Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

23º Domingo do Tempo Comum

23º Domingo do Tempo Comum

Jesus é Deus que inclui

 

Frei Gustavo Medella

“Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade” (Mc 7,35). Jesus devolve a audição e a fala a um homem surdo-mudo. Abre-lhe os ouvidos, destrava-lhe a língua e aquele homem começa a se expressar, a manifestar o que pensa, sente e o que traz consigo no coração.

Ser um evangelizador significa também ser alguém que se esforça para dar voz e vez ao outro, para incluir quem se sente excluído. Todo esforço nesta direção coaduna com o modo de ser e de agir assumido por Jesus Cristo: sempre incluindo, trazendo para junto de si, colocando a pessoa em seu devido lugar, o lugar da dignidade humana, de filho(a) amado(a) de Deus.

Cada cura que Jesus opera, para além do bem físico realizado em relação à pessoa curada, é uma cura de toda a humanidade. É símbolo da ação de Deus, que deseja integrar, incluir e construir um mundo de paz, de justiça e de amor, onde todos possam viver em plenitude a vida para a qual Deus os chamou.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira leitura: Isaías 35,4-7
4 Dizei às pessoas deprimidas: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar”. 5 Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. 6 O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. 7 A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes de água.
Palavra do Senhor.

Sl 145(146)
Bendize, ó minha alma, ao Senhor. / Bendirei ao Senhor toda a vida!
O Senhor é fiel para sempre, / faz justiça aos que são oprimidos; / ele dá alimento aos famintos, / é o Senhor quem liberta os cativos. – R.
O Senhor abre os olhos aos cegos, / o Senhor faz erguer-se o caído; / o Senhor ama aquele que é justo. / É o Senhor quem protege o estrangeiro. – R.
Ele ampara a viúva e o órfão, / mas confunde os caminhos dos maus. / O Senhor reinará para sempre! † Ó Sião, o teu Deus reinará / para sempre e por todos os séculos! – R.

Segunda Leitura: Tiago 2,1-5
1 Meus irmãos, a fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas. 2 Pois bem, imaginai que na vossa reunião entra uma pessoa com anel de ouro no dedo e bem vestida, e também um pobre, com sua roupa surrada, 3 e vós dedicais atenção ao que está bem vestido, dizendo-lhe: “Vem sentar-te aqui, à vontade”, enquanto dizeis ao pobre: “Fica aí, de pé”, ou então: “Senta-te aqui no chão, aos meus pés” – 4 não fizestes, então, discriminação entre vós? E não vos tornastes juízes com critérios injustos? 5 Meus queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?
Palavra do Senhor.


Evangelho: Mc 7,31-37

-* 31 Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. 32 Levaram então a Jesus um homem surdo e que falava com dificuldade, e pediram que Jesus pusesse a mão sobre ele. 33 Jesus se afastou com o homem para longe da multidão; em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele. 34 Depois olhou para o céu, suspirou e disse: «Efatá!», que quer dizer: «Abra-se!» 35 Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. 36 Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém. No entanto, quanto mais ele recomendava, mais eles pregavam. 37 Estavam muito impressionados e diziam: «Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar.»

* 31-37: A missão de Jesus inicia nova criação (Gn 1,31). Para isso ele abre os ouvidos e a boca dos homens, para que eles sejam capazes de ouvir e falar, isto é, discernir a realidade e dizer a palavra que a transforma.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

23º Domingo do Tempo Comum

 Oração: “Ó Deus, pai de bondade, que nos redimistes e adotastes como filhos e filhas, concedei aos que crêem no Cristo a verdadeira liberdade e a herança eterna”.

  1. Primeira leitura: Is 35,4-7a

Os ouvidos dos surdos se abrirão

e a boca do mudo gritará de alegria.

A primeira parte do Livro de Isaías (Is 1–39) denuncia os pecados de Judá e anuncia a salvação. Anuncia também o julgamento das nações vizinhas, que oprimiram o povo eleito. Depois do julgamento divino do vizinho reino de Edom, em Is 35, um profeta pós-exílico anuncia mais uma vez a salvação para Israel. Um “apêndice histórico” (Is 36–39) conclui esta primeira parte de Isaías. No texto que ouvimos, o profeta fala a um povo desanimado e sem esperança. Os que ouviram as promessas do profeta anônimo no exílio (Is 40–55) encontraram em Judá uma realidade nada animadora. As estes o profeta reafirma que as promessas continuam válidas. Por isso não devem desanimar, ao contrário, confiar na presença de Deus. Ele é o Deus criador que age na história humana. Vê o sofrimento do povo e vem para salvá-lo. A salvação é descrita com imagens de transformação da natureza, na qual o que parece errado será corrigido: os cegos tornarão a ver bem, os surdos a ouvir, os mudos a falar e até no deserto brotarão torrentes de água. Com esta linguagem o profeta procura recuperar a fé, a esperança e a confiança do povo no Deus de Israel. Quando João Batista da prisão manda perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro”? (Mt 11,5), Jesus manda dizer-lhe que a profecia de Is 35,5-6 estava se cumprindo em sua missão (Evangelho).

O salmo responsorial (145,7-10) apresenta oito ações salvadoras de Deus, que transformam a vida humana. Elas se tornam evidentes na pregação e na ação de Jesus em favor dos pobres e injustiçados. Jesus nos convida a agirmos da mesma forma como Deus age. Então nossa vida será um sincero louvor a Deus.

Salmo responsorial: Sl 145,7-10

Bendize, ó minha alma ao Senhor.

Bendirei ao Senhor por toda a vida!

  1. Segunda leitura: Tg 2,1-5

Não escolheu Deus os pobres deste mundo

para serem herdeiros do Reino?

O Apóstolo conhecia as comunidades cristãs e percebia que alguns comportamentos não condiziam com a fé em Jesus Cristo. Como exemplo cita a discriminação de pessoas na comunidade. Fiéis ricos e bem vestidos recebiam um lugar de destaque, enquanto os pobres deviam ficar de pé ou sentar-se no chão. Todo ser humano possui a mesma dignidade, tem os mesmos direitos e merece ser tratado com igual respeito (Dt 16,19). Tanto mais o cristão, seguidor de Cristo, que revela a face amorosa do Pai, deve evitar a discriminação no trato com os irmãos de fé. O modelo é o próprio Deus, que “escolheu os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam”. O critério último no relacionamento com os irmãos de fé é o amor de Deus.

Aclamação ao Evangelho

Jesus Cristo pregava o Evangelho, a boa notícia do Reino

e curava seu povo doente de todos os males, sua gente!

  1. Evangelho: Mc 7,31-37

Aos surdos faz ouvir e aos mudos, falar.

O Evangelho de hoje conta-nos o milagre da cura de um surdo-mudo. Antes deste episódio, Jesus havia curado numerosos enfermos que eram trazidos até o caminho por onde ele passaria. Era tanta a das pessoas a ponto de lhe pedir que as deixasse ao menos tocar-lhe as vestes. Depois, Jesus discutiu com os fariseus e mestres da lei sobre a questão da pureza. Em seguida, a pedido de uma mulher cananeia curou sua filha. Segue, então, o evangelho que acabamos de ouvir. Jesus acabava de voltar à terra dos judeus, vindo da terra pagã de Tiro e Sidônia. Imediatamente trouxeram um surdo-mudo para que lhe impusesse as mãos. Sabiam que Jesus curava as pessoas tocando-as com as mãos, deixando-se tocar por elas ou, simplesmente, porque tinham fé. Jesus não queria dar um espetáculo. Por isso, afasta-se da multidão, para dar atenção pessoal ao necessitado. Jesus não olha para nós como multidão. Olha para cada um de nós como pessoa, com suas necessidades e limitações. Olha para cada um de nós com os olhos de Deus. Toca com os dedos os ouvidos e a língua do surdo-mudo com sua saliva, olha para o céu, suspira e diz: “Abre-te”! Jesus repete os gestos do Criador, quando modela com os seus dedos o barro para formar o ser humano. O suspiro de Jesus lembra o sopro divino da criação (cf. Gn 2,7; Sl 8; 104,29-30). É também o suspiro de alguém solidário com os deficientes e sofredores. Por isso o povo exclama: “Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos, falar”. Jesus devolve à sociedade um homem novo, capaz de comunicar-se, de ouvir e ser ouvido, condição básica para conviver com os outros, para acolher e proclamar a fé. No batismo, o toque nos ouvidos e na boca do recém-batizado lembra que a fé é comunicada pela palavra, para ser professada pela palavra. Jesus também queria “abrir” os ouvidos de seus discípulos e provocar neles a profissão de fé (cf. 8,14-38) e prepará-los para a missão evangelizadora.

O que Jesus quer dizer para mim com este milagre? Jesus tocou nossos ouvidos pela sua palavra e, agora, quer tocar a cada um de nós com a celebração da eucaristia, a fim de curar nossos males.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Escuta e diálogo

Frei Clarêncio Neotti

Jesus tinha poderes divinos e, portanto, podia curar o surdo. No entanto, “eleva os olhos para o céu” (v. 34), como fizera antes do milagre da multiplicação dos pães (Me 6,41), para significar que toda a força vem do alto, do Pai, origem de todos os bens. Saliva, língua, mão, doença, são coisas e fatos reais. Coisas físicas, diríamos. Jesus une maravilhosamente a realidade ao espiritual, a criatura necessitada e fragilizada ao Criador sempre desejoso de repartir seus dons. Todos nós, ainda que batizados, trazemos um pouco do surdo de hoje, quando não sabemos ligar as realidades terrenas a Deus, Sumo Bem e fonte de toda a vida.

Observe-se ainda que primeiro se lhe abrem os ouvidos, depois o mudo começa a falar. Isso não é por acaso. Na prática, uma criança primeiro escuta, depois aprende a falar. Acontece na caminhada da fé a mesma coisa. Primeiro devemos escutar (lembremos mais uma vez que ‘escutar’, na Bíblia, tem mais o sentido de ‘pôr em prática’, ‘encarnar, ‘vivenciar’, do que ouvir fisicamente com os ouvidos). Só pode proclamar a alegria da fé quem a vive. Se falo de Deus, sem havê-lo escutado primeiro, certamente estarei falando de mim mesmo. Aliás, quem não sabe escutar não sabe dialogar.

A frase dita pelo povo: “Fez bem todas as coisas” (v. 37) evoca o texto do Gênesis, ao criar Deus o homem: “Deus viu tudo quanto havia feito e achou que estava muito bom” (Gn 1,31). O homem curado por Jesus, que escuta a palavra de Deus e a proclama, fazendo comunhão com Deus e com a comunidade, é a criatura elevada novamente àquela dignidade primitiva, antes do pecado. A missão de Jesus pode ser definida como uma recriação do mundo.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Um pedaço da história de cada um

Frei Almir Guimarães

Imediatamente os ouvidos do surdo se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar expeditamente.

Isaías, o profeta, nos poucos versículos da primeira leitura da liturgia da missa desse domingo, enche os espaços com um brado de esperança: Ele vem, o Senhor, vem para salvar. Os cegos enxergarão e os ouvidos dos surdos se abrirão. E o coxo, pasmem, saltará de alegria. Marcos, em seu evangelho, faz o relato de um surdo curado. Jesus fica sendo conhecido como aquele que “tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”.

Aproximemo-nos mais de perto dos pormenores de Marcos. Jesus está na região pagã da Decápole, das cidades gregas. O pessoal lhe traz um homem que não ouvia e que falava com dificuldade. Terrível quando não ouvimos as conversas à nossa volta e quando gaguejamos para dizer o que se passa em nosso interior. Marcos diz que Jesus vai realizar alguma coisa longe da multidão. Podemos supor que se trata de gesto prenhe de significado. Talvez Jesus não quisesse muito alarido, muito gritaria. Os circunstantes trouxeram-lhe o homem para que Jesus lhe impusesse as mãos. Gesto concreto. Transmissão? Sentimento de proximidade de Jesus com o outro? Curiosamente Jesus continua com procedimentos palpáveis, sensíveis e, para nós, até certo ponto estranhos: coloca os dedos nos ouvidos do surdo, cospe, com saliva toca a língua do doente. Tudo culmina com este desfecho: “Olhando para o céu suspirou e disse: “Efatá”, que quer dizer, “abre-te”. Imediatamente seus ouvidos se abriram , sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade”.

Há indícios que tudo isso tem a ver com o batismo, com o ingresso do homem no mundo novo de Jesus. A Igreja retomou elementos desta “cura” inserindo-os no ritual do batismo. Os que querem aderir ao mundo novo de Jesus necessitam ouvir a voz do Mestre que vai penetrando com remédio de uma surdez diferente.
Uma das experiências que fazemos, nós cristãos, diante da proposta que nos é feita de viver e viver segundo os sonhos de Deus que Jesus manifestou é da surdez associada ao mutismo de não sabermos dizer ao Senhor o que precisa ser dito. Surdos e mudos perambulamos vida afora.

Na medida em que entramos em nós mesmos, em que vivemos junto com verdadeiros discípulos de Jesus vamos nos dando conta que as circunstâncias, a indolência e a má vontade foram nos impedindo de ouvir a voz da consciência e os apelos do Evangelho para uma vida nova: vida a partir de nossa verdade, revestindo-nos de singeleza e simplicidade, vida de filhos do Pai que nos ama e nos quer e de irmãos dos que caminham ao nosso lado. Somos surdos aos apelos de recolher os jogados à beira da estrada. Colocamos pedras enormes na sede que começou a se manifestar em nós como busca de plenitude. Fomos endurecendo nosso ouvir do coração.

Jesus suspira e nos toca. Sempre o faz coração da comunidade da Igreja que é o albergue do Ressuscitado. Queremos ouvir o murmurar das páginas do Sermão da Montanha, precisamos ouvir os apelos do pai que está doente, que precisa de nós, dos filhos que andam perdidos, da mulher e do marido que são deixados por vezes ficam de lado durante a dança
macabra que fazemos em torno de nós mesmos. “Efata” quer dizer abre-te. Não queremos e não podemos nos instalar numa espécie de estado de surdez ao novo, ao que nos redime, ao que torna vida na terra quase que um paraíso.

Abre-te… é uma exigência para podermos enxergar. A luz do Ressuscitado pode então nos penetrar. Nada de ficar fechado em seu pequeno mundo de convicções, mas auscultar os sinais dos tempos. Os que nos aproximamos de Jesus, fora da multidão, poderemos fazer a experiência da libertação dos ouvidos: “ seus ouvidos se abriram e sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade”.

Batismo

Effeta… ainda está no rito atual
Como era como começo da Igreja… uma caminhada…
Normalmente batizavam-se os adultos
Um primeiro momento de conversão
A fé, a oração, as renúncias, a vida nova
O esplendor do batismo descrito em Roma.
A noite santa… mergulhar nas águas.. depois a Eucaristia e o Crisma.
Como fazer para que os que são batizados em criança tomem consciência e vivam a vida nova?

Língua
Ter vontade de comunicar-se, não se fechar
A comunicação é gesto de carinho e de caridade
Pessoas de uma vida bonita falam da abundância do coração
Conversas descontraídas…. certo, mas não banalidades, tolices, futilidades o tempo todo.
Abrir a boca para cantar o louvor do Senhor

Ouvidos

Prestar atenção, fazer lugar em si para ouvir o que o outro tem a dizer.
Saber ouvir com o coração e não apenas com o aparelho auditivo.
Saber ouvir os sons da palavras que Deu nos dirige sem palavras: um momento de consciência do mal que cometemos, uma palavra da Escritura que não nos larga, uma pessoa que diz alguma coisa que nunca poderíamos imaginar.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Não fechar-nos ao mistério da vida

José Antonio Pagola

Albert Camus descreveu como poucos o vazio da vida monótona de cada dia. Escreve assim em “O mito de Sísifo”: “Acontece que todos os cenários vêm abaixo. Levantar-se, o bonde, quatro horas de repartição pública ou escritório, almoço, bonde, quatro horas de trabalho, descanso, dormir, e a segunda-terça-quarta-quinta-sexta-sábado, sempre o mesmo ritmo, seguindo o mesmo caminho de sempre. Um dia surge o ‘porquê’ e tudo volta a começar no meio desse cansaço tingido de admiração”.

Não é difícil sintonizar com os sentimentos do escritor francês. Às vezes é a vida monótona de cada dia que nos formula, em toda a sua rudeza, as interrogações mais profundas de nosso ser: “Tudo isto para quê? Para que vivo? Vale a pena viver assim? Tem sentido esta vida?

O risco é sempre a fuga. Enclausurar-nos sem mais na ocupação de cada dia. Viver sem interior idade. Caminhar sem bússola. Não refletir. Perder, inclusive, o desejo de viver com mais profundidade.

Não é tão difícil viver assim. Basta fazer o que quase todos fazem. Seguir a corrente. Viver de maneira mecânica. Substituir as exigências mais radicais do coração por todo tipo de “necessidades” supérfluas. Não escutar nenhuma outra voz. Permanecer surdos a qualquer chamado profundo.

O relato da cura do surdo-mudo é um chamado à abertura e à comunicação. Aquele homem surdo e mudo, fechado em si mesmo, incapaz de sair de seu isolamento, precisa deixar que Jesus trabalhe seus ouvidos e sua língua. A palavra de Jesus ressoa também hoje como um imperativo para cada um: “Abre-te”.

Quando não escuta os anseios mais humanos de seu coração, quando não se abre ao amor, quando, em suma, se fecha ao Mistério último que nós crentes chamamos “Deus”, a pessoa se separa da vida, se fecha à graça e tapa as fontes que a poderiam fazer viver.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A verdadeira religião liberta o ser humano do mal

Pe. Johan Konings

No domingo passado, vimos Jesus criticando as tradições humanas que desviam a gente da verdadeira vontade de Deus, o bem de seus filhos e filhas. Agora, o evangelho mostra o exemplo do próprio Jesus. Depois de ter dado à mulher pagã as “migalhas” do pão dos filhos, Jesus cura, na mesma região pagã (a Decápole), um surdo-mudo, e o povo se põe a clamar: “Tudo ele tem feito bem!” Com isso, Jesus realiza o que o profeta Isaías sonhou para o tempo do Messias: os olhos dos cegos vão se abrir, abrem-se também os ouvidos dos surdos, os aleijados vão pular feito cabritos e a língua dos mudos entoará um cântico (1ª leitura). Convém lembrar aqui que os cegos e os coxos eram excluídos do templo…. A vinda do Messias transforma os excluídos – pagãos, coxos, cegos, aidéticos, favelados, presos – em filhos do Reino. Conforme Santo Irineu, a glória de Deus é que o ser humano tenha vida – e a vida do ser humano é contemplar Deus…. Trata-se de uma certeza fundamental de nossa fé: Deus deseja que todos e todas tenham vida. A religião é para o bem da humanidade.

Com certeza, todo mundo se declara de acordo com isso. Mas, muitas vezes, a religião é usada para dominar as pessoas, para que fiquem quietas e não protestem contra a exploração pelos poderosos (que querem até passar por bons cristãos)… Será isso promover a vida do ser humano? Dizem que os que sofrem serão recompensados na eternidade. Mas isso não justifica que se faça sofrer aqui na terra! Também a vida neste mundo pertence a Deus: é o aperitivo da vida eterna.

O Deus da Bíblia quer o bem das pessoas desde já. Pode existir doença, sofrimento, mas não é a última palavra. Somos chamados a participar com Deus no aperfeiçoamento da criação. Por isso, o povo saúda a chegada do Messias exclamando: “Tudo ele tem feito bem”.

Deus não pode servir para legitimar nenhuma opressão. A verdadeira religião liberta o ser humano do mal, também do mal político e econômico. Religião que pactua com a opressão não é a de Jesus. O cristianismo deve servir para o bem do ser humano: o bem de todos e do homem todo.

A religião serve para o bem de todos, eliminando exploração e discriminação (2ª leitura). Para dar chances a uma ordem melhor, provoca até revoluções, se as estruturas vigentes produzem desigualdade e injustiça. Pois a justiça é a exigência mínima do amor.

A religião serve para o bem do homem todo, para aquelas dimensões que facilmente são esquecidas: a integridade da vida (contra a tortura, a irresponsabilidade com a vida nova etc); a integridade do verdadeiro amor (contra a exploração erótica, o amor descartável etc), o crescimento espiritual (contra o imediatismo, o materialismo etc), o sentido último da vida (contra a mecanização e encobrimento da morte).

Para que o povo excluído possa exclamar: “Tudo ele tem feito bem”, muito ainda deve mudar na maneira de vivermos o ensinamento e o exemplo de Jesus!


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella