Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

1º Domingo do Advento

Primeiro domingo do Advento

À espera do “Senhor, nossa Justiça”

 

Frei Gustavo Medella

A Profecia de Jeremias, na 1ª Leitura deste 1º Domingo do Advento (Jr 33, 14-16) tem a força de um bálsamo restaurador para o Brasil que temos vivido e experimentado. Em vez de fome, desalento e desorganização, estamos carente do mundo de justiça descrito pelo profeta, no qual a população se encontra confiante. Precisamos restaurar nossa confiança, recuperar nossa alegria. Tudo isso podemos encontrar na bondade criativa e generosa de Deus, que faz a brotar a semente da justiça.

Que este Advento, mais uma vez, venha nos esperançar na caminhada rumo à reconstrução das relações pautadas na paz, na partilha e na concórdia. O Menino de Belém, cuja vinda estamos preparando, seja fonte das melhores forças das quais estamos muito necessitados. Vem, Senhor Jesus!


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas

Primeira Leitura: Jeremias 33,14-16

14“Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei cumprir a promessa de bens futuros para a casa de Israel e para a casa de Judá. 15Naqueles dias, naquele tempo, farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra. 16Naqueles dias, Judá será salvo e Jerusalém terá uma população confiante; este é o nome que servirá para designá-la: ‘O Senhor é a nossa justiça’”.

Palavra do Senhor.


Salmo Responsorial: 24(25)

Senhor meu Deus, a vós elevo a minha alma!

1. Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos / e fazei-me conhecer a vossa estrada! / Vossa verdade me oriente e me conduza, / porque sois o Deus da minha salvação! – R.

2. O Senhor é piedade e retidão / e reconduz ao bom caminho os pecadores. / Ele dirige os humildes na justiça, / e aos pobres ele ensina o seu caminho. – R.

3. Verdade e amor são os caminhos do Senhor / para quem guarda sua aliança e seus preceitos. / O Senhor se torna íntimo aos que o temem / e lhes dá a conhecer sua aliança. – R.


Segunda Leitura: 1 Tessalonicenses 3,12-4,2

Irmãos, 12o Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós. 13Que assim ele confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos. 4,1Enfim, meus irmãos, eis o que vos pedimos e exortamos no Senhor Jesus: aprendestes de nós como deveis viver para agradar a Deus e já estais vivendo assim. Fazei progressos ainda maiores! 2Conheceis, de fato, as instruções que temos dado em nome do Senhor Jesus.

Palavra do Senhor.


Evangelho: Lucas 21,25-28.34-36

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 25“Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas. 26Os homens vão desmaiar de medo só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas. 27Então eles verão o Filho do Homem vindo numa nuvem com grande poder e glória. 28Quando essas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. 34Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; 35pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra. 36Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem”.

Palavra da salvação.

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

1º Domingo do Advento

 Oração: “Ó Deus todo-poderoso, concedei a vossos fiéis o ardente desejo de possuir o reino celeste, para que, acorrendo com as nossas boas obras ao encontro do Cristo que vem, sejamos reunidos à sua direita na comunidade dos justos”.

  1. Primeira leitura: Jr 33,14-16

Farei brotar de Davi a semente da justiça.

O livro do profeta Jeremias, depois de denunciar os pecados dos governantes, sacerdotes e da classe dominante, tem uma parte de oráculos de esperança, chamada “Livro da Consolação” (Jr 30–33). A primeira secção (Jr 30–31) contém promessas de restauração para Israel do Norte. A segunda secção (Jr 32–33) traz textos de discípulos do profeta, que atualizaram as promessas de Jeremias depois do exílio e incluíram também Judá.

A leitura de hoje faz parte desta atualização, que renova e especifica as promessas. A promessa que Deus “fará germinar para Davi a semente (ou germe) da justiça” retoma a promessa de Jr 23,5-6 sobre o futuro rei e atualiza as palavras do profeta Isaías: “Um broto sairá do tronco de Jessé”, pai de Davi. Esse descendente de Jessé será um rei sábio e justo, cheio do espírito do Senhor (cf. Is 11,1-5). As palavras de nosso texto foram muito bem escolhidas para o início do Advento. Sete verbos no futuro caracterizam o texto como promessas cheias de esperança, que reanimam a fé e a confiança no Salvador que vem. “Virão dias”, refere-se à primeira vinda do Senhor, no Natal (Advento), que já está presente no meio de nós, e cuja segunda vinda aguardamos. Deus cumprirá a promessa feita a Israel e Judá, “fará brotar de Davi a semente da justiça”, um rei que “fará valer a lei e a justiça na terra”. Em consequência, o povo de Judá será salvo, Jerusalém terá segurança e a cidade será chamada “O Senhor é a nossa Justiça”.

Salmo responsorial: Sl 24

Senhor meu Deus, a vós elevo a minha alma!

  1. Segunda leitura: 1Ts 3,17–4,2

Que o Senhor confirme os vossos corações na vinda de Cristo. 

Acabamos de ouvir um trecho do mais antigo escrito do Novo Testamento. É Paulo que, pelo ano 50, escreve à comunidade de Tessalônica por ele fundada. Como outros cristãos dos primeiros decênios, Paulo esperava que logo acontecesse a segunda vinda do Senhor, como juiz dos vivos e dos mortos. Nesta mesma carta, o Apóstolo declara como palavra do Senhor: Quando “o próprio Senhor descer do céu, os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os vivos, que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares” (1Ts 4,16-17). Paulo não teme a segunda vinda do Senhor. Espera-a com amor, porque ama a Cristo e sente-se por ele amado. Quem espera com amor a vinda do Senhor, procura estar sempre preparado, vivendo “a santidade sem defeito aos olhos de Deus”. O Apóstolo lembra aos cristãos como devem preparar-se para a vinda do Senhor: “Aprendestes de nós como deveis viver para agradar a Deus”. São instruções dadas “em nome do Senhor”. Reconhece, com alegria, que eles já estão vivendo isso, mas podem progredir sempre mais. Estar bem preparado é viver a fé, a esperança e o amor.

Aclamação ao Evangelho: Sl 84

Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,

e a vossa salvação nos concedei!

  1. Evangelho: Lc 21,25-28.34-36

A vossa libertação está próxima.

No sermão apocalíptico de Marcos, evangelho escrito antes do ano 70, os discípulos perguntavam sobre o fim de Jerusalém e sobre o fim do mundo (Mc 13,4). Em Lucas, evangelho escrito depois do ano 70, a pergunta se concentra apenas na destruição de Jerusalém: “Quando isso acontecerá e qual o sinal de que irá começar a acontecer”? (Lc 21,7). O pequeno trecho do sermão de Lucas, que hoje ouvimos, não trata tanto do fim do mundo, mas da segunda vinda do Filho do Homem. Os sinais no céu, na terra e no mar, abalando todas as forças do céu, são um prenúncio da vida do Filho do Homem. Ante aos sinais pavorosos, os que não creem em Cristo se encherão de angústia e terror. Os que têm fé em Cristo vão esperar, confiantes, a vinda do Senhor: “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”.

O cristão deve esperar o Senhor como alguém muito querido e desejado. Quem espera, deve estar preparado, deve vigiar e orar. A esperança da segunda vinda do Senhor não deve paralisar o cristão. De fato, enquanto Jesus subia ao céu, os discípulos ficaram parados, com os olhos fitos no céu. Então dois anjos os acordam e dizem: “Por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que foi elevado ao céu de vosso meio, voltará assim como o vistes subir para o céu” (At 1,11). Em vez de ficar olhando para o céu, eles deviam voltar a Jerusalém, aguardar o dom do Espírito Santo e partir em missão.

O Advento prepara-nos para celebrar a primeira vinda do Senhor no Natal. João Batista nos convida à conversão para dignamente celebrarmos o Natal como festa cristã. As festas da Imaculada Conceição (08/12) e de Nossa Senhor de Guadalupe (12/12) convidam-nos a acolher com amor o mistério da encarnação do Filho de Deus como Salvador da humanidade.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Pronto para caminhar eternidade adentro

Frei Clarêncio Neotti

O cristão, porém, poderá ter outra atitude diante da morte, diante de seu fim de mundo, porque sua morte é encontro com o Salvador, que venceu a morte e a transformou em porta de glória (v. 27). O mesmo poder sobre a morte (v. 27) e a mesma esperança de glória Jesus reparte conosco: são frutos de sua Páscoa, de sua vitória. Essa certeza é suficiente para que o cristão enfrente a morte de cabeça erguida (v. 29), pronto para caminhar eternidade adentro, porque para o cristão, a morte é libertação (v. 28) e encontro face a face com Jesus (v. 36).

Diante da perspectiva da morte e para que ela possa ser uma páscoa libertadora, Jesus volta a insistir no tema da vigilância (v. 34 e 36). Quando ele vier, quer-nos encontrar vigilantes (v. 36). Essa vigilância consiste, por um lado, em ficarmos atentos à presença de Deus, às muitas vindas ‘intermédias’ de Cristo, e vivermos essa chegada e presença o mais intensamente possível. Por outro lado, consiste em não praticarmos o que obscurece a presença do Senhor, o que impede que sejamos morada agradável de Deus, o que impede que Deus nos faça frutificar. Jesus resume esses empecilhos no exagero da satisfação corporal, quando nos apegamos às coisas terrenas (v. 34). O Advento é justamente um tempo de reflexão de como estamos vivendo a espera do Senhor.

A melhor técnica para manter-nos vigilantes e na presença do Senhor é rezar (v. 36). Jesus usou essa técnica (Lc 22,41-42) e a ensinou (Lc 22,40). A oração alivia o coração (v. 34), dá força, coragem (v. 36) e nos acostuma a ficar diante de Deus de tal modo que, quando estivermos face a face com o Supremo Juiz, sintamo-nos à vontade, como quando estamos diante de um amigo confidente. Quando pensamos a morte como um fim de tudo, invade-nos o medo. Quando pensamos a morte como um encontro com o Senhor, nossa morte toma um sentido de Natal, porque nela nascemos para o Senhor.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Homens e mulheres de desejo

Frei Almir Guimarães

Determinou a Igreja com sabedoria que no tempo do advento recitemos as palavras dos que antecederam a primeira vinda do Senhor e revivamos os seus desejos. E não celebramos seu desejo só por um dia, mas por tempo mais prolongado, pois o objeto de nossos desejos, quando tarda, parece, ao chegar, mais doce, ao nosso amor ( Elredo de Rielvaux, abade).

É sempre bom, muito bom esperar. Esperar que o sol brilhe depois de dias de chuva e de neblina, esperar que doença dê uma trégua ou nos deixe de uma vez por todas, esperar que um filho tresloucado volte à casa para que se possa fazer a festa da volta. O vitelo gordo já está no quintal. É bom viver o tempo do advento. Parece que todos esses dias dezembro estão envolvidos nesse delicioso clima da espera. Quando se espera de verdade já se vive com o coração em festa.

Somos convidados a refazer interiormente a caminhada dos patriarcas e profetas que suspiravam e apontavam para a primeira vinda do Senhor. Advento, celebração das “vindas” do Senhor. Houve a primeira que se consumou no nascimento de Jesus. Esperamos uma segunda e definitiva de Deus no final dos tempos. Entre das duas há essas constantes irrupções do Ressuscitado em nossas vidas. Somos fortemente convidados à vigilância, a prestar atenção. Cuidado para nos vivermos o tempo da vida entorpecidos.

São Bernardo fala de uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma intermediária. Aquelas são visíveis, esta não. Na primeira apareceu na terra e conviveu com os homens. Na última e derradeira, no final dos tempos, todos verão a salvação de Deus e olharão para aquele que fora traspassado. “A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o veem, em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última virá com o esplendor da sua glória” ( Lecionário Monástico I, p. 55).

O tempo de Advento é um período em que cristãos e comunidades se preparam para bem viver as solenidades do tempo: natal do Senhor, festa da Mãe de Deus, epifania. O advento, no entanto, é muito mais do que isso. É tempo de espera, tempo de alimentar o desejo das coisas do alto, tempo de nutrir a convicção que o Senhor não nos abandona, mas que vem consolar o seu povo e, de fato, o consola.

As leituras proclamadas nos ofícios litúrgicos, na verdade, nos preparam para a primeira vinda do Senhor. Isaías é um dos nossos companheiros. Eis algumas de suas palavras tão fortes:
♦ o povo que andava nas trevas viu uma grande luz porque nasceu para nós um menino e um filho nos foi dado: ele se chamará príncipe da paz;
um broto sairá do tronco de Jessé e um rebento brotará de suas raízes;
lobo será hóspede do cordeiro e a criança de peito brincará junto à toca da serpente;
♦ então se abrirão os olhos dos cegos;
♦ haverá uma vereda, uma estrada santa, nela não existem leões nem animais predadores;
♦ os habitantes de Sião podem exultar de alegria porque é grande em seu meio o Santo de Israel.

Procuramos alimentar em nosso interior o desejo da vinda de Cristo em nossa vida, na vida da Igreja e na vida do mundo? Como alimentar o desejo da vinda de Deus? Como ficar atento?
Não nos ater apenas aos pormenores do presépio, mas saber que esse Menino veio instaurar um mundo novo de justiça, de amor e de fraternidade e que somos seus colaboradores.
Viver na vigilância significa não adotar posturas de ceticismo e de indiferença para com as coisas do Senhor e dos homens.
Não deixar que tome conta de nós e de nossas entranhas um estado de insensibilidade.
Tomar cuidado para que nossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez, das preocupações da vida, dos movimentos de fuga de nós mesmos.
Trata-se de rever nossa maneira de rezar. Trata-se de dizer inúmeras vezes por meio de nossas posturas que queremos ser colaboradores da obra daquele que amamos.
Cantar diariamente a cantiga do desejo: “Vem, Senhor Jesus, vem sem tardar!”

Texto para a reflexão

Não viver dormindo

Um dos riscos que nos ameaçam hoje é cair numa vida superficial, mecânica, rotineira, massificada… Não é fácil escapar. Com o passar dos anos, os projetos, as metas e os ideias de muita gente acabam apagando-se. Não poucos terminam levantando-se a cada dia só para “ir levando a vida” (…). O apelo de Jesus à vigilância nos chama a despertar da indiferença, da passividade, do descuido com que vivemos frequentemente nossa fé. Para vive-la de maneira mais lúcida precisamos conhece-la mais profundamente, confronta-la com atitudes possíveis perante a vida, agradecê-la e procurar vive-la com todas as suas consequências.
Pagola, Lucas, p. 213

Oração
SERÁ QUE ANDAMOS DANDO FLORES?
Uma maneira de andarmos despertos
Pequeno exame de consciência diário

Senhor, será que vivemos a jornada de hoje
de acordo com teus desejos?
Prestamos atenção aos que se aproximaram de nós?
Respondemos à esperança que eles depositavam em nós?
Abraçamos os que choravam?
Sorrimos de ternura até que eles, por sua vez,
também começassem a sorrir?
Demos flores antes do pão?
Podemos dizer que fizemos explodir tua alegria no rosto deles?
Fomos irmãos de nossos irmãos?
Se assim não fizemos que tu te dignes de nos perdoar.
Mesmo que tenhamos feito,
certamente ainda ficou faltando alguma coisa.
Dia a dia, incendeia nosso coração de amor!


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Para tempos difíceis

José Antonio Pagola

As profundas mudanças socioculturais que estão acontecendo em nossos dias e a crise religiosa que sacode as raízes do cristianismo no Ocidente nos devem urgir mais do que nunca a buscar em Jesus a luz e a força de que precisamos para ler e viver estes tempos de maneira lúcida e responsável.

Chamado ao realismo. Em nenhum momento Jesus augura aos seus seguidores um caminho fácil de êxito e glória. Pelo contrário, dá-lhes a entender que sua longa história será cheia de dificuldades e lutas. É contrário ao espírito de Jesus cultivar o triunfalismo ou alimentar a nostalgia de grandezas. Este caminho, que a nós parece estranhamente duro, é o mais condizente com uma Igreja fiel ao seu Senhor.

Não à ingenuidade. Em momentos de crise, desconcerto e confusão não é estranho ouvir mensagens e revelações propondo caminhos novos de salvação. Estas são as instruções de Jesus. Em primeiro lugar, “que ninguém vos engane”: não cair na ingenuidade de dar crédito a mensagens alheias ao Evangelho nem fora nem dentro da Igreja. Em segundo lugar, “não os sigais”: não seguir os que nos separam de Jesus Cristo, único fundamento e origem de nossa fé.

Concentrar-nos no essencial. Cada geração cristã tem seus próprios problemas, dificuldades e buscas. Não devemos perder a calma, mas assumir nossa responsabilidade. Não se nos pede nada que esteja acima de nossas forças. Contamos com a ajuda do próprio Jesus: “Eu vos darei palavras e sabedoria”. Inclusive num ambiente de rejeição ou desafeto podemos praticar o Evangelho e viver com sensatez cristã.

A hora do testemunho. Os tempos difíceis não devem ser tempos para as lamentações, a nostalgia ou o desânimo. Não é a hora da resignação, da passividade ou da omissão. A ideia de Jesus é outra: em tempos difíceis “tereis ocasião de dar testemunho”. É precisamente agora que precisamos reavivar entre nós o chamado a ser testemunhas humildes, mas convincentes, de Jesus, de sua mensagem e de seu projeto.

Paciência. É esta a exortação de Jesus para momentos árduos: “Por vossa perseverança salvareis vossas vidas”. O termo original pode ser traduzido indistintamente como “paciência” ou “perseverança’: Entre nós cristãos falamos pouco da paciência, mas precisamos dela mais do que nunca. É o momento de cultivar um estilo de vida cristã, paciente e tenaz, que nos ajude a responder a novos desafios sem perder a paz nem a lucidez.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

“Deus-nossa-justiça”: o nome de nossa cidade?"

Pe. Johan Konings

Hoje iniciamos, mais uma vez, um novo ano litúrgico. Cada ano litúrgico começa com o Advento – palavra que significa “vinda, chegada”, a chegada de Jesus Messias na festa de Natal, comemoração de seu nascimento. Desde o início deste novo ano, a liturgia suscita em nós a esperança da justiça de Deus que vai chegar. Justiça não significa simplesmente aplicar as leis da sociedade, pois essas nem sempre são justas (muitas vezes são feitas para justificar o direito do mais forte). Na Bíblia, justo é o que é bom e benfazejo conforme a vontade de Deus. A justiça é a vitória do projeto de Deus.

Na época do profeta Jeremias (1a leitura), Jerusalém era uma cidade em ruínas. Mas o profeta lhe anuncia um futuro melhor. A cidade chamar-se-á: “Deus nossa justiça”. É Deus quem o fará. Já o apóstolo Paulo, na 2a leitura, nos deseja crescimento na justiça, para sermos encontrados irrepreensíveis, quando Jesus vier de novo.

No evangelho, Jesus fala de “sinais terríveis no céu e na terra, anunciando a vinda do Filho do Homem”, isto é, Jesus mesmo, a quem Deus deu o poder sobre a humanidade (como aparece na visão do Filho do Homem em Dn 7,13-14). Isso não nos deve assustar. Pelo contrário! Se estivermos comprometidos com a justiça do Reino de Deus, poderemos “ficar em pé” diante dele. Se estivermos colaborando para que a nossa cidade se possa chamar ”justiça de Deus” – e não apenas “capital do boi” ou “das abóboras” -, a vinda do Filho do Homem será nossa grande alegria.

Por um lado, sabemos que o mundo é passageiro. Não é nosso último destino. Por outro lado, o que podemos fazer de nossa vida, o sentido que podemos dar à nossa vida, é neste mundo que o devemos fazer. O que importa, no fim de tudo, é o que fizermos neste mundo, a justiça e o amor que fizermos brotar nesta lavoura que é a história da humanidade – os frutos que Deus espera de nós. Por isso, Jesus nos lembra desde já a sua vinda, para que tenhamos sempre o verdadeiro fim diante dos olhos: “Deus nossa justiça”, o amor e a justiça de Deus tomando conta de tudo.

Isso não acontecerá sem a nossa participação. Deus faz aliança conosco. Somos os seus parceiros. Neste tempo do Advento, da chegada de Deus até nós, vamos colaborar com ele e realizar a nossa parte da aliança: justiça social, pão e direitos para todos; transformar os mecanismos falhos, as estruturas injustas de nossa sociedade; endireitar as relações com os nossos semelhantes, empenhar a nossa vida por nos tornarmos mutuamente irmãos de verdade, felizes, consolados, amparados…


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.