Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

16º Domingo do Tempo Comum

16º Domingo do Tempo Comum

Hóspede da alma, presença que acalma

 

Frei Gustavo Medella

“Hóspede da alma” é um dos atributos do Espírito Santo que aparecem no célebre texto da Sequência de Pentecostes. E é sobre hospitalidade que tratam as leituras deste 16º Domingo do Tempo Comum. Na primeira leitura (Gn 18,1-10a), Abraão oferece o que possuía de melhor e dá de comer e beber aos três homens que lhe aparecem na hora mais quente de um dia cansativo. Enxerga neles a presença divina, uma prefiguração do Mistério da Trindade posteriormente revelado na Encarnação do Verbo. Aquele gesto para Abraão foi fonte de fertilidade a ponto de Sara, sua esposa já de idade avançada, ser abençoada com a graça de dar à luz um filho, Isaac. Ao colocar-se integralmente à disposição dos hóspedes que se lhe apresentaram, Abraão abriu a alma para o “Hóspede dos hóspedes”, Aquele que, ao fazer no coração humano sua morada, enche de sentido e bênção a vida de seu anfitrião.

Marta e Maria também possuíam o coração aberto para receber a visita do Senhor (Lc 10, 38-42). Cada uma dispensava-lhe atenção a seu modo, ambos repletos de carinho e reconhecimento. Maria, com sua escuta atenta e interessada, reconhece nas Palavras de Jesus a antecipação da glória definitiva na direção da qual o crente caminha pela fé: o convívio eterno, próximo e amoroso com Deus, num reino definitivo onde as contradições serão todas superadas. Marta, dedicando-se ao cuidado da casa e dos alimentos, esforça-se em oferecer ao Senhor um ambiente acolhedor, uma refeição restauradora necessária a uma saudável humanidade. Age, sem dúvida, impulsionada pelo amor gratuito que lhe inspira o “Hóspede da Alma”. A solicitude de ambas se completa.

E, por que, então, aparece o impasse entre as irmãs? O possível início de uma discussão entre ambas, que não ocorre por conta da intervenção de Jesus, tem grande valor pedagógico e mostra que, até mesmo nos ambientes em que no coração das pessoas existe a disposição sincera para acolher, ouvir e praticar os ensinamentos do Senhor, as limitações humanas também se fazem notar. Para superá-las, portanto, faz-se necessário um permanente espírito de discernimento e oração para que todos os conflitos e desentendimentos sejam resolvidos à luz da inspiração de Deus. No caso de Marta e de Maria e também no dia a dia das comunidades, a presença de Jesus atualiza o verso da Sequência de Pentecostes com o qual teve início esta reflexão: “Hóspede da alma, presença que acalma”.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2011 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Gn 18,1-10a

Naqueles dias, 1o Senhor apareceu a Abraão junto ao carvalho de Mambré, quando ele estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. 2Levantando os olhos, Abraão viu três homens de pé, perto dele. Assim que os viu, correu ao seu encontro e prostrou-se por terra. 3E disse: “Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem, sem parar junto a mim, teu servo. 4Mandarei trazer um pouco de água para vos lavar os pés, e descansareis debaixo da árvore. 5Farei servir um pouco de pão para refazerdes vossas forças, antes de continuar a viagem. Pois foi para isso mesmo que vos aproximastes do vosso servo”.

Eles responderam: “Faze como disseste”.

6Abraão entrou logo na tenda, onde estava Sara, e lhe disse: “Toma depressa três medidas da mais fina farinha, amassa alguns pães e assa-os”.

7Depois, Abraão correu até o rebanho, pegou um bezerro dos mais tenros e melhores, e deu-o a um criado, para que o preparasse sem demora.

8A seguir, foi buscar coalhada, leite e o bezerro assado, e pôs tudo diante deles. Abraão, porém, permaneceu de pé, junto deles, debaixo da árvore, enquanto comiam. 9E eles lhe perguntaram: “Onde está Sara, tua mulher?” “Está na tenda”, respondeu ele.

10aE um deles disse: “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho”.


Responsório (Sl 14)

— Senhor, quem morará em vossa casa?

— Senhor, quem morará em vossa casa?

— É aquele que caminha sem pecado/ e pratica a justiça fielmente;/ que pensa a verdade no seu íntimo/ e não solta em calúnias sua língua.

— Que em nada prejudica o seu irmão,/ nem cobre de insultos seu vizinho;/ que não dá valor algum ao homem ímpio,/ mas honra os que respeitam o Senhor.

— Não empresta o seu dinheiro com usura,/ nem se deixa subornar contra o inocente./ Jamais vacilará quem vive assim!


Segunda Leitura: Cl 1,24-28

Irmãos: 24Alegro-me de tudo o que já sofri por vós e procuro completar na minha própria carne o que falta das tribulações de Cristo, em solidariedade com o seu corpo, isto é, a Igreja.

25A ela eu sirvo, exercendo o cargo que Deus me confiou de vos transmitir a palavra de Deus em sua plenitude: 26o mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos.

27A estes Deus quis manifestar como é rico e glorioso entre as nações este mistério: a presença de Cristo em vós, a esperança da glória.

28Nós o anunciamos, admoestando a todos e ensinando a todos, com toda sabedoria, para a todos tornar perfeitos em sua união com Cristo.

– Palavra do Senhor.

– Graças a Deus.

Ouvir a palavra de Jesus
Evangelho: Lc 10,38-42

-* 38 Enquanto caminhavam, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. 39 Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e ficou escutando a sua palavra. 40 Marta estava ocupada com muitos afazeres. Aproximou-se e falou: «Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!» 41 O Senhor, porém, respondeu: «Marta, Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; 42 porém, uma só coisa é necessária, Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.»

* 38-42: Mais importante do que fazer as coisas, é fazê-las de modo novo. Para isso, é preciso ouvir a palavra de Jesus, que mostra o que fazer e como fazer.

Edição Pastoral

Comentários do exegeta Frei Ludovico Garmus

16º Domingo do Tempo Comum, ano C

Oração: “Ó Deus, sede generoso para com os vossos filhos e filhas e multiplicai em nós os dons da vossa graça, para que, repletos de fé, esperança e caridade, guardemos fielmente os vossos mandamentos”.

  1. Primeira leitura: Gn 18,1-10a

Meu Senhor, não prossigas viagem, sem parar junto a mim, teu servo.

Deus tinha prometido a Abraão que faria dele pai de numerosas nações. Mas os anos iam passando e sua esposa Sara não lhe dava filhos, apesar de o Senhor renovar sua promessa: “É Sara, tua mulher, que te dará um filho, a quem chamarás Isaac” (Gn 17,19). Tempos depois, quando Abraão montou sua tenda junto ao carvalho de Mambré, o próprio Senhor lhe apareceu na figura misteriosa de três viajantes, enquanto descansava na entrada de sua tenda. Logo que os viu correu ao encontro deles para recebê-los. Hospedar viajantes era um dever sagrado entre os beduínos e Abraão o faz com presteza, corre ao encontro deles, prostra-se em sinal de respeito e até suplica para que fiquem com ele. Manda trazer água para lavar os pés, pede a Sara que prepare alguns pães, corre até o rebanho, escolhe um bezerro e manda um criado prepará-lo. Depois, de pé, serve aos visitantes tudo o que foi preparado (cf. Marta/Maria, Evangelho). Os três perguntam-lhe, então, sobre Sara, sua mulher, e Abraão diz que ela está na tenda. E um deles promete: “ao voltar no próximo ano, Sara, tua mulher, já terá um filho”. Abraão hospedou os viajantes com o que de melhor possuía, mas recebeu um dom maior: a promessa do nascimento do filho herdeiro.

Salmo responsorial: Sl 14

Senhor, quem morará em vossa casa?

  1. Segunda leitura: Cl 1,24-28

O mistério escondido por séculos e gerações,

mas agora revelado aos seus santos.

Paulo não fundou a comunidade de Colossos, mas desejava conhecê-la pessoalmente (2,1). Conhecia-a apenas por meio de Epafras, provável fundador da comunidade. Paulo dita a Carta na prisão, onde estava encarcerado e aguardava a possível morte (cf. 4,18). Alegra-se por estar sofrendo pelos cristãos e vê no sofrimento um modo de “completar o que falta das tribulações de Cristo, em solidariedade com o seu corpo, isto é, a Igreja”. De fato, Paulo sofria por causa do Evangelho que anunciava; foi expulso de cidades, apedrejado, açoitado e preso várias vezes. Os sofrimentos são causados pela missão de “transmitir a palavra de Deus em sua plenitude”. A “plenitude” do anúncio da palavra de Deus consiste em completar o que falta aos sofrimentos de Cristo e revelar o mistério de Deus, antes escondido e “agora revelado às nações, isto é, a presença de Cristo em vós, a esperança de glória” [cf. 1ª leitura e Evangelho]. O mistério revelado, segundo Paulo, era que Cristo não veio salvar apenas os judeus, mas todas as nações.

Aclamação ao Evangelho

Felizes os que observam a palavra do Senhor,

de reto coração, e que produzem muitos frutos,

até o fim perseverantes!

  1. Evangelho: Lc 10,38-42

Marta recebeu-o em sua casa.

Maria escolheu a melhor parte.

Estamos acostumados a ler a história de Marta e Maria como um simples fato da vida de Jesus, ou um modelo para “vida ativa” (leigos, sacerdotes, etc.) e “vida contemplativa” (monges e monjas). Mas a Palavra que ouvimos diz muito mais do que isso. Os primeiros cristãos quando recordavam ditos e fatos da vida de Jesus liam-nos a partir da vida concreta das comunidades. É o que Lucas também faz quando escreve o Evangelho e os Atos dos Apóstolos depois dos anos 70. Nos Atos, Lucas fala do crescimento rápido do número dos fiéis em Jerusalém. Os apóstolos já não davam conta de atender a todas as necessidades, sobretudo, das viúvas pobres de origem grega (At 6). Escolheram então sete diáconos, todos de origem grega, para cuidarem das viúvas gregas, “esquecidas no serviço diário”. A eles – diziam – “confiaremos esse serviço e nós continuaremos a dedicar-nos à oração e ao ministério da palavra”. Era uma divisão de trabalho; os diáconos cuidariam do serviço social da comunidade enquanto os apóstolos cuidariam da pregação e do culto. Na realidade, alguns diáconos não se contentaram em cuidar apenas da parte social. Assim, vemos Estêvão pregando em Jerusalém e Filipe em Samaria (cf. At 7–8). Havia na Igreja, portanto, certa tensão entre os dois ministérios, a pregação e o atendimento aos pobres. Este é o pano de fundo para lermos a cena de Jesus na casa de Marta e Maria.

Marta, em aramaico, significa senhora ou dona de casa. O nome na mentalidade semita indica a missão ou vocação de uma pessoa. Algumas senhoras, donas de casa, costumavam hospedar os apóstolos itinerantes, como Paulo (At 16,13; 18,1-4). Maria, por sua vez, significa “a excelsa”, sublime, elevada. Ela optou pela “parte melhor” ao assentar-se aos pés de Jesus numa atitude de discípula, para ouvir seus ensinamentos Marta é advertida porque a atividade exagerada podia afastá-la da escuta da palavra do Senhor. No seu modo de acolher e servir a Jesus, Marta acha que o melhor era preparar uma boa comida para o mestre. Quer chamar a atenção de Jesus sobre o que ela faz, – 1ª leitura: Sara prepara a comida e Abraão dá toda a atenção aos seus hóspedes – e de certa forma exige que Ele a libere para ajudá-la. Jesus repreende a distraída agitação de Marta e louva Maria, que escolheu a parte melhor. Marta se agita para oferecer a melhor acolhida a Jesus. Maria volta toda sua atenção para Jesus, abre o coração para ouvir seus ensinamentos e assim recebe o dom da palavra de Deus. Hospedar alguém, mais do um dar alguma coisa, é estar recebendo. “Hospitalidade é ‘receber’ uma pessoa: o hóspede é um dom de Deus” (Konings). Mais oferece ao hóspede quem o escuta. Não se trata de uma contradição entre vida ativa e contemplativa. São duas maneiras de amar próximo: servindo-o e escutando-o (Voigt).

Com quem eu pareço mais, com Marta ou com Maria? Como podemos chegar a um equilíbrio entre o serviço ao próximo e a escuta do Senhor?


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A escuta da Palavra

Frei Clarêncio Neotti

Qualquer dona de casa sabe que dar de comer a 13 homens, chegados de viagem, exige uma série de preparativos. Era o que Marta estava fazendo, exatamente o que qualquer dona de casa faria e faz ainda hoje. A expressão ‘estava ocupada com muitos afazeres’ ou ‘andava atarefada com o serviço’ (v. 40) é uma tradução não inteiramente exata do vocábulo grego original, que traz consigo a ideia de ‘distração’. Marta estava atarefada, sim, porém seu trabalho a fazia ficar distraída (não ouvia a palavra de Jesus). O trabalho é necessário e bom. O trabalho (como o de Marta) pode ser expressão de caridade e verdadeiro serviço fraterno. Mas só o será, se não for empecilho para a escuta da Palavra de Deus. E a oração rezada só terá sentido, se ligada à escuta da Palavra de Deus.

E o que é escutar a Palavra de Deus? São Paulo, na Carta aos Romanos, dirá que “a fé nasce da escuta da Palavra de Cristo” (Rm 10,17). Em certo momento, Jesus elogia a grandeza de sua mãe, não apenas pela maternidade, mas por “escutar a Palavra de Deus” (Lc 11,28). E diz aos judeus que o pecado deles consiste em “não escutar a Palavra de Deus” (Jo 8,43). Não se trata de supervalorizar a contemplação em detrimento da ação. Não há primazia da contemplação. O que é necessário é que toda a nossa ação brote da Palavra de Deus e dela se nutra.

Escutar a Palavra de Deus é não só lê-la com os olhos ou ouvi-la com os ouvidos ou compreendê-la com o intelecto, mas transformá-la em prática de vida, em forma de oração, em comportamento, em obras (Mt 7,24), a ponto de podermos dizer com São Paulo: já não sou eu que faço, já “não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Todos são chamados a essa experiência. A todos é dada essa graça.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Maria e Marta: hospedeiras do Senhor

Frei Almir Guimarães

♦ Mais uma vez estas duas mulheres, Maria e Marta são colocadas diante de nossos olhos. Jesus, amigo da família, é recebido em sua casa com toda cordialidade. Estamos diante do tema da hospitalidade.

♦ Houve tempos em que as visitas entre famílias eram muito frequentes. Num universo de calma e de tranquilidade, via de regra, o domingo era o dia das visitas, das refeições em comum, do “almoço da família”, dos encontros, por vezes até mesmo dos desencontros. Os tempos mudaram e pode ser que aos poucos todos, cansados, estressados, preocupados com nosso mundo tenhamos esquecido de visitar e ou decidido deixar a porta da casa e de nossa vida meio trancada. Não queremos ser incomodados. Cansaço, ar dos tempos, falta de condições de “habitar” convenientemente o tempo.

♦ Ora, a hospitalidade é umas das mais belas virtudes humanas. Vivemos um tempo em que muitos seres se deslocam de seus países em conflito em busca de refúgio e de sobrevivência em outras terras. Há uma consciência geral de que leis e ordenanças dos países precisarão montar esquemas de acolhimento sempre levando em conta a dignidade da pessoa humana. Hospitalidade=acolhida do migrante, do andarilho, do peregrino. Ato profundamente humano.

♦ Hospitalidade não significa receber apenas os estrangeiros, mas todos ser humano. Há uma hospitalidade a ser prestada dentro de casa, no seio da família, na convivência com o mundo que nos cerca de perto. Na maneira de acolher dos cristãos há um dado que vem da fé: “Eu era estrangeiro e me acolheste” (Mt 25,35). O peregrino é imagem de Deus. Acolhe-se aquele que chega mesmo antes de conhecê-lo. Há uma predisposição positiva por parte dos corações retos e dos cristãos. O que chega se exprime, fala, deixa vir à tona seu interior e há um enriquecimento de quem recebe e de quem é recebido. Assim, acontece nas visitas entre amigos. A presença do hóspede é sempre um tempo favorável.

♦ A prática da hospitalidade quer dizer acolhida do outro, do diferente. O outro costuma mexer com nossos arranjos existenciais, com o trem de nossa vida. Temos preconceitos e dificuldades de fazer lugar para esses tantos nos recantos de nosso interior e nos espaços de nossas cidades. Preconceitos contra os ciganos irritantes, universitários baderneiros, aos que têm cor diferente da cor de nossa pele. Não nos damos ao trabalho de nos deter em seu mistério pessoal, escutar as batidas de nosso coração parecidas com as batidas de nosso próprio coração. Tememos o diferente, receamos a competição, preocupamos no sentido de que com a partilha nos falte o necessário. A hospitalidade nos torna humanos e humaniza o mundo.

♦ Jesus foi hóspede das duas irmãs. Costuma-se dizer que Marta é a mulher ativa e Maria a contemplativa. Marta estava preocupada com preparar refeição e providenciar o que fosse necessário para o conforto do hóspede. À primeira vista Jesus faz um elogio a Maria e um reprimenda a Marta. Maria escolhera melhor parte, isto é, ficar aos pés do Mestre, degustando sua presença e atentamente o ouvindo. Na verdade, o coração de Marta, mesmo no meio de suas atividade, queria agradar o Mestre. Somos todos, de alguma forma, Marta e Maria.

♦Vivemos um tempo de correria, pressa, urgência, produtividade. Não temos mais tempo de “degustar” o presente, de nos dar momentos de “ociosidade”, silêncio e contemplação. Pensadores contemporâneos insistem na urgência de se sejam criados espaços de contemplação e de recolhimento em nossas vidas. Um filosofo coreano afirma: “Se tirarmos da vida todo elemento contemplativo, ela sofre de hiperatividade mortal. O homem se sufoca em seu próprio fazer. Uma revitalização da vida contemplativa é necessária para abrir espaços de respiração. O espírito nasce de um “excedente” de tempo, de um ócio, de uma maior lentidão na respiração”.

♦ Esta página de José Antonio Pagola situa de maneira bem precisa nosso tema, esse sadio inter-relacionamento entre ação e contemplação. Cada um de nós é, ao mesmo tempo, Marta e Maria: “Jesus não critica o serviço de Marta. Como iria fazê-lo, se ele próprio com seu exemplo, este ensinando a todos a viver acolhendo, servindo e ajudando os outros? O que ele critica é seu modo de trabalhar à flor da pele, sob a pressão de demasiadas ocupações. Jesus não contrapõe vida ativa e vida contemplativa, nem a escuta fiel de sua Palavra e o compromisso de viver praticamente a entrega aos outros. Antes, alerta quanto ao perigo de viver absorvido por um excesso de atividades, apagando em nós o Espírito e transmitindo mais nervosismo e afobação do que paz e amor. Sob a pressão da escassez de forças estamos nos habituando a pedir aos cristãos mais generosos todo tipo de compromissos dentro e fora da Igreja. Se, ao mesmo tempo não lhes fornecemos espaços para conhecer Jesus, escutar sua Palavra e alimentar-se de seu Evangelho, corremos o risco de fazer crescer na Igreja a agitação e o nervosismo, mas não seu Espírito e sua paz. Podemos deparar-nos com comunidades animadas por funcionários afobados, mas não por testemunhas que irradiam seu vigor” (Lucas, p. 188).

♦ São Francisco de Assis, muito sabiamente prescrevia o trabalho para seus frades a condição que não deixassem de “habitar” o coração: “Aqueles irmãos aos quais o Senhor deu a graça de trabalhar trabalhem fiel e devotamente, de modo que, afastando o ócio que é inimigo da alma, não extingam o espírito da santa oração e devoção ao qual devem servir as demais coisas temporais” (Regra bulada, V).


Oração

Creio em Jesus. Creio em Jesus.
Ele é meu amigo, minha alegria, é meu amor.
Ele é meu Salvador.
Ele bateu à minha porta e me convidou a segui-lo.
Seguirei seus passos, levarei sua mensagem de paz.
Ele ajudou o enfermo e lhe trouxe a fidelidade.
Defendeu o humilde; combateu a mentira e o mal.
Dia e noite creio em Jesus.
Ele está a meu lado, creio em Jesus.
Sigo suas palavras, creio em Jesus.
Ele é meu Salvador.
Ele é o Messias, sigo Jesus.
Ele é minha esperança, creio em Jesus.
Ele vive para sempre, espero em Jesus.
Ele é meu Salvador (C. Erdozain).


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1956, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Direito de sentar-se

José Antonio Pagola

Mais uma vez, Jesus aproxima-se de Betânia, uma aldeia próxima de Jerusalém, para hospedar-se na casa de uns irmãos muito amigos seus. Ao que parece, Ele o faz sempre que sobe para a capital. Estão em casa apenas as mulheres. As duas adotam posturas diferentes. Marta se queixa e Jesus pronuncia umas palavras que Lucas não quer que sejam esquecidas entre os seguidores de Jesus.

Marta é quem “recebe” Jesus e lhe oferece sua hospitalidade. Desde que Ele chegou desvela-se para atendê-lo. Isso nada tem de estranho. É a tarefa que cabe à mulher naquela sociedade. Esse é seu lugar e sua incumbência: fazer o pão, cozinhar, servir ao varão, lavar-lhe os pés, estar ao serviço de todos.

Enquanto isso, Sua irmã Maria permanece “sentada aos pés” de Jesus, em atitude própria de uma discípula que ouve atenta sua palavra, concentrada no essencial. A cena é estranha, porque a mulher não estava autorizada a ouvir como discípula os mestres da lei.

Quando Marta, sobrecarregada pelo trabalho, critica a indiferença de Jesus e pede ajuda, Jesus responde de maneira surpreendente. Nenhum varão judeu teria falado assim.

Ele não critica a Marta sua acolhida e seu serviço. Ao contrário, fala-lhe com simpatia, repetindo carinhosamente seu nome. Não duvida do valor e da importância daquilo que ela está fazendo. Mas não quer ver as mulheres absorvidas somente pelos afazeres da casa: “Marta, Marta, andas inquieta e nervosa com tantas coisas. Só uma coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada”.

A mulher não deve ficar reduzida às tarefas do lar. Ela tem direito a “sentar-se”, como os varões, para escutar a Palavra de Deus. O que Maria está fazendo corresponde à vontade do Pai. Jesus não quer ver as mulheres só trabalhando. Quer vê-las “sentadas”. Por isso, acolhê-as em seu grupo como discípulas, no mesmo plano e com os mesmos direitos que os varões.

Falta-nos muito, na Igreja e na sociedade, para olhar e tratar as mulheres como o fazia Jesus. Considerá-las como trabalhadoras ao serviço do varão não corresponde às exigências desse reino de Deus que Jesus entendia como um espaço sem dominação masculina.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

O “importante” e o necessário

Pe. Johan Konings

Um grande mal em nossa sociedade, e também na Igreja, é o ativismo, a falta de disposição para aprofundar o essencial, sob o pretexto de tarefas urgentes. Neste domingo, a 1ª leitura nos mostra a virtude da hospitalidade na figura de Abraão. Deus – que nos anjos se tomou seu hóspede – o recompensa com a promessa de um filho. O evangelho, porém, parece contradizer esta lição: Jesus dá a impressão de valorizar mais a presença passiva de Maria, que fica escutando-o, do que a preocupação de Marta em bem recebê-lo. Ou será que o jeito certo de recebê-lo é o de Maria: escutar sua palavra?

Jesus observa a Marta que ela anda ocupada e preocupada com muitas coisas, enquanto uma só é necessária. Essa observação não é uma recusa da hospitalidade, mas indica uma escala de valores: a melhor parte é a que Maria escolheu! O que esta faz é fundamental e indispensável: escutar. O resto (as correrias pastorais, as reuniões) é importante, mas deve ter fundamento no escutar. Jesus censura Marta não porque ela cuida da cozinha, mas porque quer tirar Maria do escutar, para fazê-la entrar no ritmo das suas próprias ocupações. Marta não conhecia a escala de valores de Jesus.

Paulo, na 2ª leitura, pode ser um exemplo. Ele passou pela “passividade” do sofrimento, assumindo no seu corpo aquilo que o sofrimento de Cristo deixou para ele. Foi desta identificação profunda com Cristo que ele tirou a força para seu surpreendente apostolado.

Gente ocupada é o que menos falta. Mas sabemos muito bem que toda essa ocupação não gira em torno daquilo que é fundamental. Dá até pena ver certas pessoas complicarem sua vida com mil coisas de que dizem que simplificam a vida. Ao lado delas encontramos o pobre, o lavrador, o índio, vivendo uma vida simples, mas com muito mais conteúdo e, sobretudo, com um coração sensível e solidário.

Importa acolher (a Deus, a Jesus, aos outros) em primeiro lugar no coração. Só então as demais ações terão sentido. Isso vale na vida pessoal e também na vida comunitária. Comunidades que giram exclusivamente em tomo de preocupações e reivindicações materiais acabam esvaziando-se, caem em brigas de personalismo e ambição. Mas comunidades que primeiro acolhem com carinho a palavra de Jesus num coração disposto saberão desenvolver os projetos certos para pôr a palavra de Jesus em prática.

“Buscai primeiro o Reino de Deus … ”


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella