14º Domingo do Tempo Comum
- 14º Domingo do Tempo Comum
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- De Cristo vem cristão
- Não desprezar o profeta
- "Santo de casa não faz milagre"
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
14º Domingo do Tempo Comum
A maturidade de reconhecer as próprias luzes e sombras
Frei Gustavo Medella
O autoconhecimento é um dos sintomas mais significativos da maturidade de uma pessoa que percebe os próprios sonhos, desejos, potencialidades e também as feridas, as insuficiências e os pecados. Não deixa a balança pender nem para uma autoexaltação narcisista e alienada, nem para uma postura autodestrutiva em que a estima por si próprio chega aos mais baixos índices.
Na segunda leitura deste domingo (2Cor 12,7-10), São Paulo faz um belo exercício de maturidade e autoconhecimento, expressando até mesmo certo espanto diante da grandeza da graça de Deus em comparação à sua própria pequenez, por ele comparada a “espinhos na traz na carne”. É neste reconhecimento maduro que o Apóstolo encontra a força necessária para missão no que de fato é essencial: “Basta-te a minha graça. Pois é na fraqueza que a força se manifesta”.
No Evangelho, Jesus, um pouco decepcionado, porém firme e maduro na missão que o Pai o confiou, segue seu caminho de anunciar e promover o Reino. Penso que preferiria ser tratado com maior reverência e carinho pelos conterrâneos. Mas como ainda não estavam preparados para o criativo poder de Deus que manifesta sua força na simplicidade e na “fraqueza” de seu Filho, preferiram seguir esperando um salvador à imagem e semelhança de suas próprias e equivocadas expectativas. “Dai-me, Senhor, hoje e sempre, a graça de reconhecer a força na fraqueza que vós vos dignastes assumir no mistério da Encarnação de vosso Filho, Jesus Cristo”.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura: Ezequiel 2,2-5
Quem opta pelo projeto de Deus frequentemente se confronta com a dureza de coração de muitos. Ouçamos a Palavra que revela a ação divina por meio daqueles que amam a Cristo e enfrentam, com fé e sabedoria, as dificuldades da caminhada.
Leitura da profecia de Ezequiel – 2 Naqueles dias, depois de me ter falado, entrou em mim um espírito que me pôs de pé. Então eu ouvi aquele que me falava, 3 o qual me disse: “Filho do homem, eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim. Eles e seus pais se revoltaram contra mim até o dia de hoje. 4 A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra vou-te enviar, e tu lhes dirás: ‘Assim diz o Senhor Deus’. 5 Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes -, ficarão sabendo que houve entre eles um profeta”.
Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 122(123)
Os nossos olhos estão fitos no Senhor: / tende piedade, ó Senhor, tende piedade!
- Eu levanto os meus olhos para vós, / que habitais nos altos céus. / Como os olhos dos escravos estão fitos / nas mãos do seu senhor. – R.
- Como os olhos das escravas estão fitos / nas mãos de sua senhora, / assim os nossos olhos, no Senhor, / até de nós ter piedade. – R.
- Tende piedade, ó Senhor, tende piedade; / já é demais esse desprezo! / Estamos fartos do escárnio dos ricaços / e do desprezo dos soberbos! – R.
Segunda Leitura: 2 Coríntios 12,7-10
Leitura da segunda carta de São Paulo aos Coríntios – Irmãos, 7 para que a extraordinária grandeza das revelações não me ensoberbecesse, foi espetado na minha carne um espinho, que é como um anjo de satanás a esbofetear-me, a fim de que eu não me exalte demais. 8 A esse propósito, roguei três vezes ao Senhor que o afastasse de mim. 9 Mas ele disse-me: “Basta-te a minha graça. Pois é na fraqueza que a força se manifesta”. Por isso, de bom grado, eu me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim. 10 Eis por que eu me comprazo nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias sofridas por amor a Cristo. Pois, quando eu me sinto fraco, é então que sou forte.
Palavra do Senhor.
Evangelho: Marcos 6,1-6
Aleluia, aleluia, aleluia.
O Espírito do Senhor / sobre mim fez a sua unção; / enviou-me aos empobrecidos / a fazer feliz proclamação (Lc 4,18). – R.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos – Naquele tempo, 1 Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. 2 Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos que o escutavam ficavam admirados e diziam: “De onde recebeu ele tudo isso? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? 3 Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?” E ficaram escandalizados por causa dele. 4 Jesus lhes dizia: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. 5 E ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. 6 E admirou-se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando.
Palavra da salvação.
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
Oração: “Ó Deus, que pela humilhação do vosso Filho reerguestes o mundo decaído, enchei os vossos filhos e filhas de santa alegria, e dai aos que libertastes da escravidão do pecado o gozo das alegrias eternas”
1 Primeira leitura: Ez 2,2-5
São um bando de rebeldes, e ficarão sabendo que houve entre eles um profeta.
Ezequiel conta em primeira pessoa sua experiência do chamado de Deus para ser seu profeta. Outros profetas como Amós (7, 15), Jeremias (1,7) e Isaías (6,8-11) também contam sua vocação profética. Ezequiel narra como foi arrebatado em visão pelo espírito divino. Deus como que invade sua pessoa (3,12.24; 8,3) e toma conta de sua fala (3,1-3). E o profeta torna-se assim o porta-voz de Deus, mas continua livre em acolher ou rejeitar o chamado divino. Por outro lado, o profeta tem consciência de estar falando em nome de Deus. Os ouvintes têm a liberdade de acreditar, ou não, que Ezequiel fala em nome de Deus, Por isso, Deus adverte Ezequiel sobre as dificuldades da missão: “Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes, que se afastaram de mim [..] filhos de cabeça dura e coração de pedra”. O profeta tinha que falar em nome de Deus a um povo rebelde e agressivo, que o cercava como se fossem espinhos e escorpiões (v. 6-7). Não obstante a rebeldia, o Deus misericordioso continua falando a Israel porque são seus filhos. Mas, caso persistirem endurecendo seu coração, sobrevirá o silêncio de Deus, como diz o profeta Amós: “Enviarei fome ao país, não uma fome de pão, nem uma sede de água, mas de ouvir as palavras do Senhor. Andarão cambaleando de um mar a outro, do Norte até o Oriente, procurando a palavra do Senhor, mas não a encontrarão” (8,11-12).
Ouçamos hoje a voz do Senhor! O que ele nos fala?
Salmo responsorial: SI 122
Os nossos olhos estão fitos no Senhor. Tende piedade, ó Senhor, tende piedade!
2 Segunda leitura: 2Cor 12,7-10
Eu me gloriarei das minhas fraquezas para que a força de Cristo habite em mim.
Ezequiel teve que enfrentar a dureza de coração de seus opositores. Deus o animou a não temer os adversários, “mesmo que espinhos te cerquem e estejas assentado sobre escorpiões” (Ez 2,6). Jesus foi expulso pelos doutores da Lei e fariseus não só de Nazaré, mas também da sinagoga (Evangelho). Da mesma forma, o apóstolo Paulo teve de enfrentar tanto inimigos externos como adversários dentro do próprio cristianismo. Eram cristäos de linha judaica, que contestavam seu apostolado porque Paulo defendia a liberdade frente à Lei de Moisés. Na Segunda Carta aos Corintios (cap. 10-12) Paulo defende seu modo de pregar o Evangelho e a autoridade de seu apostolado, do qual tinha orgulho. No texto que ouvimos reconhece, porém, suas fraquezas. Paulo fala de um “espinho na carne” que o atormentava (doença, prisões, tentações, oposição de judeu-cristãos ou remorso de seu passado?). para que não se orgulhasse dos dons e das revelações recebidas de Cristo. Reconhece que a força de seu ministério vem de Cristo: “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força se manifesta”.
Aclamação ao Evangelho: Lc 4,18
O Espírito do Senhor sobre mim fez a sua unção; enviou-me aos empobrecidos a fazer feliz proclamação.
3 Evangelho: Mc 6,1-6
Um profeta só não é estimado em sua pátria.
Depois de ser batizado por João e tentado pelo demônio no deserto, Jesus iniciou sua atividade nas aldeias em torno do lago de Genesaré. A fama de seus milagres e de sua pregação já havia chegado até Nazaré. De fato, seus parentes o haviam procurado emn Cafarnaum para tirá-lo de circulação (10° Domingo, Ano B), pois pensavam que estava ficando louco (3,21.31-35). Mas a pregação de Jesus sobre a boa-nova do Reino de Deus nem sempre tinha sucesso. Sua mensagem dividia o auditório. Havia os que o seguiam, na esperança de serem beneficiados por algum milagre. Outros o seguiam para ouvir sua mensagem; outros, ainda, o seguiam apenas para contestar suas palavras e criticar suas ações. Jesus exemplifica as diferentes respostas dos ouvintes na parábola do semeador (Mc 4,1-20). No entanto, diante dos aparentes fracassos, Jesus continuava confiante na semente da Palavra que semeava (cf. Me 4,26-32).
Com esta confiança Jesus chega à aldeia de Nazaré, onde foi criado. Quando Jesus entra na sinagoga podemos imaginar que a expectativa de ouvi-lo falar era enorme. Logo, porém, da admiração pelos milagres e sabedoria de seu ensinamento os ouvintes passam para a desconfiança e o desdém. Desautorizaram a Jesus porque não estudou a Lei junto aos mestres da Lei em Jerusalém. Jesus não passava de um filho do carpinteiro José, um trabalhador braçal. Todo mundo conhecia sua mãe e seus familiares. Jesus ficou admirado da falta de fé de sua gente e disse: “Um profeta só não é estimado em sua pátria entre seus parentes e familiares”. Diante da incredulidade dos conterrâneos, Jesus “curou apenas alguns doentes”. A primeira vez que Jesus entra numa sinagoga de Cafarnaum para ensinar todos reconhecem sua autoridade: “O que é isso? Uma doutrina nova dada com autoridade!” (1,27). Em Marcos, a última vez que Jesus ensina numa sinagoga é na sua terra natal e dela sai desautorizado (6,29). Mesmo assim, continua ensinando nos povoados dos arredores e curando os doentes. O Evangelho deve ser anunciado, “quer te escutem, quer não” (Primeira leitura). Na parábola do semeador Jesus dizia: “Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça” (Mc 4,9).
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
De Cristo vem cristão
Frei Clarêncio Neotti
Em dado momento de sua vida pública, Jesus retorna à Nazaré, sua terra. Embora tenha nascido em Belém, na Judeia, passou a maior parte de sua vida em Nazaré da Galileia. Quando Jesus entrou triunfalmente em Jerusalém, a multidão respondia aos estrangeiros, que perguntavam quem era aquele homem aclamado: “É o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia” (Mt 21,10-11). Condenado à morte, Pilatos mandou colocar no alto da cruz, em latim, grego e aramaico: “Jesus Nazareno, rei dos Judeus” (Jo 19,19-20). Quando, depois de Pentecostes, Pedro curou um paralítico, ele o fez em nome de Jesus Cristo Nazareno (At 3,6).
Apóstolos, povo e autoridades sabiam que Jesus era de Nazaré, aldeia sem nenhuma importância antes da morte de Jesus. O nome da cidade não ocorre em nenhuma passagem do Antigo Testamento. Tudo indica, porém, que era uma vila sacerdotal, isto é, habitada, sobretudo, por sacerdotes. No tempo de Jesus era um lugarejo pobre, onde se cultivavam trigo, linho, vinhedos, olivais e árvores frutíferas, como a figueira. Maria vivia em Nazaré antes do nascimento de Jesus (Lc 1,26), enquanto José era originário da região de Belém (Mt 2,1-11). Só depois da volta do Egito (Mt 2,19-23), eles se fixaram, como família, em Nazaré. Como se sabe, José era carpinteiro de profissão e ensinou essa profissão a Jesus. Não lhes faltava trabalho, mesmo porque, em tempos de Jesus ado- lescente, construiu-se a cidade de Séfforis, capital da região, a apenas cinco quilômetros ao norte de Nazaré. Tudo indica que a parentela de Jesus e os habitantes de Nazaré eram acomodados, provavelmente, por medo dos romanos. Por isso não aplaudiam a fama de seu conterrâneo nem se orgulhavam muito dele. O Evangelho de hoje o mostra bem. Noutra ocasião, os parentes quiseram “agarrá-lo, pois diziam: Ele está louco!” (Mc 3,21).
Os primeiros discípulos eram chamados ‘nazarenos’, por causa de Jesus (At 24,5). Só mais tarde, mas ainda em tempos dos Apóstolos, foram chamados de ‘cristãos’, nome evidentemente derivado de Cristo, que quer dizer ‘ungido’. Segundo At 11,26, o nome surgiu em Antioquia, por volta do ano 43. O apelido que se tornou glorioso e universal – provavelmente foi dado pelos juízes romanos, que tiveram de resolver muitas questiúnculas levantadas pelos judeus contra os seguidores de Cristo. O nome ocorre ainda em At 26,28 e na primeira Carta de Pedro (1Pd 4,16).
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Não desprezar o profeta
José Antonio Pagola
O relato não deixa de ser surpreendente. Jesus foi rejeitado precisamente em sua própria terra, entre aqueles que acreditavam conhecê-lo melhor do que ninguém. Chega a Nazaré e ninguém sai ao seu encontro, como acontece às vezes em outros lugares. Tampouco lhe apresentam os enfermos da aldeia para que os cure.
Sua presença só desperta neles admiração e espanto. Não sabem quem pôde ensinar-lhe uma mensagem tão cheia de sabedoria. Tampouco conseguem explicar donde vem a força curadora de suas mãos. A única coisa que sabem é que Jesus é um trabalhador nascido numa família de sua aldeia. Todo o resto “lhes resulta escandaloso”. Jesus se sente “desprezado”: os seus não o aceitam como portador da mensagem e da salvação de Deus. Fizeram uma ideia de seu concidadão
Jesus e se recusam a abrir-se ao mistério que se encerra em sua pessoa. Jesus lhes lembra um provérbio que, provavelmente, todos conhecem: “Um profeta só é desprezado em sua terra, entre seus parentes e em sua própria casa”.
Ao mesmo tempo “admirou-se da falta de fé deles”. É a primeira vez que experimenta uma rejeição coletiva, não dos dirigentes religiosos, mas de seu povo. Não esperava isto dos seus. A incredulidade deles chega inclusive a bloquear sua capacidade de curar: “Não pôde fazer ali nenhum milagre. Apenas curou alguns enfermos”.
Marcos não narra este episódio para satisfazer a curiosidade de seus leitores, mas para advertir as comunidades cristas que Jesus pode ser rejeitado precisamente por aqueles que acreditam conhecê-lo melhor: os que se fecham em suas ideias preconcebidas, sem abrir-se nem à novidade de sua mensagem nem ao mistério de sua pessoa.
Como nós, que acreditamos ser “seus”, estamos acolhendo a Jesus? Não vivemos demasiadamente indiferentes à novidade revolucionária de sua mensagem? Não é estranha nossa falta de fé em sua força transformadora? Não corremos o risco de apagar seu Espírito e de desprezar sua profecia?
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
"Santo de casa não faz milagre"
Pe. John Konings
Os antigos israelitas não gostam quando o profeta Ezequiel denuncia a infidelidade à Lei e à Aliança, infidelidade que provocou a catástrofe do exílio babilônico. Mas, gostem ou não, Ezequiel entrega o recado: “Saberão que há um profeta no meio deles” (1ª leitura). A lembrança dessa pregação constitui o pano de fundo para reler o que ocorreu a Jesus quando foi pregar na sua própria terra, Nazaré, depois de ter percorrido Cafarnaum e as outras cidades da Galiléia (evangelho). Os seus conterrâneos não aceitavam que esse jovem que conheceram morando no meio deles como operário braçal lhes pregasse a conversão para participarem do Reino de Deus. Alguém que é socialmente inferior dirigir-Ihes a palavra, com autoridade, onde é que se viu?! Vale recordar a reação de muitas pessoas quando um operário se candidata a prefeito ou a presidente da República!
O evangelho nos conta ainda que, depois da ciumenta rejeição, Jesus não pôde fazer lá muitos milagres.”Santo de casa…”. Deus não lhe permitiu mais do que isso, pois os milagres são obras de Deus. A limitação dos milagres era um aviso de Deus para evidenciar a incredulidade. Só uns milagrinhos, umas curas de doentes… mas não deixava de ser um sinal deixado pelo profeta.
O que ocorreu a Jesus em Nazaré prefigura a rejeição que ele experimentará, poucos meses depois, em Jerusalém. Ali, não apenas recusarão sua palavra, mas o pregarão na cruz. Como ficaria uma visita de Jesus a nós, católicos apostólicos romanos, hoje? Encontraria ouvido? Muitos seguidores conheceram a mesma sorte que Jesus. Pessoas simples, profetas que surgiram levantaram a voz no nosso meio. Foram mortos por denunciarem as desigualdades, as injustiças sociais, a violência no campo e na cidade. Foram mortos por “bons católicos”. Eram considerados pouco importantes, não tinham poder, mas sua palavra tem. Sua voz não se cala, mesmo que estejam mortos. Porque a voz da justiça e da fraternidade é a voz de Deus.
Ao profeta não importam posição social ou eloquência (Jr 1,6). Na 2ª leitura encontramos o currículo de Paulo: não exibe muitos diplomas. Gloria-se em sua fraqueza, pois nela é Deus quem age. Ele só quer anunciar o evangelho do Cristo crucificado c pede que suportemos essa sua loucura. Poder e eloquência não importam. Importa que o profeta é enviado por Deus. Talvez ele seja um simples operário, pouco refinado e muito chato, porque sempre insiste na mesma coisa. Talvez não faça milagres vistosos, talvez só levante o ânimo de umas poucas pessoas simples. Talvez seja crucificado, figurativamente, pelos que gostam de se mostrar muito religiosos. Mas o que ele fala é palavra de Deus.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella