Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

3º Domingo da Páscoa

3º Domingo da Páscoa

Perguntar não ofende, mas pode comprometer

 

Frei Gustavo Medella

“Perguntar não ofende”, diz o ditado. Perguntar, no entanto, nem sempre é fácil. Ainda mais quando a resposta compromete a quem perguntou. No Evangelho deste 3º Domingo da Páscoa, os discípulos não ousam perguntar quem era aquele homem que de repente apareceu na praia e proporcionou-lhes uma pesca milagrosa. Sabiam que era Jesus, mas ainda não tinham muita clareza do que lhes aconteceria depois da Morte e Ressurreição do Mestre. Não possuíam ainda a certeza de estarem prontos para ouvir a resposta. Talvez nunca estivessem.

No entanto, Jesus não desiste de confirmar sua confiança no grupo de seguidores que escolhera. É capaz de instruí-los para uma pesca abundante, prepara-lhes uma refeição e exorta Simão Pedro na condução do rebanho. Se no deserto havia multiplicado pão e peixe para a multidão faminta, agora, lançando mão do mesmo cardápio deseja multiplicar coragem e esperança no coração de seus discípulos, oferecendo-lhes a certeza de que deviam prosseguir na caminhada, ainda que sobreviessem sofrimentos e dificuldades.

Ao revelar o medo e a insegurança que os Apóstolos apresentaram em diferentes episódios, o Evangelista não deseja colocar em xeque a credibilidade deles. O desejo é, justamente, deixar bem claro que faz parte do Projeto da Encarnação o abraço de Deus à fragilidade humana. Da Graça de Deus, portanto, ninguém se faz merecedor. Ela é dom gratuito distribuído pelo Senhor de modo generoso e solidário. Levá-la ao conhecimento e à adesão das pessoas é missão da Igreja, da qual todos os batizados e batizadas são responsáveis.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Atos 5,27-32.40-41

Leitura dos Atos dos Apóstolos – Naqueles dias, os guardas levaram os apóstolos e os apresentaram ao sinédrio. 27O sumo sacerdote começou a interrogá-los, dizendo: 28“Nós tínhamos proibido expressamente que vós ensinásseis em nome de Jesus. Apesar disso, enchestes a cidade de Jerusalém com a vossa doutrina. E ainda nos quereis tornar responsáveis pela morte desse homem!” 29Então Pedro e os outros apóstolos responderam: “É preciso obedecer a Deus antes que aos homens. 30O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. 31Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o guia supremo e salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados. 32E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem”. 40Então mandaram açoitar os apóstolos e proibiram que eles falassem em nome de Jesus, e depois os soltaram. 41Os apóstolos saíram do conselho muito contentes por terem sido considerados dignos de injúrias por causa do nome de Jesus.

Palavra do Senhor.


Salmo Responsorial: 29(30)

Eu vos exalto, ó Senhor, porque vós me livrastes.

1. Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes / e não deixastes rir de mim meus inimigos! / Vós tirastes minha alma dos abismos / e me salvastes quando estava já morrendo! – R.

2. Cantai salmos ao Senhor, povo fiel, / dai-lhe graças e invocai seu santo nome! / Pois sua ira dura apenas um momento, / mas sua bondade permanece a vida inteira; / se à tarde vem o pranto visitar-nos, / de manhã vem saudar-nos a alegria. – R.

3. Escutai-me, Senhor Deus, tende piedade! / Sede, Senhor, o meu abrigo protetor! / Transformastes o meu pranto em uma festa, / Senhor meu Deus, eternamente hei de louvar-vos! – R.


Segunda Leitura: Apocalipse 5,11-14

Leitura do livro do Apocalipse de São João – Eu, João, vi 11e ouvi a voz de numerosos anjos, que estavam em volta do trono, e dos seres vivos e dos anciãos. Eram milhares de milhares, milhões de milhões, 12e proclamavam em alta voz: “O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor”. 13Ouvi também todas as criaturas que estão no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo o que neles existe, e diziam: “Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, o louvor e a honra, a glória e o poder para sempre”. 14Os quatro seres vivos respondiam: “Amém”, e os anciãos se prostraram em adoração daquele que vive para sempre.

– Palavra do Senhor.


Evangelho: João 21,1-19 ou 1-14

Naquele tempo, 1Jesus apareceu de novo aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades. A aparição foi assim: 2estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo, Natanael, de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos de Jesus. 3Simão Pedro disse a eles: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Também vamos contigo”. Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite. 4Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus. 5Então Jesus disse: “Moços, tendes alguma coisa para comer?” Responderam: “Não”. 6Jesus disse-lhes: “Lançai a rede à direita da barca e achareis”. Lançaram, pois, a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. 7Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar. 8Os outros discípulos vieram com a barca, arrastando a rede com os peixes. Na verdade, não estavam longe da terra, mas somente a cerca de cem metros. 9Logo que pisaram a terra, viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão. 10Jesus disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. 11Então Simão Pedro subiu ao barco e arrastou a rede para a terra. Estava cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rompeu. 12Jesus disse-lhes: “Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor. 13Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe. 14Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos. 15Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus disse: “Apascenta os meus cordeiros”. 16E disse de novo a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro disse: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta as minhas ovelhas”. 17Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste, porque Jesus perguntou três vezes se ele o amava. Respondeu: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo”. Jesus disse-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas. 18Em verdade, em verdade te digo, quando eras jovem, tu te cingias e ias para onde querias. Quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres ir”. 19Jesus disse isso, significando com que morte Pedro iria glorificar a Deus. E acrescentou: “Segue-me”.

Palavra da salvação.

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

3º Domingo da Páscoa

 Oração: “Ó Deus, que o vosso povo sempre exulte pela sua renovação espiritual, para que, tendo recuperado agora com alegria a condição de filhos de Deus, espere com plena confiança o dia da ressurreição”.

  1. Primeira leitura: At 5,27b-32.40b-41

Disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo. 

No dia de Pentecostes Pedro exortou todos a se arrependerem de seus pecados, para serem batizados em nome de Jesus e receberem o Espírito Santo. Naquele dia foram batizadas cerca de três mil pessoas (At 2,1-42). Assim começou a comunidade de Jerusalém. Os cristãos reuniam-se no Templo para a oração e o ensino, e eram por todos elogiados (At 2,42-47; 4,32-37). Quando Pedro e João, em nome de Jesus, curaram o paralítico que pedia esmolas junto à Porta Formosa, cresceu muito o número de convertidos e sua fama espalhou-se por toda Jerusalém (At 3). As autoridades religiosas, preocupadas com o crescimento dos que aderiram a Jesus, mandaram prender Pedro e João. Depois de interrogados pelo Sinédrio, ameaçados e proibidos de ensinar em nome de Jesus, foram soltos. Na ocasião Pedro lhes disse: “Não podemos deixar de falar do que vimos e ouvimos” (4,1-22). E continuaram a ensinar em nome de Jesus, curavam muitos enfermos e a multidão dos convertidos crescia dia-a-dia. Os apóstolos foram novamente presos, mas foram misteriosamente libertados por um anjo. E, no dia seguinte, já estavam ensinando no Templo. A guarda do Templo reconduziu os apóstolos ao Sinédrio, onde o sumo sacerdote os acusou de estarem desobedecendo à proibição, “enchendo” Jerusalém com a doutrina de Jesus e tornando assim os membros do sinédrio culpados de sua morte. Pedro lhes respondeu: “é preciso obedecer a Deus antes que aos homens”. E repete o querigma, isto é, o primeiro anúncio dos cristãos ao povo; Deus ressuscitou Jesus “a quem vós matastes”; Deus o tornou Guia supremo e Salvador; por meio de Jesus, Deus quer dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos pecados; “e disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo”. A conselho de Gamaliel, doutor da lei “muito estimado pelo povo” (5,33-39), os apóstolos foram soltos pelo Sinédrio. Antes, porém, foram açoitados e, mais uma vez, proibidos de ensinar em nome de Jesus.

Fiel ao plano traçado por Jesus (At 1,8), Lucas mostra que o dinamismo do Espírito Santo não podia deixar o Evangelho preso em Jerusalém. De fato, a cidade já estava “cheia da doutrina de Jesus” (5,28). Era, porém, necessário que a Palavra de Deus fosse anunciada também na Judeia e Samaria, para chegar até os confins da terra (cf. Mt 28,19-20: Mc 16,15-16).

Salmo responsorial: Sl 29

Eu vos exalto, ó Senhor, porque vós me livrastes.

  1. Segunda leitura: Ap 5,11-14

O cordeiro imolado é digno de receber o poder e a riqueza.

Na visão (5,1-4) João vê alguém sentado num trono, segurando na mão direita um livro escrito por dentro e por fora, mas selado com sete selos. O vidente chora porque ninguém conseguia abrir o livro que continha o plano de Deus para o futuro da história. Em seguida vê um “Cordeiro, de pé, como que imolado”. Junto do Cordeiro estavam quatro seres vivos (totalidade do mundo) e vinte e quatro anciãos. Quando o Cordeiro se aproxima do livro selado e o abre, os seres vivos e os anciãos prostram-se em adoração e erguem um hino de louvor “porque foste imolado e com teu sangue adquiriste para Deus gente de toda tribo, língua, povo e nação”. No texto de hoje prossegue a liturgia celeste. Nesta liturgia, ao coro dos seres vivos e dos anciãos, unem-se dezenas de milhões de anjos e todas as criaturas vivas que estão no céu, na terra e no mar. No cântico de louvor, os atributos de Deus – honra, glória, poder e louvor (cf. Dn 7) – são dados ao Cordeiro imolado, “que vive para sempre”. O Cordeiro imolado será o pastor de todos os que foram resgatados pelo seu sangue e lhe são fiéis. Como um pastor, os “guiará às fontes das águas vivas”. Então Deus enxugará as lágrimas de todos os que sofrem perseguições por causa da fé (cf. 2ª leitura do 4º Domingo da Páscoa). A mesma fé nos enche de alegria e esperança, nos tempos conturbados em que vivemos, pois Cristo ressuscitado vive para sempre.

Aclamação ao Evangelho

Jesus Cristo ressurgiu, por quem tudo foi criado;

ele teve compaixão do gênero humano.

  1. Evangelho: Jo 21,1-19

Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o a eles.

E fez a mesma coisa com o peixe.

Em seu evangelho, Lucas situa as manifestações de Cristo ressuscitado, sua ascensão ao céu e a vinda do Espírito Santo em Jerusalém. Isso, porque no plano de Lucas, é de Jerusalém que deveria partir o testemunho dos discípulos sobre Jesus, para chegar aos confins da terra (Lc 24,47; At 1,8). Em Marcos 16,7 e Mateus 28,7 as manifestações do Ressuscitado acontecem na Galileia. João reúne as duas tradições: No cap. 20 as manifestações em Jerusalém (2º Domingo) e as da Galileia, no acréscimo do cap. 21. No evangelho deste domingo, a manifestação de Jesus aos discípulos acontece junto ao lago de Tiberíades. Jesus não aparece aos doze apóstolos, mas aos sete “discípulos”. É provável que o evangelho, bem como a acréscimo final, tenham sido escritos na igreja gentio-cristã da Ásia Menor. Os sete discípulos lembram os sete diáconos, todos de nome grego, escolhidos para cuidarem das viúvas de origem grega, em Jerusalém, esquecidas no serviço aos pobres (At 6,1-6). O evangelho de hoje apresenta duas cenas. A primeira (20,1-14) descreve a pesca milagrosa e a refeição de Jesus com os discípulos. Nesta cena, em destaque estão Jesus, o discípulo amado e Pedro. Jesus preocupa-se com a pescaria frustrada dos discípulos, aponta para onde deveriam lançar a rede, pede-lhes que tragam alguns peixes e lhes prepara uma refeição. Por fim, distribui aos discípulos o pão e o peixe que já tinha preparado, lembrando a eucaristia celebrada no “dia do Senhor” (20,19.26). O discípulo amado é o primeiro a reconhecer que o homem à beira do lago era o Senhor (cf. 20,8). Ao saber que era o Senhor, Pedro se lança ao mar ao encontro de Jesus, depois arrasta até a terra a rede cheia de peixes, trazida pelos outros discípulos, e leva alguns peixes para o Mestre. “Nenhum dos discípulos se perguntava quem ele era, pois sabiam que era o Senhor”. É a mesma fé da comunidade cristã, ainda hoje, reunida com Cristo no dia do Senhor.

Na segunda cena temos o diálogo de Cristo com Pedro. Jesus pergunta três vezes se Pedro lhe era fiel e se o amava, pois na paixão o havia negado três vezes (cf. Lc 22,54-62). O Apóstolo reafirma seu amor fiel, e Jesus lhe confere a missão de apascentar seus cordeiros e suas ovelhas. Em João, Jesus confere aos discípulos a missão de evangelizar: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20,21). No entanto, é Pedro que recebe a missão de pastorear o rebanho, isto é, conduzir a Igreja de Cristo. Confia a Pedro a missão de conduzir a ação evangelizadora da Igreja. Mas é o sopro do Espírito Santo que dinamiza toda a ação dos discípulos do Senhor.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Fracasso e êxito

Frei Clarêncio Neotti

A página que lemos hoje é cheia de símbolos. Um pequeno grupo dos discípulos voltou à Galileia depois de tudo o que acontecera em Jerusalém. Não voltaram eles para anunciar aos amigos, parentes e conhecidos o milagre da Ressurreição, mas no desânimo de quem volta para trás, de quem volta para casa porque as coisas não deram certo. Não pensaram nas ‘coisas’ de Jesus, mas em si mesmos. É expressiva a atitude de Pedro: eu vou pescar. O Evangelho acentua o pronome ‘eu’. É iniciativa de Pedro, pescador experimentado, mas, por ser uma iniciativa pessoal, está fadada ao fracasso: “Não pegaram nada” (v. 3).

Observe-se que o texto é do Evangelho de João, o que significa que a palavra ‘pescar’ pode ter um sentido maior que pegar rede e barco. Pode conter um símbolo teológico. Pescar pode significar a atividade apostólica do anúncio do Evangelho. O fracasso da pesca de Pedro e dos companheiros, embora excelentes conhecedores do mar e dos peixes, não é apenas a conclusão de uma pesca sem êxito, mas a tradução concreta do que Jesus dissera na Última Ceia: “Sem mim nada podeis” (Jo 15,5).

A Ressurreição é, sim, o começo de novo tempo, de um novo Povo de Deus, e Jesus continua o protagonista principal. Os Apóstolos não agem em nome e vontade própria. Mas com Cristo, por Cristo e em Cristo. Uma ação apostólica sem o Espírito Santo de Jesus Ressuscitado será sempre vazia. É grande a tentação de a criatura humana agir em nome próprio e com as próprias forças. Deus não dispensa nosso esforço. Mas a graça é sempre dele. Dele será, portanto, também o resultado.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Tudo muda com a presença do Ressuscitado

Frei Almir Guimarães

>> Continuamos a viver o tempo da pascal. A Páscoa não é um dia, mas cinquenta dias. Desde o domingo da ressurreição revestimo-nos de júbilo e assim caminhamos até Pentecostes. Tudo é envolvido de júbilo. Há muitas manifestações do Ressuscitado nos evangelhos destes domingos festivos. Nem sempre tão fáceis de serem percebidas. Jesus está atrás do rosto de um jardineiro, num personagem que acompanha os dolentes discípulos de Emaús. Vamos tentar nos aproximar do relato deste domingo junto ao Mar de Tiberíades.

>> Há o simbolismo de uma pesca no meio do mar. Há uma nota de fracasso no labor dos pescadores. Parece claro: somente a presença de Jesus ressuscitado pode dar eficácia ao trabalho dos discípulos, dos missionários “pós-ressurreição”.

>. Os apóstolos fazem o seu trabalho na escuridão da noite. Eles estão novamente juntos, mas falta Jesus. Não embarcam ouvindo o convite ou a ordem de Jesus. Não esqueçamos que eles eram “pescadores de homens”. O narrador dá a entender que o trabalho foi feito à noite e que deu em nada. Noite = ausência de Jesus. Jesus é a luz do mundo. Sem seu sopro e sua palavra orientadora não há evangelização fecunda.

>> Com a chegada do amanhecer Jesus se faz presente. Da margem se comunica com os seus por meio de sua Palavra. “Lançai as redes à direita da barca e achareis”. Os discípulos não sabem que é Jesus. Ouvindo a orientação do Mestre alcançam resultado. Sim, era aquele que um dia os convocara para sempre “pescadores de homens”.

>> Vivemos a vida cristã. Temos nossos famílias. Desejamos que sigam a Jesus e se revistam da fé evangélica. Temos nossas dificuldades. Nós mesmos praticamos, colocamos nos lábios palavras piedosas. Mas, por vezes somos visitados pela dúvida e pelo questionamento. Um prática sem viço, sem alma. Morna. Rotineira.

>> José Antonio Pagola faz algumas reflexões nesse contexto que devem nos levar a pensar:

o “A situação de não poucas paróquias e comunidades é crítica. As forças diminuem. Os cristãos mais comprometidos se multiplicam para abarcar todo tipo de tarefas: sempre os mesmos e os mesmos para tudo. Será que devemos continuar intensificando nossos esforços e buscando o rendimento a qualquer preço, ou devemos deter-nos a cuidar melhor da presença viva do Ressuscitado em nosso trabalho?
o Para difundir a Boa Notícia de Jesus e colaborar eficazmente em seu projeto, o mais importante não é “fazer muitas coisas”, mais cuidar melhor da qualidade humana e evangélica do que fazemos. O decisivo não é o ativismo, mas o testemunho de vida de que nos cristãos podemos irradiar.
o Não podemos permanecer na epiderme da fé. Estamos em tempos de cuidar, antes de tudo, do essencial. Enchemos nossas comunidades de palavras, textos, escritos, mas o decisivo é que entre nós se escute Jesus. Fazemos muitas reuniões, mas o mais importante é o que nos congrega cada domingo para celebrar a ceia do Senhor. Só nele se alimenta nossa força evangelizadora”.

>> “Tu me amas?” Ficamos impressionados com a insistência com que Jesus pergunta a Pedro se ele o ama. É o amor que permite a Pedro entrar numa relação viva com Cristo ressuscitado. Quem não ama dificilmente pode entender alguma coisa da fé cristã. Não nos esqueçamos que o amor brota em nós quando começamos a abrir-nos a outra pessoa, numa atitude de confiança, entrega que vai sempre além das razões, provas e demonstrações. De alguma forma, amar é sempre “aventurar-se” no outro.

>> “A fé cristã é uma experiência de amor. Por isso, crer em Jesus Cristo é muito mais do que “aceitar verdades” sobre Ele. Cremos realmente quando experimentamos que Ele vai se convertendo no centro do nosso pensar, nosso querer e nosso viver”.


Oração

Dá-nos, Senhor, a coragem dos recomeços.
Mesmo nos dias quebrados, faze-nos descobrir limiares límpidos.
Não nos deixes acomodar ao saber daquilo que foi:
dá-nos largueza de coração para abraçar aquilo que é.
Afasta-nos do repetido, do juízo mecânico que banaliza a história
Pois a desventra de qualquer surpresa ou esperança.
Torna-nos atônitos como os seres que florescem.
Torna-nos livres, deslumbrantemente insubmissos.
Torna-nos inacabados com quem deseja e de desejo vive.
Torna-nos confiantes como os que se atrevem a olhar tudo, e a si mesmos, uma primeira vez.

(José Tolentino Mendonça)

Toda esta reflexão está fortemente inspirada em:
O caminho aberto por Jesus
José Antonio Pagola
João, Vozes, p. 261-266


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Qualquer um não serve

José Antonio Pagola

Depois de comer com os seus à margem do lago, Jesus inicia uma conversa com Pedro. O diálogo foi cuidadosamente trabalhado, pois tem como objetivo lembrar algo de grande importância para a comunidade cristã: entre os seguidores de Jesus só está capacitado a ser guia e pastor quem se distingue por seu amor a Ele.

Não houve ocasião em que Pedro não tivesse manifestado sua adesão absoluta a Jesus, acima dos demais. No entanto, na hora da verdade, é ele o primeiro a negá-lo. O que há de verdade em sua adesão? Pode ele ser guia e pastor dos seguidores de Jesus?

Antes de confiar-lhe seu “rebanho”, Jesus lhe faz a pergunta fundamental: “Tu me amas mais do que estes?” Não lhe pergunta: “Tu te sentes com forças? Conheces bem minha doutrina? Tu te vês capacitado para governar os meus?” Não. É o amor a Jesus que capacita para animar, orientar e alimentar seus seguidores, como Ele o fazia.

Pedro lhe responde com humildade e sem comparar-se com ninguém: “Tu sabes que eu te amo”. Mas Jesus lhe repete mais duas vezes sua pergunta, de maneira cada vez mais incisiva: “Tu me amas? Me amas de verdade?” A insegurança de Pedro vai crescendo. Cada vez se atreve menos a proclamar sua adesão. Por fim se enche de tristeza e já não sabe o que responder: “Tu sabes tudo, sabes que eu te amo”.

À medida que Pedro vai tomando consciência da importância do amor, Jesus vai lhe confiando seu rebanho para que cuide, alimente e comunique vida a seus seguidores, a começar pelos mais pequenos e necessitados: os cordeiros”.

Frequentemente os hierarcas e pastores são relacionados só com a capacidade de governar com autoridade, ou de pregar com garantia a verdade. No entanto, há adesões a Cristo, firmes, seguras e absolutas que, vazias de amor, não capacitam para cuidar e guiar os seguidores de Jesus.

Poucos fatores são mais decisivos para a conversão da Igreja que a conversão dos hierarcas, bispos, sacerdotes e dirigentes religiosos ao amor a Jesus. Somos nós os primeiros que temos de ouvir sua pergunta: “Tu me amas mais do que estes? Amas meus cordeiros e minhas ovelhas?”


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Cristo na glória e na Igreja

Pe. Johan Konings

Muitas pessoas dizem acreditar em Jesus, mas não querem comprometer-se com a comunidade da Igreja. Talvez até entrem numa igreja bonita e espaçosa para, ao voltar do serviço, descansar um pouco, mas a Igreja como comunidade não as atrai. Pretendem acreditar e Cristo, mas não querem saber de sua comunidade … Às vezes, vira até caricatura: invocam ajuda de Cristo e de todos os santos para resolver uns probleminhas pessoais, mas não ligam para sua grande obra, a comunidade que ele fundou. Será Jesus apenas um quebra-galho para uso pessoal?

Conforme a liturgia de hoje, Jesus ressuscitado está misteriosamente presente na Igreja. O evangelho conta como Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos enquanto estão pescando sem êxito, no lago de Genesaré. Sua presença os faz pescar grande número de peixes grandes – cento e cinqüenta e três, imagem da multidão que, logo nos primeiros anos, aderiu a Cristo na Igreja. Na 1ª leitura ouvimos o atrevido testemunho dos Apóstolos, apesar de proibidos de falar no nome de Jesus. É no testemunho da Igreja que Jesus ressuscitado vive para o mundo. Querer ter Jesus sem a Igreja é como querer transportar água sem balde. E este Jesus é o Senhor glorioso, adorado por todos os santos no céu, como nos mostra o Apocalipse (2ª leitura). Que seja adorado assim também na terra.

Viver como cristão é viver da palavra de Deus em Jesus Cristo. Esta palavra é a instância suprema de nossa vida. “Importa mais obedecer a Deus do que aos homens”, diz Pedro às autoridades de Jerusalém que o querem proibir de anunciar o Cristo ressuscitado (At 5,29).

Ora, a Igreja serve exatamente para guardar viva a palavra de Jesus e a sua presença no meio de nós. A Igreja não serve para si mesma ou para satisfazer a ambição dos padres – como mídia às vezes parece insinuar, não sem culpa dos próprios … A Igreja tampouco serve para construir ricos templos (alguns melhor nunca tivessem sido construídos!). A Igreja existe para dar a todos os seres humanos a oportunidade de conhecer Jesus morto e ressuscitado, de tomar refeição com ele – como os seus primeiros discípulos -, de acolher e cumprir sua palavra, sempre de novo traduzida e explicada conforme as exigências de cada momento. Ela existe para constituir a comunidade que é necessária para que o mandamento e o exemplo de amor deixados por Jesus sejam transmitidos e postos em prática, pois é impossível amar sozinho … A Igreja serve para fazer acontecer, sempre, no mundo, a prática de Jesus – na justiça e no amor eficaz ao próximo. Se ela fizer isso, ela partilhará para sempre a glória que Deus deu ao “Cordeiro”, por ter-se sacrificado por nós. Pois Deus ama o amor que dá a vida pelos outros. E quem faz isso, como Cristo, já vive um pouco o céu. A Igreja serve para nos ajudar nisso.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella