Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

2º Domingo do Advento

2º Domingo do Advento

Converter-se ao mais simples

 

Frei Gustavo Medella

“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”, diz a letra da famosa canção de Lulu Santos, “Como uma onda”. Remete à impermanência da vida que intriga o ser humano desde os primórdios da existência. “Nada há de permanente, exceto a mudança”, já diziam os sábios da Filosofia Antiga.

No Evangelho deste 2º Domingo do Advento (Lc 3,1-6), João Batista aparece pregando um “Batismo de Conversão”. Mais uma vez, a inevitabilidade da mudança é apresentada como convite à conversão. Mudar é necessário.

Sendo assim, já que a transformação é constante, é necessária, que nosso empenho seja sempre o de mudarmos para melhor, à maneira das mudanças apresentadas na Profecia da 1ª Leitura (Br 5,1-9) que, a exemplo de João Batista no Evangelho, usa a linguagem figurada do abaixamento das colinas e do aterramento dos vales, numa imagem de planificação que não remete ao superficial, mas ao simples.

O Convite do Natal é um chamado à simplificação. Menos exigências, menos intransigências, menos ambições. Muito pouco é necessário para bem acolher o nascimento do Menino Pobre que é dado à luz na nobre pobreza de uma estrebaria esquecida da periférica Belém de Judá. Caminhemos, juntos, rumo à simplificação.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Profeta Baruc (Br) 5,1-9)

1Despe, ó Jerusalém, a veste de luto e de aflição, e reveste, para sempre, os adornos da glória vinda de Deus. 2Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus e põe na cabeça o diadema da glória do Eterno.

3Deus mostrará teu esplendor, ó Jerusalém, a todos os que estão debaixo do céu. 4Receberás de Deus este nome para sempre: “Paz-da-justiça e glória-da-piedade”.

5Levanta-te, Jerusalém, põe-te no alto e olha para o Oriente! Vê teus filhos reunidos pela voz do Santo, desde o poente até o levante, jubilosos por Deus ter-se lembrado deles. 6Saíram de ti, caminhando a pé, levados pelos inimigos. Deus os devolve a ti, conduzidos com honras, como príncipes reais.

7Deus ordenou que se abaixassem todos os altos montes e as colinas eternas, e se enchessem os vales, para aplainar a terra, a fim de que Israel caminhe com segurança, sob a glória de Deus. 8As florestas e todas as árvores odoríferas darão sombra a Israel, por ordem de Deus.

9Sim, Deus guiará Israel, com alegria, à luz de sua glória, manifestando a misericórdia e a justiça que dele procedem.

Palavra do Senhor.


Responsório (Sl 125)

— Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!

— Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!

— Quando o Senhor reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar./ Encheu-se de sorriso nossa boca;/ nossos lábios de canções.

— Entre os gentios se dizia: “Maravilhas fez com eles o Senhor!”/ Sim, maravilhas fez conosco o Senhor: exultemos de alegria!

— Mudai a nossa sorte, ó Senhor,/ como torrentes, no deserto./ Os que lançam as sementes entre lágrimas,/ ceifarão com alegria.

— Chorando de tristeza sairão,/ espalhando suas sementes;/ cantando de alegria voltarão,/ carregando os seus feixes!


Segunda Leitura: Fl 1,4-6.8-11

Irmãos: 4Sempre em todas as minhas orações rezo por vós, com alegria, 5por causa da vossa comunhão conosco na divulgação do Evangelho, desde o primeiro dia até agora.

6Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus.

8Deus é testemunha de que tenho saudade de todos vós, com a ternura de Cristo Jesus.

9E isto eu peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo o conhecimento e experiência, 10para discernirdes o que é melhor. E assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo, 11cheios do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus.

Palavra do Senhor.


Evangelho: Lc 3,1-6

1No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia, Herodes administrava a Galileia, seu irmão Filipe, as regiões da Itureia e Traconítide, e Lisânias a Abilene; 2quando Anás e Caifás eram sumos sacerdotes, foi então que a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto.

3E ele percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, 4como está escrito no Livro das palavras do profeta Isaías: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas. 5Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. 6E todas as pessoas verão a salvação de Deus’”.

Palavra da Salvação.

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

2º Domingo do Advento

 Oração: Ó Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia, nós vos pedimos que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro do vosso Filho, mas instruídos pela vossa sabedoria, participemos da plenitude de sua vida”.

  1. Primeira leitura: Br 5,1-9

Deus mostrará o seu esplendor.

O autor deste texto é anônimo do II século a.C., mas o atribuiu a Baruc, secretário do profeta Jeremias. Os destinatários do texto são judeus da diáspora, dispersos por várias nações, que esperavam a restauração de Judá. Para eles Jerusalém continuava sendo o ponto de referência, o símbolo que unia a fé de todos os judeus no Deus salvador. O texto traz palavras que respiram alegria e esperança. Nelas manifesta-se a glória de Deus e seu amor fiel ao povo escolhido. A presença salvadora de Deus ilumina todo o texto. Em nove versículos aparece dez vezes o nome de Deus, e mais duas em que é chamado, “o Eterno”, “o Santo”. O autor retoma as palavras do Segundo Isaías (Is 40–55) dirigidas aos exilados da Babilônia e as atualiza para os inícios da revolta dos Macabeus contra o domínio sírio. Jerusalém cobria-se, então, de vestes de luto e aflição. Era como a esposa abandonada e esquecida pelo marido (cf. Is 49,14: ‘O Senhor me abandonou, meu Deus me esqueceu’). Como sinal de perdão e reconciliação, o profeta convida Jerusalém a trocar as roupas de luto pelas vestes luxuosas, trazidas por Deus, seu noivo. O Eterno coroa Jerusalém como rainha com um brilhante diadema e cobre-a com um manto da justiça para apresentá-la como esplêndida noiva, portadora da salvação para todas as nações. Para celebrar a nova relação com Jerusalém renovada Deus lhe dará um novo nome: “Paz da justiça e glória da piedade”. Domingo passado, Jeremias também anunciava um novo nome de Jerusalém restaurada: “O Senhor é a nossa justiça” (1º Domingo do Advento, 2ª leitura.) A troca de nome significa uma nova etapa da relação com Deus, uma missão que Deus confia à pessoa escolhida. Assim, Abrão passa a ser chamado Abraão quando Deus lhe promete que será pai de muitas nações (Gn 17,5 e João Batista recebe um novo nome para indicar sua missão de precursor do Messias (Lc 1,57-66). Quando acontecer a salvação de Israel, o próprio Deus preparará o caminho do retorno de seu povo. Então a natureza se transformará, “manifestando a misericórdia e a justiça que dele procedem”.

Salmo responsorial: Sl 125

Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!

  1. Segunda leitura: Fl 1,4-6.8-11

Ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo.

Nesse texto, Paulo se dirige à comunidade de Filipos, expressando toda a sua alegria e afeto. É a primeira comunidade fundada por Paulo e Silas na Europa. Era um grupo de judeus e simpatizantes do judaísmo, liderados por uma mulher chamada Lídia, que se reunia aos sábados num “lugar de oração”, fora dos muros da cidade (At 16,6-15). Eles acolheram de coração aberto e com alegria a boa-nova de Jesus Cristo. Paulo anunciava com alegria o Evangelho, alegria que contagiou a comunidade, formada, sobretudo, por mulheres. Paulo agradece a Deus o apoio que os filipenses sempre lhe deram na divulgação do Evangelho. Reza para que, enquanto esperam a segunda vinda de Cristo Jesus, cresçam no amor e levem à perfeição a “boa obra” neles iniciada por Deus. Produzam “o fruto da justiça”, plantada por Jesus Cristo em seus corações. A comunidade acolhedora de Filipos é um exemplo vivo da “Alegria do Evangelho” que deve brilhar em nossa vida cristã, como escreve o Papa Francisco. É pela prática do bem que Deus é por nós louvado e glorificado.

Aclamação ao Evangelho: Lc 3,4.6 

     Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas.

            Toda a carne há de ver, a salvação do nosso Deus.

  1. Evangelho: Lc 3,1-6 

              Todas as pessoas verão a salvação de Deus.

Lucas situa o início da atividade de João Batista no contexto histórico universal e local, para marcar a importância de seu ministério. Tibério César era então o imperador romano; Pilatos era o governador da Judeia; Herodes Antipas governava a Galileia; Herodes Filipe, a Itureia e Traconítide, e Lisânias, a Abilene; Anás e Caifás eram os sumos sacerdotes. João Batista é apresentado como um profeta do Antigo Testamento, a quem “a palavra de Deus foi dirigida” no deserto. O deserto para Israel é o lugar em que Deus se encontra com seu povo. Libertado da escravidão faz com ele uma aliança e põe à prova sua fidelidade. João Batista percorre a região do deserto de Judá ao longo do rio Jordão, prega “um batismo de conversão para o perdão dos pecados”. Seu lema é tirado do Profeta Isaías: “preparai o caminho do Senhor do Senhor”, do Senhor que vem salvar seu povo. O batismo de conversão exige eliminar os obstáculos que colocamos para a salvação que Deus vem nos trazer. As veredas e caminhos tortuosos a serem endireitados (1ª leitura) são frutos do pecado que nos desvia e afasta do Senhor. Com Jeremias podemos clamar: “Faze-me voltar e eu voltarei [a ti], porque tu és o Senhor meu Deus” (Jr 31,18b). Endireitar os caminhos tortuosos, é abrir o coração para Deus que vem nos trazer a salvação: A salvação que Deus vem nos trazer é para todos os que por ele são amados (Lc 2,14). A salvação está aberta para todos: “Todas as pessoas verão a salvação de Deus”.

Cabe a nós preparar nosso coração para acolher o Senhor que vem nos trazer a Salvação. Preparar-se é buscá-lo de todo o coração. É pedir que nos mostre o caminho para encontrá-lo, como diz Santo Anselmo: “Senhor meu Deus, ensinai a meu coração onde e como vos procurar, onde e como vos encontrar”.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Todos verão a salvação de Deus

Frei Clarêncio Neotti

Conta-se hoje o início da atividade de João Batista, o último dos grandes Profetas do Antigo Testamento e o primeiro do Novo. Por um lado, Lucas segue o estilo do Antigo Testamento, ligando a pregação do Profeta a um dado histórico (Os 1,1; Is 1,1; Mq 1,1). Por outro, parece que Lucas previa que estava escrevendo para o mundo todo e para todos os tempos: dá o momento preciso da história (v. 1), o ambiente histórico-geográfico (v. 1) e o contexto religioso (v. 2).

Talvez o faça por duas razões. Uma, para acentuar que o Reino de Deus não é mito, não é fantasia, mas um acontecimento histórico. A história da salvação acontece dentro da história humana. E em muitos momentos os protagonistas são os mesmos. Outra, para mostrar que todos os poderes e reinos terrenos serão substituídos pelo Reino de Deus, embora em termos bem diferentes.

Lucas é o Evangelista da universalidade. Ao longo do seu Evangelho, procura mostrar que Jesus veio para todos. O tema ficará bastante claro no Evangelho lido no próximo domingo e em outros episódios que veremos durante o ano. Mas já hoje, ao lado da Galileia e da Judeia, enumera duas regiões pagãs. Todos são chamados. “Todos verão a salvação de Deus” (v. 6). Para nós hoje isso é lógico. Mas não o era para o tempo de Jesus, porque o povo hebreu se julgava o único povo escolhido, o único a merecer a amizade de Deus, o único a salvar-se.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Tempo de preparar os caminhos do Senhor

Frei Almir Guimarães

Neste tempo do advento somos convidados a nos portar como sentinelas, pessoas que não sejam sonolentas. Sentinelas que esperamos a visita do Senhor. Sentinelas para advertir a nossos irmãos que andam um tanto entorpecidos pelo dinheiro, pelos bens, pela loucura dos prazeres doidos que o Senhor marca um encontro com eles no rosto do Menino das Palhas.

♦ Baruc tem uma palavra nova e de alegria para seus ouvintes. O profeta faz uma atenta leitura dos acontecimentos e fica convencido de que estão para chegar tempos novos. Que Jerusalém dispa a veste de luto e se revista da glória. Que a cidade santa veja os filhos que voltam do exílio, da dor, do esquecimento. Deus não se esquece dos seus. Ele mesmo deu ordens: que os vales sejam cobertos e as colinas abaixadas para que o povo possa caminhar expeditamente. Palavras encorajadoras para todos nós que andamos à procura do Senhor na secura de tantos momentos e no tormento de uma vida sem viço nem força. “As florestas e todas as árvores odoríferas darão sombra a Israel, por ordem de Deus”. Um grito: que sejam preparados caminhos para o Senhor. Aquele que está para vir precisa ter caminhos abertos.

♦ Uma voz clama no deserto. É o Batista. Repete o que já fora dito: é hora de preparar os caminhos do Senhor. Tudo parecia bem assentado em ordem. O imperador Tibério estava no palácio romano, Pôncio Pilatos governava a Judeia, Herodes administrava a Galileia. Anás e Caifás eram os sumos sacerdotes naquele momento. Nesse tempo ecoou a voz de João, o Batista, no deserto: preparai os caminhos do Senhor. Estamos vivendo o tempo do retiro do advento. Queremos que nosso interior não seja morno, rotineiro e que a celebração do Natal não seja para nós apenas uma questão de comida, bebida e dinheiro.

♦ Há muitos que, ao longo de sua trajetória da existência, já se encontraram com o Cristo. Ultrapassaram o estágio dos ritos e das manifestações agitadas, o predomínio das palavras, das rezas vazias e, de alguma forma, estes andaram reescrevendo em suas vidas o evangelho de Jesus: intimidade com o Mestre, oração silenciosa no quarto, cuidado de não magoar o Senhor no rosto dos mais sofredores. Andam vivendo junto com outras pessoas de coração reto e são o fermento de um mundo novo. Seguem os caminhos do Senhor.

♦ Mas há pessoas que precisam reencontrar o fascínio por Deus. Há os que foram educados na fé apenas com aulas de religião, sem apoio de suas famílias, que aprenderam lições de religião com a mente e nunca se deram conta da presença de Cristo em suas vidas nesse aqui e agora. Adultos que foram se tornando sentiram que aquele catecismo e aquelas aulas teóricas, as intransigências, a linguagem racional não podia mais lhe dar alegria. Quem poderá mostrar caminhos novos para estes?

♦ Há os mornos. Não são bons, nem maus. Quase certinhos. Mas estão instalados num jeito de viver que não produz alegria profunda. Estão mais ou menos satisfeitos com sua vida. Missa de domingo, uma reza aqui e ali, fidelidade ao dízimo… Mas onde está o fogo? Mornos, talvez rotineiros. Que caminhos podemos preparar para tantos e tantas? Como lançar fogo?

♦ Como na realidade preparar caminhos para o Senhor? Fazemos muitas coisas, inventamos pastorais para cá e para lá. Será que não estamos apenas fazendo um máquina girar que torna as pessoas apenas “religiosas”? Será que não andamos impermeáveis a certas determinações mais radicais do evangelho e ficamos presos ao culto? Em que Jesus hoje nos reconheceria como discípulos seus?

Eis alguns “caminhos” a serem preparados ou inventados ou buscados:
◊ Pessoas muito próximas do evangelho, do sermão da montanha, pessoas vivendo os valores do evangelho haverão de chamar atenção para um caminho feliz de viver a fé.
◊ Os cristãos não podem viver cada um para o seu lado. Parece que o Senhor pode encontrar um caminho na medida em que nos reunimos, dividimos nossas alegras, vivemos um fraternidade de interesse uns pelos outros. É caminho para o Senhor chegar a nós e aos outros.
◊ Na medida em que nos aproximamos respeitosamente da vida abrimos caminhos para que as pessoas busquem a Deus: vida profunda, vida antes do nascimento, vida das crianças, viço dos casados, respeito pela vida contra os crimes, assassinatos, queima de arquivos. Não seria assim que os defensores da vida abrem caminho para Deus?
◊ Tudo indica que um fresta por onde o Senhor pode tocar as pessoas é o coração contrito. Será preciso descer de um pedestal de onipotência e reconhecer falha, negligência, culto do ego. O Senhor não rejeita um coração contrito e humilhado.
◊ Importante a coerência entre o discurso e a vida. As pessoas acreditam em testemunhas e pouco em oradores com discursos bonitos, de oradores que se escutam falar.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Perguntas

José Antonio Pagola

Dentro de cada um de nós há um mundo quase inexplorado que muitos homens e mulheres não chegam sequer a suspeitar. Vivem só a partir de fora. Ignoram o que se esconde no fundo de seu ser. Não é o mundo dos sentimentos ou dos afetos. Não é o campo da psicologia ou da psiquiatria. É um país mais profundo e misterioso. Chama-se interioridade.

Desse mundo nasce a pergunta mais simples e elementar do ser humano: Quem sou eu? Mas, antes de começarmos a responder alguma coisa, as perguntas continuam brotando sem cessar: Donde venho? Por que estou na vida? Para quê? Em que terminará tudo isto?

São perguntas às quais nem o psicólogo nem o psiquiatra podem responder. Interrogações que nos colocam diretamente diante do mistério. De tudo isto nada sabemos. A única coisa certa é que caminhamos pela vida como que às escuras.

Muitas pessoas hoje não têm tempo nem disposição de ânimo para fazer-se estas perguntas. Já é muito alguém viver, procurar um trabalho, sustentar uma família e enfrentar com coragem os problemas de cada dia.

Outros não querem ouvir tais perguntas. São questões demasiadamente abstratas. Em todo caso, seriam perguntas para esse punhado de pessoas estranhas que se dedicam a disquisições metafísicas que não levam a nada: é preciso ser mais realistas e pragmáticos, ter os pés no chão. Além disso, estamos muito ocupados. Sempre temos algo para fazer; é preciso trabalhar, relacionar-nos com os amigos, assistir ao programa de televisão, deslocar-nos de um lugar para outro. Não temos um minuto livre.

E, certamente, para entrar nesse mundo das “perguntas últimas” da vida precisamos de certa calma e silêncio. A agitação, a pressa, o excesso de atividade impedem o ser humano de ouvir-se por dentro. Todos os dias precisamos, como diz belamente Patxi Loidi, de “um bom instante de inatividade para adentrarmos descalços nosso mundo interior”.

Não poucas pessoas me perguntam o que poderiam fazer para encontrar-se com Deus. Algumas me escrevem pedindo-me algum bom livro que desperte sua fé. Sem dúvida, tudo pode ajudar. Mas não devemos esquecer que para Deus se caminha sempre a partir de dentro, não a partir de fora.

Talvez a melhor maneira de ouvir o convite do Batista a “preparar os caminhos do Senhor” seja fazer silêncio, escutar essas perguntas simples que brotam de nosso interior e estar mais atentos ao mistério que nos envolve e penetra por todos os lados.

Lembremos o célebre convite de Santo Anselmo de Cantuária: “E ia, homenzinho, deixa por um momento tuas ocupações habituais, entra por um instante em ti mesmo, longe de teus pensamentos. Lança para fora de ti as preocupações sufocantes; afasta de ti tuas inquietações trabalhosas. Dedica alguns instantes a Deus e descansa ao menos por um momento em sua presença”.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

“Paz-da-justiça”: desimpedir a chegada de Deus

Pe. Johan Konings

Ainda três domingos nos separam do Natal. Logo mais estaremos celebrando que Deus quer chegar até nós. Mas será que nós lhe abrimos caminho? O evangelho nos apresenta João Batista, o austero pregador de conversão. Convoca o povo para endireitar os caminhos e aplanar as estradas, a fim de que Deus nos possa alcançar.

Para quem acredita, tal esforço não é penoso, pois a chegada de Deus não significa fiscalização, mas salvação: “Todos experimentarão a salvação que vem de Deus” (Lc 3,6). Quem espera coisa boa chegar, prepara a estrada com prontidão e alegria.

A 1ª leitura canta a beleza desta salvação que Deus nos traz: a cidade vai se chamar “Paz-da-Justiça e Glória-da-Piedade”. A justiça – o plano de Deus – produz paz e bem para todos, e o respeito e amor a Deus (a “piedade”) produzem a glória, a beleza e o esplendor de nossa sociedade. O contrário é verdade também: a exploração egoísta produz conflitos, e a idolatria do dinheiro, do poder e do prazer, um mundo desigual e inumano.

Se quisermos empenhar-nos por um mundo onde Deus se sinta em casa, afastaremos alegres os obstáculos que impedem isso. Obstáculos em nosso próprio coração: egoísmo, ambiguidade, desamor … Obstáculos no coração de nossa sociedade: estruturas injustas, desigualdades ruinosas, leis que produzem monstros de riqueza ao lado de miseráveis, política em favor só de alguns e não de todos …

Os obstáculos a serem derrubados estão em parte dentro de nós mesmos e, em parte, na estrutura de nossa sociedade. Importa trabalhar nos dois níveis, e isso, com alegria. Não com rancor, próprio dos que antes odeiam os outros (e até a si mesmos) do que amam o bem … O rancor não faz Deus chegar. O que marca quem procura experimentar a “salvação que vem de Deus” é a alegria. É uma alegria limpar o caminho para que a “Paz-da-Justiça” possa chegar, ainda que custe suor e luta.

Essa “Paz-da-Justiça” não provém de uma justiça qualquer, inventada por nós e feita sob a nossa medida, conforme nossos próprios interesses. Ela está em Jesus Cristo que vem. Para conhecer esta paz, importa ver o que Jesus faz e preparar-se para fazer o mesmo, como indivíduo e como sociedade. Vivermos conforme a justiça que Jesus nos mostra, participarmos do amor que ele tem ao Pai, é isso que vai ser nosso brilho e felicidade.

O sentido do Advento e do Natal não é algo sentimental, chorar de emoção por causa de uma criancinha. É alegrar-se porque aquele que podemos chamar de “filho de Deus” veio – e sempre vem – viver no meio de nós, para com seu exemplo e sabedoria, lucidez e entrega de vida, mostrar, no concreto, o que significa o bem conforme a última instância, que é Deus – a “Paz-da-Justiça”.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella