Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

22º Domingo do Tempo Comum

22º Domingo do Tempo Comum

Valores geram compromisso

 

Frei Gustavo Medella

Deus, verdade, liberdade, honra, pátria, tradição e família… Todos estes termos dizem respeito a elementos muito caros e centrais na existência humana. No entanto, devem ser compreendidos de maneira íntegra e profunda, o que exige constante esforço, discernimento e humildade. Viver a integralidade destes conceitos gera um compromisso que necessariamente se concretiza em ações práticas na construção de uma sociedade mais justa em sua essência.

Quando esvaziados de sentido e utilizados a partir de uma parcialidade interesseira e obtusa, tornam-se conceitos perigosos capazes de promover a violência, a injustiça, a discórdia e a destruição. E esta é a crítica de Jesus a seus contemporâneos, os fariseus que, de maneira distorcida, em nome da religião, lançavam mão de prescrições tradicionais para promoverem um espírito de divisão e desprezo pelo outro.

Esvaziar termos tão densos e importantes é um imenso desserviço à verdadeira finalidade destes conceitos. Desta forma, perigosamente, utiliza-se o nome de Deus para promover as mais escandalosas idolatrias, propagam-se, pela verdade, mentiras deslavadas e maliciosas; e, na defesa da família, promove-se um ambiente de preconceito que gera dor, abandono e solidão.

Se é de dentro do coração humano que brotam as maiores atrocidades, ali também deve estar a atenção mais concentrada. Iluminar o próprio interior com a autêntica luz do Evangelho é ter a humildade de reconhecer que, internamente, nunca ninguém está pronto e que, sem a graça do alto, com muita facilidade se comete o equívoco de dar prioridade ao que é secundário e de se desprezar o que seria fundamental.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura:
Deuteronômio 4,1-2.6-8

1 Moisés falou ao povo, dizendo: “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da terra prometida pelo Senhor Deus de vossos pais. 2 Nada acrescenteis, nada tireis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. 6 Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos, para que, ouvindo todas essas leis, digam: ‘Na verdade, é sábia e inteligente essa grande nação!’ 7 Pois qual é a grande nação cujos deuses lhe são tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o invocamos? 8 E que nação haverá tão grande que tenha leis e decretos tão justos, como esta lei que hoje vos ponho diante dos olhos?”
Palavra do Senhor.

Sl 14(15)

Senhor, quem morará em vossa casa / e no vosso monte santo habitará?
É aquele que caminha sem pecado / e pratica a justiça fielmente; / que pensa a verdade no seu íntimo / e não solta em calúnias sua língua. – R.
Que em nada prejudica o seu irmão / nem cobre de insultos seu vizinho; / que não dá valor algum ao homem ímpio, / mas honra os que respeitam o Senhor. – R.
Não empresta o seu dinheiro com usura † nem se deixa subornar contra o inocente. / Jamais vacilará quem vive assim! – R.

Segunda Leitura:
Tiago 1,17-18.21-22.27

Irmãos bem-amados, 17 todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto; descem do Pai das luzes, no qual não há mudança nem sombra de variação. 18 De livre vontade ele nos gerou, pela Palavra da verdade, a fim de sermos como que as primícias de suas criaturas. 21 Recebei com humildade a Palavra que em vós foi implantada e que é capaz de salvar as vossas almas. 22 Todavia, sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. 27 Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo.
Palavra do Senhor.

Jesus desmascara as falsas tradições
Evangelho: Mc 7,1-8.14-15.21-23

-* 1 Os fariseus e alguns doutores da Lei foram de Jerusalém e se reuniram em volta de Jesus. 2 Eles viram então que alguns discípulos comiam pão com mãos impuras, isto é, sem lavar as mãos. 3 Os fariseus,assim como todos os judeus, seguem a tradição que receberam dos antigos: só comem depois de lavar bem as mãos. 4 Quando chegam da praça pública, eles se lavam antes de comer. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre.

5 Os fariseus e os doutores da Lei perguntaram então a Jesus: «Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, pois comem pão sem lavar as mãos?» 6 Jesus respondeu: «Isaías profetizou bem sobre vocês, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim. 7 Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos’. 8 Vocês abandonam o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens.»

Jesus anuncia uma nova moralidade -* 14 Em seguida, Jesus chamou de novo a multidão para perto dele e disse: «Escutem todos e compreendam: 15 o que vem de fora e entra numa pessoa, não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a tornam impura. 16 Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.»

21 Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, 22 crimes, adultérios, ambições sem limite, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. 23 Todas essas coisas más saem de dentro da pessoa, e são elas que a tornam impura.»

* 7,1-13: Jesus desmascara o que está por trás de certas práticas apresentadas como religiosas. E toma um exemplo concreto referente ao quarto mandamento. Corbã era o voto, pelo qual uma pessoa consagrava a Deus os próprios bens, tornando-os intocáveis e reservados ao tesouro do Templo. Aparentemente Deus era louvado, mas na realidade os pais ficavam privados de sustento necessário, enquanto o Templo e os sacerdotes ficavam ainda mais ricos.

* 14-23: O que vem de fora não torna o homem pecador, e sim o que sai do coração, isto é, da consciência humana, que cria os projetos e dá uma direção às coisas. Jesus anuncia uma nova forma de moralidade, onde os homens podem relacionar-se entre si na liberdade e na justiça. Com isso, aboliu a lei sobre a pureza e impureza (Lv 11), cuja interpretação era o fundamento de uma sociedade injusta, baseada em tabus que criavam e solidificavam diferenças entre as pessoas, gerando privilegiados e marginalizados, opressores e oprimidos.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

22º Domingo do Tempo Comum 

Oração: “Deus do universo, fonte de todo bem, derramai em nossos corações o vosso amor e estreitai os laços que nos unem convosco para alimentar em nós o que é bom e guardar com solicitude o que nos destes”.

  1. Primeira leitura: Dt 4,1-2.6-8

Nada acrescenteis à palavra que vos digo,

mas guardai os mandamentos do Senhor.

O texto que ouvimos foi escrito quando Israel estava no exílio da Babilônia. O povo havia perdido a terra prometida e não havia mais culto em Jerusalém no templo já destruído. Apesar de viverem no meio de “um povo de fala estranha e língua pesada” (Ez 3,5), era grande a tentação de adorar os deuses locais e abandonar o Deus libertador do Egito. Mas havia a lei da Aliança (Ex 20,1–23,19), reapresentada no livro do Deuteronômio, que, mesmo no exílio, podia conservar a unidade e identidade do povo de Israel. Israel devia cumprir as leis e decretos que Moisés havia ensinado para ser abençoado e poder viver em paz na sua terra. Por isso, a exaltação da Lei de Moisés. Se os babilônios e outros povos têm sua sabedoria e suas leis, Israel tem uma sabedoria superior, porque vem de Deus. São leis que garantem a liberdade, a unidade e a paz para o povo. A Lei do Senhor é como o sol, que “ilumina os olhos” e mostra o caminho a seguir para ser feliz (cf. Sl 19).

Salmo responsorial: Sl 14

 Senhor, quem morará em vossa casa

e no vosso monte santo habitará?

  1. Segunda leitura: Tg 1,17-18.21b-22.27

Sede praticantes da Palavra.

Tiago faz uma bela exortação aos cristãos de seu tempo, que continua válida para nossos dias. Lembra que tudo é graça, é dom de Deus, o “Pai das luzes. Pela Palavra da verdade ele nos gerou pelo batismo, para a vida de filhos e filhas de Deus. Esta Palavra é a fé em Jesus Cristo e a mensagem do Evangelho, que em nós “foi implantada”. A Palavra foi implantada para ser cultivada, colocada em prática e produzir frutos. Por isso, o Apóstolo nos convida: “Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes”. A religião cristã autêntica, que agrada a Deus Pai, são os bons frutos que ela produz: evitar a contaminação pelo mundo e cuidar com amor dos pobres e sofredores, expressado no amor aos órfãos e viúvas.

Aclamação ao Evangelho

Deus, nosso Pai, nesse seu imenso amor,

foi quem gerou-nos com a palavra da verdade,

nós, as primícias do seu gesto criador!

  1. Evangelho: Mc 7,1-8.14-15.21-23

Vós abandonais o mandamento de Deus

para seguir a tradição dos homens.

Deus deu os mandamentos e as leis para um povo libertado da escravidão do Egito. Praticando o que as leis prescreviam, Israel mostrava a fidelidade e o amor ao Deus que o escolheu como seu povo: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças. E trarás no teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno” (Dt 6,5-6). No tempo de Jesus, porém, os mestres da lei multiplicaram as interpretações da lei, chegando a formular 613 preceitos, muitos deles relacionados com “pureza” e “impureza”, sobretudo, de caráter cultual. Os fariseus consideravam-se modelos da fiel observância desses preceitos. Eles eram os “puros” e desprezavam os trabalhadores da roça, os saduceus, os samaritanos e os pagãos, considerados todos impuros. Os fariseus e mestres da Lei vieram de Jerusalém para fiscalizar a não observância da ”tradição dos antigos”, por parte de Jesus e seus discípulos: “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?” Na resposta, Jesus os acusa de praticarem uma falsa religião, baseada em preceitos humanos, que os afasta de Deus e do próximo. Eles abandonam o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens. Para Jesus, a pureza vem do coração humano sincero: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). Estes, sim, estão próximos de Deus. Longe de Deus estão os que planejam todo tipo de maldade em seu coração e a põem em prática. É por isso que Jesus cita Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. Este princípio valia na antiga aliança e vale para quem segue a Jesus: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos Céus, mas quem fizer a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A oração passa pelo coração

Frei Clarêncio Neotti

Marcos não escreve o Sermão da Montanha, como o fizeram Lucas (6, 17-49) e, sobretudo, Mateus (5, 6 e 7). Mas, no Evangelho de hoje, transmite uma regra básica de moral, que bem pode substituir os ensinamentos do Sermão da Montanha: Jesus, grande conhecedor do coração humano, diz-nos que a consciência (o coração) é a raiz, a fonte e o fator decisivo das boas ou más ações da criatura humana. A oração mecânica, apenas dita com os lábios, é insuficiente. É preciso que se reze com o coração, isto é, com a participação de todo o nosso ser.

Os que cumprem as leis e os preceitos apenas em sua arte externa, formal, não louvam a Deus. Também não louva a Deus quem cumpre todas as leis no que elas têm de externo, mas não tira a maldade de seu coração. O pior de todos, porém, é aquele que não sabe, ou finge não saber, distinguir o bem e o mal. O Novo Testamento não estará sob o guarda-chuva da lei, mas sob o guarda-sol do amor.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Não basta honrar o Senhor com os lábios

Frei Almir Guimarães

Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo (Tiago 1,27).

Sim, certamente é grande ilusão querer louvar e honrar o Senhor apenas com os lábios. É preciso que brote um suspiro de alegria, reconhecimento e súplica do fundo de nós mesmos. As aparências podem enganar. O hábito não faz o monge. Não basta apenas que as pessoas individualmente sejam transparentes. O seu conjunto precisa fazer vibrar a mesma corda. Para ser digna de crédito, a Igreja tomada em seu todo, precisará ter um coração aberto para o Senhor. Tiago lembra que a religião pura é cuidar do que é frágil como as viúvas e os órfãos. Em suma, os cristãos na Igreja, não poderão se contaminar com a mentalidade do mundo. Talvez o apóstolo Tiago esteja simplificando demais as coisas quando afirma em sua carta que a religião pura consiste apenas em socorrer órfãos e viúvas. Quem sabe ela seja um pouco mais. Tem toda razão, no entanto, quando afirma que se trata de não se conformar com a mentalidade do mundo. Quer que os sentimentos e comportamentos brotem do mais íntimo de cada um iluminados pelas exigências do Evangelho. Coerência e sinceridade.

Somos pessoas (e cristãos) que queremos acertar. Temos vontade de que nosso rosto exterior corresponda ao nosso semblante interior. Buscamos coerência. Quando não a alcançamos podemos mesmo sentir uma sensação de desconforto interior. Há, no entanto, gestos concretos que não correspondem à verdade de nós mesmos. Jesus, no evangelho deste domingo, procura denunciar como falsos certos procedimentos e comportamentos, tradições e observâncias: na volta do mercado lavar as mãos , tomar banho, lavar copos jarros, vasilhas de cobre… tradições humanas. Tudo bem. São costumes humanos. Será que isto é que conta? Os religiosos da época foram inventando normas que colocaram como sendo vontade de Deus, como critérios absolutos de sua vida. Eles e nós deixamos de ouvir a voz de Deus em nossa consciência e passamos a viver uma religião de ritos, que não parte da verdade interior.

Jesus costumava denunciar com audácia os perigos de uma religião por demais exteriorizada. Sua especialidade era a busca ferrenha da vontade de Deus. Denunciava o escândalo de uma religião sem Deus, vazia de Deus e o pecado de transformar observâncias humanas a serviço de outros interesses.

“Deixais de lado o mandamento de Deus, para aferrar-vos à tradição dos homens”.

Vejamos como José Antonio Pagola reflete sobre a questão:

♦ Acolhemos normas e tradições humanas e as colocamos no lugar de Deus: lavação de copos, dias para fazer o bem e dias para não trabalhar, preces feitas de tal jeito e unicamente deste jeito. Tais normas e tradições são colocadas no lugar da vontade de Deus. Ritos e rubricas: louva-se a Deus com os lábios, mas o coração está longe dele. Pronuncia-se o credo convencional mas se crê no que convém. Cumprem-se os ritos, mas não existe obediência a Deus e sim aos homens.

♦ Apequenamos o Evangelho para não precisar converter-nos demais. Orientamos a vontade de Deus para o que nos interessa e esquecemos a exigência absoluta do amor.

♦ Agarramo-nos a um jeito de praticar a religião que não transforma nossa vida nem tenta transformar o mundo.

♦ Há esse continuar a honrar o Senhor com os lábios, mas com a recusa de convertermo-nos e assim vivendo esquecidos do projeto de Deus.

♦ Os costumes e as tradições têm força. Os convencionalismos sociais impõem-se. Duras, mas verdadeiras são estas reflexões de Pagola: “Mas, de fato, estas celebrações, não são muitas vezes um encontro sincero com Deus. Muitos casamentos, batizados e primeiras comunhões ficam reduzidos a uma reunião de caráter social, a um ato imposto pelo costume ou a um rito que faz sem entender bem o que significa, e sem que, evidentemente, implique algum compromisso para a vida (O caminho aberto por Jesus. Marcos, p. 147).

♦ E ainda: “E quando na comunidade cristã se dão orientações para celebrar uma liturgia mais verdadeira, ou quando o sacerdote procura ajudar a viver a celebração de maneira mais responsável pedem-lhe que não incomode muito, que termine quanto antes sua pregação e que continue administrando o sacramento como sempre se fez. O que realmente importa é o vestido da menina (da noiva), a foto dos noivos, as flores do altar ou o vídeo da cerimônia. Que tudo saia bonitinho e impressionante”(idem ibidem).

Positivamente, como as coisas precisam acontecer?

♦ Um cultivo delicado de uma sinceridade em todos os campos da vida.
♦ Não se esconder atrás de montagens que nada mais são do que fachadas.
♦ Apresentar-se ao Senhor na nudez de sua verdade.
♦ Procurar um santo e sadio equilíbrio entre um homenagear e honrar o Senhor e o socorro “aos órfãos e às viúvas”.
♦ Nunca ter o propósito de apresentar-se com uma sorte de impecabilidade porque andou fazendo as coisas como mandava o figurino.
♦ Não buscar refúgio numa recitação automática do Credo, mas na humilde busca das verdade de sua vida.

Prece

Jesus, mistério de Deus encarnado,
às vezes ficamos surpresos
ao descobrir quão perto
Tu te manténs de nós.
E nos dizes a cada um:
“Entrega-te com toda simplicidade a Deus,
basta tua pouca fé”.

Irmão Roger de Taizé


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Uma religião vazia de Deus

José Antonio Pagola

Os cristãos da primeira e da segunda geração recordavam Jesus não tanto como um homem religioso, mas como um profeta que denunciava com audácia os perigos e armadilhas de toda religião. Sua especialidade não era a observância piedosa acima de tudo, mas a busca apaixonada da vontade de Deus.

Marcos, o evangelho mais antigo e direto, apresenta Jesus em conflito com os setores mais piedosos da sociedade judaica. Entre suas críticas mais radicais devemos destacar duas: o escândalo de uma religião vazia de Deus e o pecado de substituir sua vontade por “tradições humanas” a serviço de outros interesses.

Jesus cita o profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. O culto que me prestam está vazio, porque ensinam doutrinas que são preceitos humanos”. Depois denuncia em termos claros onde está a armadilha: “Deixais de lado o mandamento de Deus, ara aferrar-vos à tradição dos homens”.

É este o grande pecado. Uma vez que estabelecemos nossas normas e tradições, nós as colocamos no lugar que só Deus deve ocupar. Nós as colocamos, inclusive, acima de sua vontade: não se deve passar por alto a mínima prescrição, mesmo que vá contra o amor e cause dano às pessoas.

Nessa religião, o que importa não é Deus, mas outro tipo de interesses. Honra-se a Deus com os lábios, mas o coração esta longe dele; pronuncia-se um credo obrigatório, mas se crê no que convém; cumprem-se ritos, mas não existe obediência a Deus, e sim aos homens.

Pouco a pouco esquecemos a Deus e depois esquecemos que o esquecemos. Apequenamos o evangelho para não precisar converter-nos demais. Orientamos a vontade de Deus para o que nos interessa e esquecemos sua exigência absoluta de amor.
Pode ser este hoje o nosso pecado. Agarrar-nos, como que por instinto, a uma religião desgastada e sem força para transformar nossa vida. Continuar honrando a Deus só com os lábios. Recusar-nos à conversão e viver esquecidos do projeto de Jesus: a construção de um mundo novo segundo o coração de Deus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A verdadeira religião

Pe. Johan Konings

O evangelho nos regala com um dos trechos mais significativos de Marcos: a discussão sobre o que é puro e o que impuro (Mc 7,1-23). Os discípulos se puseram a comer sem lavar as mãos. Mas lá estavam alguns vizinhos piedosos, da irmandade dos fariseus, acompanhados de professores de teologia (escribas), vindos da capital, de Jerusalém. Logo se intrometeram, dizendo que é proibido comer sem lavar as mãos. (Como também se deviam lavar as coisas que se compravam no mercado, os pratos e tigelas e tudo o mais). Mas Jesus acha tudo isso exagerado, sobretudo porque dão a isso um valor sagrado.

Na realidade, a piedade de Israel era relativamente simples. Religião complicada era a dos pagãos, que viviam oferecendo sacrifícios e queimando perfumes para seus deuses, cada vez que desejavam alguma ajuda ou queriam evitar um castigo. Mas a religião de Israel era sóbria, pois só conhecia um único Deus e Senhor. Consistia em observar o sábado, oferecer uns poucos sacrifícios, pagar o dízimo e, sobretudo, praticar a lealdade (amor e justiça) para com o próximo. Moisés já tinha dito que não deviam acrescentar nada a essas regras simples, admiradas até pelos outros povos (1ª leitura). E Tiago – o mais judeu dos autores do Novo Testamento – diz claramente: “Religião pura e sem mancha diante do Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27; 2ª leitura).

Mas, no tempo de Jesus, os “mestres da Lei” tinham perdido esse sentido de simplicidade. Complicaram a religião com observância que originalmente se destinavam aos sacerdotes. Clericalizavam a vida dos leigos. Queriam ser mais santos que o Papa! Chegavam a dizer que era mais importante fazer uma doação ao templo do que ajudar com esse dinheiro os velhos pais necessitados. Inversão total das coisas. Ajudar pai e mãe é um dos Dez Mandamentos, enquanto de doações ao templo os Dez Mandamentos nem falam. Declaravam também impuras montão de coisas. No templo, tudo bem, o bezerro ou o cordeirinho a ser oferecido tem de ser bonito, puro, sem defeito. Mas no dia-a-dia, a gente come o que tem e do jeito como pode. Sobretudo a gente pobre, os migrantes, como eram os amigos de Jesus. Contra todas essas invenções piedosas, Jesus se inflama. Não é aquilo que entra na gente _ e que é evacuado no devido lugar – que torna impuro, mas a malícia que sai de sua boca e de seu coração (Mc 7,18-23).

Jesus quis sempre ensinar o que Deus quer. A Lei era uma maneira para “sintonizar” com a vontade de Deus. E Jesus respeita a Lei, melhorando-a para torná-la mais de acordo com a vontade de Deus, que é o verdadeiro bem do ser humano. Isso é o essencial. O demais deve estar a serviço do verdadeiro bem da gente e não o impedir. A verdadeira sintonia com Deus, a verdadeira piedade é o amor a Deus e a seus filhos e filhas. Práticas piedosas que atravancam isso são doentias e/ou hipócritas.

Mais ainda que a Lei de Moisés em sua simplicidade original, a “religião de Jesus” deve brilhar por sua profunda sabedoria e bondade. Deve mostrar com toda a clareza o quanto Deus ama seus filhos e filhas ensinando-lhes a amarem-se mutuamente. Daí nossa pergunta: nossas práticas religiosas ajudam a amar mais a Deus e ao próximo, ou apenas escondem nossa falta de compromisso com a humanidade pela qual Jesus deu a sua vida?


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella