Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

3º Domingo da Quaresma

Terceiro domingo da Quaresma

Expulsar os vendilhões do templo e os vícios do coração

 

Frei Gustavo Medella

Idolatria, adultério, roubo, assassinato, mentira, cobiça são palavras fortes e que causam até repulsa quando pronunciadas ou ouvidas. No entanto, nenhuma destas condutas é capaz de se criar e se reproduzir em outro ambiente a não ser no coração humano. Não se pode dizer, por exemplo, que haja uma pedra mentirosa, uma árvore invejosa ou um cachorro idólatra. Afinal, cada uma destas expressões do mal ganha forma e concretude a partir de escolhas equivocadas que a pessoa faz quando se deixa conduzir pelo próprio egoísmo ou por ilusões enganadoras.

Expulsar os vendilhões do templo, como Jesus fez no trecho do Evangelho deste 3º Domingo da Quaresma (Jo 2,13-35), pode ser uma ação simbólica do árduo trabalho que temos para retirar toda erva daninha que cada um de nós precisa extirpar de dentro de si a fim de viver de forma mais livre e harmoniosa. Com frequência precisamos lançar mão do chicote da ruptura para vencermos o egoísmo que infelizmente habita em nós.

Os mandamentos de Deus, apresentados na Primeira Leitura (Ex 20,1-17), não são uma mordaça imposta à liberdade humana. Ao contrário, representam um guia seguro para nos conduzir na jornada da vida de maneira mais construtiva e feliz. Deixar-se guiar pelos mandamentos é sempre a melhor escolha, aquela que conduz à verdadeira liberdade. Em nossa finita condição, Deus nos chama a experimentar a infinita força de seu Amor. A nós, cabe o empenho de deixar o coração livre para que a Graça divina possa nele habitar.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Êxodo 20,1-17 ou 1-3.7-8.12-17

2 Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão. 3Não terás outros deuses além de mim.] 4Não farás para ti imagem esculpida nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou do que existe nas águas, debaixo da terra. 5Não te prostrarás diante desses deuses nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, 6mas uso da misericórdia por mil gerações com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos. [7Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará sem castigo quem pronunciar seu nome em vão. 8Lembra-te de santificar o dia de sábado.] 9Trabalharás durante seis dias e farás todos os teus trabalhos, 10mas o sétimo dia é sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. 11Porque o Senhor fez em seis dias o céu, a terra e o mar e tudo o que eles contêm; mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou. [12Honra teu pai e tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu Deus te dará. 13Não matarás. 14Não cometerás adultério. 15Não furtarás. 16Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. 17Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”.]
Palavra do Senhor.


Sl 18(19)
Senhor, tens palavras de vida eterna.
A lei do Senhor Deus é perfeita, / conforto para a alma! / O testemunho do Senhor é fiel, / sabedoria dos humildes. – R.
Os preceitos do Senhor são precisos, / alegria ao coração. / O mandamento do Senhor é brilhante, / para os olhos é uma luz. – R.
É puro o temor do Senhor, / imutável para sempre. / Os julgamentos do Senhor são corretos / e justos igualmente. – R.
Mais desejáveis do que o ouro são eles, / do que o ouro refinado. / Suas palavras são mais doces que o mel, / que o mel que sai dos favos. – R.


Segunda Leitura: 1 Coríntios 1,22-25
Irmãos, 22os judeus pedem sinais milagrosos, os gregos procuram sabedoria; 23nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos. 24Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. 25Pois o que é dito insensatez de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é dito fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.
Palavra do Senhor.


O corpo de Jesus é o novo Templo
Evangelho: Jo 2,13-25

-* 13 A Páscoa dos judeus estava próxima, e Jesus subiu para Jerusalém. 14 No Templo, Jesus encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas sentados. 15 Então fez um chicote de cordas e expulsou todos do Templo junto com as ovelhas e os bois; esparramou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. 16 E disse aos que vendiam pombas: «Tirem isso daqui! Não transformem a casa de meu Pai num mercado.» 17 Seus discípulos se lembraram do que diz a Escritura: «O zelo pela tua casa me consome.»

18 Então os dirigentes dos judeus perguntaram a Jesus: «Que sinal nos mostras para agires assim?» 19 Jesus respondeu: «Destruam esse Templo, e em três dias eu o levantarei.» 20 Os dirigentes dos judeus disseram: «A construção desse Templo demorou quarenta e seis anos, e tu o levantarás em três dias?» 21 Mas o Templo de que Jesus falava era o seu corpo. 22 Quando ele ressuscitou, os discípulos se lembraram do que Jesus tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus.

Jesus conhece o homem por dentro -* 23 Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo os sinais que ele fazia, muitos acreditaram no seu nome. 24 Mas Jesus não confiava neles, pois conhecia a todos. 25 Ele não precisava de informações a respeito de ninguém, porque conhecia o homem por dentro.

* 13-22: Para os judeus, o Templo era o lugar privilegiado de encontro com Deus. Aí se colocavam as ofertas e sacrifícios levados pelos judeus do mundo inteiro, e formavam verdadeiro tesouro, administrado pelos sacerdotes. A casa de oração se tornara lugar de comércio e poder, disfarçados em culto piedoso. Expulsando os comerciantes, Jesus denuncia a opressão e a exploração dos pobres pelas autoridades religiosas. Predizendo a ruína do Templo, ele mostra que essa instituição religiosa já caducou. Doravante, o verdadeiro Templo é o corpo de Jesus, que morre e ressuscita. Deus não quer habitar em edifícios, mas no próprio homem..

* 23-25: Para acreditar em Jesus, não basta aceitá-lo como Messias nos moldes tradicionais, isto é, como um chefe que exerce função nacionalista através do poder e domínio. Acreditar em Jesus é aceitá-lo como o Messias que realiza o projeto de Deus e que dá sua própria vida, rompendo as muralhas de separação entre os homens. Jesus rejeita qualquer adesão que instrumentalize a sua ação em favor de interesses de grupo. Este trecho serve como introdução a todo o diálogo com Nicodemos (3,1-36).

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

3º Domingo do Quaresma

 Oração: “Ó Deus, fonte de toda misericórdia e de toda bondade, vós nos indicastes o jejum, a esmola e a oração como remédio contra o pecado. Acolhei a confissão da nossa fraqueza para que, humilhados pela consciência de nossas faltas, sejamos confortados pela vossa misericórdia”.

  1. Primeira leitura: Ex 20,1-17

      A Lei foi dada por Moisés.

Depois da espetacular passagem pelo mar Vermelho, os hebreus são guiados por Moisés, enfrentam vários perigos (inimigos, falta de água e comida) e chegam aos pés do Monte Sinai. Ali celebra-se a aliança de Deus com seu povo. Logo no início, Deus se apresenta como aquele que libertou seu povo da escravidão do Egito. Os mandamentos, portanto, visam preservar esta liberdade, para que Israel nunca mais volte a ser um povo de escravos, mas sirva, adore e ame unicamente o Deus libertador. O 1º mandamento restringe-se ao v. 3, que é uma afirmação do monoteísmo, no meio de uma civilização politeísta. O que seria o 2º mandamento original, os v. 4-6, foram omitidos na catequese do cristianismo, por motivos práticos; referem-se à proibição de fazer e adorar imagens de outros deuses. Já que Deus é um só, não existem outros deuses e suas imagens nada mais representam. Os v. 9-11 também foram omitidos, pois apenas especificam o mandamento do sábado (v. 8). Por sua vez, o 10º mandamento foi subdividido em dois: não desejar a mulher do próximo (adultério), nem cobiçar os bens do próximo. Esta divisão já aparece em Dt 5,21. Por isso, no Catecismo da Igreja Católica, o v. 14 (não cometer adultério) foi mudado para “não pecar contra a castidade”. Os três primeiros mandamentos falam da nossa relação com Deus. Jesus resume os três primeiros mandamentos num único, o maior e primeiro mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração…”; os outros mandamentos compõem o segundo maior mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (cf. Mt 22,36-40).

Salmo responsorial: Sl 18

Senhor, tens palavras de vida eterna.

  1. Segunda leitura: 1Cor 1,22-23

Pregamos Cristo crucificado, escândalo para os homens;

Mas para os chamados, sabedoria de Deus.

A presença de Paulo em Atenas chamou a atenção dos sábios do Areópago, que o convidaram para lhes falar um pouco mais sobre Jesus e a ressurreição, pensando que ia anunciar uma nova divindade. Mas quando lhes falou de um Deus feito homem, que morreu e ressuscitou, logo rejeitam sua pregação. Por isso, ao chegar a Corinto, Paulo está mais convencido ainda que o diferencial de sua pregação é a sabedoria da cruz. Por isso continua com fervor a anunciar a sabedoria de Deus, que é Cristo crucificado, tanto aos judeus, que “pedem sinais milagrosos”, como para os gregos, “que procuram sabedoria”. A fé na ressurreição não pode ser separada da Cruz de Cristo.

Aclamação ao Evangelho

Glória e louvor a vós, ó Cristo.

Tanto Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único:

Quem nele crer terá a vida eterna.

  1. Evangelho: Jo 2,13-25

Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei.

Quando João escreve seu evangelho, o Templo já tinha sido destruído. Talvez por isso, João coloca logo no início de seu evangelho a cena da expulsão dos vendilhões do Templo, enquanto os outros evangelistas situam a cena após a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. O tema central de hoje é a adoração de Deus, “em espírito e verdade”, no Cristo morto e ressuscitado. O tema já é preparado quando Jesus chama Natanael, e este espanta-se por Jesus o ter visto debaixo da figueira. Jesus então diz: “Na verdade eu vos digo: vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem” (Jo 1,51). O lugar privilegiado para o encontro com Deus não será mais o Templo e, sim, Jesus, “o Filho único do Pai”, “a Palavra que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Antecipando a destruição do Templo, com chicote na mão, Jesus expulsa todos os vendedores, junto com bois, ovelhas, pombas e cambistas, dizendo: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio

Quando os judeus questionam sobre o seu gesto e lhe perguntam: “que sinal nos mostras para agir assim”, Jesus aponta sua futura morte e ressurreição: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”. Depois da sua ressurreição os discípulos entenderam que Jesus estava falando do Templo do seu corpo. Paulo lembra que o corpo de cada pessoa que crê em Jesus, bem como a própria comunidade cristã, são um templo vivo onde Deus gosta de morar (1Cor 6,15-20; 12,12-30; Jo 14,23). O que importa para a verdadeira adoração – diz Jesus à Samaritana – não é este ou aquele templo, “porque os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade; são estes os adoradores que o Pai deseja” (Jo 4,23).

A Quaresma é um tempo privilegiado para fazermos uma faxina em nossa vida, a fim de preparar uma morada digna para Deus em nosso coração.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

O templo que Jesus frequentou

Frei Clarêncio Neotti

Podemos dividir o evangelho de hoje em três partes: primeiro, a purificação do templo, expulsando os que haviam transformado seus átrios em lugar de comércio para a compra e venda de animais, que serviam ao formalismo ritual. Os peregrinos, tantas vezes vindos de longe, deviam encontrar e pagar no lugar os animais para o sacrifício. Muitas vezes os peregrinos dispunham só de dinheiro romano, não admitido no templo, por serem as moedas cunhadas com imagens de
imperadores ‘estrangeiros’ ou com figuras ‘pagãs’ do mundo romano. Daí a presença de cambistas no templo. Segundo o Evangelista, o episódio acontece no recinto sacro, mas externo ao templo propriamente dito, que era um lugar de acesso também a estrangeiros e ‘pagãos’. Por isso, pode parecer excessivo o rigor de Jesus. Mas ao Evangelista interessa o simbolismo do episódio.

O templo que Jesus conheceu fora restaurado por Herodes (o Grande), o mesmo Herodes que mandara massacrar os meninos de Belém (Mt 2,16). Era considerado uma das mais suntuosas construções do Oriente Médio. (Reconstruído sobre a planta do famoso templo de Salomão, o templo que Jesus frequentou foi arrasado no ano 70, como ele predissera; cf. Mc 13,2). O templo se tornara o centro do culto ao Deus único e centro do judaísmo. Todos os hebreus adultos iam ao templo ao menos uma vez por ano. Nele Jesus foi consagrado a Deus por Maria e José (Lc 2,22-39); nele ‘se perdeu’ aos 12 anos (Lc 2,41- 52); a ele Jesus terá ‘subido’ nas solenidades costumeiras.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O semblante indignado do Senhor

Gesto de um profeta

Frei Almir Guimarães

♦ Os quatro evangelistas incluíram em seus escritos o episódio dos vendilhões do templo. À primeira vista temos dificuldade de compreender o gesto violento de Jesus, derrubando as bancas dos comerciantes no templo. Esse chicote nas mãos de Jesus parece mostrar incoerência entre sua fala e a prática, de ser manso e humilde de coração. Ressoa, no entanto, dentro de nós, como uma indignação de ver a casa do Pai desrespeitada, sem que seus frequentadores tenham pureza de coração.

♦ O evangelho apresenta a cena nua e crua. O profeta já dissera: “O zelo por tua causa me devora”. Sentimento de defesa da dignidade do Senhor. O evangelista lembra que Jesus mal vira o cenário, num ímpeto, fez um chicote e começou a expulsar os infratores. Certamente um gesto profético para que todos pudessem entender. Muitos de nós experimentamos indignação quando o nome de um amigo ou de um parente seja envolvido em lama. O amor sem limites pelo seu Pai faz com que Jesus não admita essa confusão de interesses no interior do templo, num espaço que retidão interior.

♦ “Jesus sabe que num templo em que se toleram pequenos negócios de pequenos vendedores, chega-se a comprar alguma coisa mais importante como a vida de um homem por trinta moedas” (Comunidade de Santo Egídio). O Senhor não admite que sob a capa da religião e da fé haja interesses mesquinhos e empobrecedores do humano.

♦ Qual seria, na verdade o mercado que escandalizava a Jesus? Qual é a compra e venda que ele não pode suportar? Sem dúvida esta página nos leva a pensar num primeiro momento como administramos nossos edifícios-templos para que sejam espaços de oração e de encontro com Deus. Não serão lugares descuidados e desleixados. A menor capelinha tem que ser bela e recolhida, limpa e luminosa para levar ao recolhimento. Ali se busca a Beleza. Nossos púlpitos não podem ser palanques para o próprio egoísmo, mas onde tudo aponte para o Senhor: o espaço, os responsáveis pela liturgia, a figura e a fala do celebrante. Tudo deverá marcado por um sentimento de singela gratuidade. O Senhor é que conta. Nada de comportamentos dúbios. Gente de coração sincero como o do publicano pecador que no templo se jogou por terra.

♦ Há um mercado a respeito do qual é preciso atentar e que pode se realizar no interior dos corações. Esse um comércio que mais desagrada ao Senhor Jesus porque o coração é o verdadeiro templo em que Deus quer habitar. O mercado a que nos referimos é o modo de conceber e levar nossa vida. Quantas vezes a vida aparece reduzida a um longa e avarenta compra e venda sem a gratuidade do amor. Somos obrigados a constatar a rarefação da gratuidade, da generosidade, do perdão, da benevolência. A férrea lei do interesse pessoal, do grupo ou de uma nação parece presidir a vida dos homens. Uns mais e outros menos somos levados a procurar lucros e ganhos. Não é de admirar-se que, com tal prática, cresçam as ervas venenosas da arrogância, da insaciabilidade e da voracidade. O que vale, o que conta é o próprio ganho pessoal, a qualquer preço. A insensibilidade, a avareza e indiferença destroem o templo de Deus que é o coração de cada homem.

♦ Na discussão com seus opositores Jesus anuncia que ele é o novo templo de Deus. Em seu rosto, seu andar, suas providências, suas palavras, seus gestos está Deus. Mesmo que esse seu corpo, esse templo de carne de Deus possa ser destruído, em três dias ele será reedificado. Jesus “salta” para a destruição do templo de seu corpo que o Pai há de restaurar em três dias.

♦ Os cristãos não estamos, pois, habituados à imagem violenta de um messias a fustigar as pessoas. Entretanto, essa é a reação de Jesus ao encontrar com homens, que até mesmo no Templo, não sabem procurar coisa alguma a não ser o próprio negócio. O Templo já não é lugar de encontro com o Pai quando nossa vida é um mercado onde só se cultua o lucro, as vantagens o dinheiro. E não pode haver uma relação filial com Deus Pai quando nossas relações com os demais são influenciadas apenas por interesses pecuniários. Impossível compreender alguma coisa do amor, da ternura e do acolhimento de Deus quando se vive só atrás do bem-estar. Não se pode servir a Deus e ao dinheiro. (Pagola, A Boa Notícia de Jesus, Vozes, p. 153-154)


Esses templos

Templos pequenos.
Minúscula capela na praça de uma vila.
Aos domingos um sino avisa que é dia de missa.
Uma zelosa senhora havia tudo preparado na véspera.
Veio de casa com uma braçada de copos de leite.
Tudo limpo. Cálice, patena, galhetas, corporais, velas
Nada de poeira… afinal é a casa do Senhor.
O altar, o sacrário, as persianas, o local das confissões.
Chegam as mesmas pessoas que se conhecem, que se estimam.
Chegam com sua vida, seus anseios e suas interrogações.
O trabalho de Dona Clara costurando para fora vai de vento em popa.
Dona Milota não vem à missa porque precisou viajar.
O irmão faz bodas prata numa cidade vizinha.
O padre, o evangelho, o ofertório, a comunhão, a bênção, os hinos, a moça que entoa os cânticos. Encontro de fé na casa do Senhor.
Deus pertinho de nós. Todos juntos pertinho de Deus.
“Que alegria quando ouvi que me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor’”.
O cafezinho no quintal, uns biscoitos de maisena, as novidade as semana, o dinheiro mensal para duas senhoras, irmãs de sangue, que vivem com quase nada.
Cada um reparte para suas casas, mais fortes, mais unidos.
Não faltaram ao encontro com o Senhor na capela de Nossa Senhora das Vitórias.
Beleza templo de pedras.
Beleza dos corações, templos vivos do Senhor.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

O amor não se compra

José Antonio Pagola

Quando Jesus entra no Templo de Jerusalém não encontra pessoas que buscam a Deus, mas comércio religioso. Sua atuação violenta diante dos “vendedores e cambistas” não é senão a reação do Profeta que se encontra com a religião convertida em mercado.

Aquele Templo, chamado a ser o lugar em que se havia de manifestar a glória de Deus e seu amor fiel, converteu-se em lugar de enganos e abusos, onde reina o afã por dinheiro e o comércio interessado.

Quem conhece Jesus não estranhará sua indignação. Se algo aparece constantemente no próprio núcleo de sua mensagem é a gratuidade de Deus, que ama seus filhos e filhas sem limites e só quer ver entre eles amor fraterno e solidário.

Por isso, uma vida convertida em mercado onde tudo se compra e se vende, inclusive a relação com o mistério de Deus, é a perversão mais destruidora do que Jesus quer promover. É certo que nossa vida só é possível a partir do intercâmbio e do mútuo serviço. Todos vivemos dando e recebendo. O risco está em reduzir nossas relações a comércio interessado, pensando que na vida tudo consiste em vender e comprar, tirando o máximo proveito dos outros.

Quase sem dar-nos conta, podemos converter-nos em “vendedores e cambistas” que não sabem fazer outra coisa senão negociar. Homens e mulheres incapacitados para amar, que eliminaram de sua vida tudo o que seja dar.

É fácil então a tentação de negociar inclusive com Deus. Obsequia-se Deus com algum culto para ficar bem com Ele, pagam-se missas ou se fazem promessas para obter dele algum benefício, cumprem-se ritos para tê-lo a nosso favor. O grave é esquecer que Deus é amor, e o amor não se compra. Por alguma razão, dizia Jesus que Deus “quer amor e não sacrifícios”.

Talvez o mais importante que precisamos escutar hoje na Igreja é o anúncio da gratuidade de Deus. Num mundo convertido em mercado, onde tudo é exigido, comprado ou ganho, só o gratuito pode continuar fascinando e surpreendendo, pois é o sinal mais autêntico do amor.

Nós, crentes, devemos estar atentos para não desfigurar um Deus que é amor gratuito, fazendo-o à nossa medida: tão triste, egoísta e pequeno como nossas vidas mercantilizadas.

Quem conhece “a sensação da graça” e experimentou alguma vez o amor surpreendente de Deus, sente-se convidado a irradiar sua gratuidade e, provavelmente, é quem melhor pode introduzir algo bom e novo nesta sociedade onde tantas pessoas morrem de solidão, de tédio e de falta de amor.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A aliança de Deus e a cruz de Cristo

Pe. Johan Konings

A Quaresma é tempo de preparação ou de renovação batismal. No afã de instruir os fiéis, a liturgia do 3º domingo apresenta os Dez Mandamentos (1ª leitura). Não são meros “preceitos”. A primeira frase não é um preceito, mas a expressão do benefício que Deus prestou a seu povo. “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa de escravidão”. Os Dez Mandamentos têm a forma de uma “aliança”, de um pacto entre um soberano e seus subalternos. O soberano “entra” com sua proteção e força, os subalternos com sua colaboração. Deus mostrou sua força, tirando o povo do Egito. Agora, os subalternos vão colaborar, observando as regras necessárias para que o povo que Deus escolheu para si fique em pé. São regras vitais: respeitar e adorar a ele só, e respeitar-se mutuamente, na justiça e na solidariedade. Estas duas regras são necessárias para que o povo não se desintegre pela divisão religiosa e pela divisão político-social. São as duas tábuas da Lei: o amor a Deus e o amor ao próximo. Desde então fazem parte do catecismo, até hoje.

Esse Deus, que nos manda adorar a si e amar os nossos irmãos, dá-se a conhecer de forma sempre mais concreta através da História. Os antigos israelitas o concebiam sobretudo como “o Senhor dos Exércitos”, o Todo-Poderoso, que os tirou do Egito. São Paulo, porém, depois que se converteu a Jesus de Nazaré, percebeu Deus de outra maneira. Deus não se manifesta só no poder; em Jesus, manifestou-se na fraqueza da cruz, “escândalo para os judeus e loucura para os pagãos”( 2ª leitura). Loucura também para os cristãos de nome que somos nós, que preferimos cuidar de nosso próprio proveito, enquanto mais que a metade da humanidade vive na miséria, e isso, bem perto de nós.

Esse Deus da “loucura do amor”, que se manifesta em Jesus, é o centro do evangelho de hoje, que orienta nosso olhar para a obra do amor fiel que Jesus levará a termo em Jerusalém. Jesus entra no Templo, irrita-se com os abusos – comércio em vez de oração – e expulsa, até com chicote, os animais do sacrifício e os vendedores. Ora, expulsando, na véspera da Páscoa, os animais do sacrifício – um para cada família de peregrinos – ele põe fim ao regime do Templo (que servia exatamente para os sacrifícios dos animais). O evangelista acrescenta que os discípulos mais tarde entenderam que a esse gesto se referiam as palavras do Sl 69,10: “O zelo por tua casa me devorará”. E quando os chefes exigem um sinal de sua autoridade, Jesus responde: “Destruí este santuário, eu o reerguerei em três dias”. O evangelista explica que ele falava da ressurreição, do templo de seu corpo, que desde agora toma o lugar do templo de pedra. Jesus é o lugar do verdadeiro culto, da verdadeira adoração, do encontro com Deus. Jesus crucificado.

Jesus renovou a primeira Aliança, a de Moisés e da Lei, no dom de sua própria vida. Este dom é agora o centro de nossa religião, de nossa busca de Deus. Uma vida que não vai em direção da cruz não é cristã.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella