Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

17º Domingo do Tempo Comum

17º Domingo do Tempo Comum

Jesus e o Gênio da lâmpada

 

Frei Gustavo Medella

Pelo menos no meu tempo, era muito conhecida a história do “Gênio da Lâmpada” que, quando despertado de seu sono, concedia àquele que o despertou o privilégio de fazer três pedidos. E essa possibilidade é que mexia com nossos sonhos infantis: o que pedir? Como aproveitar da melhor maneira esta oportunidade? Um carro de luxo, uma mansão à beira-mar, a possibilidade de voar como o super-homem?

Jesus não é o gênio da lâmpada mas, no Evangelho deste 17º Domingo do Tempo Comum, garante aos discípulos: “Portanto, eu vos digo: pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto” (Lc 11,9). Faz lembrar, de certa na maneira, as promessas do lendário gênio.

No entanto, antes de oferecer estas garantias aos seus, o Mestre ensina-os a pedir, na oração do Pai-Nosso.

O que pedir?
– O Reino – Modo de organizar a vida e as relações de acordo com os sonhos de Deus, onde a justiça, o respeito e a partilha sejam realidade permanente.

– O Pão – Alimento corporal, combustível da vida física, necessidade fundamental de uma existência digna.

– O Perdão – Condição dos relacionamentos saudáveis, possibilidade de recomeços, experiência da bondade e da generosidade que o ser humano pode e deve fazer diante de seus limites e dos limites dos outros.

Como pedir?
– Com confiança e humildade

Em favor de quem pedir?
– Não somente para si, mas para todos (Pai NOSSO).

Seguindo as instruções de Jesus, o discípulo sente-se realizado e percebe que a felicidade capaz e preencher sua vida de sentido não passa por luxos, bens e caprichos, mas pela certeza de sentir-se amado por Deus e chamado a distribuir gratuitamente este amor.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2011 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Gn 18,20-32

Naqueles dias, 20o Senhor disse a Abraão: “O clamor contra Sodoma e Gomorra cresceu, e agravou-se muito o seu pecado. 21 Vou descer para verificar se as suas obras correspondem ou não ao clamor que chegou até mim”. 22 Partindo dali, os homens dirigiram-se a Sodoma, enquanto Abraão ficou na presença do Senhor. 23 Então, aproximando-se, disse Abraão: “Vais realmente exterminar o justo com o ímpio? 24Se houvesse cinquenta justos na cidade, acaso irias exterminá-los? Não pouparias o lugar por causa dos cinquenta justos que ali vivem? 25Longe de ti agir assim, fazendo morrer o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio. Longe de ti! O juiz de toda a terra não faria justiça?”

26 O Senhor respondeu: “Se eu encontrasse em Sodoma cinquenta justos, pouparia por causa deles a cidade inteira”. 27 Abraão prosseguiu dizendo: “Estou sendo atrevido em falar a meu Senhor, eu, que sou pó e cinza. 28 Se dos cinquenta justos faltassem cinco, destruirias por causa dos cinco a cidade inteira?” O Senhor respondeu: “Não destruiria, se achasse ali quarenta e cinco justos”. 29 Insistiu ainda Abraão e disse: “E se houvesse quarenta?” Ele respondeu: “Por causa dos quarenta, não o faria”. 30 Abraão tornou a insistir: “Não se irrite o meu Senhor, se ainda falo. E se houvesse apenas trinta justos?” Ele respondeu: “Também não o faria, se encontrasse trinta”. 31 Tornou Abraão a insistir: “Já que me atrevi a falar a meu Senhor, e se houver vinte justos?” Ele respondeu: “Não a iria destruir por causa dos vinte”. 32 Abraão disse: “Que o meu Senhor não se irrite, se eu falar só mais uma vez: e se houvesse apenas dez?” Ele respondeu: “Por causa dos dez, não a destruiria”.


Responsório: Sl 137

— Naquele dia em que gritei, vós me escutastes, ó Senhor!

— Naquele dia em que gritei, vós me escutastes, ó Senhor!

— Ó Senhor, de coração eu vos dou graças,/ porque ouvistes as palavras dos meus lábios!/ Perante os vossos anjos vou cantar-vos/ e ante o vosso templo vou prostrar-me.

— Eu agradeço vosso amor, vossa verdade,/ porque fizestes muito mais que prometestes;/ naquele dia em que gritei, vós me escutastes/ e aumentastes o vigor da minha alma.

— Altíssimo é o Senhor, mas olha os pobres,/ e de longe reconhece os orgulhosos./ Se no meio da desgraça eu caminhar,/ vós me fazeis tornar à vida novamente;/ quando os meus perseguidores me atacarem/ e com ira investirem contra mim,/ estendereis o vosso braço em meu auxílio/ e havereis de me salvar com vossa destra.

— Completai em mim a obra começada;/ ó Senhor, vossa bondade é para sempre!/ Eu vos peço: não deixeis inacabada/ esta obra que fizeram vossas mãos!


Segunda Leitura: Cl 2,12-14

Irmãos: 12 Com Cristo fostes sepultados no batismo; com ele também fostes ressuscitados por meio da fé no poder de Deus, que ressuscitou a Cristo dentre os mortos. 13 Ora, vós estáveis mortos por causa dos vossos pecados, e vossos corpos não tinham recebido a circuncisão, até que Deus vos trouxe para a vida, junto com Cristo, e a todos nós perdoou os pecados. 14Existia contra nós uma conta a ser paga, mas ele a cancelou, apesar das obrigações legais, e a eliminou, pregando-a na cruz.


O «Pai Nosso»

 Evangelho: Lc 11, 1-13

O «Pai Nosso» -* 1 Um dia, Jesus estava rezando em certo lugar. Quando terminou, um dos discípulos pediu: «Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou os discípulos dele.» 2 Jesus respondeu: «Quando vocês rezarem, digam: Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. 3 Dá-nos a cada dia o pão de amanhã, 4 e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todos aqueles que nos devem; e não nos deixes cair em tentação.»

Pedir com confiança -* 5 Jesus acrescentou: «Se alguém de vocês tivesse um amigo, e fosse procurá-lo à meia-noite, dizendo: ‘Amigo, me empreste três pães, 6 porque um amigo meu chegou de viagem, e não tenho nada para oferecer a ele’. 7 Será que lá de dentro o outro responderia: ‘Não me amole! Já tranquei a porta, meus filhos e eu já nos deitamos; não posso me levantar para lhe dar os pães?’ 8 Eu declaro a vocês: mesmo que o outro não se levante para dar os pães porque é um amigo seu, vai levantar-se ao menos por causa da amolação, e dar tudo aquilo que o amigo necessita. 9 Portanto, eu lhes digo: peçam, e lhes será dado! Procurem, e encontrarão! Batam, e abrirão a porta para vocês! 10 Pois, todo aquele de que pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, a porta será aberta. 11 Será que alguém de vocês que é pai, se o filho lhe pede um peixe, em lugar do peixe lhe dá uma cobra? 12 Ou ainda: se pede um ovo, será que vai lhe dar um escorpião? 13 Se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas aos filhos, quanto mais o Pai do céu! Ele dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem.»

* 11,1-4: Os mestres costumavam ensinar os discípulos a rezar, transmitindo o resumo da própria mensagem. O Pai Nosso traz o espírito e o conteúdo fundamental de toda oração cristã. Esta oração se faz na intimidade filial com Deus (Pai), apresentando-lhe os pedidos mais importantes: que o Pai seja reconhecido por todos (nome); que sua justiça e amor se manifestem (Reino); que, na vida de cada dia, ele nos dê vida plena (pão de amanhã); que ele nos perdoe como nós repartimos o perdão; que ele não nos deixe abandonar o caminho de Jesus (tentação).
* 5-13: O Evangelho insiste na oração perseverante e confiante. Se os homens são capazes de atender ao pedido de amigos e filhos, quanto mais o Pai! Ele nada recusará. Pelo contrário, dará o Espírito Santo, isto é, a força de Deus que leva o homem a viver conforme a vida de Jesus Cristo.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Comentários do exegeta Frei Ludovico Garmus

17º Domingo do Tempo Comum, ano C

Frei Ludovico Garmus

Oração: ”Ó Deus, sois o amparo dos que em vós esperam, e sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo; redobrai de amor para conosco, para que, conduzidos por vós, usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não passam.

  1. Primeira leitura: Gn 18,20-32

Que o meu Senhor não se irrite, se eu falar.

Domingo passado ouvimos que Abraão hospedou três personagens misteriosos e reconheceu neles a presença do Senhor. Na ocasião recebeu a promessa do nascimento do tão esperado filho herdeiro. Na saída, dois personagens seguiram para Sodoma e Gomorra e um deles ficou para trás, com Abraão. O texto que hoje ouvimos continua o relato anterior. Quem toma a palavra é o Senhor, que anuncia a Abraão o que estava acontecendo e iria acontecer com as duas cidades. O clamor do povo contra as injustiças e violências que ali se cometiam chegava ao Senhor cada vez mais forte (ver Ex 2,23-25). Deus ia descer até o vale do rio Jordão, que termina no ao mar Morto, para conferir se as injustiças correspondiam à intensidade do clamor. Abraão logo percebeu que Deus iria castigar as cidades e começou a interceder em favor do povo. De fato, Deus havia prometido que em Abraão todas as nações seriam abençoadas e a ameaça de castigo iminente parecia contradizer às promessas que havia recebido (ver Gn 12,1-3). Enquanto intercessor, Abraão assemelha-se a outros intercessores como Moisés e profetas Amós, Jeremias e Ezequiel. Coloca em questão a justiça divina: “Vais realmente exterminar o justo com o ímpio”? Seis vezes Abraão tenta levar Deus a desistir do castigo coletivo por causa dos possíveis justos que haveria nestas cidades. Começa com 50 justos para chegar até dez possíveis justos e Deus sempre lhe responde que não destruiria as cidades mas usaria de misericórdia, mesmo se nelas houvesse apenas dez justos. Na continuação do relato se vê que não havia nem dez justos. A injustiça e a violência praticadas nessas cidades eram clamorosas e por isso foram destruídas; Deus, porém, salva a família de Lot, sobrinho de Abraão. Vemos como é importante a oração perseverante dos justos. Deus nem sempre atende exatamente ao que pedimos. No entanto, a resposta divina à nossa oração pode nos surpreender e superar em muito o que pedimos (Evangelho). Deus não salva os pecadores por causa da bondade dos justos, e sim, porque Ele é bom e misericordioso.

Salmo responsorial

Naquele dia em que gritei, vós me escutastes, ó Senhor.

  1. Segunda leitura: Cl 2,1-13

Deus vos trouxe para a vida, junto com o Cristo,

E a todos nós perdoou os pecados.

Paulo está preso, aguardando uma possível condenação à morte. Por meio de um secretário dita sua carta aos cristãos de Colossos, cidade na atual Turquia. No pequeno trecho de apenas três versículos, que hoje ouvimos, Cristo Jesus ocupa o centro. Termos relacionados à nossa união com Cristo são o batismo, o perdão dos pecados, a morte e a vida, a sepultura e a ressurreição. Paulo compara a vida em pecado ao estar morto. Ser mergulhado na água do Batismo equivale a morrer para o pecado e ser sepultado com Cristo. Assim, “com Ele também fostes ressuscitados por meio da fé no poder de Deus, que ressuscitou a Cristo dentre os mortos”. Pela fé e pelo batismo “Deus nos trouxe para a vida, junto com Cristo, e a todos nós perdoou os pecados”. O escravo podia receber a liberdade (alforria), pagando com suas economias o resgate para seu patrão. No caso de não possuir os recursos para obter a liberdade, podia haver pessoas de boa vontade que pagavam a conta do resgate (redenção). Esta linguagem era bem entendida naquele tempo de escravidão. Por isso Paulo diz que “existia contra nós uma conta a ser paga”. Deus, porém, a cancelou (zerou), “pregando-a na cruz”. Isto é, Jesus Cristo, Filho de Deus, pagou por nós essa conta “pendurada”, entregando sua vida por nós, pregado na cruz.

Aclamação ao Evangelho

Recebestes o Espírito de adoção;

É por ele que clamamos: Abá, Pai!

  1. Evangelho: Lc 11,1-13

Pedi e recebereis.

No Evangelho, hoje anunciado, Cristo nos ensina como devemos rezar, dirigindo-nos a Deus que é nosso Pai. Com uma pequena parábola ensina-nos também que nossa oração deve ser persistente e confiante, porque Ele é bom. Como era seu costume, Jesus estava em oração num lugar retirado. Ao voltar da oração um dos discípulos lhe pede: “Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos”. Não sabemos como João Batista ensinava a seus discípulos a rezar. Sabemos pelos evangelhos que João anunciava que o Reino de Deus estava próximo. Convocava todos à conversão como mudança radical de vida e ameaçava os pecadores com o juízo de Deus: “O machado já está posto na raiz da árvore; toda árvore que não produzir frutos (de penitência) será cortada e lançada ao fogo” (Lc 3,9). A imagem que João Batista tinha de Deus era mais a de um juiz que a de um pai. A imagem que Jesus tem de Deus é a de um Pai misericordioso. É o que podemos ver na oração do Pai-Nosso. Lucas inclui apenas cinco pedidos na Oração de Jesus; omite “seja feita a tua vontade, assim na terra comono céu”, e “mas livra-nos do mal”, presentes em Mateus. Os dois primeiros pedidos se dirigem a Deus: que seu nome seja santificado e que venha a nós o seu Reino, isto é, o Reino de Deus que é Pai misericordioso. Pedimos que o nome de Deus seja por nós considerado santo, sublime, e que apressemos a vinda de seu Reino, vivendo o que ele nos ensinou. Os demais pedidos são mais voltados para nossas carências humanas: o pão necessário, o perdão que precisamos receber de Deus e dar aos irmãos, para vivermos a paz que Cristo nos dá e com os irmãos; por fim, pedimos que Deus não permita cairmos em tentação.

A seguir Jesus conta a parábola do homem que recebeu três hóspedes inesperados em sua casa e foi pedir três pães na casa de seu amigo. O homem confiava que seu amigo haveria de resolver o problema. De tanto importunar o amigo, este lhe deu o necessário não tanto por ser seu amigo, mas para se livrar da impertinência de seu vizinho. Jesus mesmo tira a lição: “Pedi e recebereis, procurai e encontrareis; batei e vos será aberto…” Em seguida Jesus reforça nossa confiança em Deus, nosso Pai. Se um pai é capaz de dar coisas boas a um filho que lhe pede, “tanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem. Nem sempre Deus nos dá as “coisas” que lhe pedimos e consideramos boas para nós. A Deus devemos pedir, antes de tudo, o que de melhor Ele nos pode dar: o Espírito Santo, a si mesmo, o seu Amor. Porque não podemos viver o Reino de Deus, já aqui na terra, sem amar a Deus acima de todas as coisase ao próximo como a nós mesmos.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Oração: tema essencial

Frei Clarêncio Neotti

O Evangelho de hoje é um pequeno tratado sobre a vida de oração. Diz-nos o que devemos pedir, com que palavras devemos pedir e fala-nos da força da oração e da confiança com que devemos rezar. A lição é dada pelo próprio Jesus num momento em que ele mesmo estava rezando (v. 1). Embora os Evangelhos falem muitas vezes de Jesus em oração, não é muito o que sabemos dele como orante. É sempre temerário querer penetrar no mundo da oração de um santo.

A oração verdadeira é coisa tão íntima e pessoal que ninguém consegue penetrar na oração de um santo, mesmo quando tenha deixado fórmulas escritas. Como Jesus, os santos deixam a certeza de que a oração é essencial, mostram-nos alguns princípios e modelos, fornecem-nos textos. Mas tudo isso é pouco, se não fizermos a experiência pessoal de nossa oração, se não juntarmos nossa inteligência e vontade, nosso sentimento, nosso ser inteiro e com ele dialogarmos com Deus, na humildade de criaturas e na confiança de filhos.

O tema da oração não pode ser separado do tema desenvolvido no Evangelho do domingo passado: a escuta da Palavra de Deus (Lc 10,38-42). Corremos sempre o perigo de escutar os nossos próprios interesses e necessidades e ideologias e vaidades e tecer orações para nós mesmos. Também não podemos separar o tema da oração do tema da misericórdia, ensinado pelo Evangelho do bom Samaritano (Lc 10,30-37), que lemos há dois domingos.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O inesgotável tema da oração

Jesus estava rezando um certo lugar” (Lc 11,1)

Frei Almir Guimarães

♦ Lucas é o evangelista da oração. O terceiro evangelho mostra Jesus, incontáveis vezes, retirado em oração. Sua oração é, basicamente, um se recolher para entrar na intimidade do Pai. Jesus sabe que o Pai está próximo e, no silêncio e recolhimento, ele se compraz em estar com Ele, em sintonia com os desejos e sonhos do Pai. Sua oração se inspira nos salmos. É adoração, súplica, ação de graças, louvor.  Para Jesus a oração  não fazia apenas parte da vida, mas era a própria vida. Sua existência se passava na presença de Deus, seu Pai, a cada instante.  Tudo ele partilha com o Pai.

♦ Somos sempre aprendizes na arte da oração. Balbuciamos fórmulas por vezes com toda a verdade de nosso ser.  De outro lado, temos receio das palavras da Escritura que condenam os que honram o Senhor com os lábios, mas cuja oração está longe do Senhor.  Precisamos nos construir em verdadeiros orantes.

♦ Não podemos nos acostumar a uma oração mecânica e sem viço. Muitos dizem que perderam o gosto, o hábito de rezar. Há mesmo aqueles que confessam que, ao longo dos anos, nunca tiveram encontros profundos, pessoais e suculentos com o Senhor. Acham áridas as orações aprendidas de cor e não conseguem colocar-se diante do Senhor. Há, é verdade,  muitos que não desejam outra coisa senão aprender um jeito de serem íntimos do  Senhor.  Recolhem-se, manuseiam o livro dos salmos, participam de pequenos e serenos grupos de oração.

♦ Tudo precisa começar com o despertar do desejo, do desejo do Senhor. Há os que não experimentam necessidade de Deus. Parece que bastam-se a si mesmos. Há, no entanto, momentos de nossas vidas em que experimentamos um imenso desejo de Deus, uma saudade do Senhor. Para começar a rezar será preciso desejar: “Minha alma te busca, Senhor, tenho sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42, 2-3).  No começo um desejo  confuso acompanhado de certas experiências:  vazio interior, insatisfação generalizada, sensação de inutilidade de uma vida agitada e de correria.  Desejo quase imperceptível ou muito forte. Este desejo  já é oração.  Pode ser que o  Espírito já esteja rezando no homem do desejo.

♦ José Tolentino Mendonça nos orienta:

>> “A oração cristã não  é uma viagem ao fundo de si mesmo.  Não é um movimento introspectivo.  Não é uma diagnose de nossos pensamentos e moções externas e íntimas. A oração cristã é ser e estar  diante de Deus, colocar-se por inteiro e continuamente diante de sua presença, com uma atenção vigilante àquele que  nos convida a um diálogo sem censuras. Não é oferecer a Deus alguns pensamentos, tudo o que somos e experimentamos”.

>>“A oração é uma  conversão de atitude,  porque a verdadeira oração cristã descentra-nos de nós mesmos –  das nossas preocupações e afanos, de nossos desejos eróticos e pouco purificados – o orienta-nos para Deus de modo que tudo o que passamos a desejar  é a vontade de Deus, o dom de seu olhar, que, como dizia  Santo Agostinho, é mais íntimo a nós que nós mesmos” ( José  Tolentino Mendonça, O tesouro escondido, Paulinas, p. 72).

♦ Sempre se considerou o coração, em seu sentido bíblico, como o lugar da oração. O coração é o mais íntimo da pessoa, a raiz de nosso ser, a sede da liberdade. Não se reza com a inteligência, nem com a memória ou com a sensibilidade. A pessoa ora a Deus no coração e Deus lhe fala ao coração (cf Os 2,16). Para orar é necessário despertar o coração se estiver dormindo porque vivemos na periferia de nosso ser, movidos por coisas exteriores,  derramo-nos  em reflexões superficiais.  Trata-se de buscar o Senhor com o melhor de nós mesmos.

♦ Orar é acolher uma Presença. Ora, a Presença do Senhor não é uma entre outras.  Sua aproximação não pode ser acolhida como uma a mais. É uma presença que vem de longe de nós mesmos, que supera nossos desejos, que questiona nossos projetos. Podemos acolhê-la ou rechaça-la. Deixar que nos escape uma vez mais ou abrirmos a porta para ela.  Quando acolhemos a presença do Senhor  descobrimo-nos a nós mesmos com  nossa grandeza e nossa pequenez, nosso anelo pelo infinito  e nossa miséria.  Chegamos a descobrir nossa interioridade. No começo, quem sabe, somos possuídos de certo temor depois há um movimento de entrega àquele que nos ama “Não abandonas aqueles que te procuram” (Sl 9, 11).

♦ Orar nada mais é do que prestar atenção ao gemido do Espírito que habita em nós. Urge não apaga-lo, mas acolhe-lo. Há dias em que temos a impressão que o desejo e o sopro desapareceram.  Depois ele volta com mais força: “Já estou chegando e batendo  à porta. Se alguém ouvir a minha voz  e abrir a porta, entrarei em sua casa, e juntos faremos a refeição (Ap 3.20).  Abrir a porta significa  não caminhar  sozinho  pela vida afora, mas deixar-se acompanhar por esta presença  misteriosa e não encerrar-se  na própria autossuficiência, mas abrir-se  confiantemente a Deus.

 

Oração

Meu Pai,
Eu me abandono a ti,
Faz de mim, o que quiseres.
O que fizeres de mim
Eu te agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Desde que tua vontade se faça em mim
E em tudo o que criaste,
Nada mais quero, meu Deus,
Com todo o amor de meu coração
Porque te amo.

E é para mim uma necessidade de amor  dar-me,
Entregar-me nas tuas mãos sem medida
Com uma confiança infinita
Porque Tu és… meu Pai!
(Charles de Foucauld)


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1956, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Precisamos orar

José Antonio Pagola

Talvez a tragédia mais grave do ser humano de hoje seja sua crescente incapacidade para a oração. Estamos esquecendo o que é orar. As novas gerações abandonam as práticas de piedade e as fórmulas de oração que alimentaram a fé de seus pais. Reduzimos o tempo dedicado à oração e à reflexão interior. Às vezes excluímos praticamente a oração de nossa vida.

Mas não é isto o mais grave. Parece que as pessoas estão perdendo a capacidade de silêncio interior. Já não são capazes de encontrar-se com o fundo de seu ser. Distraídas por mil sensações, embotadas interiormente, presas a um ritmo de vida afobado, estão abandonando a atitude orante diante de Deus.

Por outro lado, numa sociedade na qual se aceita como critério primeiro e quase único a eficácia, o rendimento ou a utilidade imediata, a oração fica desvalorizada como algo inútil. Facilmente se afirma que o importante é “a vida”, como se a oração pertencesse ao mundo da “morte”.

No entanto, precisamos orar. Não é possível viver com vigor a fé cristã nem a vocação humana subalimentados interiormente. Mais cedo ou mais tarde, a pessoa experimenta a insatisfação produzida no coração humano pelo vazio interior, pela trivialidade do cotidiano, pelo tédio da vida ou pela falta de comunicação com o Mistério.

Precisamos orar para encontrar silêncio, serenidade e descanso que nos permitam sustentar o ritmo de nossos afazeres diários. Precisamos orar para viver em atitude lúcida e vigilante no meio de uma sociedade superficial e desumanizadora.

Precisamos orar para enfrentar nossa própria verdade e ser capazes de uma autocrítica pessoal sincera. Precisamos orar para nos libertarmos aos poucos daquilo que nos impede de ser mais humanos. Precisamos orar para viver diante de Deus em atitude mais festiva, agradecida e criativa.

Felizes os que também em nossos dias são capazes de experimentar nas profundezas de seu ser a verdade das palavras de Jesus: “Quem pede está recebendo, quem busca está encontrando e a quem bate estão abrindo”.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Orar e pedir

Pe. Johan Konings

Certos cristãos, julgando-se esclarecidos, acham as orações de nosso povo muito egoístas, porque são quase sempre orações de pedido. Ora, as leituras de hoje sublinham a importância da petição. Abraão com seus incansáveis pedidos quase salvou as cidades de Sodoma e Gomorra. Infelizmente, as cidades eram ruins demais (1ª  leitura). Jesus, por seu lado, ensina aos discípulos o Pai-nosso, uma oração de pedido (evangelho). O Pai-nosso pede inicialmente que a vontade de Deus seja feita. Ora, uma vez que rezamos em harmonia com a vontade e o desejo de Deus, podemos pedir bastante. Jesus até compara este modo de rezar com um alguém que tira o vizinho da cama para pedir um pão para um hóspede inesperado…

Parece ensinar-nos a vencer Deus no cansaço! E, no fundo, Deus gosta de dar-nos suas dádivas boas, seu espírito, pois mesmo nós – que somos ruins – gostamos de dar coisa boa aos filhos.

A oração de petição não é uma forma de oração mais egoísta que a meditação, a louvação, o agradecimento, a adoração… Na verdade, agradecer é a outra face do pedir. Quem agradece, gostou. Por que não pedir então? É reconhecer a bondade do doador! Como o frei que, depois de lauto almoço na casa de uma benfeitora, testemunhou sua gratidão com estas palavras: “Senhora, não sei como agradecer… será que posso repetir aquela gostosa sobremesa?”

Conforme o espírito do Pai-nosso devemos pedir antes de tudo a realização daquilo que Deus deseja: sua vontade, seu Reino. Ora, uma vez assentada esta base, pode-se pedir – com toda a simplicidade – o pão de cada dia, saúde, vida e todos os demais dons que Deus nos prepara. Inclusive, o perdão de nossas faltas. Só não se deve pedir a Deus o que Deus não pode desejar: a satisfação de nosso egoísmo. E sempre se deve lembrar que Deus sabe melhor do que nós o que nos convém.

Podemos insistir naquilo que achamos sinceramente nosso bem… mas Deus sabe melhor.

É importante pedirmos. Compromete! Depois de ter pedido, a gente já não pode dizer: “Não pedi!” Comprometemo-nos com Deus e com aquilo que pedimos. Não é como no supermercado, onde você entra, olha e sai sem comprar. É como no armazém da esquina, onde você pede o que deseja e, caso tiver, você compra. Assim as preces dos fiéis, na celebração da comunidade, devem ter sentido de compromisso: devemos querer mesmo que elas se realizem, e oferecermo-nos a Deus para colaborar na realização daquilo que pedimos. Pedir é comprometer-se. Se pedimos a Deus saúde, não é para gozar egoisticamente a vida, mas para servir melhor. Se pedimos paz, não é para sermos deixadas em paz, mas para dedicar-nos à comunhão fraterna. Se pedimos por nossos irmãos e nossas irmãs mais pobres, é porque queremos ajudá-los efetivamente. Importa saber como pedimos (cf. Tg 4,3).


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella