Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

18º Domingo do Tempo Comum – A

18º Domingo do Tempo Comum

Ilusão destruidora e ridícula

 

Frei Gustavo Medella

A ilusão – ainda que inconsciente – da imortalidade tem sido causa de grandes desgraças na vida do ser humano e da humanidade. Trata-se de uma postura delirante que, no tempo presente, se mostra destruidora e, considerada em retrospectiva, manifesta-se ridícula: “Vaidade das vaidades”…

Destruidora no presente porque leva a uma visão enganosa da pessoa em relação a si mesma e aos bens da natureza. Quem não se dá conta de sua própria finitude tem grande tendência de estender sua compreensão em relação aos bens criados, explorando-os em próprio benefício como se também fossem inesgotáveis. Levar a sério e acreditar em tal delírio torna a pessoa cega para perceber que sua pretensa vida imortal se constrói à custa da morte da natureza e de seus semelhantes. É uma loucura!, conforme adverte Jesus no Evangelho deste 18º Domingo do Tempo Comum (Lc 12,13-21).

Ridícula quando olhada sob o prisma do passado porque revela a perecibilidade de tudo que a seu tempo parecia de fundamental importância e agora não passa de cacareco, tranqueira, quinquilharia: o carro de último tipo, hoje, não sai mais do lugar: virou ferro velho; as muitas mãos que lhe davam tapinhas nas costas foram rareando à medida que o dinheiro foi ficando escasso; a fortuna guardada sob o colchão, hoje, não passa de um amontoado de papel velho todo comido pela traça que nem para acender fogão a lenha serve mais.

Seguir o conselho de Jesus e perceber que a vida do ser humano não consiste na abundância de bens é sinal de maturidade na fé e na vida, agraciando quem assim compreende a própria existência com a sabedoria de investir suas melhores forças nos bens que não passam: o companheirismo, a solidariedade, o cultivo de relações de respeito, a prática gratuita e desinteressada do bem, o desejo de caminhar em proximidade com o Senhor. Estes são os valores que permanecem com a pessoa na eternidade, depois de seu último suspiro sobre a terra. Nem sempre é fácil aprender essa lição. Os tombos da vida, às vezes, ensinam. O melhor é pedir a Deus a graça de perceber o quanto antes que o Papa Francisco tem razão quando diz que nunca viu cortejo fúnebre acompanhado de caminhão de mudança.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2011 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Ecl 1,2;2,21-23

2“Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”. 2,21Por exemplo: um homem que trabalhou com inteligência, competência e sucesso, vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou. Também isso é vaidade e grande desgraça. 22De fato, que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol? 23Toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite repousa o seu coração. Também isso é vaidade.


Responsório: Sl 89

— Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós.

— Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós.

— Vós fazeis voltar ao pó todo mortal,/ quando dizeis: “Voltai ao pó, filhos de Adão!”/ Pois mil anos para vós são como ontem,/ qual vigília de uma noite que passou.

— Eles passam como o sono da manhã,/ são iguais à erva verde pelos campos:/ de manhã ela floresce vicejante,/ mas à tarde é cortada e logo seca.

— Ensinai-nos a contar os nossos dias,/ e dai ao nosso coração sabedoria!/ Senhor, voltai-vos! Até quando tardareis?/ Tende piedade e compaixão de vossos servos!

— Saciai-nos de manhã com vosso amor,/ e exultaremos de alegria todo o dia!/ Que a bondade do Senhor e nosso Deus/ repouse sobre nós e nos conduza!/ Tornai fecundo, ó Senhor, nosso trabalho.


Segunda Leitura: Cl 3,1-5.9-11

Irmãos: 1Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; 2aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. 3Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus.

4Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória.

5Portanto, fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria.

9Não mintais uns aos outros. Já vos despojastes do homem velho e da sua maneira de agir 10e vos revestistes do homem novo, que se renova segundo a imagem do seu Criador, em ordem ao conhecimento.

11Aí não se faz distinção entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo em todos.


A vida é dom de Deus

Evangelho:  Lc 12,13-21

-* 13 Do meio da multidão, alguém disse a Jesus: «Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo.» 14 Jesus respondeu: «Homem, quem foi que me encarregou de julgar ou dividir os bens entre vocês?» 15 Depois Jesus falou a todos: «Atenção! Tenham cuidado com qualquer tipo de ganância. Porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a sua vida não depende de seus bens.» 16 E contou-lhes uma parábola: «A terra de um homem rico deu uma grande colheita. 17 E o homem pensou: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. 18 Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir outros maiores; e neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. 19 Então poderei dizer a mim mesmo: meu caro, você possui um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma e beba, alegre-se!’ 20 Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?’ 21 Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico para Deus.»


* 13-21: No caminho da vida, o homem depara com o problema das riquezas. Jesus mostra que é idiotice acumular bens para assegurar a própria vida. Só Deus pode dar ao homem a riqueza que é a própria vida.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Comentários do exegeta Frei Ludovico Garmus

18º Domingo do Tempo Comum, ano C

 Oração: “Manifestai, ó Deus, vossa inesgotável bondade para com os filhos e filhas que vos imploram e se gloria de vos ter como criador e guia, restaurando para eles a vossa criação e conservando-a renovada”.

  1. Primeira leitura: Ecl 1,2; 2,21-23

Que resta ao homem de todos os seus trabalhos?

A palavra de Deus que ouvimos na primeira leitura é de um autor do 3º séc. III a.C., chamado Eclesiastes ou Coélet. Era um sábio que instruía o povo, ao ar livre, como os filósofos gregos ambulantes de seu tempo. É um homem de fé, mas de uma fé adulta e questionadora, em busca do sentido da vida. Como outros livros sapienciais (Provérbios, Cânticos, Eclesiástico e Sabedoria), o autor recolhe a sabedoria recebida de sua família, somada à própria experiência de vida e à sabedoria de outros sábios, em busca de princípios para uma vida feliz aqui na terra. A fé judaica do tempo de Coélet ainda não tinha desenvolvido a crença na vida eterna. Pensava-se que as pessoas justas e piedosas que observassem a Lei seriam recompensadas neste mundo com as “bênçãos” divinas, como vida longa, riquezas, vida longa e muitos filhos. Coélet questiona tudo, até as recompensas divinas aqui na terra. O texto ouvido começa com um refrão “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. Melhor seria traduzir como “ilusão, pura ilusão, tudo é ilusão”. À luz deste refrão, o sábio questiona todas as “certezas” que a religião judaica lhe oferecia. Todos, bons e maus, morrem e vão parar no xeol, isto é, na morada dos mortos. O “Credo” que recitamos lembra que Jesus, ao morrer na cruz, também foi parar na “mansão dos mortos”, mas ao 3º dia ressuscitou e resgatou todos os mortos do xeol para julgá-los e para dar a vida eterna aos bons. Mas, em Israel, ainda não havia uma crença na vida após a morte. Para o sábio o trabalho no esforço de acumular riquezas nesta vida (Evangelho) não traz felicidade. A qualquer hora a pessoa pode morrer, sem gozar da felicidade, deixando os bens para quem nada fez para os merecer. De certa forma, ao descartar a felicidade nos limitas da vida presente, o sábio vislumbra uma felicidade para além da morte.

Salmo responsorial: Sl 89

Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós.

  1. Segunda leitura: Cl 3,1-5.9-11

Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo.

Domingo passado, Paulo lembrava que, pelo Batismo, o cristão morre para o pecado, para ressuscitar com Cristo para uma vida nova. “Deus nos trouxe para a vida, junto com Cristo, e a todos nós perdoou os pecados”. Hoje continua a refletir sobre as consequências para a vida cristã. Pelo Batismo e pela fé o cristão é convidado a voltar-se para “as coisas do alto, onde está Cristo” ressuscitado. Pela fé, “nossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Quando Cristo voltar para julgar os vivos e os mortos, nós também apareceremos revestidos da glória do Cristo ressuscitado. Após esta reflexão, Paulo exorta os cristãos a viverem uma vida que corresponda à fé. Isso significa morrer para tudo o que pertence às coisas terrenas que levam ao pecado (homem velho), como os vícios e a cobiça dos bens terrenos (Evangelho), para se revestir do “homem novo”, chamado a se renovar “segundo a imagem do seu Criador”. Isto é, Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Para realizar este projeto original de amor, Deus enviou o seu Filho, que se encarnou no seio da Virgem Maria. O Filho de Deus assumiu a natureza humana para nos fazer participantes de sua natureza divina. Esta é a resposta cristã aos questionamentos de Coélet (1ª leitura) sobre em que consiste a felicidade do ser humano. Pela fé, nossa felicidade/vida está “escondida, com Cristo, em Deus”. Na Carta aos Hebreus se diz: “A fé é fundamento do que se espera e a prova das realidades que não se veem” (Hb 1,1). O fundamento e a prova da fé são o próprio Cristo ressuscitado.

Aclamação ao Evangelho: Mt 5,3

Felizes os humildes de espírito,

Porque deles é o Reino dos Céus.

  1. Evangelho: Lc 12,13-21

E para quem ficará o que tu acumulaste?

No Evangelho de Lucas Jesus é Aquele que veio anunciar a boa-nova aos pobres (Lc 4,18-19). O trecho que ouvimos Lucas traz sentenças de Jesus sobre pobreza e riqueza. Jesus estava ensinando, cercando pela multidão, quando alguém grita do meio da multidão: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. E Jesus responde: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?” Fiel ao programa lançado na sinagoga de Nazaré, Jesus se nega a se fazer de juiz. Pela sua prática e ensinamento Jesus estabelece os princípios para viver o Reino de Deus que anuncia. Veio para anunciar a boa-nova aos pobres e ensina a partilhar ou dividir os bens. Basta lembrar o milagre da “multiplicação” dos pães e peixes. O verdadeiro milagre não é a multiplicação, e sim, a “divisão” dos pães… Os primeiros cristãos assim o entendiam, conforme Lucas diz: “Tudo entre eles era comum” (At 4,32). Jesus critica a ganância/cobiça e ensina: “vida de um homem não consiste na abundância de bens” (cf. 1ª leitura). E aprofunda o ensinamento com a parábola do homem que fez uma grande colheita, construiu amplos armazéns e pensava: agora posso comer, beber, descansar e aproveitar a vida. Mas Deus o chama de “louco”, insensato, porque na mesma noite haveria de morrer. E conclui com a sentença: “Onde estiver vosso tesouro, aí estará também vosso coração” (v. 34).

Exemplos do dia a dia nos ensinam que a “esperteza” (sabedoria?) em levar vantagem à custa dos pobres na realidade é tolice. A riqueza não traz felicidade, diz o provérbio. Quando a riqueza do cristão está na partilha com os necessitados, sua felicidade já está escondida com Cristo em Deus (2ª leitura).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Cobiça e avareza

Frei Clarêncio Neotti

O episódio que lemos hoje só Lucas o traz. Aproveitando um fato acontecido numa das roças da Galileia, Jesus mostra a fragilidade da ganância e completa o ensinamento com uma parábola de advertência sobre a precariedade das riquezas.

Não é de estranhar o pedido feito a Jesus. Segundo a Lei de Moisés para os camponeses, o filho mais velho, além de herdar a casa e o terreno sozinho, herdava ainda dois terços dos bens móveis. É provável que a briga estivesse em torno do terço sobrante. Nesses casos, recorria-se ao doutor da lei também chamado legisperito, uma mistura de advogado, teólogo e juiz. Vemos, então, que Jesus era considerado pelo povo como um advogado, como alguém que sabia das coisas e podia dar uma solução justa. Mas Jesus, evitando, tomar o lugar dos juristas, para que ninguém pudesse acusá-lo de usurpar poderes, fala da cobiça e da avareza.

O episódio era muito propício à lição. Alguém herdara todos os bens, menos uma pequena parte, que devia ser repartida entre os irmãos, e negava-se a fazê-lo, porque queria a herança inteira para si. Uma ganância forte, que não só feria os direitos dos outros, mas também, e sobretudo, o amor fraterno, sobre o qual Jesus queria construir o novo povo de Deus.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A indescritível alegria da partilha

Frei Almir Guimarães

Para dar certo na vida não basta passar bem. O ser humano não é apenas um animal faminto de prazer e de bem-estar. Ele é feito também para cultivar o espírito, conhecer a amizade, experimentar o mistério do transcendente, agradecer a vida, viver a solidariedade. (José Antonio Pagola)

  • Não há dúvida o homem é mais do que seus bens, sua conta bancária, seus recursos econômicos. As palavras de José Antonio Pagola mencionadas norteiam nossa reflexão, a maneira de nos posicionar diante dos bens. De graça recebemos, de graça damos. Nossa existência é partilha não somente de bens materiais, mas sobretudo de nós mesmos, do melhor que brotou dentro de nós com nosso contato com a fé e nossa convivência com Cristo ressuscitado ao longo do caminho da vida.
  • O homem da parábola teve muita sorte na vida. Teve grande colheita. O agronegócio deu certo. A terra, a chuva, o tempo clemente foram lhe sorrindo. Com tanta abundância precisou pensar em levantar novos galpões e amplos celeiros. E assim, garantido, podia aproveitar a vida “Eu poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita”.
  • Os bens materiais são necessários para que possamos levar a uma vida digna: casa decente, roupa para o corpo, alimento para a mesa, férias para o espírito e o corpo. Não somos espíritos desencarnados. Os bens materiais, os avanços da técnica, os sucessos das pesquisas médicas tudo vem em benefício do ser humano e em respeito pela sua dignidade. Lutamos e lutaremos para que os mais desfavorecidos possam, o mais breve possível, ter os recursos para que levem uma vida digna e tenham mesmo a abundância das coisas necessárias.
  • A sociedade de consume pode, no entanto, olhar com muita paixão os bens materiais, o desejo de ter, de ter sempre mais. A sociedade da produtividade, da concorrência da pressa vai nos esterilizando por dentro. Vamos colocando nossa convicção no poder, no prestígio, no lucro, no ter mas e até mesmo nem sempre um ter lícito e esquecendo-se somos companheiros de viagens de tantos e tantas que carecem de tudo.
  • Somos mistérios ambulantes. Não somos donos de nossa vida. Alguém nos inventou. Somos hóspedes na humanidade. Somos com os outros. Só somos com os outros. Deles dependemos e eles dependem de nós numa interminável cadeia de solidariedades. Com a mãe e o pai, com a escola e os amigos, com o pão e a água, o sol e a chuva. Juntos. Debaixo de um mesmo guarda-chuva. Levantando os caídos, ajudando os velhos a andarem, fazendo com que os casados aprendam se estimar. Partilha de vida, do tempo, das riquezas que Deus coloca dentro de cada um. Partilha dos bens com os de perto e os de longe. Engajamentos em campanhas que promovam uma distribuição sadia dos bens e  combata toda forma de corrupção.
  • Palavras de José Antonio Pagola: “O dinheiro pode dar poder, fama, prestígio, segurança, bem-estar… mas na medida em que escraviza a pessoa, fecha-a para Deus Pai e faz esquecer a condição de irmão e a leva a romper a solidariedade com os outros. Deus não pode reinar na vida de que está dominado pelo dinheiro. A raiz profunda está em que as riquezas despertam em nós o desejo insaciável de ter mais. E então cresce na pessoa a necessidade de acumular, capitalizar e possuir sempre mais (Pagola, Lucas p. 206).

    Oração

Converte-me primeiro a mim
para que eu comunique a outros a Boa Notícia.
Dá-me a audácia.
Neste mundo cético e autossuficiente
tenho vergonha e medo.
Dá-me esperança.
Nesta sociedade receosa e fechada,
eu também tenho  pouca confiança nas pessoas.
Dá-me amor.
Nesta terra insolidária e fria,
eu também sinto pouco amor.
Dá-me constância.
Neste ambiente cômodo e superficial
eu também me canso facilmente,
Converte-me primeiro a mim
para que eu comunique a Boa Notícia

(P.Loidi)


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1956, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Lucidez de Jesus

 José Antonio Pagola

Um dos traços mais chamativos na pregação de Jesus é a lucidez com que soube desmascarar o poder alienante e desumanizador que se encerra nas riquezas.

A visão de Jesus não é a de um moralista preocupado em saber como adquirimos nossos bens e como os usamos. O risco de quem vive desfrutando suas riquezas é esquecer sua condição de filho de um Deus Pai e irmão de todos.

Daí seu grito de alerta: “Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro”. Não podemos ser fiéis a um Deus Pai que busca justiça, solidariedade e fraternidade para todos, e ao mesmo tempo viver pendentes de nossos bens e riquezas.

O dinheiro pode dar poder, fama, prestígio, segurança, bem-estar… mas, na medida em que escraviza a pessoa, fecha-a a Deus Pai, a faz esquecer sua condição de irmão e a leva a romper a solidariedade com os outros. Deus não pode reinar na vida de quem está dominado pelo dinheiro.

A raiz profunda está em que as riquezas despertam em nós o desejo insaciável de ter sempre mais. E então cresce na pessoa a necessidade de acumular, capitalizar e possuir sempre mais. Jesus considera uma verdadeira loucura a vida daqueles proprietários de terras da Palestina, cuja obsessão é armazenar suas colheitas em celeiros cada vez maiores. É uma insensatez dedicar as melhores energias e esforços a adquirir e acumular riquezas.

Quando, por fim, Deus se aproxima do rico para buscar sua vida, fica evidente que ele a desperdiçou. Sua vida carece de conteúdo e valor. “Insensato!..” “Assim é aquele que acumula riquezas para si e não é rico diante de Deus”.

Algum dia, o pensamento cristão descobrirá, com uma lucidez que hoje não temos, a profunda contradição que existe entre o espírito que anima o capitalismo e o que anima o projeto de vida querido por Jesus. Esta contradição não se resolve nem com a profissão de fé dos que vivem com espírito capitalista nem com toda a beneficência que possam fazer com seus ganhos.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Riqueza insensata

Pe. Johan Koning

A liturgia de hoje ensina a vaidade da riqueza. Para que tanto trabalhar, se nada podemos levar e devemos deixar o fruto de nosso trabalho para outros (1ª  leitura)? Os pais arrecadam, os filhos aproveitam, os netos põem a perder… No evangelho, Jesus ilustra essa realidade com a parábola do homem que chegou a assegurar sua vida material, mas na mesma noite iria morrer … Quem é materialista e só quer conhecer os prazeres deste mundo, para este o ensinamento de Jesus é indigesto, mas nem por isso deixa de ser verdade. Não levamos nada daqui. As riquezas materiais não têm valor duradouro, nem podem ser o fim ao qual o homem se dedica.

Talvez o consumismo de hoje tenha isto de bom: lembra-nos essa precariedade. O produto que compramos hoje amanhã já saiu da moda, e depois de amanhã nem haverá mais peças de reposição para consertá-lo. Nossa nova TV estará fora de moda antes que tivermos completado as prestações … Por outro lado, esse consumismo é grosseira injustiça, pois gastamos em uma geração os recursos das gerações futuras. Se as coisas valem tão pouco, melhor seria não as comprar, e voltar a uma vida mais simples e mais desprendida. Haveria recessão econômica, mas também haveria menos necessidade de dinheiro para ser gasto.

A caça à riqueza material é um beco sem saída. A razão por que se insiste em produzir sempre mais é que os donos do mundo lucram com a produção, sobretudo das coisas supérfluas que enchem as prateleiras das lojas. Para vender esses supérfluos, criam nas pessoas a necessidade de possuí-las, mediante a publicidade na rua, no jornal e na televisão. Quando então as pessoas não conseguem adquirir todas essas coisas, ficam irrequietas; quando conseguem, ficam enjoadas; e nos dois casos aparece mais uma necessidade: a psicoterapia …

A “sabedoria do lucro” é injusta e assassina. Leva as pessoas a desconsiderar os fracos. Um proeminente político deste país disse que “quem não pode competir não deve consumir” … O sistema do lucro e do desejo sempre mais acirrado precisa manter as desigualdades, pois parte do pressuposto que todos querem superar a todos. Tal sistema é “intrinsecamente pecaminoso”, disseram os papas Paulo VI e João Paulo II.

Ser rico, não para si, mas para Deus … Não amontoar riquezas que na hora do juízo serão as testemunhas de nossa avareza, injustiça e exploração (cf. Tg 5,1-6), mas riquezas que constituam a alegria de Deus!

Não adianta muito discutir se a produção tem que ser capitalista ou socialista, enquanto não se tem claro que o ser humano não existe para a produção, e sim a produção para o ser humano. E este, se for sábio, tentará precisar dela o menos possível.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella