33º Domingo do Tempo Comum
- 33º Domingo do Tempo Comum
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
- A Palavra de Jesus: o grande dom do Pai
- O que estamos fazendo de nossas vidas?
- Nossa tarefa não é conservar o passado
- Ter o fim diante dos olhos
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
33º Domingo do Tempo Comum
Artesãos de um mundo diferente
Frei Gustavo Medella
“Do trabalho de tuas mãos hás de viver, serás feliz, tudo irá bem!” (Sl 127). As grandes construções que o ser humano é chamado a empreender são artesanais. A paz, a justiça, a concórdia e a felicidade nascem a partir de relações sadias construídas a partir de um esforço coletivo no qual todos os envolvidos devem “pôr a mão na massa”. Ninguém deve se acomodar ou esperar que outro faça a sua parte. É trabalho artesanal, comunitário e pessoal.
O sonho de uma sociedade onde todos tenham o direito de viver do trabalho de suas mãos passa por um compromisso abraçado em mutirão, onde os talentos recebidos se multiplicam em favor dos planos do Senhor. Cada um, à sua medida, com o muito ou pouco de que dispõe ou que lhe foi entregue deve dar o seu “tudo” para que o Reino aconteça. A viúva pobrezinha que pouco ou nada possuía entregou tudo como oferta no templo e foi exaltada por Jesus. Certamente, a pobre mulher figura entre os empregados que fizeram render com sucesso aquilo que receberam. O homem rico da parábola, em sua avareza, preferiu guardar para si a abundância de bens que sobravam a ele mas certamente faltavam na mesa de muitos. Este, coitado, tornou-se tão pobre que a única coisa que possuía era dinheiro. Na parábola dos talentos, representa aquele que enterrou as riquezas e tomou posse do que não era seu.
Neste Dia Mundial dos Pobres, que traz no tema a frase bíblica “Estende tua mão ao pobre” (Eclo 7,32), o convite que fica é para que cada um ofereça as próprias habilidades para a construção de um mundo com mais interajuda e empatia. Estender a mão ao pobre não se resume a um gesto pontual, mas à disponibilidade para gastar força, sangue e suor no grande mutirão de uma nova sociedade.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura: Pr 31,10-13.19-20.30-31
10Uma mulher forte, quem a encontrará? Ela vale muito mais do que as joias. 11Seu marido confia nela plenamente, e não terá falta de recursos. 12Ela lhe dá só alegria e nenhum desgosto, todos os dias de sua vida. 13Procura lã e linho, e com habilidade trabalham as suas mãos.
19Estende a mão para a roca, e seus dedos seguram o fuso. 20Abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre.
30O encanto é enganador e a beleza é passageira; a mulher que teme ao Senhor, essa sim, merece louvor. 31Proclamem o êxito de suas mãos, e na praça louvem-na as suas obras!
Salmo Responsorial: Sl 127
— Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!
— Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!
— Feliz és tu, se temes o Senhor/ e trilhas seus caminhos!/ Do trabalho de tuas mãos hás de viver,/ serás feliz, tudo irá bem!
— A tua esposa é uma videira bem fecunda/ no coração da tua casa;/ os teus filhos são rebentos de oliveira/ ao redor de tua mesa.
— Será assim abençoado todo homem/ que teme o Senhor./ O Senhor te abençoe de Sião,/ cada dia de tua vida.
Segunda Leitura: 1Ts 5,1-6
1Quanto ao tempo e à hora, meus irmãos, não há por que vos escrever. 2Vós mesmos sabeis perfeitamente que o dia do Senhor virá como ladrão, de noite. 3Quando as pessoas disserem: “Paz e segurança!”, então de repente sobrevirá a destruição, como as dores de parto sobre a mulher grávida. E não poderão escapar. 4Mas vós, meus irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. 5Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Não somos da noite, nem das trevas. 6Portanto, não durmamos, como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios.
Esperar, arriscando
Evangelho: Mt 25,14-30
* 14 «Acontecerá como um homem que ia viajar para o estrangeiro. Chamando seus empregados, entregou seus bens a eles. 15 A um deu cinco talentos, a outro dois, e um ao terceiro: a cada qual de acordo com a própria capacidade. Em seguida, viajou para o estrangeiro. 16 O empregado que havia recebido cinco talentos saiu logo, trabalhou com eles, e lucrou outros cinco. 17 Do mesmo modo o que havia recebido dois lucrou outros dois. 18 Mas, aquele que havia recebido um só, saiu, cavou um buraco na terra, e escondeu o dinheiro do seu patrão. 19 Depois de muito tempo, o patrão voltou, e foi ajustar contas com os empregados. 20 O empregado que havia recebido cinco talentos, entregou-lhe mais cinco, dizendo: ‘Senhor, tu me entregaste cinco talentos. Aqui estão mais cinco que lucrei’. 21 O patrão disse: ‘Muito bem, empregado bom e fiel! Como você foi fiel na administração de tão pouco, eu lhe confiarei muito mais. Venha participar da minha alegria’. 22 Chegou também o que havia recebido dois talentos, e disse: ‘Senhor, tu me entregaste dois talentos. Aqui estão mais dois que lucrei’. 23 O patrão disse: ‘Muito bem, empregado bom e fiel! Como você foi fiel na administração de tão pouco, eu lhe confiarei muito mais. Venha participar da minha alegria’. 24 Por fim, chegou aquele que havia recebido um talento, e disse: ‘Senhor, eu sei que tu és um homem severo pois colhes onde não plantaste, e recolhes onde não semeaste. 25 Por isso, fiquei com medo, e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence’. 26 O patrão lhe respondeu: «Empregado mau e preguiçoso! Você sabia que eu colho onde não plantei, e que recolho onde não semeei. 27 Então você devia ter depositado meu dinheiro no banco, para que, na volta, eu recebesse com juros o que me pertence’. 28 Em seguida o patrão ordenou: ‘Tirem dele o talento, e deem ao que tem dez. 29 Porque, a todo aquele que tem, será dado mais, e terá em abundância. Mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30 Quanto a esse empregado inútil, joguem-no lá fora, na escuridão. Aí haverá choro e ranger de dentes.»
* 14-30: Não basta estar preparado, esperando passivamente a manifestação de Jesus. É preciso arriscar e lançar-se à ação, para que os dons recebidos frutifiquem e cresçam. Jesus confiou à comunidade cristã a revelação da vontade de Deus e a chave do Reino. No julgamento, ele pedirá contas por esse dom. A comunidade o repartiu e o fez crescer, ou o escondeu dos homens?
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
33º Domingo do Tempo Comum
Oração: “Senhor nosso Deus, fazei que nossa alegria consista em vos servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a vós, o criador de todas as coisas”.
- Primeira leitura: Pr 31,10-13.19-20.30-31
Com habilidade trabalham as suas mãos.
O livro dos Provérbios, em vários capítulos, simboliza a Sabedoria na figura da mulher. No último capítulo louva a mulher real, que teme a Deus. A leitura de hoje, extrai 7 dos 22 versos que compõe o poema, suficientes para exaltar a mulher que faz valer seus talentos. O poema exalta não tanto a beleza física da mulher, e sim, os talentos e a habilidade de suas mãos operosas. Ela compra a lã e o linho e o trabalha com a destreza de suas mãos. Como a tecelã, estende a mão para a roca e com os dedos segura o fuso. Com o trabalho de suas mãos veste a si mesma, veste o marido, os filhos e empregados, e pode estender as mesmas mãos para os necessitados e pobres. Tal mulher é mais preciosa do que todas as joias. Em sua feminilidade ela realiza-se como mulher, como esposa e como mãe porque gera a vida, alimentando e protegendo-a “como quem serve”, para a felicidade de toda a família (cf. Lc 22,27). O poema conclui-se dizendo que a beleza e a formosura da mulher são passageiras. Mas a mulher que teme a Deus, pelo amor-cuidado que manifesta em sua vida, merece ser louvada porque encarna o amor, a generosidade e a providência divina. A mulher sábia é como uma artesã que “sustenta a criação deste mundo”, como diz o Eclesiástico (38,34a).
Salmo responsorial: Sl 127
Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!
- Segunda leitura: 1Ts 5,1-6
Que esse dia não vos surpreenda como um ladrão.
O trecho hoje lido continua as considerações de Paulo aos cristãos de Tessalônica sobre a ressurreição dos mortos e a segunda vinda do Senhor (2ª leitura do 32º Domingo). De início, o Apóstolo declara não poder acrescentar nada ao que Jesus já havia dito: “Quanto a esse dia e essa hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai” (cf. Mt 24,36). Quando tudo parece estar em “paz e segurança”, o dia do Senhor virá, de repente, como um ladrão de noite. O que fazer, então, como se comportar? Na admoestação final aos cristãos (v. 4-6) Paulo espera estar entre os vivos quando acontecer a vinda do Senhor (cf. 1Ts 4,13-18). Continuemos vigilantes e sóbrios – diz Paulo – para não sermos surpreendidos por esse dia. Iluminados por Cristo, somos filhos da Luz e não das trevas. Em outras palavras, os cristãos são convidados a viver na tensão escatológica da vinda do Senhor, mantendo sempre viva a fé e a esperança.
Aclamação ao Evangelho
Ficai em mim, e eu em vós hei de ficar, diz o Senhor;
quem em mim permanece, esse dá muito fruto.
- Evangelho: Mt 25,14-30
Como foste fiel na administração de tão pouco,
vem participar de minha alegria.
A parábola dos talentos é a continuidade da parábola das dez virgens (32º domingo). Tanto a parábola das dez jovens como a parábola dos talentos estão relacionadas com a segunda vinda do Senhor. Havia, sobretudo na Galileia, pessoas ricas que eram donos de pequenos latifúndios. O patrão tinha empregados para cuidar das plantações de trigo ou cevada, oliveira e vinhedos. Segundo a parábola, o patrão viajou para o estrangeiro, talvez para Roma. Antes de se ausentar, chamou seus empregados para lhes confiar a administração das riquezas que havia acumulado. “A um deu cinco talentos, a outro dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com sua capacidade”. Um talento era uma medida de peso com valor aproximado de 34 kg. Tratava-se de peso em ouro ou prata. O primeiro trabalhou com os cinco talentos e lucrou mais cinco. Da mesma forma, o segundo que recebeu dois talentos, lucrou outros dois. Os dois primeiros foram ousados, até com o risco de perderem tudo, mas dobraram a quantia recebida. O terceiro, que recebeu apenas um talento, com medo de perder o valor recebido, enterrou seu talento até que o patrão viesse. – Após muito tempo, o patrão voltou da viagem e chamou os empregados para prestarem conta dos talentos recebidos. Os dois primeiros apresentaram-se com alegria por terem dobrado com seu trabalho o valor recebido. A esses o patrão diz: “Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria”. O terceiro empregado trouxe apenas o talento que havia enterrado e o devolveu ao patrão, desculpando-se porque tinha medo dele por ser um homem severo e explorador do trabalho dos empregados. O patrão o chamou de “servo mau e preguiçoso” e mandou tirar dele o talento para entregar ao empregado que dobrou os cinco talentos. Sob o ponto de vista humano a parábola dos talentos poderia levantar críticas ao procedimento do patrão. Considerando, porém, que a parábola fala do Reino de Deus, a lógica é outra. Deus confiou a cada um de nós talentos, dons e qualidades para serem colocados a serviço da família, do próximo, da comunidade e da sociedade (1ª leitura).
A parábola nos leva a uma revisão de vida. Com qual dos três empregados eu me assemelho? Na minha comunidade escondo os talentos que tenho, ou faço render a serviço do próximo as boas qualidades que Deus me deu? Procuro imitar a mulher sábia, colocando meus talentos em benefício da família e da comunidade?
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
A Palavra de Jesus: o grande dom do Pai
Frei Clarêncio Neotti
Sem fazer julgamento sobre a situação político-econômica, Jesus comparou o senhor rico a si mesmo. Ele veio de fora, veio do céu, comprou com sua vida os campos (a humanidade) e todos os bens da terra. E partiu para “uma viagem” (v. 14). A palavra ‘viagem’ indica um retorno. Jesus retornará da glória celeste à terra. Ao partir, deixou os empregados (as criaturas humanas), cada um com sua responsabilidade, para fazer frutificar os campos e para desenvolver os bens, deixando a cada um a liberdade de ação e a escolha do modo de trabalhar.
À primeira vista a parábola parece falar dos bens materiais por causa da entrega do dinheiro (um talento equivalia mais ou menos ao preço de 35 quilos de prata, dinheiro grande, portanto). Na verdade, o grande tesouro que Jesus deixou em
nossas mãos para fazer frutificar é sua Palavra divina, embora não se excluam os bens materiais.
São Paulo lembrou aos Colossenses que a pregação do Evangelho “está produzindo fruto e crescendo desde o dia em que o povo o escutou e conheceu a verdade e a graça de Deus” (Cl 1,6). Este é o talento deixado por Jesus: a Palavra pregada, a Palavra escutada, a Palavra que se torna graça e verdade, a Palavra que se multiplica para alcançar os confins da terra (Sl 22,28), a Palavra encarnada na pessoa divino-humana de Jesus de Nazaré, o Cristo bendito de Deus (Mc
14,61-62).
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
O que estamos fazendo de nossas vidas?
Frei Almir Guimarães
A vida é o que permanece, apesar de tudo: a vida embaciada, minúscula, imprecisa e preciosa como nenhuma outra coisa. A sabedoria é a vida mesma: o real do viver, a existência não como trégua, mas como pacto, conhecido e aceite na sua fascinante e dolorosa totalidade. Não se trata apenas de viver o instante, tarefa inútil, pois a vida é duração. Aquilo que nos é dado dura, e nós dentro dele, com ele e por ele. Não é a flor do instante que nos perfuma, mas o presente eterno do que dura e passa, do que dura e não passa.
José Tolentino Mendonça, Libertar o tempo, Paulinas, p. 45
♦ Parábola dos talentos, do dinheiro a ser colocado no banco, dos dons que o Senhor concede aos que cria e inventa e coloca na aventura da vida. Parábola que fala frutificação e da prestação de contas. Estamos no final do ano litúrgico da Igreja. É hora de balanço neste ano completamente atípico. O que fomos fazendo de nossas vidas? Nesse tempo e ao longo da vida? Como a Igreja está administrando os carismas e dons que recebeu? Três palavras como que saltam aos nossos olhos e ouvidos: coragem, criatividade, testemunho.
♦ Dois dos empregados fizeram o dinheiro do patrão render. Um terceiro ficou com receio. Não teve coragem de arriscar. Enterrou as oportunidades de ser alguém. Perdeu a oportunidade de viver, de simplesmente viver. A vida, os dons, os talentos não existem para ser guardados a sete chaves. Podem ficar velhos e perder a validade. Pacotes do supermercado vencidos se joga fora. Na vida é preciso frutificar.
♦ Mais cedo ou mais tarde vamo-nos dando conta de que precisamos ver com certa claridade que precisamos dar um sentido geral e amplo de nossa vida. Vida material, sentido e cuidado do corpo, ser homem e ser mulher, relacionar-se, trabalho, dinheiro, reações ao negativo doenças e morte. O que precisamos fazer de nossas vidas? Para onde nos arrasta o mistério da vida? Dá para projetar? O que realmente nos faz viver?
♦ Não podemos trabalhar por trabalhar, apenas para ganhar dinheiro nem para satisfazer o nosso brilho com nossas proezas. Criamos laços no trabalho e com nossa atividade laboral construímos humanidade. Não seria essa uma luz? Fazer da vida um empreendimento de humanização? No casamento, dois mistérios diferentes… dom mútuo….duas riquezas cultivadas uma ao lado da outra para desta forma salvar o amor? Como pais e mães colocar os nossos dons a serviço desses seres que colocamos no mundo e não deixar que eles se privem das riquezas que recebemos? Ser religioso ou sacerdote para “gastar” a vida em humanizar e levar as pessoas ao Mistério. Mistério que nos invade e esta dormindo dentro de nós, esperando ser acordado? Afinal de contas, que sentido estamos dando às nossas vidas? O que está durando e o que está passando em nossas vidas?
♦ Dentro de nós há um apelo de uma vida de plenitude que se traduz numa existência decentralizada, aberta para o Outro e os outros. Vivemos sentindo saudade do…hesito dizer… do amor. Nascemos do amor. Somos resultado do amor. Não apenas de um fato biológico. Enterrar o talento quer dizer girar em torno de nós mesmos.
♦ Nascemos no seio de uma família católica. Aprendemos a colocar gestos religiosos. Recebemos os sacramentos. Chamamos o padre para a unção e queremos que nosso corpo seja encomendado no final da viagem. Tudo bem. Tudo isso precisa ser, contudo, acompanhado, por um empenho de frutificação dinâmica. Não dá apenas para conservar.
Oração
Senhor, Tu és nossa luz.
Senhor, Tu és a verdade.
Senhor, Tu es nossa paz.
Querendo acompanhar-nos
Te fizeste peregrino;
compartilhas nossa vida,
nos mostras o caminho.
Não basta rezar a Ti,
dizendo que te amamos;
devemos imitar-te,
amar-te nos irmãos.
Tu pedes que tenhamos
humilde confiança;
teu amor saberá encher-nos
de vida e esperança.
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Nossa tarefa não é conservar o passado
José Antonio Pagola
A missão da Igreja não é conservar o passado. Ninguém pode colocar em dúvida sua necessidade de alimentar-se na experiência fundadora de Cristo, nem sua necessidade de reavivar continuamente o melhor que o Espírito de Jesus gerou ao longo dos séculos. Mas a Igreja não deve converter-se em monumento do passado. Não adianta nada sermos fiéis ao passado, quando esse passado dificilmente guarda relação com as interrogações e desafios do presente.
O objetivo da Igreja também não é sobreviver. Isto significaria esquecer sua missão mais profunda que é comunicar em cada momento histórico a Boa Notícia de um Deus Pai que deve ser estímulo, horizonte e esperança para o ser humano. Não adianta nada restaurar o passado se não somos capazes de transmitir algo significativo aos homens e mulheres de hoje.
Por isso, as virtudes que devemos desenvolver no interior da Igreja atual não se chamam “prudência’, “conformidade”, “resignação”, “fidelidade ao passado”. Devem levar muito mais o nome de “audácia”, “capacidade de assumir risco”, “busca criativa”, “escuta do Espírito” que faz tudo novo. Arriscar não é um caminho fácil para nenhuma instituição, também não para a Igreja. Mas não há outro, se quisermos comunicar a experiência cristã num mundo que mudou radicalmente.
Quando se vive do Espírito criador de Deus, pertencer a uma instituição que tem dois mil anos não é uma desculpa para não arriscar-se. Algo está falhando na Igreja, se a própria segurança se torna mais importante do que a busca criativa e arriscada de caminhos novos, para comunicar ao ser humano de hoje o Evangelho e a esperança cristã.
O erro mais grave do “terceiro servo” da parábola evangélica não é ter enterrado seu talento sem fazê-lo frutificar, mas pensar equivocadamente que está respondendo fielmente a Deus com sua postura conservadora, a salvo de todo risco. O fato de não mudar nada não significa que estamos sendo fiéis a Deus. Nossa suposta fidelidade pode ocultar algo como rigidez, covardia, imobilismo, comodidade e, em última análise, falta de fé na criatividade do Espírito. A verdadeira fidelidade a Deus não se vive a partir da passividade e da inércia, mas a partir da vitalidade e do risco de quem trata de escutar hoje seus chamados.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Ter o fim diante dos olhos
Pe. Johan Konings
Os últimos domingos do ano litúrgico nos convidam a viver com o Fim diante dos olhos. Mas, quem vive pensando no céu não arrisca esquecer a terra?
Na 2ª leitura, Paulo nos lembra o ensinamento de Cristo, dizendo que a Parusia ( a segunda vinda de Cristo; cf. dom. passado) vem de improviso, como um ladrão de noite. Por isso, devemos viver vigiando. O que esse vigiar implica aparece no evangelho, a parábola dos talentos: não enterrar nosso talento, mas fazer frutificar aquilo que Cristo nos confiou para o tempo de sua ausência física. Assim seremos semelhantes à boa dona-de-casa que cuida incansavelmente de sua família (1ª leitura).
Cristo não tem hora marcada para nos visitar; o que importa é que ele nos encontre empenhados naquilo que ele nos confiou, e consagrou com o dom da própria vida: o amor fraterno a reinar entre nós. Pois essa é a “causa” pela qual Jesus deu sua vida. Os “talentos” de que fala o evangelho – as quantias de ouro confiadas a cada um – são uma imagem da “causa” do Cristo e do Reino. Devemos fazer render, e não enterrar, a porção da obra da salvação que Cristo nos confia. Essa porção é diferente para cada um, mas sempre exige de nós uma participação ativa na obra do amor de Deus, que Jesus nos confiou. A participação permanente na obra do amor que Cristo implantou é a única preparação válida para a sua nova vinda.
Entendendo-se assim, “pensar no céu”, pensar no Cristo que vem, não vai ser causa de alienação e de desinteresse pela terra, nem fuga de responsabilidade. Pelo contrário, vai produzir uma atenção constante – o contrário daquela mentalidade de loteria dos que passam a vida sem se empenhar por nada, pretendendo “jogar na hora certa” (Será por isso que muitos querem saber a data?)
Pensar no céu com realismo é viver cada dia como se fosse o último. Cristo deve nos encontrar empenhados em sua casa, que é o amor eficaz para com os irmãos seus e nossos, filhos do mesmo Pai. Então, cada momento recebe um valor de eternidade. Quem sabe, haverá por aí uma saída para um problema que ataca a muitos em nosso tempo: o sem-sentido da vida?
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella