16º Domingo do Tempo Comum
- 16º Domingo do Tempo Comum
- Leituras bíblicas para este domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Deus não impõe a sua verdade
- Ovelhas sem pastor
- Olhar as pessoas como Jesus as olhava
- A compaixão pastoral de Jesus
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
16º Domingo do Tempo Comum
Cresce o número das ovelhas sem pastor
Frei Gustavo Medella
“Ovelhas sem pastor”. A situação que comoveu o coração de Jesus tem sido recorrente nos pandêmicos tempos atuais. Filhos que perdem pai e mãe praticamente no mesmo dia, famílias que, de uma hora para outra, ficam sem seu provedor, muita gente vendo ir embora seu ganha-pão numa onda de desemprego galopante, uma grande massa de jovens sem referência, “clamando” por limites e por uma direção. Todos estes episódios, aos olhos de Deus, não são motivo de indiferença, mas tocam diretamente o seu coração de Pai e, consequentemente, atraem a atenção, o afeto e o cuidado do Filho.
Diante dos apelos da realidade, Jesus, cujo plano primeiro era se retirar para um lugar isolado e descansar, muda o rumo do planejado e começa a fazer o que está a seu alcance para socorrer o vazio e o desnorteio que tomavam conta daquele “rebanho sem pastor”. Uma palavra de conforto, um ensinamento cheio de sabedoria, um gesto concreto de solidariedade certamente faziam parte do novo “plano de ação do Mestre” face aos desafios que se lhe apresentavam.
A criatividade de Cristo e sua disposição de mudar os planos quando se fez necessário seguem como inspiração para o cuidado pastoral que deve nortear a missão da Igreja. Compadecer-se significa abraçar o outro em sua dor e manifestar a quem sofre que ele não está sozinho. No tempo de pandemia, há urgência de bons pastores para tantas ovelhas que jazem perdidas.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas para este domingo
Primeira Leitura: Jr 23,1-6
Leitura do Livro do Profeta Jeremias:
1“Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor!
2Deste modo, isto diz o Senhor, Deus de Israel, aos pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes o meu rebanho, e o afugentastes e não cuidastes dele; eis que irei verificar isso entre vós e castigar a malícia de vossas ações, diz o Senhor.
3E eu reunirei o resto de minhas ovelhas de todos os países para onde foram expulsas, e as farei voltar a seus campos, e elas se reproduzirão e multiplicarão.
4Suscitarei para elas novos pastores que as apascentem; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma delas se perderá, diz o Senhor.
5Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra.
6Naqueles dias, Judá será salvo e Israel viverá tranquilo; este é o nome com que o chamarão: ‘Senhor, nossa Justiça’”.
– Palavra do Senhor.
Responsório (Sl 22)
— O Senhor é o pastor que me conduz;/ felicidade e todo bem hão de seguir-me!
— O Senhor é o pastor que me conduz;/ felicidade e todo bem hão de seguir-me!
— O Senhor é o pastor que me conduz;/ não me falta coisa alguma./ Pelos prados e campinas verdejantes/ ele me leva a descansar./ Para as águas repousantes me encaminha,/ e restaura as minhas forças.
— Ele me guia no caminho mais seguro,/ pela honra do seu nome./ Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso,/ nenhum mal eu temerei/ estais comigo com bastão e com cajado;/ eles me dão a segurança!
— Preparais à minha frente uma mesa,/ bem à vista do inimigo,/ e com óleo vós ungis minha cabeça;/ o meu cálice transborda.
— Felicidade e todo bem hão de seguir-me/ por toda a minha vida;/ e na casa do Senhor habitarei/ pelos tempos infinitos.
Segunda Leitura: Ef 2,13-18
Leitura da Carta de São Paulo aos Efésios:
Irmãos: 13Agora, em Jesus Cristo, vós, que outrora estáveis longe, vos tornastes próximos, pelo sangue de Cristo. 14Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação: a inimizade.
15Ele aboliu a Lei com seus mandamentos e decretos. Ele quis, assim, a partir do judeu e do pagão, criar em si um só homem novo, estabelecendo a paz.
16Quis reconciliá-los com Deus, ambos em um só corpo, por meio da cruz; assim ele destruiu em si mesmo a inimizade.
17Ele veio anunciar a paz a vós, que estáveis longe, e a paz aos que estavam próximos. 18É graças a ele que uns e outros, em um só Espírito, temos acesso junto ao Pai.
– Palavra do Senhor.
O banquete da vida
Evangelho: Mc 6, 30-34
* 30 Os apóstolos se reuniram com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. 31 Havia aí tanta gente que chegava e saía, a tal ponto que Jesus e os discípulos não tinham tempo nem para comer. Então Jesus disse para eles: «Vamos sozinhos para algum lugar deserto, para que vocês descansem um pouco.» 32 Então foram sozinhos, de barca, para um lugar deserto e afastado. 33 Muitas pessoas, porém, os viram partir. Sabendo que eram eles, saíram de todas as cidades, correram na frente, a pé, e chegaram lá antes deles. 34 Quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão, porque eles estavam como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar muitas coisas para eles.
* 30-44: Enquanto Herodes celebra o banquete da morte com os grandes, Jesus celebra o banquete da vida com o povo simples. Marcos não diz o que Jesus ensina, mas o grande ensinamento de toda a cena está no fato de que não é preciso muito dinheiro para comprar comida para o povo. É preciso simplesmente dar e repartir entre todos o pouco que cada um possui. Jesus projeta nova sociedade, onde o comércio é substituído pelo dom, e a posse pela partilha. Mas, para que isso realmente aconteça, é preciso organizar o povo. Dando e repartindo, todos ficam satisfeitos, e ainda sobra muita coisa.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
16º Domingo do Tempo Comum
Oração: “Ó Deus, sede generoso para com os vossos filhos e filhas e multiplicai em nós os dons da vossa graça, para, que repletos de fé, esperança e caridade, guardemos fielmente os vossos mandamentos”.
- Primeira leitura: Jr 23,1-6
Reunirei o resto de minhas ovelhas.
Suscitarei para elas pastores.
No Antigo Oriente Médio o pastoreio de ovelhas e cabras era quase tão importante como a agricultura. Os rebanhos exigiam do pastor cuidados especiais. Era ele quem conduzia o rebanho nas regiões áridas, em busca de pastagens e de água. Devia proteger as ovelhas contra ladrões ou animais ferozes. Por isso os reis costumavam ser chamados pastores de seu povo, ou seja, protetores de seu povo. Mas, em Jeremias e Ezequiel, o termo “pastores” não se refere exclusivamente aos reis. Inclui também juízes, sacerdotes e, enfim, todos os que detêm o poder civil, econômico e religioso, com a obrigação de cuidar do povo. O profeta critica explicitamente o rei Joaquim. Dominado pelo Egito, o reino de Judá foi obrigado a pagar ao faraó Necao um tributo de trinta e quatro mil e quatrocentos kg de prata e 34 de ouro. Enquanto obrigava todos os proprietários de terra a saldar a dívida (2Rs 23,33-35), o rei construía um luxuoso apartamento de cobertura no seu palácio, sem pagar o salário aos trabalhadores (Jr 22,13). Os sacerdotes e os juízes fecharam os olhos e omitiram-se em denunciar as injustiças, dando assim apoio ao rei de Joaquim. Diante disso, Jeremias acusa os maus “pastores” (rei, sacerdotes e juízes) como os responsáveis pela invasão estrangeira e pelo sofrimento do povo: “Dispersastes minhas ovelhas […] e não cuidastes delas”. Por isso – diz Jeremias – Deus vai cassar o ofício destes pastores e Ele mesmo vai reunir as ovelhas dispersas (exílio) e tomar conta do rebanho. Escolherá novos pastores que cuidem das ovelhas, em paz e tranquilidade. Fará surgir um novo Davi, o qual reinará com sabedoria e “fará valer a justiça e a retidão”. Para nós cristãos, este novo rei é Jesus, filho de Davi, que se compadece do povo (Evangelho). Ele é o bom Pastor. Alimenta e protege seu rebanho; é capaz de dar sua vida pelas ovelhas (cf. Jo 10,11).
Salmo responsorial: Sl 22
O Senhor é o pastor que me conduz:
Felicidade e todo bem hão de seguir-me!
- Segunda leitura: Ef 2,13-18
Ele é a nossa paz; do que era dividido, fez uma unidade.
Domingo passado ouvimos o início da Carta aos Efésios um hino de “bendição” a Deus pela bênção recebida “do seu Espírito, em virtude de nossa união com Cristo”. Os motivos do louvor e ação de graças eram nossa eleição e predestinação em Cristo, a redenção pelo seu sangue, a adoção como filhos de Deus, o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo. O texto que acabamos de ouvir se concentra no dom principal da morte redentora de Cristo: por Ele nos veio a paz, paz com Deus e a paz entre os homens. Em Jo 20,19-23 a paz que o Ressuscitado deseja aos apóstolos é fruto do perdão recebido de Deus e dado reciprocamente aos irmãos de fé em Cristo. O perdão é fruto do Espírito Santo e gera a paz: “Recebei o Espírito Santo: a quem perdoardes os pecados, serão perdoados…” (Jo 20,23). No texto de hoje, o Apóstolo fala quatro vezes da paz. Esta paz é proposta para “os que estão perto”, isto é, para judeus convertidos, e “para os que estão longe”, pagãos convertidos. Por sua morte Jesus derrubou o muro de separação entre judeus e pagãos, “para formar um só homem novo, estabelecendo a paz”. Dando sua vida por nós, destruiu em seu corpo a inimizade, reconciliou-nos com Deus e fez de nós um só corpo.
É isso que nos diz a fé. Mas a realidade em que vivemos é bem outra. Muros de separação continuam dividindo a humanidade, entre países do Norte (ricos) e países do Sul (pobres). Muros de caráter político, ideológico e religioso que nos dividem; muros de intolerância às minorias, por motivo de raça etc. Muito ainda temos que caminhar para que nasça este homem novo e se estabeleça a paz.
Aclamação ao Evangelho
Minhas ovelhas escutam minha voz, minha voz estão elas a escutar.
Eu conheço, então, minhas ovelhas, que me seguem comigo a caminhar.
- Evangelho: Mc 6,30-34
Eram como ovelhas sem pastor.
Depois de ser expulso da sinagoga de Nazaré, Jesus enviou os discípulos em missão, para cuidarem da alma e do corpo do povo, curando enfermos e expulsando demônios. No evangelho de hoje ouvimos a continuação da narrativa do envio. Os discípulos voltam muito animados de seu estágio pastoral e contam a Jesus “tudo o que tinham feito e ensinado”. No envio Jesus lhes tinha dado apenas o poder de expulsar demônios e curar os doentes, mas eles começam também a ensinar. No retorno devem ter trazido muita gente até Jesus. Jesus percebe que estavam cansados e que precisava fazer com eles uma revisão. Convida-os, então, a tomar um barco para descansar num lugar deserto e afastado. De fato, Marcos comenta que era tanta gente que procurava a Jesus que “não tinham tempo nem para comer” (3,20). Porém, nada de descanso! Quando chagam ao lugar, encontram uma multidão que os esperava. Muitos, percebendo para onde Jesus se dirigia, “correram a pé e chegaram lá antes deles”. Ao ver aquela multidão, Jesus se compadece “porque eram como ovelhas sem pastor” e põe se a ensinar-lhes “muitas coisas”. Jesus já não vai à sinagoga para ensinar, mas vai ao encontro das pessoas e elas também o procuram. Cuida da alma, ensinando, e cuida do corpo, curando. Sacia primeiro o coração, mas em seguida cuidará do corpo, com o milagre da divisão dos pães (próximo domingo).
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Deus não impõe a sua verdade
Frei Clarêncio Neotti
Marcos emprega a palavra ‘apóstolo’. É a única vez que o termo ocorre no seu Evangelho. Nas outras páginas fala sempre em ‘discípulos’. Apóstolo é uma palavra grega que significa ‘enviado para uma missão’. Na linguagem profana era pouco usada. O termo popularizou-se por meio de Lucas e, sobretudo, de São Paulo, que faz belíssima descrição do conceito e da missão do Apóstolo: é chamado por Deus (Rm 1,1), para pregar o Evangelho (2Cor 5,20), como testemunha da vida, morte e ressurreição de Jesus (1Cor 15,3-5) e como servo de todos (2Cor 1,24).
Ninguém é apóstolo por sua conta e preferência. Deus chama-o para uma finalidade específica, dá-lhe o conteúdo da pregação, que ele deve propor a todos com paciência, ‘oportuna e inoportunamente’ (2Tm 4,2), deixando-lhes a liberdade da decisão, porque Deus não impõe suas verdades, mas as propõem.
A proposta de ir para um lugar deserto depois da pregação não é nova. O próprio Jesus a pusera em prática depois da pregação em Cafarnaum (Mc 1,35). Tem o sentido de descanso, mas tem também o sentido de uma oração pessoal, de devolver a Deus o bem feito, porque todo o bem que fazemos a Deus pertence; de ‘escutar’ a vontade do Pai e predispor-se a novas missões. Nos Evangelhos é bastante comum ver Jesus antes e depois de um grande ensinamento ou de uma importante decisão, retirar-se em oração (Lc 5,16; 6,12; Mt 14,23; 26,36).
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Ovelhas sem pastor
Frei Almir Guimarães
O pior que pode nos acontecer é ter uma vida em que vamos fazendo as coisas, que até são boas e necessárias, mas em que se perdeu a capacidade do espanto, da contemplação e da delícia.
José Tolentino Mendonça
♦ Marcos continua sua crônica a respeito dos começos do “ir pelo mundo” dos apóstolos. Estes voltam de uma empreitada e fazem uma prestação de contas a Jesus a respeito de suas atividades. Parece que nesse momento havia muita gente em torno de Jesus e dos discípulos. Retiram-se para descansar num lugar tranquilo. Depois da missão “precisavam” arrumar seu interior e colocar as coisas em seus devidos lugares. Depois do descanso eles retornam para o meio das pessoas e Marcos faz a seguinte observação: “Ele (Jesus) viu uma grande multidão, e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e pôs-se ensinar-lhes longamente”.
♦ Ovelhas sem pastor. Pessoas que não recebem o alimento necessário para uma vida digna e voltada para o Deus que as ama. Pastor, pastoral vem de pão, de uma raiz indo-europeia pa, que quer dizer pão. Jesus via a miséria imensa naqueles rostos. Miséria física, gente precisando de saúde, de medicamentos, de alimento substancioso. A palavra que sempre volta nesses contextos de multidões é compaixão. Fica, pois, esse lembrete de Marcos: sofrer com as pessoas que sofrem e inventar meios e modos de ajudá-las.
♦ Costuma-se dizer que o bispo da diocese é o pastor dos fiéis e que os presbíteros, diáconos, por sua vez, são pastores no âmbito que lhes foi confiado. Nossas paróquias reúnem um elenco de pastorais: crianças, idosos, doentes, etc. As atividades pastorais visam fazer com que as pessoas cheguem a compreender sua dignidade pessoal e possam se abrir ao Deus de todas as belezas que ama. Claro, que conheçam Cristo Jesus, vivo e presente em nosso meio. Que maduramente se empenhem na construção de um mundo segundo o sonho de Deus. Os expedientes pastorais existem para isso. Se eles ganham ferrugem e são repetidos monotonamente precisam ser deixados de lado. Os que se ocupam de pastoral precisam ter o olhos de Jesus: compadecer-se das pessoas. Os pastores, de modo especial, os padres não podem perder a capacidade de espanto em sua obra.
♦ No seio da Igreja há diversos níveis de pastoreio. Pastores são os pais de família, os que lutam em prol dos imigrantes, os que defendem os direitos humanos em toda sorte de tribunas. Permitam-me deter-me no padre como pastor. Situamo-nos no atual quadro onde a Igreja realiza “normalmente” a pastoral que é a paróquia.
Padre, sacerdote, presbítero. Um rapaz, um adulto que deixou Cristo entrar em sua vida. Fez o percurso necessário para ser ungido como sacerdote ministerial. Pessoa madura, talvez até já tendo feito faculdade, equilibrada, que não busca “carreira”, mas que nutre o imenso desejo de ter compaixão das multidões, como Jesus, sem preocupações segundas de promoção pessoal. Ter os “óculos” de Jesus e reunir o que está disperso. A paróquia é o albergue para recolher os que foram jogados à beira do caminho. Não um “burocrata” mas alguém que todas as suas faculdades para agir na pessoa de Cristo.
♦ Uma equipe de sacerdotes. No mínimo dois, bom seria uns quatro. Oração suculenta cada manha. Estudo. Almoço em comum. Tentativa de se estimarem como irmãos. Jeito simples de viver. Correta prestação de todas as contas. Não levar vida miserável, mas digna. Abundância das coisas necessárias, sem luxo. Cuidado de não pender para amigos e pessoas com alto poder social e financeiro. Ter seus olhos nos olhos de Jesus.
♦ Os dois, os três… a equipe se reunirá… sentirá o que podem, junto com leigos, empreender. Dentro do possível. Há coisas que precisam ser feitas: missas, sacramentos, encomendações. Fazer tudo sem pressa, pensando, ajudando os outros a pensar. Desvelando o sentido das palavras para que elas não fiquem cansadas. Mas os dois ou três precisam inventar o novo. Deixar que as coisas que precisam funcionar funcionem. Mas… criar o novo.. Pensar em verdadeiras lideranças, não colocá-las em esquemas furados segundo nossas opiniões particulares e tendenciosas. Deixar que, com o tempo, o novo delas brote sob a ação do Espírito. Lideranças que andam seriamente olhando com os olhos de Jesus. Olhar de profunda bondade. Elas estão dispensadas de aprender a engrenagem da burocracia.
♦ Esta equipe coesa, de padres de verdade padres, com lideranças leigas maduras haverão de criar:
♣ Lugares de reflexão sobre tudo aquilo que anda arruinando ser humano, sobre o que ocorre no mundo, sobre questões delicadas da moral, do amanhã da Igreja. Fóruns abertos a todos. Temas: feminicídios, violência, indiferença, sexualidade humana, fé cristã. Reflexão sobre o posicionamento do homem moderno exteriorizado e vazio. Livros de Pagola, Ermes Ronchi, José Tolentino Mendonça, Francesco Torralba podem ajudar muito.
♣ Lugares de amizade onde as pessoas se sintam acolhidas com simplicidade e onde se cultive o respeito pelo caminhar de cada um sob a luz da verdade do ser humano e do evangelho. Lugares onde se celebre a vida, onde cada um saiba o nome do outro. Lugares de aprofundamento do bem querer. Lugares onde não pode faltar um bolo com velinhas… Sala da amizade…
♣ Lugares de oração… Espaços onde se pratique a interiorização. Uma bela imagem de Cristo. Um música sem letras. Momentos de silêncio. Uma palavra da Escritura. Um salmo ruminado, um canto que brote da verdade de cada um. Um mergulhar no Mistério. Momentos dos quais saímos todos saiam revigorados.
Para reflexão
Conversão pastoral
A causa mais frequente dos fracassos na pastoral é a falta de conversão dos agentes. O problema da mudança pastoral nas pessoas é muito complexo, já que afeta seu núcleo central mais profundo: mentalidade, critérios, atitudes, hábitos, valores, relações, opções, condutas.
Um aspecto muito importante dessa conversão é a maturidade humana. Acontece que nós, os agentes, preocupamo-nos demais em adquirir os conhecimentos e habilidades para o trabalho pastoral, mas, às vezes, descuidamos do crescimento e amadurecimento em nossa vida humana e cristã.
A conversão pastoral tem a ver com a busca de maturidade em todas as dimensões de nossa vida: biológica, intelectual, afetiva, inclusive a maturidade da fé.
Salvador Valadez Fuentes, “Espiritualidade pastoral – Como superar uma pastoral sem alma?”, Paulinas, p. 97
Oração
Senhor, tenho medo de meu medo,
ele pode fazer com que eu te abandone.
Senhor, tenho medo do meu medo,
ele pode fazer com que eu não fique
fiel até o fim.
Senhor eu te imploro;
não me esqueças em tua glória.
Dá-me teu amor e a força
de dar minha vida por ti. Amém.
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Olhar as pessoas como Jesus as olhava
José Antonio Pagola
Os discípulos, enviados por Jesus para anunciar seu evangelho, voltam entusiasmados. Falta-lhes tempo para contar a seu Mestre tudo o que haviam feito e ensinado. Ao que parece, Jesus quer escutá-los com calma e os convida a retirar-se “sozinhos para um lugar deserto a fim de descansar um pouco”.
As pessoas estragam esse plano. De todas as aldeias correm à sua procura. Já não é possível aquela reunião tranquila que Jesus havia planejado a sós com seus discípulos mais próximos. Quando chegam ao lugar, a multidão o havia invadido todo. Como reagirá Jesus?
O evangelista descreve com detalhes sua atitude. As pessoas nunca incomodam Jesus. Ele fixa seu olhar na multidão. Sabe olhar não só as pessoas concretas e próximas, mas também essa massa de gente formada por homens e mulheres sem voz, sem rosto e sem importância especial.
Imediatamente desperta nele a compaixão. Não a pode evitar. “Sentiu compaixão deles”. Traz a todos bem dentro de seu coração.
Jesus nunca os abandonará. Ele os vê “como ovelhas sem pastor”: pessoas sem guias para descobrir o caminho, sem profetas para ouvir a voz de Deus. Por isso, “pôs-se a ensinar-lhes muitas coisas”, com calma, dedicando-lhes tempo e atenção para alimentá-los com sua palavra curadora.
Um dia teremos que revisar diante de Jesus, nosso único Senhor, a maneira como olhamos e tratamos essas multidões que estão abandonando silenciosamente a Igreja, talvez porque não podem ouvir entre nós seu evangelho ou porque já não lhes dizem nada nossos discursos, comunicados e declarações.
Pessoas simples e boas que estamos decepcionando porque não veem em nós a compaixão de Jesus. Crentes que não sabem a quem recorrer nem que caminhos seguir para encontrar-se com um Deus mais humano do que aquele que percebem entre nós. Cristãos que se calam porque sabem que sua palavra não será levada em conta por ninguém importante na Igreja.
Um dia o rosto desta Igreja mudará. Ela aprenderá a agir com mais compaixão; esquecer-se-á de seus próprios discursos e pôr-se-á a ouvir o sofrimento das pessoas. Jesus tem força para transformar nossos corações e renovar nossas comunidades. Precisamos voltar para ele.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
A compaixão pastoral de Jesus
Pe. Johan Konings
No domingo passado vimos a missão dos doze apóstolos. Hoje, assistimos à volta dos doze. Cumpriram tão bem seu primeiro “estágio pastoral” que Jesus os convida para um piquenique ou um dia de retiro na margem do lago de Genesaré. Entram no barco, navegam uns quilômetros e, quando chegam no lugar desejado, encontram uma multidão de pessoas que os viram partir e correram pela margem até lá. Decepção? Não. “Jesus encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas sem pastor”(evangelho). Jesus se torna pastor para essas ovelhas. E o que faz? “Pôs-se a ensinar muitas coisas”.
No Antigo Testamento, pastor é aquele que orienta e conduz. Vai à frente das ovelhas para conduzi-las a pastar. Assim eram chamados pastores os chefes do povo de Israel: os reis Moisés, o Messias, e sobretudo: Deus mesmo (Sl 23 [22]; 95 [94], 7 etc). E é assim que na 1ª leitura de hoje Deus mesmo se apresenta, à diferença dos maus pastores (Jr. 23, 1-6). Os maus pastores dispersam o rebanho, o bom pastor reconduz os dispersos.
O projeto de reconduzir o povo recebe sua plena realização em Jesus de Nazaré. Ele procura um lugar tranquilo para os discípulos, mas topa com uma multidão carente de pastor. Então tem compaixão deles e começa a ensinar-lhes as coisas do Reino. Temos aí a origem da “pastoral”. A pastoral é colocar em prática a “compaixão” pelo povo. Não a compaixão de chamar alguém de coitado, sem fazer nada. Mas a “paixão” que nos faz sentir “com” o povo.
Acolher o povo, ensinar-lhes as coisas do Reino, tudo o que Jesus faz para o povo com vista ao Reino é “pastoral” em proveito de Deus, é cuidar de seu rebanho. Por isso, Jesus dará até a vida (Jô 18,11-18). O que faz algo ser pastoral não é tal ou tal atividade determinada, mas o intuito com que ela é assumida: transformar um povo sem rumo em povo conduzido por Deus.
Por isso, hoje, o importante não é multiplicar atividades chamando-as de pastoral, mas cuidar de que os que as realizam tenham alma de pastor, atitude de pastor: acolhida, liderança e amor até doar a própria vida.
Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada não pelo desejo de poder, mas pelo espírito de serviço. Jesus não procurou arrebanhar o povo para si. Inclusive, vendo o entusiasmo equivocado, se retirou (Jô 6,14-15). Ele procura levar o rebanho ao Pai, nada mais. Ser pastor não é autoafirmação, mas o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella