado com o pão cotidiano, ramalhete de preocupações e de sofrimentos, buquê de alegrias, horas cinzentas e momentos doloridos como todos vivemos.
Nesse caminhar, por graça de Deus, Maria não conheceu a tragédia do pecado, dessa fissura interior, desse desejo de fazer o bem e, na realidade, fazer o mal. Nada teve Maria de que se arrepender, de renegar qualquer coisa de seu passado. Quando terminou sua carreira estava pronta para entrar na glória. Não conheceu tempos mortos.
Fixando nosso olhar nessa mulher agraciada vemos aquela na qual o Senhor opera maravilhas, uma fiel serva do Senhor que levava para o fundo do coração, aquela que uniu sua história com a história de Jesus no alto do monte do Gólgota. A Igreja nos ensinou que, ao entrar no mundo, ela não conheceu a desgraça do pecado. Pura em todo o seu ser por privilégio. Elevada à glória depois da caminhada. Imaculada em sua conceição. Maria é a porteira da glória. Está nos espaços espirituais que chamamos de céu, de glória, por isso seu nome é Maria da Glória, Maria do face a face eterno. Nós que não fomos privados do pecado, mas resgatados pela paixão, morte e ressurreição de Jesus também nos destinamos à pátria… Por graça de Deus nosso tempo vai ganhando características de para sempre.
Na Constituição Apostólica que declarou o dogma da Assunção de Maria (1° de novembro de 1950), o então Papa Pio XII cita São João Damasceno: “Convinha que aquela que guardara ilesa a virgindade no parto, conservasse seu corpo, mesmo depois da morte, imune de toda corrupção. Convinha que aquela que trouxera no seio o Criador como criancinha fosse morar nos tabernáculos divino dos céus. Convinha que, tendo demorado o olhar em seu Filho na cruz e recebido no peito a espada da dor, ausente no parto, o contemplasse assentado junto do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse tudo o que pertence ao Filho e fosse venerada como mãe e serva de Deus”.
Nesse mesmo documento o Papa Pio XII: “Por conseguinte, desde toda a eternidade unida misteriosamente a Jesus Cristo, pelo mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, imaculada na concepção, virgem inteiramente intacta na divina maternidade, generosa companheira do divino Redentor, que obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas consequências, ela alcançou ser guarda imune da corrupção do sepulcro, como suprema coroa dos seus privilégios. Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi levada em corpo e alma à pátria celeste, onde, rainha, refulge à direita de seu Filho o imortal rei dos séculos”.
Texto para oração
Maria, no coração do mundo,
no começo dos tempos,
na aurora de nossas vidas.
Maria, na noite de Belém
que dá a terra a Deus.
Maria, ternura e fidelidade,
tendo a Vida em nossas mãos.
Maria, doce e frágil,
a força e a luz,
pobre e humilde,
a glória e a riqueza.
Maria, ao pé da cruz,
mãe e filha, só,
traspassada e radiante,
humana em teu sofrimento,
divina em teu semblante.
Maria, mãe de nosso salvador,
salvadora tu mesma para nosso mundo perdido, sem rota.
Maria, filha e mãe de nossa humanidade,
ao pé da cruz.
Maria, nossa força e nossa luz,
nossa glória e nossa riqueza.
Maria, na manhã de Páscoa
discreta e quase ausente,
Maria do dias de alegria,
feliz e esquecida.
Maria, nossa alegria e nosso sorriso,
mão estendida ao pecador,
socorro dos aflitos,
Maria – perdão.
Maria, em Pentecostes,
fortaleza dos apóstolos,
sustentáculo nosso na tormenta de nossas incertezas.
Maria, nossa esperança,
que a cada dia dás ao mundo
nosso Deus.
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Traços característicos de Maria
José Antonio Pagola
A visita de Maria a Isabel permite ao evangelista Lucas pôr em contato o Batista e Jesus, antes mesmo de nascer. A cena está carregada de uma atmosfera muito especial. As duas mulheres vão ser mães. As duas foram chamadas a colaborar no plano de Deus. Não há varões. Zacarias ficou mudo. José está surpreendentemente ausente. As duas mulheres ocupam toda a cena.
Maria, que veio apressadamente de Nazaré, transforma-se na figura central. Tudo gira em torno dela e de seu Filho. Sua imagem brilha com certos traços mais genuínos do que muitos outros que lhe foram acrescentados ao longo dos séculos, a partir de invocações e títulos alheios aos evangelhos.
Maria, “a mãe de meu Senhor”. Assim o proclama Isabel em alta voz e cheia do Espírito Santo. Isto é certo: para os seguidores de Jesus, Maria é, antes de tudo, a Mãe de nosso Senhor. Daí parte sua grandeza. Os primeiros cristãos nunca separam Maria de Jesus. Eles são inseparáveis. “Bendita por Deus entre todas as mulheres”, ela nos oferece Jesus, “fruto bendito de seu ventre”.
Maria, a crente. Isabel proclama Maria feliz porque ela “acreditou”. Maria é grande não simplesmente por sua maternidade biológica, mas por ter acolhido com fé o chamado de Deus para ser Mãe do Salvador. Ela soube ouvir a Deus; guardou sua Palavra dentro de seu coração; meditou-a; a pôs em prática cumprindo fielmente sua vocação. Maria é mãe crente.
Maria, a evangelizadora. Maria oferece a todos a salvação de Deus, que ela acolheu em seu próprio Filho. Essa é sua grande missão e seu serviço. De acordo com o relato, Maria evangeliza não só com seus gestos e palavras, mas porque traz consigo, para onde vai, a pessoa de Jesus e seu Espírito. Isto é o essencial do ato evangelizador.
Maria, portadora de alegria. A saudação de Maria comunica a alegria que brota de seu Filho Jesus. Ela foi a primeira a ouvir o convite de Deus: “Alegra-te … , o Senhor está contigo”. Agora, a partir de uma atitude de serviço e de ajuda a quem precisa, Maria irradia a Boa Notícia de Jesus, o Cristo, que ela sempre traz consigo. Ela é para a Igreja o melhor modelo de uma evangelização prazerosa.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Magnificat: a mãe gloriosa e a grandeza dos pobres
Pe. Johan Konings
Em 1950, o Papa Pio XII definiu a Assunção de Maria como dogma, ou seja, como ponto referencial de sua fé. Maria, no fim de sua vida, foi acolhida por Deus no céu “com corpo e alma”, ou seja, coroada plena e definitivamente com a glória que Deus preparou para os seus santos. Assim como ela foi a primeira a servir Cristo na fé, ela é a primeira a participar na plenitude de sua glória, a “perfeitissimamente redimida”. Maria foi acolhida completamente no céu porque ela acolheu o Céu nela – inseparavelmente.
O evangelho de hoje é o Magnificat de Maria, resumo da obra de Deus com ela e em torno dela. Humilde serva – nem tinha sequer o status de mulher casada -, ela foi “exaltada” por Deus, para ser mãe do Salvador e participar de sua glória, pois o amor verdadeiro une para sempre. Sua grandeza não vem do valor que a sociedade lhe confere, mas da maravilha que Deus opera nela. Um diálogo de amor entre Deus e a moça de Nazaré: ao convite de Deus responde o “sim” de Maria, e à doação de Maria na maternidade e no seguimento de Jesus, responde o grande “sim” de Deus, a glorificação de sua serva. Em Maria, Deus tem espaço para operar maravilhas. Em compensação, os que estão cheios de si mesmos não deixam Deus agir e, por isso, são despedidos de mãos vazias, pelo menos no que diz respeito às coisas de Deus. O filho de Maria coloca na sombra os poderosos deste mundo, pois enquanto estes oprimem, ele salva de verdade.
Essa maravilha, só é possível porque Maria não está cheia de si mesma, como os que confiam no seu dinheiro e seu status. Ela é serva, está a serviço – como costumam fazer os pobres – e, por isso, sabe colaborar com as maravilhas de Deus. Sabe doar-se, entregar-se àquilo que é maior que sua própria pessoa. A grandeza do pobre é que ele se dispõe para ser servo de Deus, superando todas as servidões humanas. Mas, para que seu serviço seja grandeza, tem que saber decidir a quem serve: a Deus ou aos que se arrogam injustamente o poder sobre seus semelhantes. Consciente de sua opção, o pobre realizará coisas que os ricos, presos na sua auto-suficiência, não realizam: a radical doação aos outros, a simplicidade, a generosidade sem cálculo, a solidariedade, a criação de um homem novo para um mundo novo, um mundo de Deus.
A vida de Maria, a “serva”, assemelha-se à do “servo”, Jesus, “exaltado” por Deus por causa de sua fidelidade até a morte (Fl 2,6-11). O amor torna semelhantes as pessoas. Também a glória. Em Maria realiza-se, desde o fim de sua vida na terra, o que Paulo descreve na 2ª leitura: a entrada dos que pertencem a Cristo na vida gloriosa do pai, uma vez que o Filho venceu a morte.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella