Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

31º Domingo do Tempo Comum

31º Domingo do Tempo Comum

O Reino é acessível e democrático

 

Frei Gustavo Medella

Jesus é sempre um facilitador para o acesso ao Reino dos Céus. Na pregação que orienta os discípulos a realizar, insiste que eles sempre apresentem que o Reino está próximo e acessível a todos que dele desejam participar. Desta maneira, também ao mestre da Lei Jesus proclama esta proximidade: “Tu não estás longe do Reino de Deus” (Mc 11,34). Não é mérito, mas dom da graça divina.

Se entrar no Reino não é tão difícil, o desafio maior ao ser humano é compreender a sua dinâmica, pautada na gratuidade, na paz e na justiça. Sem entrar neste movimento, a pessoa se sente um “estranho no ninho” ou, então, incorre na tentação de maquiar o Reino “à sua própria imagem e semelhança”, transformando-o numa caricatura, sempre infértil, às vezes perigosa.

A concepção do Reino, quando mal compreendida pode levar a uma pregação que promove o isolamento, a desigualdade, a exclusão e até mesmo a violência. Desta forma, é preciso muito discernimento da parte da comunidade dos discípulos e discípulas, para que a construção do mundo sonhado por Deus não sofra distorções ou desvios que coloquem em risco este belo projeto de vida e de salvação.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Deuteronômio 6,2-6

Moisés falou ao povo dizendo: 2 “Temerás o Senhor teu Deus, observando durante toda a vida todas as suas leis e os seus mandamentos que te prescrevo, a ti, a teus filhos e netos, a fim de que se prolonguem os teus dias. 3 Ouve, Israel, e cuida de os pôr em prática, para seres feliz e te multiplicares sempre mais, na terra onde corre leite e mel, como te prometeu o Senhor, o Deus de teus pais. 4 Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. 5 Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. 6 E trarás gravadas em teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno”.
Palavra do Senhor.


Sl 17(18)

Eu vos amo, ó Senhor, porque sois minha força!
Eu vos amo, ó Senhor! Sois minha força, / minha rocha, meu refúgio e salvador! / Ó meu Deus, sois o rochedo que me abriga, / minha força e poderosa salvação. – R.
Ó meu Deus, sois o rochedo que me abriga, / sois meu escudo e proteção: em vós espero! / Invocarei o meu Senhor: a ele a glória! / E dos meus perseguidores serei salvo! – R.
Viva o Senhor! Bendito seja o meu rochedo! / E louvado seja Deus, meu salvador! / Concedeis ao vosso rei grandes vitórias / e mostrais misericórdia ao vosso ungido. – R.


Segunda Leitura: Hebreus 7,23-28

Irmãos, 23 os sacerdotes da Antiga Aliança sucediam-se em grande número, porque a morte os impedia de permanecer. 24 Cristo, porém, uma vez que permanece para a eternidade, possui um sacerdócio que não muda. 25 Por isso ele é capaz de salvar para sempre aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus. Ele está sempre vivo para interceder por eles. 26 Tal é precisamente o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos céus. 27 Ele não precisa, como os sumos sacerdotes, oferecer sacrifícios em cada dia, primeiro por seus próprios pecados e depois pelos do povo. Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo. 28 A Lei, com efeito, constituiu sumos sacerdotes sujeitos à fraqueza, enquanto a palavra do juramento, que veio depois da Lei, constituiu alguém que é Filho, perfeito para sempre.

Palavra do Senhor.


Evangelho: Marcos 12,28-34

Naquele tempo, 28 um mestre da Lei aproximou-se de Jesus e perguntou: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?” 29 Jesus respondeu: “O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30 Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! 31 O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes”. 32 O mestre da Lei disse a Jesus: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: ele é o único Deus e não existe outro além dele. 33 Amá-lo de todo o coração, de toda a mente e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo, é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios”. 34 Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência e disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus.
Palavra da salvação.

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

31º Domingo do Tempo Comum

Oração: “Ó Deus de poder e misericórdia, que concedeis a vossos filhos e filhas a graça de vos servir como devem, fazei que corramos livremente ao encontro das vossas promessas”.

  1. Primeira leitura: Dt 6,2-6

Ouve, Israel: Amarás o Senhor teu Deus

com todo o teu coração.

Este texto, tirado do livro do Deuteronômio, é precedido pelos dez mandamentos (Dt 5,1-21). Os mandamentos resultam da aliança que Deus faz com o povo de Israel, libertado da escravidão do Egito (5,6). Pela aliança, Israel se compromete a amar, temer e adorar um único Deus (5,7-15) e amar o próximo como a si mesmo (5,16-21). Os mandamentos relacionados ao próximo são aqui formulados em forma negativa – “não farás isso, “não” farás aquilo” –, com exceção do mandamento relacionado aos pais: “Honra teu pai e tua mãe” (5,16). A formulação positiva destes mandamentos se encontra em Lv 19,18: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Cabia aos pais explicar aos filhos o porquê destes mandamentos: “Nós éramos escravos no Egito e o Senhor nos libertou… para nos conduzir à terra prometida” (Dt 6,20-25). Parte da leitura de hoje (6,4-6) era rezada nas sinagogas e, mais tarde, por todo israelita adulto, de manhã e de noite. É o Xemá Yisrael, “Escuta, Israel” (Dt 5,4-9; 11,13-21; Nm 15,37-41). É provável que os filhos aprendessem a oração de cor, desde pequenos (Evangelho). O texto inicia com uma exortação ao temor de Deus; é um temor diante do sagrado, que reconhece e ama com fidelidade um único Deus (Javé, o Senhor). Este temor se manifesta no relacionamento com o próximo, praticando a justiça para com todos. A observância dos mandamentos é condição para uma vida feliz e abençoada na terra prometida aos antepassados (v. 2-3). A oração “Escuta, Israel” é a síntese de toda a teologia e, na sua formulação, a única do Antigo Testamento: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”.

Salmo responsorial: Sl 17

Eu vos amo, ó Senhor, porque sois minha força!

  1. Segunda leitura: Hb 7,23-28

Cristo, uma vez que permanece para a eternidade,

possui um sacerdócio que não muda.

A Carta aos hebreus foi escrita, provavelmente, antes da destruição de Jerusalém (ano 70), pois supõe o culto do templo ainda funcionando. O autor é um discípulo anônimo de Paulo, que escreve para cristãos de comunidades mistas, compostas em grande parte por judeus convertidos, mas também por pagãos (Hb 6,1; 9,14). Os judeus convertidos do Egito faziam peregrinações ao templo de Jerusalém, onde ofereciam sacrifícios pelos pecados pela mediação dos sacerdotes. A esses judeus convertidos o autor apresenta Jesus como o único mediador diante de Deus, muito superior aos sacerdotes do templo. Eles eram frágeis, mortais e pecadores e deviam oferecer sacrifícios até pelos próprios pecados. Jesus, ao contrário, “é santo, inocente e sem mancha…, elevado acima dos céus”. O sumo-sacerdote oferecia a cada ano o sangue de animais como sacrifício de expiação. Cristo é o único mediador entre Deus e o ser humano. Por ele temos o perdão e a reconciliação com Deus (7,19; Rm 5,1-2).

Convém lembrar que os primeiros cristãos ainda não estavam separados do judaísmo oficial. O apóstolo Paulo, antes do ano 70, ainda cumpriu um voto no templo (At 21,15-26). Entendemos por que a Carta aos Hebreus insiste na superioridade de Cristo em relação ao sumo-sacerdote, cujas funções os cristãos consideravam já superadas.

Aclamação ao Evangelho

Quem me ama realmente guardará minha palavra.

  1. Evangelho: Mc 12,28b-34

Amarás o Senhor teu Deus. Amarás o teu próximo.

No Evangelho de hoje Jesus resume os dez mandamentos e toda a Lei de Moisés num único mandamento do Amor. Os versos 28b-31 têm paralelo em Mateus (22,34-40) e Lucas (10,25-28). O comentário do mestre da Lei sobre a resposta de Jesus (12,32-34) é próprio de Marcos. Em Mateus e Lucas o mestre da Lei faz a pergunta sobre o maior dos mandamentos, para provocar a Jesus. Em Marcos o mestre da Lei aproxima-se pacificamente de Jesus para conversar com Jesus sobre o mandamento principal. Quem pergunta é o mestre da Lei e Jesus responde. O mestre da Lei pergunta pelo primeiro mandamento e Jesus responde que o primeiro mandamento é o que diz a oração diária “Escuta, Israel” (1ª leitura): “O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força”. E acrescenta logo o segundo mandamento: “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. Mas Jesus considera os dois mandamentos como um só: “Não existe outro mandamento maior do que estes”. Mateus também considera o segundo mandamento “igual” ao primeiro (Mt 22,39). O mestre da Lei confirma a resposta de Jesus, mas acrescenta que observar este mandamento do amor a Deus e ao próximo “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (cf. Mt 9,13; 12,7). Ao ouvir o comentário inteligente do mestre da Lei, Jesus lhe disse: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. O Reino de Deus pregado por Jesus se resume nos mandamentos do amor a Deus e ao próximo. O mestre da Lei não estava longe. De fato, na parábola do bom Samaritano, Jesus explica ao fariseu quem é o próximo (cf. Lc 10,25-37). O próximo não é apenas um judeu, mas toda pessoa necessitada da qual eu me aproximo, a fim de cuidar dela.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Não se pode condenar uma classe em bloco

Frei Clarêncio Neotti

Lembremos novamente que Marcos é excelente catequista. No meio de fariseus, herodianos, saduceus e escribas, adversários de Jesus e de seus ensinamentos, mostra que não se pode condenar uma classe em bloco e que ninguém é tão mau que não tenha momentos de bondade. Era costume os discípulos dos grandes mestres, recebida a lição, repeti-la em voz alta diante de quem a ensinara. O fato de o escriba repetir hoje o ensinamento de Jesus e confirmá-lo mostra primeiro que Jesus era de fato considerado um mestre; depois, que, também entre os escribas, havia quem tivesse simpatia e admiração por ele; e, não por último, pela boca do escriba vêm recordados os ensinamentos dos profetas em apoio aos ensinamentos de Jesus. Em outras palavras, Jesus é um mestre dentro da linha dos grandes profetas, ou seja, ensina com um poder, uma sabedoria e uma autoridade que lhe vêm de Deus.

De fato, quando o escriba conclui que amar a Deus e ao próximo é muito melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios (v. 33), faz eco aos ensinamentos dos profetas. Oseias, por exemplo, falando da conversão ao Senhor, põe na boca de Deus estas palavras: “Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios” (Os 6,6). O profeta Samuel dizia a Saul que a obediência e a docilidade a Deus era melhor que a gordura dos bodes sacrificados (1Sm 15,22). Nessa mesma linha estão os Salmos 40 e 51. Não é que Deus não quisesse os sacrifícios oferecidos em abundância no templo, muitos deles prescritos por Moisés. Mas queria que aos sacrifícios correspondesse um coração contrito e misericordioso. Os profetas, e particularmente Jesus, insurgiram-se contra o formalismo da religião, ritos apenas externos, sem a participação sincera de um coração convertido e voltado para o Senhor.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O amor se aprende

José Antonio Pagola

Quase ninguém pensa que o amor é algo que se deve ir aprendendo pouco a pouco ao longo da vida. A maioria considera evidente que o ser humano sabe amar espontaneamente. Por isso é possível detectar tantos erros e tanta ambiguidade nesse mundo misterioso e atraente do amor.

Há os que pensam que o amor consiste fundamentalmente em ser amado e não em amar. Por isso passam a vida esforçando-se para conseguir que alguém os ame. Para estas pessoas, o importante é ser atraente, tornar-se agradável, ter uma conversa interessante, fazer-se querer. Em geral acabam sendo bastante infelizes.

Outros estão convencidos de que amar é algo simples, e que o difícil é encontrar pessoas agradáveis que se possa amar. Estes só se aproximam de quem lhes resulta simpático. Enquanto não encontram a resposta desejada, seu “amor” se desvanece.

Há os que confundem o amor com o desejo. Reduzem tudo a encontrar alguém que satisfaça seu desejo de companhia, afeto ou prazer. Quando dizem “te amo”, na realidade estão dizendo “te desejo”, “me apeteces”.

Quando Jesus fala do amor a Deus e ao próximo como a coisa mais importante e decisiva da vida, está pensando em outra coisa. Para Jesus, o amor é a força que move e faz crescer a vida, porque pode nos libertar da solidão e da separação para fazer-nos entrar na comunhão com Deus e com os outros.

Mas, concretamente, esse “amar o próximo como a si mesmo” requer um verdadeiro aprendizado, sempre possível para quem tem Jesus como Mestre. A primeira tarefa é aprender a escutar o outro. Procurar compreender o que ele vive. Sem esta escuta sincera de seus sofrimentos, necessidades e aspirações, não é possível o verdadeiro amor.

A segunda coisa é aprender a dar. Não existe amor onde não existe entrega generosa, doação desinteressada, dádiva. O amor é justamente o contrário de monopolizar, apropriar-se do outro, utilizá-lo, aproveitar-se dele.

Por último, amar exige aprender a perdoar. Aceitar o outro com suas fraquezas e sua mediocridade. Não retirar rapidamente a amizade ou o amor. Oferecer incessantemente a possibilidade do reencontro. Retribuir o mal com o bem.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

O grande Mandamento

Pe. Johan Konings

No tempo de Jesus, com o intuito de levar até as pessoas leigas à “santidade” do templo, os fariseus empenhavam-se em ensinar códigos de comportamento para os que queriam ser perfeitos. Mas mesmo entre eles havia quem percebesse que era “bom demais” e que todas essas regras, com suas contradições internas, podiam não ser o melhor meio para levar o povo à proximidade de Deus. Por isso, havia escribas e mestres da Lei que procuravam encontrar um mandamento único, que constituísse, senão o resumo, pelo menos uma expressão representativa da Lei toda. Algo que se pudesse citar enquanto se estivesse apoiado num único pé …

Ao chegar em Jerusalém, Jesus foi confrontado com semelhante pergunta. “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”, pergunta-lhe um escriba (evangelho). Jesus responde com a primeira frase da oração sinagoga!: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é um só. Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento e com todas as forças” – uma citação de Dt 6,4 (cf. 1ª leitura). Mas Jesus não para aí; cita um segundo mandamento, que completa o primeiro: “Ama teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Pois quem ama a Deus não pode não amar seus filhos (1 Jo 4,21).

Amar a Deus e ao próximo constitui o “duplo primeiro mandamento”, porque se não se passa por ele, os outros mandamentos não servem. Para entrar no caminho da justiça é preciso entrar pelo portão do amor a Deus e a seus filhos. Uma moral que não se ajuste desde o início com o amor a Deus e ao próximo não é vontade de Deus. Jesus mesmo nos dá um exemplo de como ler a moral a partir dessa porta de entrada. No Sermão da Montanha ele explica os mandamentos,- “não matar”, “não cometer adultério”, “não jurar falso” – à luz da vontade do Pai, que é o amor aos filhos (Mt 5,21-48). Moral cristã só se concebe a partir do amor.

A moral proposta por Jesus não é moralismo mesquinho, apego escrupuloso à letra da Lei. Não é deixar de fazer o bem por medo de transgredir a letra da Lei. Já Platão e outros filósofos ensinaram que a Lei é apenas um indício; não é idêntica à realidade da vida. Só o amor consegue captar o sentido da vida como o Pai amoroso a concebeu. Quem ama não procura fazer apenas o mínimo que a letra exige, mas o máximo que o amor é capaz de fazer. Quem ama procura aquilo que corresponde mais ao amor que Deus nos mostrou e ao bem do irmão. A moral baseada no amor não é rigorista nem frouxa; é dinâmica.

Por isso, amar a Deus e a seus filhos não é coisa de meros sentimentos; é coisa prática. Significa optar por Deus e sua causa. Implica amar aos irmãos “com ações e em verdade” (1Jo 3,18). No Sermão da Montanha (Mt 5,43-45) e na parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37), Jesus ensina que esse amor se toma próximo de qualquer necessitado e se estende a todos, inclusive aos inimigos (pois eles também são filhos do Deus que é Pai).

Amar a Deus e ao próximo … Objeta-se hoje que a segunda metade basta. É bem possível ser justo, ser ético, amar o próximo, sem se preocupar com esse invento da imaginação que se chama “deus” … Ora, não é Deus que é ilusão, mas pensar que se pode amar o irmão sem amar a Deus. Os grandes sistemas ateus destes últimos séculos no-lo ensinaram: capitalismo, marxismo, fascismo, neoliberalismo … Quando não é inspirado pela incansável busca de Deus, que está acima de todos, o amor se transforma em imposição tirânica. Quem não procura servir o Deus invisível e inefável – que mostra seu rosto em Jesus – termina procurando-se a si mesmo sob o pretexto de amar o irmão. Nada mais corriqueiro do que amar-se a si mesmo com o pretexto de amar ao outro.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella