Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

19º Domingo do Tempo Comum

19º Domingo do Tempo Comum

Fome de quê?

 

Frei Gustavo Medella

“Eu sou o Pão da vida” (Jo 6,48). Na canção “Comida”, o grupo Titãs trata sobre as várias necessidades humanas e diz: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte”. No caso do ser humano, a fome não se restringe às necessidades de nutrição física, mas a algo que extrapola o âmbito do que pode ser percebido pelos sentidos e tocado. Trata-se de uma fome existencial, fome de sentido.

Esta reflexão, no entanto, não deseja de maneira alguma “minimizar” a fome física e real que, sempre que ocorre, é grave e urgente. Deve ser sanada de maneira imediata e incondicional. Tampouco o desejo é acenar para um dualismo simplista que contrapõe corpo e espírito e, consequentemente, as duas fomes, considerando a segunda como a única que importa.

Aderir a Cristo significa, portanto, abraçar o projeto do mundo sonhado por Deus ao enviar seu Filho para habitar conosco. Um mundo sem fome, de comida ou de sentido, porque sustentado por um sentido maior, o amor a Deus e ao próximo, que leva, necessariamente, à partilha, à solidariedade, ao cuidado, à justiça e à paz.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas deste domingo

Primeira Leitura: 1 Reis 19,4-8

Naqueles dias, 4 Elias entrou deserto adentro e caminhou o dia todo. Sentou-se finalmente debaixo de um junípero e pediu para si a morte, dizendo: “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor que meus pais”. 5 E, deitando-se no chão, adormeceu à sombra do junípero. De repente, um anjo tocou-o e disse: “Levanta-te e come!” 6 Ele abriu os olhos e viu junto à sua cabeça um pão assado debaixo da cinza e um jarro de água. Comeu, bebeu e tornou a dormir. 7 Mas o anjo do Senhor veio pela segunda vez, tocou-o e disse: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”. 8 Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites até chegar ao Horeb, o monte de Deus. – Palavra do Senhor.


Sl 33(34)
Provai e vede quão suave é o Senhor!
Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo, / seu louvor estará sempre em minha boca. / Minha alma se gloria no Senhor; / que ouçam os humildes e se alegrem! – R.
Comigo engrandecei ao Senhor Deus, / exaltemos todos juntos o seu nome! / Todas as vezes que o busquei, ele me ouviu / e de todos os temores me livrou. – R.
Contemplai a sua face e alegrai-vos, / e vosso rosto não se cubra de vergonha! / Este infeliz gritou a Deus e foi ouvido, / e o Senhor o libertou de toda angústia. – R.
O anjo do Senhor vem acampar / ao redor dos que o temem e os salva. / Provai e vede quão suave é o Senhor! / Feliz o homem que tem nele o seu refúgio! – R.


Segunda Leitura: Efésios 4,30-5,2

Irmãos, 30 não contristeis o Espírito Santo, com o qual Deus vos marcou como com um selo para o dia da libertação. 31 Toda amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de vós, como toda espécie de maldade. 32 Sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo. 5,1 Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. 2 Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de suave odor.
Palavra do Senhor.


“O Pão da Vida”
Evangelho: Jo 6,41-51

41 As autoridades dos judeus começaram a criticar, porque Jesus tinha dito: «Eu sou o pão que desceu do céu.» 42 E comentavam: «Esse Jesus não é o filho de José? Nós conhecemos o pai e a mãe dele. Como é que ele diz que desceu do céu?» 43 Jesus respondeu: «Parem de criticar. 44 Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o atrai, e eu o ressuscitarei no último dia. 45 Está escrito nos Profetas: ‘Todos os homens serão instruídos por Deus’. Todo aquele que escuta o Pai e recebe sua instrução vem a mim. 46 Não que alguém já tenha visto o Pai. O único que viu o Pai é aquele que vem de Deus.

47 Eu garanto a vocês: quem acredita possui a vida eterna. 48 Eu sou o pão da vida. 49 Os pais de vocês comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. 50 Eis aqui o pão que desceu do céu: quem dele comer nunca morrerá.»

Jesus é o pão que sustenta para sempre – * 51 E Jesus continuou: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá para sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida.»


* 35-50: Jesus se apresenta como aquele que veio de Deus para dar a vida definitiva aos homens. Seus adversários não admitem que um homem possa ter origem divina e, portanto, possa dar a vida definitiva.

* 51-59: A vida definitiva se encontra justamente na condição humana de Jesus (carne): Jesus é o Filho de Deus que se encarnou para dar vida aos homens, isto é, para viver em favor dos homens. A vida definitiva começa quando os homens, comprometendo-se com Jesus, aceitam a própria condição humana e vivem em favor dos outros. E Jesus dá um passo além: ele vai oferecer sua própria vida (carne e sangue) em favor dos homens. Por isso, o compromisso com Jesus exige que também o fiel esteja disposto a dar a própria vida em favor dos outros. A Eucaristia é o sacramento que manifesta eficazmente na comunidade esse compromisso com a encarnação e a morte de Jesus.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

19º Domingo do Tempo Comum

Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, a quem ousamos chamar de Pai, dai-nos cada vez mais um coração de filhos, para alcançarmos um dia a herança que prometestes”.

  1. Primeira leitura: 1Rs 19,4-8

Com a força que lhe deu aquele alimento,

caminhou até o monte de Deus.

O profeta Elias atuou no reino de Israel na primeira metade do séc. IX a.C. Enfrentou o rei Acab e sua esposa, a rainha Jezabel, que promoviam a religião de Baal, divindade pagã dos cananeus. Seguir a Baal era tornar-se infiel a Javé, o Deus que libertou os hebreus da escravidão do Egito. Elias combatia o programa oficial idolátrico e com isso atraiu as iras da rainha Jezabel, que jurou matá-lo. Apavorado com as ameaças, Elias foge para o deserto ao sul de Judá, cujo rei, Josafá, era então aliado de Acab. Na fuga, Elias refaz de modo inverso a caminhada de Israel pelo deserto rumo à terra prometida. No deserto, Israel murmurava contra os líderes, Moisés e Aarão, mas Deus na sua bondade providenciou água para o povo beber e o maná – “o pão descido do céu” – como alimento. Elias, por sua vez, chega ao deserto desanimado, a ponto de pedir a morte. Cansado de lutar em defesa do Deus da Aliança, deita-se à sombra de uma pequena árvore e adormece. Mas um anjo desperta Elias, por duas vezes, oferece-lhe pão e água e diz: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”. Revigorado por esse alimento providencial, andou quarenta dias e noites até o monte de Deus, Horeb. Sentiu-se atraído para esse lugar sagrado, onde Deus havia selado um pacto de amor e fidelidade com Israel.

Para quem tem fé, Jesus é o pão do céu enviado pelo Pai, pão que sustenta na caminhada da vida cristã e garante a vida eterna (Evangelho).

Salmo responsorial: Sl 33

Provai e vede quão suave é o Senhor.

  1. Segunda leitura: Ef 4,30–5,2

Vivei no amor, a exemplo de Cristo.

No domingo passado, o apóstolo Paulo nos convidava a despir o homem velho e vestir o homem novo, identificando-se assim com Cristo. Na exortação de hoje mostra como esta identificação com Cristo pode acontecer. Em primeiro lugar, não causar tristeza ao Espírito Santo, selo de amor com que fomos marcados no batismo. Em segundo lugar, evitar toda espécie de maldade que possa causar amargura, gritaria ou injúria às pessoas com as quais convivemos. Em terceiro lugar, ser bondoso, compassivo e perdoar a exemplo de Cristo, que nos amou e deu sua vida por nós. Assim, como filhos amados por Deus, seremos seus imitadores e discípulos (Evangelho). 

Aclamação ao Evangelho

 Eu sou o pão vivo descido do céu, quem deste pão come,

sempre há de viver. Eu sou o pão vivo descido do céu.

  1. Evangelho: Jo 6, 41-51

Eu sou o pão que desceu do céu.

No domingo passado Jesus se apresentava aos judeus como o verdadeiro pão do céu, que dá vida ao mundo. O Pai – e Ele mesmo – é que dará este pão aos que nele crerem. Então os judeus pediram: “Dá-nos sempre desse pão”. Em resposta Jesus questionava a fé deles porque não reconheciam que Ele veio de Deus. A vontade do Pai é que todos os que creem no Filho ressuscitem e tenham a vida eterna.

No texto de hoje, os judeus parecem ter entendido o sentido simbólico do pão. Mas põem em dúvida que Jesus veio de Deus, pois todos o conheciam como o filho de José e conheciam sua mãe. Jesus responde que, para terem a vida eterna (ressurreição), é necessário que o Pai os atraia. Mas para ser atraído pelo Pai é preciso conhecê-lo. Em princípio, Deus quer atrair todas as pessoas, porque “todos serão ensinados por Deus”. O caminho para isso é tornar-se discípulo para ser ensinado por Jesus, pois Ele é quem revela a face do Pai: “Se conhecêsseis a mim, conheceríeis também a meu Pai” (Jo 8,19). Ser atraído pelo Pai, portanto, é conhecer a Jesus e segui-lo como discípulo: “Conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai” (10,14-15). Os hebreus que comeram o maná no deserto todos morreram. Mas quem comer desse pão descido do céu jamais morrerá. Por fim, Jesus identifica-se com esse pão que ele mesmo dará: “Eu sou o pão vivo descido do céu… E o pão que eu darei é minha carne dada para a vida do mundo”. Essa frase aponta para a Eucaristia e será o início do evangelho do próximo domingo. Portanto, o Filho de Deus encarnado é o pão vivo que nos alimenta pela sua palavra e pela Eucaristia. Na celebração da missa, fazemos a memória da morte de Jesus pela nossa salvação e, ao mesmo tempo, a memória do que ele fez durante sua vida pública. “Fazei isto em memória de mim”.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

O próprio Senhor será o mestre do povo

Frei Clarêncio Neotti

Os judeus aceitavam a autoridade dos profetas mortos, ao menos formalmente. Jesus apela para o argumento da autoridade e cita (v. 45) um texto adaptado de Isaías ou de Jeremias. Na nova Jerusalém (quando viesse o Salvador), “to
dos serão discípulos do Senhor” (Is 54,13). “Quando eu fizer a aliança nova … ninguém ensinará, porque todos me reconhecerão, dos maiores aos menores, … já que escreverei a minha lei em seu coração” (Jr 31,33-34). Os tempos chegaram. Os que ali escutavam Jesus ouviam o próprio Deus e dele eram discípulos. E porque só ele “está junto de Deus” (v. 46), só ele é a voz do Pai. E está dizendo, com toda a autoridade, que veio do céu como enviado do Pai para dar a vida eterna aos homens, e essa vida é dada pela comida de sua carne (v. 51). Mas não é o comer eucarístico que dá a vida, mas a fé no Senhor Jesus (v. 47).

Ainda uma observação. Neste capítulo, fala-se muito em ‘vida eterna’. Eterno, aqui, não quer dizer só a vida depois da morte. Tanto indica a vida depois da morte quanto a vida presente, porque ‘eterno’, aqui, é sinônimo de ‘divino’. Quem
crê participa, já na vida presente, da vida divina. No capítulo anterior, Jesus dissera: “Quem escuta a minha palavra tem a vida eterna” (Jo 5,24). O verbo no presente refere-se à vida de agora, que se torna vida divina pela vivência crística. A palavra ‘vivência’ traduz bem o ‘escutar’ do Evangelho de João.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Vamos juntos à Ceia do Senhor

Frei Almir Guimarães

♦ Missa, missa de domingo. Será que as pessoas que frequentam nossos templos sabem o que estão fazendo? Por que a missa é importante para nós cristãos? Estas expressões soam bem aos nossos ouvidos “eletrônicos”: ceia do Senhor, missa, pão da vida, comunhão??? Muitos continuam belamente fiéis à celebração do domingo, dia da páscoa do Senhor. Há os que deixaram a prática regular. Dizem que “rezam” a seu jeito. Os evangelhos dos últimos domingos estão a dizer constantemente que Jesus é o Pão da vida. Esta expressão ressoa de verdade dentro de nós?

♦ Domingo. Penso num domingo sem pandemia, sem máscaras, sem lugares marcados para se sentar, domingo com abraço da paz, todos proximamente misturados. Pena que os sinos não toquem mais ou muito pouco. Sinos que chamam para a missa. Dia de missa. Domingo sem missa não é domingo.

♦ Uns e outros vão chegando. Nos tempos antigos usávamos uma roupa melhor. Roupa de ir à missa. Voltando à casa trocávamos por aquela “roupa de andar em casa”. Jovens, crianças, pessoas maduras e os que vão declinando vão chegando. Todos juntos. Juntos. Sempre juntos. Ceia de todos. Os excluídos são incluídos. Encontro dos discípulos para depois continuarem seu ir pelo mundo… Momento de refazer as forças. Momento de fé alegre. Ele está no meio de nós.

♦ Não entramos na igreja ou na capela sem nada. Antes de tudo trazemos nossas perguntas. Não esperamos respostas imediatas para todas, mas elas entram conosco. Deixando a cama numa manhã de frio ou a televisão no cair do dia, o que buscamos, o que viemos ai fazer, o que nos leva a participar da missa? Queremos, quem sabe, fazer com que o tempo pare e esta pausa nos ajude a respirar. Perguntas e mais perguntas: O que vamos nos tornando? O que é existir? Por que a doença? Por que a morte das pessoas que amamos? Com o decorrer do tempo será que acertamos na vida? Para que esses dias que vivo? Para quem eu conto de verdade? A quem farei falta quando morrer? Que esperamos de Deus e o que ele espera de nos? Pedimos perdão. Que o Senhor nos ajude a sermos limpos por dentro. Vamos nos alimentar de duas mesas: a mesa da palavra e a mesa do pão. Precisamos ter um coração humilde e a certeza de que o Senhor nos perdoa. Piedade, Senhor, piedade.

Palavra da Escritura. Leituras que alimentaram gerações e gerações. Livros históricos, fala mansa ou tonitruante dos profetas, mensagens melodiosas dos salmos. Sobretudo as palavras de Jesus nos evangelhos e as cartas dos apóstolos. Leituras difíceis. Para nossos ouvidos, algumas delas estranhas. Chegam todas aos nosso ouvidos. Sobretudo os ouvidos internos. O Espírito ilumina o corações dos que querem ser do Senhor. Queremos força. Dispomo-nos a ouvir. Esperamos que a homilia nos ajude a entender. Leituras difíceis. Mas estamos presentes. Fala, Senhor… Se ele não falar que sons ouviremos, que convites nos serão feitos, o que que vai ressoar em nossa vida? Palavra de vida, do Senhor, da salvação. “Eu sou o Bom Pastor”. “Vinde a mim todo vós que vos sentis cansados, e eu vos aliviarei”. “Teus pecados te são perdoados. Vai em paz”. “Hoje mesmo estarás conosco no paraíso”.

Juntos nos alimentamos. Esperamos que os aparelhos de som estejam à altura da Palavra, que os leitores tenham voz clara e boa dicção, que os ministros da Palavra falem na força do Espírito e possam levar o alimento à nossa vida e não apenas aos nossos ouvidos.

Mesa bonita. Toalha branca. Castiçais. A cruz do Senhor. Renovação da ceia do Senhor: apresentação das ofertas, memória da ceia de Jesus, comunhão eucarística.

Nos tempos antigos as pessoas portavam de suas casas o pão para a eucaristia. Traziam também alimentos que eram destinados aos pobres da comunidade. Hoje o pão se reduziu a um muito pouco de farinha e água. Pão fruto da terra e do trabalho do homem. Vida história de cada um. Labor, canseiras, vida, sonhos, projetos, aperto do coração. Não chegamos de mãos vazias. O que trazemos será misturado ao Pão que é Cristo. Nosso pão misturado Ele.

Na véspera de sua paixão ele havia reunidos os seus. Era a Ceia do adeus. Depois de lavar os pés dos apóstolos retomou o manto. Ele, no vigor de sua missão, percebe que os fatos se aceleravam. “Este pão é meu corpo. Tomai e comei. Fazei isso em memória de mim”. O pão de trigo que trazemos e o vinho da videira se tornam um sinal forte dele. É o pão da terra, nosso pão que se juntam aquele que desceu do céu e se tornou o pão dos viajantes. Os que vivem dele, desse Cristo, os que se tornam com ele pão para os outros possuem a vida. O dom do pão se mistura com o dom do corpo de Cristo no alto da cruz. Tudo é dadiva. Este pão e meu corpo. Meu corpo feito trigo moído para que se torne alimento dos peregrinos. Que beleza na linguagem dos símbolos atualizar a ceia e a paixão. Essa memória do Senhor precisa ser feita. Melhor dizendo, precisamos dela.

Finalmente entramos em comunhão com o pão branco que é o Cristo vivo. Aos que estão se vestindo do evangelho, os que experimentam fome de Deus, é dado o pão que veio dos céus, pão que veio para vida do mundo. Comunhão com o pão que é comunhão na vida com Cristo e o seu Espírito. Vivendo nesta comunhão sacramental é ele que vive em nos. Comunhão com o Senhor. Permitir que ele atue em nós e nos com ele. Ter a certeza que carregamos vida a fora nosso corpo dado e sangue derramado com ele.]


Para sua reflexão e meditação

O pão de Deus
Desde sempre o homem teve necessidade de Deus. É a fome que faz com sua impotência se volte para a onipotência. Quando advém a provação de uma grande carestia, uns blasfemam, outros procuram o pão de Deus. Todo pão vem de Deus, pão do corpo e alimento da alma. Toda alegria também. Deus deu à criatura uma vocação para o pão e a alegria de consumi-lo. Toda alegria humana se assemelha a esta alegria essencial.

A “vocação” para o pão para o corpo não se separa das aspiração pelo pão da alma. A Igreja quer as pessoas encontrem tanto um quanto o outro. Sempre o quis. Sofrem quando as pessoas passam falta de um ou de outro.

Seu tivesse vivido no I século cristão teria visto os cristãos colocar em comum o pão material e em comum partir o pão espiritual “com alegria e simplicidade de coração”.

Se ti esse vivido II século, teria ouvido as claras palavras de mártir Justino a respeito do pão eucarístico “no qual assimilamos a carne e o Sangue do Senhor”.

Seu tivesse conhecido Orígenes, no III século teria lido, em sua escrita de fogo, suas palavras a respeito “deste pão incrível com o qual podemos alimentar nossa alma.

Se tivesse chegado mais tarde, teria ouvido Gregório de Nazianzo, Ambrósio, Agostinho e tantos outros: “Comei esta carne, bebei este sangue” . “Nada podeis crer de mais seguro, nada receber de melhor.
Josse Alzin


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Escutar a voz de Deus na consciência

José Antonio Pagola

Jesus está discutindo com um grupo de judeus. Num determinado momento, faz uma afirmação de grande importância: “Ninguém pode vir a mim se o Pai não o atrair”. E mais adiante continua: “Quem ouve o Pai e é instruído por Ele, vem a mim”.

A incredulidade começa a brotar em nós desde o momento em que começamos a organizar nossa vida de costas para Deus. Simplesmente isto. Deus vai permanecendo aí como algo de pouca importância, acantonado em algum lugar esquecido de nossa vida. É fácil então viver ignorando a Deus.

Mesmo nós que nos dizemos crentes estamos perdendo a capacidade para escutar a Deus. Não que Deus não fale no fundo das consciências. É que, cheios de ruídos e autossuficiência, já não sabemos mais perceber sua presença calada em nós.

Talvez seja esta a nossa maior tragédia. Estamos expulsando Deus de nosso coração. Resistimos a escutar seu chamado e nos ocultamos de seu olhar amoroso. Preferimos “outros deuses” com quem viver de maneira mais cômoda e menos responsável.

Mas, sem Deus no coração, ficamos como que perdidos. Já não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos. Não reconhecemos o que é o essencial e o que é pouco importante. Cansamo-nos buscando segurança e paz, mas nosso coração continua inquieto e inseguro.

Fizeram-nos esquecer que a paz, a verdade e o amor são despertados em nós quando nos deixamos guiar por Deus. Tudo adquire então nova luz. Tudo começa a ser visto de maneira mais amável e esperançosa.

O Concílio Vaticano II fala da “consciência” como “o núcleo mais secreto” do ser humano, o “sacrário” no qual a pessoa “se sente a sós com Deus”, um espaço interior onde “a voz de Deus ressoa em seu recinto mais íntimo”. Descer até o fundo desta consciência para escutar os anseios mais nobres do coração é o caminho mais simples para escutar a Deus. Quem ouve essa voz interior se sentirá atraído para Jesus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Jesus, Pão descido do céu

Pe. Johan Konings

Continuamos nossa meditação sobre o capítulo 6 de João, que constitui o fio das leituras dominicais por este tempo. No domingo passado, Jesus se apresentou como o pão descido do céu, com palavras que lembravam as declarações de Isaías sobre a palavra e o ensinamento de Deus. Hoje aprofundamos o sentido disso. Jesus é alimento da parte de Deus por ser a Palavra de Deus (Jo 1,1), que nos faz viver a vida que está nas mãos de Deus – a vida que chamamos de “eterna”. (Esta não é mero prolongamento indefinido de nossa vida terrestre, o que não valeria a pena, mas é “de outra categoria”: da categoria de Deus mesmo. Neste sentido, vida eterna e vida divina são sinônimos).

Jesus nos alimenta para essa vida divina por tudo aquilo que ele é e fez. Sua vida é o grande ensinamento que nos encaminha na direção do Pai. Na antiga Aliança, Moisés e seus sucessores ensinavam o povo, mas nem sempre de melhor maneira. Agora, realiza-se a Nova Aliança, em que todos se tornam discípulos de Deus (Jo 6,45; Jr 31,33; Is 54,13). Quem escuta Jesus, que é a Palavra de Deus em pessoa, não precisa mais de intermediários (Jo 1,17). Ninguém jamais viu Deus, a não ser aquele que desce de junto dele, o Filho que no-lo dá a conhecer (6,46; cf. 1,18). Jesus conhece Deus por dentro. Escutando Jesus, aprendemos a conhecer Deus, sem mais intermediários.

Escutar Jesus alimenta-nos para a vida com Deus, para sempre. Ora, João diz que quem crê já tem a vida eterna (5,24). Como é essa vida eterna, divina? Será talvez esse bem-estar incomparável que sentimos quando ficamos mortos de cansaço por nos termos dedicado aos nossos irmãos até não poder mais? Quando arriscamos nossa vida na luta pela justiça e o amor fraterno. Quando doamos o melhor de nós, material e espiritualmente. A felicidade de quem dá sua vida totalmente. Pois é isso que Jesus nos ensina da parte de Deus. E porque ele fez isso, ele é o ensinamento de Deus em pessoa.

Para Israel, o ensinamento de Deus está na Escritura e na tradição dos mestres: é a Torá, a “Instrução” (termo traduzido de modo inadequado por “Lei”). Para nós, a Torá viva é Jesus.

Sabemos que o tipo de vida que Jesus nos mostra e ensina é endossado por Deus, como ele comprovou ressuscitando seu filho dentre os mortos. É a vida que Deus quer. E o pão que alimenta essa vida é Jesus. Alimenta-a pela palavra que falou, pela vida que viveu, pela morte de que morreu: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu…. O pão que eu darei é minha carne dada para a vida do mundo”(6,51, evangelho do próximo dom.).


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella