27º Domingo do Tempo Comum
- 27º Domingo do Tempo Comum
- Textos bíblicos para este domingo
- Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
- O povo de Deus é a vinha do Senhor
- Àquele que nos envolve com seu amor
- O perigo de calar a voz dos profetas
- Deus rejeitou o povo que elegera?
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
27º Domingo do Tempo Comum
Todo bem é obra de Deus
Frei Gustavo Medella
“E saibamos firmemente que nada nos pertence, a não ser os vícios e pecados” (RnB 17,7)
São Francisco de Assis, cuja festa celebramos no dia 04 de outubro, faz esta afirmação em sua Regra não Bulada, no Capítulo que trata sobre a pregação. Francisco estava preocupado com o perigo de seus frades entrarem num espírito de soberba e vanglória caso obtivessem sucesso em sua missão evangelizadora. O santo via no autoelogio uma espécie de apropriação indevida da parte do ser humano em relação ao bem que Deus através dele operou.
No Evangelho deste 27º Domingo do Tempo Comum (Mt 21,33-43), Jesus conta uma parábola para denunciar o mesmo espírito de usurpação que preocupava São Francisco. A figura dos operários desonestos que se apossam da vinha com violência e arbitrariedade, gerando morte, destruição e injustiça ilustra a tentação humana de se sobrepor ao outro, à natureza e até a Deus. É um exercício delirante pautado na mesma lógica perversa que levou os arrendatários a planejar a morte do filho do dono.
Trazendo para os dias de hoje, significa, por exemplo, ignorar os gritos de socorro da natureza e destruir indiscriminadamente os bens da criação em vista de empreendimentos lucrativos e rentáveis apenas para muito poucos. Atualiza-se também na postura arrogante de ridicularizar a luta daqueles que desejam propor um modo de vida menos consumista, mais pautado na partilha e na coletividade, com respeito e convivência harmoniosa em relação aos bens da criação.
O azedume das uvas a que o Profeta se refere na primeira leitura, por sua vez, é metáfora do ódio fermentado no coração de quem abraçou a arrogância como estilo de vida. Sem empatia e compaixão, vive de eleger e combater os inimigos dos quais precisa para sustentar seu discurso pautado no preconceito, na ganância e na exclusão.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Textos bíblicos para este domingo
Primeira Leitura: Is 5,1-7
1Vou cantar para o meu amado o cântico da vinha de um amigo meu: Um amigo meu possuía uma vinha em fértil encosta. 2Cercou-a, limpou-a de pedras, plantou videiras escolhidas, edificou uma torre no meio e construiu um lagar; esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas selvagens.
3Agora, habitantes de Jerusalém e cidadãos de Judá, julgai a minha situação e a de minha vinha. 4O que poderia eu ter feito a mais por minha vinha e não fiz? Eu contava com uvas de verdade, mas por que produziu ela uvas selvagens?
5Pois agora vou mostrar-vos o que farei com minha vinha: vou desmanchar a cerca, e ela será devastada; vou derrubar o muro, e ela será pisoteada. 6Vou deixá-la inculta e selvagem: ela não será podada nem lavrada, espinhos e sarças tomarão conta dela; não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela. 7Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e o povo de Judá, sua dileta plantação; eu esperava deles frutos de justiça — e eis a injustiça; esperava obras de bondade — e eis a iniquidade.
Salmo Responsorial: Sl 79
— A vinha do Senhor é a casa de Israel.
— A vinha do Senhor é a casa de Israel!
— Arrancastes do Egito esta videira,/ e expulsastes as nações para plantá-la;/ até o mar se estenderam seus sarmentos,/ até o rio os seus rebentos se espalharam.
— Por que razão vós destruístes sua cerca,/ para que todos os passantes a vindimem,/ o javali da mata virgem a devaste,/ e os animais do descampado nela pastem?
— Voltai-vos para nós, Deus do universo!/ Olhai dos altos céus e observai./ Visitai a vossa vinha e protegei-a!
— Foi a vossa mão direita que a plantou;/ protegei-a, e ao rebento que firmastes!
— E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus!/ Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome!/ Convertei-nos, ó Senhor Deus do universo,/ e sobre nós iluminai a vossa face!/ Se voltardes para nós, seremos salvos!
Segunda Leitura: Fl 4,6-9
Irmãos: 6Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças. 7E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamentos em Cristo Jesus. 8Quanto ao mais, irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor.
9Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim, o Deus da paz estará convosco.
Jesus acusa as autoridades
Evangelho: Mt 21,33-43
* 33 «Escutem essa outra parábola: Certo proprietário plantou uma vinha, cercou-a, fez um tanque para pisar a uva, e construiu uma torre de guarda. Depois arrendou a vinha para alguns agricultores, e viajou para o estrangeiro. 34 Quando chegou o tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos agricultores para receber os frutos. 35 Os agricultores, porém, agarraram os empregados, bateram num, mataram outro, e apedrejaram o terceiro. 36 O proprietário mandou de novo outros empregados, em maior número que os primeiros. Mas eles os trataram da mesma forma. 37 Finalmente, o proprietário enviou-lhes o seu próprio filho, pensando: ‘Eles vão respeitar o meu filho’. 38 Os agricultores, porém, ao verem o filho, pensaram: ‘Esse é o herdeiro. Venham, vamos matá-lo, e tomar posse da sua herança’. 39 Então agarraram o filho, o jogaram para fora da vinha, e o mataram. 40 Pois bem: quando o dono da vinha voltar, o que irá fazer com esses agricultores?» 41 Os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: «É claro que mandará matar de modo violento esses perversos, e arrendará a vinha a outros agricultores, que lhe entregarão os frutos no tempo certo.» 42 Então Jesus disse a eles: «Vocês nunca leram na Escritura: ‘A pedra que os construtores deixaram de lado tornou-se a pedra mais importante; isso foi feito pelo Senhor, e é admirável aos nossos olhos’? 43 Por isso eu lhes afirmo: o Reino de Deus será tirado de vocês, e será entregue a uma nação que produzirá seus frutos.
* 33-46: Cf. nota em Mc 12,1-12. Mateus salienta a formação de um novo povo de Deus, formado agora não por uma nação particular, mas por todos aqueles que acreditam, comprometendo-se com Jesus.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
27º Domingo do Tempo Comum
Oração: “Ó Deus eterno e todo-poderoso, que nos concedeis no vosso imenso amor de Pai mais do que merecemos e pedimos, derramai sobre nós a vossa misericórdia, perdoando o que nos pesa na consciência e dando-nos mais do que ousamos pedir”.
Primeira leitura: Is 5,1-7
A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel.
O profeta Isaías vivia na capital, Jerusalém, e conhecia muito bem os maus costumes e as injustiças praticadas pela corte e pela classe dominante. O Profeta investe contra estas práticas injustas e abomináveis. Para se fazer ouvir, parte de uma canção de amor na qual se canta o amor não correspondido de uma noiva para com seu noivo. A vinha era já conhecida como símbolo do povo de Israel no seu relacionamento com Deus. Na canção, a vinha, cuidada com muito carinho, tornou-se uma decepção e o dono da vinha decide abandoná-la e destruí-la. Quando o profeta diz: “Não deixarei as nuvens derramar a chuva sobre ela”, todos perceberam qual era o significado simbólico da parábola: O “amigo” ou dono da vinha é Deus e a vinha é o seu povo, como é explicado no v. 7: em vez de frutos de justiça e bondade que Deus esperava colher do povo de Judá, só encontrou injustiça e maldade. – A canção de amor é uma parábola, símbolo do amor de Deus não correspondido por seu povo Israel. Em minha vida cristã, estou correspondendo com os frutos que Deus, no seu amor, espera de mim?
Salmo responsorial: Sl 79
A vinha do Senhor é a casa de Israel.
Segunda leitura: Fl 4,6-9
Praticai o que aprendeste
E o Deus da paz estará convosco.
Paulo está na expectativa da vinda iminente do Senhor em sua glória (cf. Mt 26,64). Na primeira carta aos Tessalonicenses, convicto que a vinda do Senhor Jesus Cristo aconteceria em breve, Paulo descreve como ela acontecerá: “… os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os vivos, que estamos aqui na vida terrena, seremos arrebatados juntamente como eles para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares” (1Ts 4,16-17). Hoje, na carta aos cristãos de Filipos recomenda que não fiquem ansiosos com a vinda do Senhor, mas vivam em paz na presença do Senhor. Nas súplicas, exponham confiantes suas necessidades diante de Deus e sejam agradecidos. Preocupem-se com o que vale a pena, isto é, com “o que é verdadeiro, justo, puro e amável”, como Paulo lhes ensinou. Lembra-lhes as palavras de Jesus: “Não vos preocupeis com vossa vida… vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus e sua justiça…” (Mt 6,25-32). Enfim, não importa saber quando virá o Senhor em sua glória, mas como Ele nos encontrará.
Aclamação ao Evangelho
Eu vos escolhi, foi do meio do mundo,
A fim de que deis um fruto que dure.
Eu vos escolhi, foi do meio do mundo.
Amém! Aleluia, Aleluia!
Evangelho: Mt 21,33-43
Arrendou a vinha a outros vinhateiros.
Na primeira leitura a vinha simbolizava o povo de Israel que, segundo a ameaça do profeta, seria rejeitado por Deus por causa de sua infidelidade. Na parábola que Jesus conta sobre a vinha, quem é rejeitado não é a vinha, mas os vinhateiros homicidas que rejeitam o dono da vinha, matam os seus servos e seu próprio filho que lhes envia. Com a pergunta: “O que fará o dono da vinha, quando voltar, com esses vinhateiros?” Jesus arranca da boca dos próprios sumos sacerdotes e escribas a sentença: “O dono da vinha fará perecer de morte horrível os malfeitores e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe deem os frutos a seu tempo”. Sentença que o próprio Jesus confirma: “O reino de Deus será tirado de vós e será dado a um povo que produza os devidos frutos” (v. 43). São eles que criticam Jesus por não ter proibido as crianças de o aclamarem no Templo: “Hosana ao Filho de Davi” (21,14-17). Rejeitam, portanto, Jesus como Messias. Com isso rejeitam também o Reino de Deus, anunciado por Jesus e acolhido com alegria pelos pecadores e pobres e, mais tarde, pelos pagãos. Estes serão os novos arrendatários da vinha. E deles – isto é, também de nós – Deus espera colher os frutos de justiça e santidade. Nós temos o privilégio de sermos os novos escolhidos para trabalhar na vinha do Senhor. Esta escolha do Senhor, porém, gera responsabilidade: “A quem muito foi dado, dele muito será exigido” (cf. Lc 12,48).
Da história do Cristianismo podemos tirar lições para nossos dias: A promessa de um Messias salvador pertencia aos judeus, mas os governantes religiosos não acolheram Jesus de Nazaré como o Messias esperado. Então, os que creram em Jesus Cristo como Salvador tornaram-se os herdeiros da promessa. O Cristianismo, florescente (até o séc. VI) no norte da África, no Oriente Médio e na Ásia Menor, foi por sua vez varrido pela invasão dos seguidores de Maomé. Na Europa atual, a Igreja Católica e as Igrejas Evangélicas tradicionais estão perdendo rapidamente sua importância. O mesmo poderá acontecer com o Cristianismo, sobretudo católico, no Brasil e na América Latina, se não anunciarmos e não vivermos intensamente a mensagem de Cristo.
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
O povo de Deus é a vinha do Senhor
Frei Clarêncio Neotti
A parábola dos vinhateiros homicidas, contada por três evangelistas (Mateus, Marcos e Lucas), tem, como dissemos, estreita ligação com a que lemos no domingo passado (a parábola dos dois filhos desobedientes), que chamamos de ‘parábola da descrença’. Por não acreditarem na evidência da divindade de Jesus, fariseus e escribas frustraram a justificação (santificação) que Jesus trouxe; não entraram no ‘Reino dos Céus’. Na parábola de hoje, Jesus torna-se ainda mais forte e duro: não só não querem crer, mas assassinam os profetas e o próprio Filho de Deus.
A parábola é tão clara que “os sumos sacerdotes e os fariseus entendem que fala deles” (v. 45) e se enfurecem. Jesus toma uma figura bastante familiar: a da vinha. Familiar não só porque havia muita vinha na Palestina e era comum seu arrendamento, mas também porque, desde os profetas antigos, o povo de Israel era comparado à vinha. A primeira leitura de hoje o lembra: “A vinha do Senhor é a casa de Israel” (Is 5,1-7), por quem Deus tudo faz (v. 4). Dela Deus espera frutos de direito e de justiça (v. 7), mas só colhe violência e aflição. Também o Salmo Responsorial (Sl 80,9-20) compara o povo de Israel a uma videira transplantada do Egito para a Terra prometida.
Jesus retoma a figura usada pelos profetas: a vinha é o ‘Reino dos Céus’, por causa de quem ele vem ao mundo. No Reino, há lugar para todos trabalharem ou, como dirá em outra parábola, também contada em Jerusalém (Mt 25,14-30), há tempo para todos multiplicarem os talentos recebidos de Deus. Talentos que não pertencem à criatura, mas a Deus e a ele devem ser devolvidos multiplicados. Na parábola de hoje, Jesus lamenta que, em vez de os frutos multiplicados serem de justiça (santidade), são de homicídio. Matam os enviados (os profetas) e matam o filho (o próprio Jesus).
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Àquele que nos envolve com seu amor
UMA RESPOSTA DE AMOR
Frei Almir Guimarães
Amo-te, Senhor, com uma consciência não vacilante, mas firme.
Feriste o meu coração com tua palavra e eu amei-te.
Santo Agostinho
O Senhor quer estabelecer pacto, aliança, núpcias com o Povo de Israel. Através dos profetas do Antigo Testamento e de Jesus, no alvorecer dos novos tempos, o tema sempre retorna. As imagens da vinha e da esposa parecem se entrelaçar nos escritos bíblicos. Há uma calorosa atmosfera de intimidade, tanto no relato de Isaías quanto na parábola dos vinhateiros. Vinha e núpcias falam, pois, de uma certa qualidade do amor do Senhor e, naturalmente, num amor tão denso que atinge até o último dos irmãos. Contudo, nem sempre as pessoas responderam ao apelo do amor. Estamos diante de textos com luzes e sombras. Há um quê de irritação.
Estamos diante do tema do amor. Todos já vivemos experiências de dom de nós mesmos. Aqui e ali damo-nos conta de que somos seres feitos para sair do cercado de nós mesmos e buscar espaço para querer bem, soerguer, incentivar, acolher, promover, desculpar. Na medida da intensidade de nosso querer bem somos seres livres, alegres, sem azedume. A prova de que amamos a Deus é que nos acercamos daqueles que ele ama. Os dois amores se confundem.
Dois amores num só. Concomitantemente há esse enamoramento do Senhor e pelo Senhor que nos envolve. Ouvimos sua voz. Ele quer nos levar para o deserto, para nosso interior, para uma terra árida, seca, sem brilho para nos sussurrar palavras de amor e para que aceitemos o seu convite para deixar a porta de nossa vida apenas entreaberta para que o sopro de nosso peito se misture ao Hálito do Espirito. O belo, o Altíssimo, o Todo Outro se torna um esposo desejoso de ser nosso amável companheiro na tarefa de amar até o fim.
Não estaríamos necessitando, sem pieguices e melosidade, ouvir os passos e a voz do amado, quer dizer, parar um pouco e contemplar. “Se tiramos da vida todo elemento contemplativo ela acaba por sofrer de uma hiperatividade mortal. No seu próprio fazer o homem se sufoca. A revitalização da vida contemplativa (vita contemplativa) é necessário para abrir espaços de respiração” (Byung-Chul Han).
Deus, o mais belo, o mais luminoso, o mais impenetrável quer que joguemos nossa aventura de viver nele e que em nome dele nos abeiremos de nossos companheiros de viagem: um pedaço de pão, alívio de suas dores, luta em prol da justiça, oferta de tempo para ouvi-los, parar para que eles tenham a certeza de que existem com a ternura e atenção de nosso coração.
Pequenas regras para que o Senhor seja ouvido e sua vontade observada:
♦ demorar-se diante do Mistério: uma oração simples, desinteressada, gratuita, um abrir-se diante daquele que nos inventou e pede a melhor atenção de nossa parte;
♦ rever seriamente nosso jeito de nos colocar diante do Senhor na oração e no dia a dia: respeito carinhoso, postura de pessoas cobertas de dons do Senhor; dimensão contemplativa da vida;
♦ dar uma resposta pessoal às visitas do Senhor;
♦ colocar-se diante do Senhor numa postura de pessoas que tudo receberam e que precisam tudo restituir, porque a Esposa que ouve sussurros de amor passa necessariamente esse amor adiante; o amor ama aqueles que são amados pelo Amado;
♦ cultivar sempre uma atitude de atenção aos que circulam à nossa volta e olhar com os olhos interiores de quanto amor precisam, sempre lembrando que existimos para a vida pelos irmãos; passar da fala para atos;
♦ a Igreja é a vinha do Senhor: ele enviou o seu Filho no lugar dos vinhateiros homicidas; o Senhor contava com uvas de verdade, mas produziu uvas selvagens.
Por fim, ficamos admirados diante do fato que o senhor da parábola envia seu filho que o vinhateiros matam. Mais não era possível!!!
Para sua reflexão
♦ “Na vinha de Deus não há lugar para os que não produzem frutos. No projeto do Reino de Deus, anunciado e promovido por Jesus, não podem continuar ocupando lugar os “lavradores” indignos que não reconhecem o senhorio de seu Filho porque se sentem proprietários e senhores do Povo de Deus. Hão de ser substituídos por um povo que produza frutos” (Pagola).
♦ “A parábola põe-nos diante do enigma da violência que pode escandalosamente tornar-se presente num espaço religioso. No terreno eclesial a violência não reveste normalmente formas ostensivas como a violência física, porém mais sutis, como a não escuta, a rejeição, a marginalização, o desprezo, o não acolhimento, o desinteresse, a pressão e o abuso psicológico (Manicardi).
Oração
Senhor, tu és a nossa luz.
Senhor, tu és a verdade.
Senhor, tu és a nossa paz.
Querendo acompanhar-nos
te fizeste peregrino;
compartilhas nossa vida,
nos mostras o caminho.
Não basta rezar a ti,
dizendo que te amamos;
devemos imitar-te,
amar-te nos irmãos.
Tu pedes que tenhamos
humilde confiança;
teu amor saberá encher-nos
de vida e esperança.
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
O perigo de calar a voz dos profetas
José Antonio Pagola
Quando no ano 70 as tropas romanas destruíram Jerusalém e o povo judeu desapareceu como nação, os cristãos fizeram uma leitura terrível deste fato trágico. Israel, aquele povo tão querido por Deus, não soube responder a seus apelos. Seus dirigentes religiosos foram matando os profetas enviados por Ele; crucificaram, por último, seu próprio Filho. Agora, Deus os abandona e permite sua destruição: Israel será substituído pela Igreja cristã.
Assim liam os primeiros cristãos a Parábola dos “Vinhateiros Homicidas”, dirigida por Jesus aos sumos sacerdotes de Israel. Os lavradores encarregados de cuidar da “vinha do Senhor” vão matando um depois do outro os criados que ele envia para recolher os frutos. Por último matam também o filho do proprietário, com a intenção de suprimir o herdeiro e ficar com a vinha. O senhor não pode fazer outra coisa senão dar-Ihes a morte e entregar sua vinha a outros lavradores mais fiéis.
Esta parábola não foi coligida pelos evangelistas para alimentar o orgulho da Igreja, novo Israel, diante do povo judeu, derrotado por Roma e disperso por todo o mundo. A preocupação era outra: será que pode acontecer com a Igreja cristã o mesmo que sucedeu ao antigo Israel? Pode ela defraudar as expectativas de Deus? E se a Igreja não produz os frutos que Deus espera, que caminhos Ele seguirá para realizar seus planos de salvação?
O perigo é sempre o mesmo. Israel se sentia seguro: tinha as Sagradas Escrituras, possuía o templo, celebrava escrupulosamente o culto, pregava a Lei e defendia as instituições. Não parecia necessário nada de novo. Bastava conservar tudo em ordem. É o mais perigoso que pode acontecer a uma religião: que ela faça calar a voz dos profetas e que os sacerdotes, sentindo-se os donos da “vinha do Senhor”, queiram administrá-la como propriedade deles. Este é também o nosso perigo: pensar que a fidelidade da Igreja está garantida porque ela pertence à Nova Aliança; sentir-nos seguros por termos Cristo como propriedade. Mas Deus não é propriedade de ninguém. Sua vinha pertence só a Ele. E, se a Igreja não produz os frutos que Ele espera, Deus continuará abrindo novos caminhos de salvação.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Deus rejeitou o povo que elegera?
Pe. Johan Konings
As leituras de hoje suscitam uma pergunta: se Deus escolheu Israel como povo eleito, por que mudou de ideia? Será que rejeitou os judeus? No evangelho, Jesus narra uma parábola a respeito disso. No Antigo Testamento, o povo de Israel é a “vinha de Deus”. O profeta Isaías denuncia que ela não produz frutos (1ª leitura). Jesus, no evangelho, diz que são os arrendatários – os chefes de Israel – que não querem pagar sua parte ao “Senhor da vinha”. Mais: quando este manda seu filho, matam-no, querendo apoderar-se de sua herança… Mas a vinha lhes é tirada e dada a “outro povo”, que entregará seus frutos no devido tempo.
Jesus se refere à sua própria missão e também ao nascimento do novo povo de Deus, a Igreja, a partir da ressurreição de Cristo, “pedra rejeitada pelos construtores, mas que se tornou pedra angular”. Os líderes do antigo povo de Deus não queriam produzir frutos para Deus. Queriam a vinha para si. É como os opressores de hoje, que querem o poder pelo poder e pelo proveito, e não como liderança responsável para, junto com o povo, produzir “frutos de justiça”. Jesus e seus fiéis constituem uma denúncia viva contra tais usurpadores. E, como na parábola, também hoje acontece que os enviados do “senhor da vinha” são rechaçados e mortos. Porém, como Deus fundou seu novo povo sobre seu enviado e “mártir” (testemunha) por excelência, que é Jesus Cristo, assim também o sangue dos mártires da América Latina hoje será embasamento do povo de Deus.
Os opressores matam os enviados, os profetas. Mas os que sentem arder em si a voz profética de Deus devem reclamar da sociedade humana “frutos de justiça”. Por outro lado, os que são constituídos no poder (os arrendatários) devem considerar o poder como um serviço, a fim de produzir com o povo a justiça que Deus espera. O povo não é sua propriedade. O único senhor do povo é Deus.
Deus não “rejeitou os judeus”, mas rechaça os líderes que dominam o povo para proveito próprio e não estão a serviço da justiça e do amor. Israel recebeu a missão de ser o povo-testemunha de Deus; mas quando seus líderes rejeitaram Jesus, que veio inaugurar o reinado de Deus, este reuniu em torno do seu Cristo o novo povo-testemunha, constituído de todas as nações: a Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus.
Por outro lado, também nesta Igreja existe o perigo de querer guardar os frutos para si. O evangelista João diz expressamente que a glória do Pai se manifesta nos frutos do amor fraterno produzido por aqueles que estão unidos à videira que é Cristo (Jô 15, 1-8). E os que se separarem da videira e não produzirem esse fruto serão cortados fora. Fique, pois, claro; que ser a vinha de Deus não é um privilégio irrevogável, mas uma missão para produzir fruto, e isso vale tanto para o povo no tempo de Jesus como para sua Igreja hoje.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella