Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Libertação mística, nossa conversão

07/03/2019

                                                                                                                                      Imagem ilustrativa (fonte: Canva)

Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp

Estamos numa era da imagem. Nossos momentos de convivência se transformam rapidamente em oportunidades para alimentar as plataformas virtuais. Aquelas ocasiões intensas de encontros para debates sobre determinados assuntos caminham para uma nova configuração. Tento explicar: A tradição ocidental tem a filosofia grega como um de seus pilares de sustentação. A democracia, a ética, as artes, a música, a ginástica, a retórica são algumas das heranças dos grandes filósofos antigos. Um dos costumes deles era reunir-se para banquetes (título de um diálogo de Platão), nos quais vinham discutidos temas de interesse comum. Cada um tinha a oportunidade de falar e todos prestavam a máxima atenção sobre o que era debatido. Depois de cada convidado ser ouvido atentamente pelos demais, surgiam intuições e rumos iluminadores.

Por outro lado, precisamos reconhecer a dinâmica evolutiva da própria história de nossa cultura. Essa capacidade de concentração e contemplação, tão apreciada pelos antigos, sofre uma crise substancial. Walter Benjamin atribui ao nascimento do cinema e das novas técnicas de reprodução da arte, o surgimento da chamada percepção distraída. Se antes toda a nossa atenção se concentrava na realização de uma única atividade, hoje sobretudo com as novas mídias, o indivíduo passeia com o seu olhar sobre várias imagens ao mesmo tempo. A nova geração digital sente enorme fadiga para aprofundar um determinado assunto devido à falta de concentração. É claro que nem todos admitem este fenômeno e alguns dizem que se sentem bem fazendo várias coisas ao mesmo tempo.

Contudo, esta passagem da concentração à percepção distraída, trouxe algumas consequências não tão boas. Além da depressão, tem-se também a ansiedade. Não conseguimos dar-nos conta do que acontece no presente. Transportamos nossa existência para um espaço e tempo que ainda não existem. O famoso hic et nunc (aqui e agora) entra em crise. A situação se agravou com o estilo de vida baseado na lógica de consumo. Surgem tantas preocupações que perdemos de vista o essencial, ou seja, deixamos cair no esquecimento aquele estilo de vida proposto pelo próprio Jesus: “Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles” (Mt 6, 28-29).

Nos primeiros séculos do cristianismo falava-se muito de fugir do barulho para ir ao deserto escutar Deus no silêncio. Todavia, é possível hoje, apesar das grandes mudanças, cultivar uma vida interior, sem ter que fugir ao deserto. Tal possibilidade é ilustrada por José Tolentino Mendonça por meio daquilo que ele chama de mística do instante. Tudo tem a ver com um caminho de fé que somos convidados a fazer. A mística do instante não se faz em um instante, mas se experimenta em um instante. O cotidiano é a sua plataforma de experimentação. Quando falamos deste tipo de mística não jogamos com a clássica separação entre o sagrado e o profano, mas buscamos integrar o nosso ser com os momentos que formam o ritmo da nossa vida. Para o autor da mística do instante, os nossos sentidos são vias de acesso polifônicas ao Transcendente. Todos os nossos sentidos levam a Deus, desde que os eduquemos para tal. Esta tarefa pode ser árdua, mas exprime nossa capacidade de abertura para o mistério de amor que somos convidados a acolher.

A nossa percepção distraída pelos vários afazeres do cotidiano que nos agitam interiormente, diante da mística do instante, se recolhe e reconhece que a nossa agitação na verdade representa a nossa sede de sentido. Dar-se conta disso significa atribuir um valor qualitativo espiritual ao que estamos fazendo. E é esta descoberta que nos sintoniza com Deus.

Falar de conversão através da mística pode parecer algo estranho hoje. Mas não é banal. Trata-se de prestar atenção ao mistério que nos envolve e que nos faz livres em relação a todo o aparato artificial de coisas e de circunstâncias que pretendem nos aprisionar. O aqui e agora (hic et nunc) de nossa vida adquire um significado totalmente novo, quando relacionado com a mística do instante: descobrimos que somos seres para os outros (pró-existência), ou seja, um caminho de conversão que jamais pode ser feito por um simples orgulho do nosso ego (como se fôssemos melhores que os outros), pelo contrário, nossa existência desabrocha em profundo só quando a direcionamos para os outros. Quem sabe pode ser essa mística do instante que teremos que descobrir nesta Quaresma.


Pe. Ademir Guedes Azevedo é missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.

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