Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

13º Domingo do Tempo Comum

13º Domingo do Tempo Comum

Um cristianismo de seguimento

 

José Antonio Pagola

Em tempos de crise é grande a tentação de buscar segurança, voltar a posições fáceis e bater novamente às portas de uma religião que nos “proteja” de tantos problemas e conflitos.

Precisamos revisar nosso cristianismo para ver se, na Igreja atual, vivemos motivados pela paixão de seguir Jesus ou andamos buscando “segurança religiosa”. De acordo com o conhecido teólogo alemão [ohann Baptist Metz, esse é o desafio mais grave que nós cristãos enfrentamos na Europa: decidir-nos entre uma “religião burguesa” ou um “cristianismo de seguimento”.

Seguir Jesus não significa fugir para um passado já morto, mas procurar viver hoje com o espírito que animou Jesus. Como disse alguém com maestria, trata-se de viver hoje “com a atmosfera de Jesus” e não “ao sabor do vento que mais sopra”.

Este seguimento não consiste em buscar novidades nem em promover grupos de seletos, mas em fazer de Jesus o eixo único de nossas comunidades, pondo-nos a serviço daquilo que Ele chamava reino de Deus.

Por isso, seguir Jesus implica quase sempre andar “contra a corrente”, em atitude de rebeldia diante de costumes, modas ou correntes de opinião que não concordam com o espírito do Evangelho.

E isto exige não só não deixar-nos domesticar por uma sociedade superficial e consumista, mas inclusive contradizer os próprios amigos e familiares, quando nos convidam a seguir caminhos contrários ao Evangelho.

Por isso, seguir Jesus exige estar dispostos a enfrentar conflitos e a cruz. Estar dispostos a compartilhar sua sorte. Aceitar o risco de uma vida crucificada como a sua, sabendo que nos espera a ressurreição. Não seremos capazes de escutar hoje o chamado sempre vivo de Jesus a segui-lo?


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: 1 Reis 19,16.19-21

Naqueles dias, disse o Senhor a Elias: 16“Vai e unge a Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meula, como profeta em teu lugar”. 19Elias partiu dali e encontrou Eliseu, filho de Safat, lavrando a terra com doze juntas de bois; e ele mesmo conduzia a última. Elias, ao passar perto de Eliseu, lançou sobre ele o seu manto. 20Então Eliseu deixou os bois e correu atrás de Elias, dizendo: “Deixa-me primeiro ir beijar meu pai e minha mãe, depois te seguirei”. Elias respondeu: “Vai e volta! Pois o que te fiz eu?” 21Ele retirou-se, tomou a junta de bois e os imolou. Com a madeira do arado e da canga assou a carne e deu de comer à sua gente. Depois, levantou-se, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço.
Palavra do Senhor.

Sl 15(16)
Ó Senhor, sois minha herança para sempre!
Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio! † Digo ao Senhor: “Somente vós sois meu Senhor: / nenhum bem eu posso achar fora de vós!” / Ó Senhor, sois minha herança e minha taça, / meu destino está seguro em vossas mãos! – R.
Eu bendigo o Senhor, que me aconselha / e até de noite me adverte o coração. / Tenho sempre o Senhor ante meus olhos, / pois, se o tenho a meu lado, não vacilo. – R.
Eis por que meu coração está em festa, † minha alma rejubila de alegria / e até meu corpo no repouso está tranquilo; / pois não haveis de me deixar entregue à morte / nem vosso amigo conhecer a corrupção. – R.
Vós me ensinais vosso caminho para a vida; † junto a vós, felicidade sem limites, / delícia eterna e alegria ao vosso lado! – R.

Segunda Leitura: Gálatas 5,1.13-18

Irmãos, 1é para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai, pois, firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão. 13Sim, irmãos, fostes chamados para a liberdade. Porém, não façais dessa liberdade um pretexto para servirdes à carne. Pelo contrário, fazei-vos escravos uns dos outros pela caridade. 14Com efeito, toda a Lei se resume neste único mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. 15Mas, se vos mordeis e vos devorais uns aos outros, cuidado para não serdes consumidos uns pelos outros. 16Eu vos ordeno: procedei segundo o Espírito. Assim, não satisfareis aos desejos da carne. 17Pois a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito tem desejos contra a carne. Há uma oposição entre carne e espírito, de modo que nem sempre fazeis o que gostaríeis de fazer. 18Se, porém, sois conduzidos pelo Espírito, então não estais sob o jugo da Lei.
Palavra do Senhor.

Evangelho: Lucas 9,51-62
51Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu. Então ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém 52e enviou mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram num povoado de samaritanos, para preparar hospedagem para Jesus. 53Mas os samaritanos não o receberam, pois Jesus dava a impressão de que ia a Jerusalém. 54Vendo isso, os discípulos Tiago e João disseram: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?” 55Jesus, porém, voltou-se e repreendeu-os. 56E partiram para outro povoado. 57Enquanto estavam caminhando, alguém na estrada disse a Jesus: “Eu te seguirei para onde quer que fores”. 58Jesus lhe respondeu: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. 59Jesus disse a outro: “Segue-me”. Este respondeu: “Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai”. 60Jesus respondeu: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus”. 61Um outro ainda lhe disse: “Eu te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares”. 62Jesus, porém, respondeu-lhe: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus”.
Palavra da salvação.

O ódio rejeita, o amor acolhe

Frei Clarêncio Neotti

Jesus passou a maior parte de sua vida na Galileia, região norte da Palestina, administrada por Herodes. Como nessa província moravam ‘pagãos’ que, muitas vezes, casavam com hebreus, ou hebreus que comerciavam com ‘pagãos’, os galileus eram malvistos pelos judeus ortodoxos, principalmente pelos que moravam na parte sul da Palestina, chamada Judeia, cuja capital era Jerusalém. Para ir da Galileia à Judeia, o caminho mais curto consistia em descer pelo vale do Jordão, atravessando a Samaria, até Jericó e subir, então, quase mil metros de montanha semidesértica, passando por Betânia e Betfagé, ambas as vilas já nas encostas do Monte das Oliveiras.

Entre judeus e samaritanos existia ódio de morte e contínuos atritos de fundo religioso, racial e político. Os samaritanos eram intrusos, sem o querer. Quando os assírios destruíram o reino de Israel (722 a. C.), deportaram todos os habitantes da região e, em seu lugar, trouxeram um povo ‘pagão’. Voltando os israelitas do exílio (538 a. C.), os samaritanos ficaram na região, adotando costumes israelitas, inclusive o monoteísmo. Mas, não tendo sangue hebreu, jamais conseguiram a amizade, nem mesmo comercial, com os judeus. É, então, compreensível que os samaritanos neguem hospedagem ao grupo de Jesus por “ser evidente que estavam indo para Jerusalém” (v. 53).

Mas esse episódio está carregado de símbolos. Quando Jesus foi a primeira vez a Jerusalém, ainda no seio de Maria, para alcançar Belém, não havia lugar na hospedaria (Lc 2,7). Agora, na última ida a Jerusalém, quando deve acontecer o Natal de toda a humanidade, também não há lugar. Hospedar-se, sentar-se à mesa com alguém indica aceitação. E Jesus não é aceito, é rejeitado (Lc 9,22). Mas sua resposta não é a violência e a vingança como querem Tiago e João. Cristo é a encarnação da misericórdia, e o tempo, agora, é de perdão e salvação. O fogo que Jesus enviará não é destruidor, mas o fogo do Espírito Santo (At 2,3), no dia de Pentecostes, com força para “derrubar os muros da separação e da inimizade” (Ef 2,14).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Tornar-se discípulo de Jesus

Empresa que leva tempo

Frei Almir Guimarães

Tema atual e urgente. Não basta mais dizer-se católico. Há alguns anos nascia-se numa família bem estruturada, certinha, com seus ritos religiosos e seus credos indiscutíveis, professados com os lábios e com a mente, nem sempre assimilados e tudo estava em ordem no melhor dos mundos. Os tempos mudaram. Hoje para podermos afirmar nossa fé cristã será fundamental empreender o caminho que nos leva ao Cristo pela via do discipulado. Nos últimos tempos repete-se a mais não poder: estamos na era da formação de um discipulado de Cristo, de um seguimento de um Mestre que é exigente. A Conferência de Aparecida decretou a era dos discípulos missionários.

“O caminho da formação do seguidor de Jesus lança suas raízes na natureza dinâmica da pessoa e no convite pessoal de Jesus Cristo, que chama os seus pelo nome e estes o seguem porque conhecem sua voz. O Senhor despertava as aspirações profundas de seus discípulos e os atraía a si maravilhados. O seguimento é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana e de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como o mestre que o conduz e acompanha” (Doc. Aparecida, n. 277).

O deixar tudo para seguir Jesus não é fim em si mesmo, mas está em função do seguimento. É mais seguir do que aprender. O desapego, o abandono, o deixar constituem o momento negativo. Lentamente o discípulo encontra um outro jeito de vida, um novo modo de escolher e de avaliar as coisas, as pessoas e os acontecimentos. Quando foi se tornando discípulo de Jesus ressuscitado, Paulo afirmou: “Julgo que tudo é prejuízo diante do bem supremo que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Fl 3,8).

Cristo olha, toma a iniciativa de chamar e quer resposta sem regateios. Há urgência em seguir o Mestre. Não se pode ficar protelando o dia da entrega da vida ao seguimento. “Aquele que é chamado, diante do apelo do Senhor, não pode, facilmente hesitar, tergiversar ou adiar a resposta, mas deve decidir-se com presteza, dar a resposta no momento do encontro. O apelo, portanto, tem uma conotação de urgência: é o apelo do “tempo oportuno”, do “tempo favorável”: é a grande e feliz ocasião que não pode falhar, ou melhor, deve ser aproveitada agora, aqui no imediato…” (Ubaldo Terrinoni, OFMCap).

Voltemos ao Documento de Aparecida, quando descreve o discipulado: “A pessoa amadurece constantemente no conhecimento de Jesus Mestre, se aprofunda no mistério de sua pessoa, de seu exemplo e de sua doutrina. Para esse passo são de fundamental importância a catequese permanente e a vida sacramental, que fortalece a conversão inicial e permitem que os discípulos missionários possam perseverar na vida cristã e na missão no meio do mundo que os desafia” (278c).


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Exigente liberdade cristã

Pe. Johan Konings

Há algumas semanas já que a liturgia dominical vêm apresentando a Carta de Paulo aos Gálatas, o documento mor da “liberdade cristã”. Será que entende por liberdade a mesma coisa que pensam as pessoas hoje, sobretudo os jovens (veja a propaganda de jeans ou de cigarros … ). Que é liberdade para o cristão?

No evangelho de hoje, Cristo nos diz que seus seguidores devem largar tudo que os atrapalha para o seguir: coisas materiais, apegos afetivos … Paulo, na 2″ leitura, nos diz que fomos libertos por Cristo para vivermos na liberdade. Mas como combina essa “liberdade” com a severa exigência pronunciada no evangelho?

A liberdade cristã é “liberdade de” e “liberdade para”.

“Liberdade de” outros sistemas, valores, apegos. Liberdade de outros mestres e senhores a não ser Cristo. Não é libertinagem, pois libertinagem não é liberdade e sim escravidão de veleidades, instintos, vícios, orgulho, autossuficiência. Muitos que se dizem livres são na realidade escravos de si mesmos, do seu egoísmo, de algum poder escuso – um grupo, uma pessoa que os tem em seu poder sem que o reconheçam. O cristão é livre na medida em que pertence a Jesus como a seu único Senhor, e a Deus, Pai de Jesus e de todos.

O cristão é “livre para” o que Cristo deseja: a dedicação ao irmão, o próximo. Livre para a corajosa transformação da exploração em fraternidade; para a verdade que afugenta a mentira; para tudo o que o Espírito de Deus nos inspira, os frutos do Espírito: caridade, alegria, paz (cf. 015,22). E para isso, ele cumprirá a “lei única”, que contém tudo o mais que é preciso observar: amar o próximo como a si mesmo (ou seja, como se se tratasse de si mesmo). Na mesma carta, Paulo chega a dizer que a liberdade consiste em tornarmo-nos escravos de nossos irmãos … (015,13).

Paulo escreveu essa carta numa situação muito específica. Corno ele era judeu, os pagãos da Galácia (Turquia), recém-convertidos a Cristo, pensavam que, para ser como Paulo, eles deviam tornar-se judeus, com circuncisão e tudo. Alguns pregadores judeus lhes botaram isso na cabeça. Paulo reage contra isso com veemência, explicando que não foi esse o evangelho que ele tinha anunciado. O sistema da lei judaica está agora superado, e não é preciso ser judeu para ter acesso ao povo de Deus, refundado por Jesus de Nazaré. No nosso contexto histórico hoje, que significa essa liberdade apregoada por Paulo? Exige a derrubada de sistemas e estruturas que impedem as pessoas de realizar a fraternidade que Deus espera e que Jesus veio inaugurar. Liberdade cristã significa liberdade em relação ao sistema de exploração que nos quer dominar. Significa dizer “não” ao sistema alienante e explorador – sustentado inclusive por formas alienantes de religião – e colocarmo-nos a serviço de um novo sistema, que promova a justiça e a vida. Pois liberdade não é andar solto; é comprometer-se com o apelo de Deus e de nossa consciência.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella