Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Apresentação do Senhor

Apresentação do Senhor

Quando Deus será a nossa luz sem ocaso

Frei Clarêncio Neotti

O costume de benzer as velas e com elas acesas fazer uma procissão  chegou a dar um nome popular à festa: Candelária, ou Nossa Senhora das Candeias. Há uma ligação entre a Apresentação do Senhor no templo, a vela acesa na mão e nossa apresentação diante de Deus na morte. Daí o costume de muitas famílias colocarem na mão do agonizante uma vela acesa. Ela lembra o Batismo, ela lembra o Cristo, luz e salvação nossa, que professamos durante a vida e que queremos que seja nosso introdutor no templo eterno dos céus. A ligação vem também por causa do velho Simeão, que canta ao ver o Menino: “Senhor, posso morrer em paz, porque meus olhos viram a salvação” (Lc 2,29). O mesmo símbolo tem as velas acesas em torno do caixão de um defunto. A morte não é treva, quando Cristo ilumina a passagem da morte. O Apocalipse, que é a descrição simbólica da história da comunidade cristã, diz-nos, em seu último capítulo (quando terminam todas as maldades e maldições, quando tudo se torna puro e límpido como o cristal, quando se refaz a árvore da vida, porque sobre ela estará assentado o Trono de Deus), que “não haverá noite nem necessidade da luz das lâmpadas ou da luz do sol, porque o Senhor Deus será a nossa luz e nós reinaremos para sempre com ele” (Ap 22,1-5).

São várias as razões porque esta festa passou a ser a festa da Consagração religiosa. Os religiosos e as religiosas como que encarnam toda a esperança da humanidade de encontrar-se e viver com o seu Senhor, como os velhos Simeão e Ana. São as testemunhas dessa possibilidade. Deus fez à humanidade o dom de seu Filho. Hoje, o Filho apresenta-se ao Pai, primogênito de todas as criaturas, oferecendo-se à disposição de sua vontade. O religioso, a religiosa põem-se, como Jesus e Maria, por inteiro na mão de Deus (pelo voto de castidade), para serem os instrumentos de sua vontade (pelo voto de obediência) e viverem o desapego e a gratuidade (pelo voto de pobreza). E nessa consagração, exatamente como aconteceu com Jesus, consagram toda a comunidade e tornam-se para os cristãos sinais de contradição (Lc 2,34) e, ao mesmo tempo, a luz do povo (Lc 2,32).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.


Imagem ilustrativa:  Canva (www.canva.com/pt_br/modelos)

Leituras bíblicas para esta festa

Primeira Leitura: Malaquias 3,1-4

Assim diz o Senhor: 1 Eis que envio meu anjo, e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu templo o dominador, que tentais encontrar, e o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; 2 e quem poderá fazer-lhe frente no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; 3 e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata: assim ele purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata, e eles poderão assim fazer oferendas justas ao Senhor. 4 Será então aceitável ao Senhor a oblação de Judá e de Jerusalém, como nos primeiros tempos e nos anos antigos.


Salmo Responsorial: 23(24)

O rei da glória é o Senhor onipotente!

  1. “Ó portas, levantai vossos frontões! † Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, / a fim de que o rei da glória possa entrar!” – R.
  2. Dizei-nos: “Quem é este rei da glória?” † “É o Senhor, o valoroso, o onipotente, / o Senhor, o poderoso nas batalhas!” – R.
  3. “Ó portas, levantai vossos frontões! † Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, / a fim de que o rei da glória possa entrar!” – R.
  4. Dizei-nos: “Quem é este rei da glória?” † “O rei da glória é o Senhor onipotente, / o rei da glória é o Senhor Deus do universo.” – R.

Segunda Leitura: Hebreus 2,14-18

Irmãos, 14 visto que os filhos têm em comum a carne e o sangue, também Jesus participou da mesma condição, para assim destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, 15 e libertar os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão. 16 Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão. 17 Por isso, devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. 18 Pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação. – Palavra do Senhor.


O Messias é pobre

Evangelho: Lc 2,22-40

22 Terminados os dias da purificação deles, conforme a Lei de Moisés, levaram o menino para Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor, 23 conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo primogênito de sexo masculino será consagrado ao Senhor.» 24 Foram também para oferecer em sacrifício um par de rolas ou dois pombinhos, conforme ordena a Lei do Senhor.

O Messias, sinal de contradição -* 25 Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Era justo e piedoso. Esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava com ele. 26 O Espírito Santo tinha revelado a Simeão que ele não morreria sem primeiro ver o Messias prometido pelo Senhor. 27 Movido pelo Espírito, Simeão foi ao Templo. Quando os pais levaram o menino Jesus, para cumprirem as prescrições da Lei a respeito dele, 28 Simeão tomou o menino nos braços, e louvou a Deus, dizendo:

29 «Agora, Senhor, conforme a tua promessa,
podes deixar o teu servo partir em paz.
30  Porque meus olhos viram a tua salvação,
31  que preparaste diante de todos os povos:
32  luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel.»

33 O pai e a mãe estavam maravilhados com o que se dizia do menino. 34 Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: «Eis que este menino vai ser causa de queda e elevação de muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. 35 Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações.»

36 Havia também uma profetisa chamada Ana, de idade muito avançada. Ela era filha de Fanuel, da tribo de Aser. Tinha-se casado bem jovem, e vivera sete anos com o marido. 37 Depois ficou viúva, e viveu assim até os oitenta e quatro anos. Nunca deixava o Templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. 38 Ela chegou nesse instante, louvava a Deus, e falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.

39 Quando acabaram de cumprir todas as coisas, conforme a Lei do Senhor, voltaram para Nazaré, sua cidade, que ficava na Galileia. 40 O menino crescia e ficava forte, cheio de sabedoria. E a graça de Deus estava com ele.

* 21-24: Todo primogênito pertencia a Deus, e devia ser resgatado por meio de um sacrifício. Nessa ocasião, também se fazia a purificação da mãe, e se oferecia um cordeiro. Quem era pobre podia oferecer duas rolas ou dois pombinhos, em lugar do cordeiro (cf. Lv 5,1-8). O Messias nasce como dominado, em lugar pobre, e vem pobre, para os pobres.

* 25-40: Simeão e Ana também representam os pobres que esperam a libertação. E Deus responde à esperança deles. O cântico de Simeão relembra a vida e missão do Messias: Jesus será sinal de contradição, isto é, julgamento para os ricos e poderosos, e libertação para os pobres e oprimidos (cf. Lc 6,20-26).

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

Apresentação do Senhor

Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, ouvi as nossas súplicas. Assim como o vosso Filho único, revestido da nossa humanidade, foi hoje apresentado no templo, fazei que nos apresentemos diante de vós com os corações purificados”.

  1. Primeira leitura: Ml 3,1-4

Lemos hoje o início do capítulo 3 do profeta Malaquias. É o último livro do Antigo Testamento. O nome Malaquias significa mensageiro ou anjo do Senhor. Os profetas eram mensageiros de Deus para o povo de Israel, falam em nome do Senhor. Eles condenavam os pecados e crimes do povo, convidavam à conversão e, em caso de rebeldia, anunciavam o castigo divino. Aqui, o profeta fala de um mensageiro que vem preparar o caminho a fim de que Deus possa entrar no seu templo como o Dominador. Será alguém que renovará a aliança rompida pelo pecado. Ninguém lhe poderá resistir, pois virá como juiz. Será um juízo de purificação. Ele agirá como o fundidor de metais, que usa o fogo para separar a ganga do ferro, purificar prata ou ouro; ou como a lavadeira que usa sabão para branquear a roupa. Este juízo de purificação começará pelo próprio templo, a fim de que sacerdotes e levitas possam ofertar sacrifícios dignos ao Senhor.

Na liturgia da Apresentação do Senhor quem entra no templo e vem purificar os levitas e o povo de Israel é Jesus, apresentado no templo por Maria sua mãe. Jesus será o sumo-sacerdote que entregará a própria vida pela salvação do povo. Por sua morte, substituirá uma vez por todas os sacrifícios do templo (2ª leitura e Evangelho).

Salmo responsorial: Sl 23

        O Rei da glória é o Senhor onipotente.

  1. Segunda leitura: Hb 2,14-18

O autor se dirige a cristãos de origem judaica e grega da cidade de Alexandria, no Egito. O centro de sua reflexão é Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, como sacerdote misericordioso que vem salvar seu povo. Não veio para salvar os anjos, que não têm carne e sangue. Veio para salvar os descendentes de Abraão e, com eles, tem a mesma carne e o mesmo sangue. Participando da mesma condição humana, tem a condição de destruir o diabo que tem poder sobre a morte. Assim libertará todos os que estavam sujeitos à escravidão da morte. Sendo em tudo semelhante aos seus “irmãos”, descendentes de Abraão, tornou-se o sumo-sacerdote misericordioso. Em vez de sacrifícios de animais, ofereceu sua própria vida para expiar os pecados do povo. Por fim, o autor lembra aos cristãos de Alexandria que sofriam perseguições que Jesus também foi provado mas superou as tentações por sua fidelidade ao Pai.

Aclamação ao Evangelho

       Sois a que brilhará para os gentios,

            E para a glória de Israel, vosso povo.

  1. Evangelho: Lc 2,22-40

Hoje, a Igreja celebra a festa da Apresentação do Senhor. Conforme a Lei, a mulher devia apresentar seu filho no templo quarenta dias após o parto. Este gesto coincidia com a purificação da mãe e do menino. Nesta ocasião, os pais deviam oferecer como sacrifício um par de rolas ou dois pombinhos. A mãe podia, desde então, frequentar o templo e a sinagoga. Para o menino, o primeiro filho nascido, era um gesto de consagração de sua vida a Deus.

Lucas introduz as figuras de Simeão, um homem justo e piedoso, e a profetisa Ana, a fim de aprofundar o significado cristão da apresentação no templo. Simeão “esperava a consolação de Israel”, isto é, a realização da promessa da vinda do Messias Salvador.  Era um homem movido pelo Espírito Santo. Ao ver Maria e José e o menino, iluminado pelo Espírito, tomou em seus braços o menino e louvou a Deus. Em seus braços estava o Messias prometido: “Meus olhos viram a salvação que preparaste para todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”. A luz foi gerada no seio do povo de Israel, mas a salvação está aberta para todas as nações. Após louvar a Deus pelo nascimento do Salvador, Simeão abençoa a família e fala do significado do menino. Ele será um sinal de contradição; diante de Jesus, Israel não pode ficar em cima do muro: ou acolhem ou rejeitam. Para Maria prevê muito sofrimento: “uma espada te traspassará a alma”. Da mesma forma, uma viúva muito piedosa começou a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Israel.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Vim, vi, venci!

Frei Gustavo Medella

“Vim, vi, venci!” O sentimento expresso por este dito popular provavelmente foi o mesmo que povoou o coração do velho Simeão ao encontrar-se com Jesus, ainda menino, no templo. Impulsionado pelo Espírito, aquele homem de idade avançada sentiu-se pleno ao deparar-se com uma criança, revelando a proximidade e complementariedade que existe entre os extremos da existência. Também pais e avós sentem um grande contentamento interior quando se deparam com o milagre da vida que segue seu curso, nascendo pequena e frágil no impressionante mistério de uma história que, ao mesmo tempo, começa e continua. Encontrar-se com Jesus criança é oportunidade que cada fiel possui de despertar no coração a criança que traz em si na pureza dos sentimentos, na transparência e no entusiasmo de descobertas que se apresentam sempre novas, assim como aquele menino pobre apresentado sem pompa no templo era a maior novidade de todos os tempos.

O sentimento de plenitude que tomou conta de Simeão é algo buscado com empenho e dedicação pela absoluta maioria dos seres humanos. No entanto, nem sempre o buscamos onde ele de fato pode ser encontrado. Com frequência incorremos no erro do homem rico criticado por Jesus na parábola que Ele conta em Lc 12,16-21. Achamos que a plenitude está no acúmulo de bens, para além de nossas reais necessidades. Grande e tola ilusão! Os próprios caminhos da vida, mais dia menos dia, vêm revelar quão passageiros e vazios podem ser tais sonhos.

O maior e mais profundo sentido da vida, ensina-nos o velho Simeão, está na singeleza do Menino, no despojamento de quem consegue perceber que Deus ama a cada um de seus filhos por pura liberalidade, porque é de fato um amor infinito e inesgotável. Saber-se amado neste absurdo grau é chave que abre ao ser humano as portas de sua realização plena.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011

Apresentação no templo

Delicada polifonia dos sons da vida

Frei Almir Guimarães

O ancião calara-se e, com a criança nos braços, ficara absorvido  em contemplação interior.

Apresentação do Menino  Jesus no Templo:  um quadro encantador e cheio de suspiros e delicadas filigranas. Hino de gratidão e de  despedida da vida do velho Simeão e  o  futuro do Menino que nasceu no  Natal. Uma família de Deus,  Simeão,  um homem de Deus.

Um homem, uma mulher e o Menino.  Pessoas de fé vão ao templo para apresentar ao Senhor seu Filho. Chegam a pé  caminhando pelo poeira dos caminhos. A mãe, carregando o filho todo envolvido em panos para que não resfrie.  O pai levando uma gaiola  com um par de rolas ou dois pombinhos.   Esse rito era ordenado pela lei do  Senhor.

A porta do templo encontram Simeão,  um ancião cheio de anos, de olhos brilhantes,  barba branca e um ar de confiança no amanhã, apesar do tempo de vida.  Simeão gostava de estar ali ruminando as coisas de  Deus.  Que bom quando as pessoas de idade avançada  conseguem ainda  deixar transparecer a alegria de viver! Ele, esse ancião esperava a consolação de  Israel.

Ele esperava o Messias salvador, não como um herói nacional e vitorioso  que sacudiria o jugo do ocupante romano e restituiria a Israel sua independência.  O Messias seria um homem do  Espírito.  Sua  vinda aconteceria sem  ostentação externa.  Ele seria o Servo de Javé. Atuaria sem espada,  mas com  a palavra.  Viria como o desejado das colinas eternas.  Diria palavras que salvam e libertam.  Dirigiria uma palavra também aos povos pagãos.  Mas seria contestado.  Conheceria um destino trágico, rejeitado, injuriado, reduzido ao silêncio e seria condenado à morte.   Esta era, para  Simeão,  a Consolação de Israel.  O Espírito garantia ao ancião que esse acontecimento estava para se dar.

Simeão chegava ao templo e também o casal com a criança.  Ninguém os notara.  Era gente comum. Simeão estava convencido de aquele era um evento do  Espírito.  Assim descreve a cena  Éloi  Leclerc: “Eram gente  comum sem séquito.  Gente simples que ninguém distinguia.  O velho Simeão observou-os.  Não os conhecia.  Mas subitamente invadiu-o  uma certeza. Aproximou-se da mãe, fixou os olhos na criança e docemente, com infinita precaução, tomou-a nos braços.  E pôs-se a orar em voz alta, o rosto extasiado: “Agora, Senhor, segundo a tua palavra, podes deixar partir em paz o teu servo:  porque os meus olhos viram a salvação,  que preparaste para todos os povos, luz para iluminar as nações e glória de teu povo Israel”.

Havia uma nota de tristeza naquele encontro.  Simeão,  pela convivência com as Escrituras conhecia o trágico destino do  Messias.  Voltando-se  para a  mãe  sussurrou-lhe ao ouvido:  “Vês o teu filho: está aqui para queda e reerguimento de muitos em Israel.  Será sinal de contradição.  Uma espada trespassará a tua alma. Assim serão revelados os  pensamentos de muitos corações”.

Não podemos deixar  de mencionar a presença no episódio  de  uma outra mulher  também toda de Deus.  Uma viúva de oitenta anos que não saia do templo.  O evangelista nos informa que  vivia na prática de orações e jejuns e andou  anunciando a boa  nova  a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Um missionária antes da hora.  Essas pessoas simples do povo,  por via da  simplicidade  são porta-vozes de  Deus.

A  vida precisava continuar: o casal e o menino  voltaram para  Nazaré.  E  conclusão de tudo: “O menino crescia  e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele”.


Texto para  meditação

Naquele  momento  Maria sentiu  apertar-se-lhe o coração.  Viera muito feliz, apresentar o filho ao Senhor  e oferecer-lhe o sacrifício de duas rolas.  Mas as palavras do ancião e o Espírito  que o inspirava  projetaram  de súbito em sua alma  uma luz trágica.  Não, ela não ficava desobrigada com as duas rolinhas  brancas.  Essas eram apenas uma figura pálida. A realidade era outra.  “Não quisestes  sacrifício  nem oblação, mas preparaste-me um corpo. Os holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradaram.  Então eu disse;  Eis-me aqui porque de mim está escrito no livro:  Venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Sl 40,7-9). Maria contemplava o filho nos braços do ancião.  A carne de sua carne seria um dia vítima.  O seu  filho seria o  Servo desfigurado  que se obstinariam em abater e que se ofereceria à morte  para a salvação de todos. Oh!  Por que nela essa dilaceração entre a carne e o  espírito?  O silêncio era completo.  Maria ouvia apenas as palpitações de seu coração. Acabava de entrar  na noite de Deus.  Jamais se sentira  tão pobre, tão afastada do Senhor.  E contudo  nunca estivera dele tão próxima.


Oração

Senhor,

nós te pedimos

por todos os que colocaram sua esperança em ti,

pelos que duvidam de poder colocar em ti sua esperança,

por aqueles que deixaram de esperar em ti,

por todos os que vivem sem esperança porque não te conhecem.

Ajuda-nos a ser portadores de esperança e a anuncia-la ao mundo  por nossos  pensamentos, palavras e atos.

Nós te pedimos em nome do Senhor Jesus,

nossa esperança viva.

Jacques Bénignus


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

A paz de Deus

José Antonio Pagola

Todos nós falamos de “paz”, mas o significado deste termo foi mudando, afastando-se cada vez mais de seu sentido bíblico. Seu uso interessado fez da paz um termo ambíguo e problemático. Hoje as mensagens de paz resultam geralmente bastante suspeitas e quase não conquistam credibilidade.

Quando as primeiras gerações cristãs falam de paz não pensam, em primeiro lugar, numa vida tranquila, que percorra caminhos de maior bem-estar. Antes disto, e como fonte de toda paz individual ou social, está a convicção de que todos somos aceitos por Deus apesar de nossos erros. Todos podemos viver reconciliados e em amizade com Ele. Esta é primeira coisa e a mais decisiva: “Estarmos em paz com Deus” (Rm 5,1).

Esta paz nasce da confiança total em Deus e afeta o próprio centro da pessoa. Por isso, não depende só de circunstâncias externas. É uma paz que brota no coração, vai invadindo gradualmente toda a pessoa e, a partir dela, se estende aos outros.

Esta paz é presente de Deus, mas também fruto de um trabalho não pequeno. Acolher a paz de Deus, guardá-la fielmente no coração, mantê-la no meio dos conflitos e transmiti-la aos outros exige o esforço apaixonante de unificar a vida a partir de Deus.

Esta paz não é uma fuga que afasta dos problemas e conflitos; não é um refúgio cômodo para pessoas desenganadas ou céticas diante de uma paz social quase impossível. Se é verdadeira paz de Deus, ela se transforma no melhor estímulo para viver trabalhando por uma convivência pacífica entre todos e para o bem de todos.

Jesus pede a seus discípulos que, ao anunciar o reino de Deus, sua primeira mensagem seja oferecer a paz a todos: “Dizei primeiro: ‘Paz a esta casa”. Se a paz for acolhida, irá se difundindo pelas aldeias da Galileia. Do contrário, “voltará” novamente para eles, mas nunca a deverão perder, porque a paz é um presente de Deus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Luz das Nações

Pe. Johan Konings

O Concílio Vaticano II intitulou o texto dedicado à Igreja com um título significativo: “Luz das Nações”. Este título tem uma história muito rica: foi atribuído pelo profeta Isaías ao Servo de Deus, que não é só um indivíduo, mas o próprio povo de Deus. É nesta linha que, numa nova aceitação, o novo povo de Deus, a Igreja, pode tomar este titulo como emblema de sua missão, exposta no texto conciliar. Mas antes disso situa-se o momento destacado no evangelho de hoje, quando o profeta Simeão confere a Jesus, filho de José e de Maria, o título de Luz das Nações – “luz para iluminar as nações, glória de teu povo, Israel”.

No “Segundo Isaías” (42,6; 49,6), a libertação de Israel do exílio babilônico, proclamada pelo “Servo”, é também uma luz para as nações não-israelitas. O que Deus realiza para seu povo ilumina também os outros povos. Vale entender, nesta mesma linha, o que acontece a Jesus, plena realização do Servo, e a seu povo, o novo Israel, a Igreja.

Maria apresenta Jesus ao templo, isto é, ao Senhor Deus. Simeão reconhece nele o profeta que será sinal de reerguimento do povo, mas também de contradição – e a espada traspassará o coração de sua Mãe. O “reerguimento do povo” se realiza de modo representativo na história dc Jesus na terra, passando pela morte e ressurreição. Obra maravilhosa que Deus opera em Jesus e, depois, não para de operar naqueles que, com Jesus, lhe são dedicados, o Povo de Jesus, a Igreja.

Geralmente, o nosso povo, acostumado a sofrer, acena a profecia de Simeão anunciando a espada que atravessará o coração de Maria e associa a presente festa à de N. Senhora das Dores. Mas no texto do evangelho essa frase é um parêntese. O acento recai em Jesus, luz das nações e glória de Israel, ou seja, aquele que vem completar o plano de Deus para com seu povo. Decerto, como sinal de contradição. Mas sinal glorioso. O sofrimento não pode constituir o horizonte fechado de nossa visão cristã. Em meio ao sofrimento, e talvez por meio desse sofrimento, o novo povo de Deus, mais ainda que o antigo povo exilado, é chamado a ser uma luz que testemunha e torna visível o maravilhoso projeto de Deus para todos os povos, não pelo brilho deste mundo, que se impõe pela dominação, mas pelo brilho da glória de Deus, que se esconde na pequenez de Maria e de seu Filho.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.