Frei Alberto Beckhäuser, OFM
Antes de ser ação da Igreja, a Liturgia é obra de Deus.
A palavra liturgia é composta de dois termos: lêiton, daí laós, que em grego significa povo, o público, a comunidade, e érgon, que significa, obra, ação. Então, liturgia significa obra ou ação em favor do povo.
Na Grécia antiga usava-se a palavra liturgia ao menos em três sentidos: qualquer obra em favor do povo; um serviço religioso sacerdotal em favor do povo; e qualquer serviço de alguém em favor de outra pessoa.
Na Bíblia do Antigo Testamento a palavra liturgia era usada nestes dois sentidos: o serviço religioso em favor ou em nome do povo, e qualquer serviço prestado ao próximo.
A Carta aos Hebreus chama liturgia o serviço da Salvação que Jesus Cristo prestou à humanidade através do mistério da Encarnação, Vida, Paixão-Morte, Ressurreição, Ascensão aos Céus e Envio do Espírito Santo. Por essa sua atitude de obediência ao Pai, Jesus restabeleceu a comunhão da humanidade com Deus. A essa ação chamamos Mistério Pascal.
Jesus, por sua vez, na força do Espírito Santo, confiou aos Apóstolos este seu serviço de Salvação à humanidade.
A Igreja, por sua vez, exerce esta função de serviço de salvação à humanidade de duas maneiras.
Primeiro, através do memorial testamentário. O testamento de Jesus é o novo mandamento, o mandamento do amor: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. A ação da caridade constitui uma verdadeira liturgia: Serviço de salvação à humanidade. É a Liturgia vivida. Dessa forma, a Igreja, comunidade de amor, é sacramento, é sinal e instrumento de salvação.
A segunda maneira de prestar este serviço de salvação à humanidade é pelo memorial celebrativo ou ritual. Fazendo memória da Obra da salvação de Deus, através de sinais sensíveis e significativos da obra da Salvação, a Igreja torna presente, atualiza esta obra. É aquilo que a Igreja chama, propriamente, de Liturgia. Assim, a Liturgia supera infinitamente a nós; ela é obra da Santíssima Trindade, é obra de Jesus Cristo. A Liturgia é um Dom de Deus concedido à humanidade por Cristo e em Cristo, na força do Espírito Santo.
Pela celebração da Obra de Deus da Salvação realiza-se a comunhão de amor e de vida entre Deus e a humanidade. Por isso, não devemos querer apropriar-nos da Liturgia, mas deixar-nos possuir por ela. A Liturgia não nos pertence. Não podemos querer conduzir a Liturgia, mas deixar-nos conduzir por ela.
A Liturgia tem sua fonte em Deus mesmo, na Santíssima Trindade. Deus é Liturgia, intercomunhão de vida e de amor entre as Três Pessoas da Santíssima Trindade. Na plenitude dos tempos, Deus é Liturgia no mistério da Encarnação do Filho, por Quem e para Quem todas as coisas foram feitas. Deus serve à humanidade não só na obra da criação, mas também na obra da Salvação por Cristo e em Cristo. Deus, a Trindade Santa, é Liturgia através da obra da Salvação do Filho feito homem, por quem Deus reconcilia toda a humanidade consigo mesmo e restabelece a comunhão divino-humana. Por esta obra Jesus presta o verdadeiro culto ao Pai em espírito e verdade, culto este que Cristo deixa a toda a humanidade como Dom.
Pela Liturgia celebrada, a Igreja atualiza este culto de Jesus Cristo prestado ao Pai e participa sacramentalmente dele. A Liturgia celebrada é o momento histórico da Salvação no qual o ser humano é santificado e Deus é glorificado.
Frei Alberto Beckhäuser, OFM, é natural de Forquilhinha (SC). Doutorado em Teologia com especialização em Liturgia, desde 1967 acompanha de perto a grande caminhada pós-conciliar da reforma e da renovação litúrgica no Brasil, da qual se tornou um dos protagonistas. Frei Alberto continua a escrever, a dar cursos e palestras e a lecionar Liturgia em várias Escolas Teológicas, particularmente no Instituto Teológico Franciscano, em Petrópolis (RJ).