Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Jonas: a parábola do medroso e da esperança de salvação universal

07/07/2012

Frei Jacir de Freitas Faria

Setembro chega e com ele o já tradicional estudo específico de um dos livros da Bíblia pelas comunidades. Assim, setembro torna-se o mês da Bíblia. Por estar próximo ao dia dedicado ao patrono da Bíblia, São Jerônimo (347-430 Era Comum), aquele que traduziu a Bíblia para o latim, o quarto domingo de setembro é dedicado à Bíblia, a carta magna da fé judaica e cristã. O substantivo Bíblia nos remete a um outro, biblioteca. É isso mesmo. A Bíblia é uma biblioteca composta de livros, os quais fazem parte de uma literatura que levou séculos para ser escrita. Parafraseando o grande mestre da leitura popular da Bíblia, Frei Carlos Mesters, a Bíblia nasceu da vontade de o povo ser fiel a Deus e a si mesmo. Nasceu da preocupação de transmitir aos outros e a nós essa fidelidade. Ela nasceu sem rótulo. Só mais tarde, o próprio povo descobriu nela a expressão da vontade e da presença real de uma Palavra Santa.[1]

Divididos em Primeiro e Segundo Testamentos, os livros da Bíblia estão organizados em forma de uma grande inclusão, no início (Gênesis) e no fim (Apocalipse) encontramos a referência ao Éden, o paraíso da economia vivida na liberdade e na fraternidade entre homens e mulheres. No centro, nos livros de Malaquias e Mateus, temos duas personagens ímpares do judaísmo e cristianismo, Elias e Jesus. Elias voltará e Jesus veio para nos propor, na inspiração da fé judaica, o Reino de Deus, que tem como baliza fundamental a opção pelos pobres e oprimidos de ontem e de hoje. É o que veremos nos textos das leituras que passamos a comentar.

O livro proposto pela Conferência Nacional dos Bispos de Brasil – CNBB -, nesse ano de 2010, é o de Jonas. Tendo como tema: “Jonas: conversão e missão”, e lema: “Levanta-te e vai à grande cidade” (Jn,1,2), a milenar reflexão dessa parábola quer nos convidar à conversão, ao diálogo com outras culturas e povos. Israel não poderia manter-se preso ao mundo judaico. A salvação era para todos, inclusive o opressor da grande cidade, Nínive.

O período da reflexão proposta pelo livro de Jonas é o ano 400 antes da Era Comum, período da reconstrução de Israel. O livro denuncia a mentalidade exclusivista dos judeus, exacerbada por Neemias e Esdras. De forma anacrônica, o texto remete a outro período histórico sem relação concreta com a situação, já que aponta os pecados da cidade de Nínive, capital da Assíria (1,1-2). Nínive ficou na memória do povo de Israel como símbolo das crueldades do sistema opressor assírio ( cf. Is 10,5-15; Sf 2,13-15).

Nesse contexto, o livro propõe ao povo de Nínive a penitência (3,7-9). Deus terá misericórdia para com Nínive (3,10), que representa do opressor. Basicamente, o livro atribuído a Jonas objetiva discutir a universalidade da salvação.

A história, alegoria ou parábola de Jonas baseia-se em uma dupla esperança, a salvação para todos, não somente para os judeus (4); 2), uma vez que Deus também salva e ama o opressor convertido (3,10).[2]
O livro de Reis fala de um profeta chamado Jonas, filho de Amati, que era de Gad-Ofer (2Rs 14,25). Este, com certeza, não é o mesmo Jonas do livro. Sobre Jonas, conta o apócrifo Vida dos Profetas 10, 1- 11 que: era da região de Cariat-Maús, perto da cidade grega de Azoto, próximo ao mar. Quando foi vomitado pelo monstro marinho, andou até Nínive e depois voltou, mas não ficou na sua pátria, pois levou consigo sua mãe e foi morar no território de Sur (Tiro) em país estrangeiro, dizendo, assim evitarei o escândalo por ter profetizado a mentira contra Nínive, a grande cidade (Jon 4,1-2). Na época em que Elias estava censurando a casa de Acab, e havia pedido a (Deus) que houvesse uma fome sobre a terra, ele fugiu. Achou uma viúva com seu filho (pois não aguentava ficar com os incircuncisos). Ele a abençoou. E quando seu filho morreu, Deus o ressuscitou de entre os mortos por Elias, pois queria lhe mostrar que não é possível fugir longe de Deus. 7. Depois da fome, ele se levantou e foi para a terra de Judá. Sua mãe morreu durante a viagem e ele a enterrou perto do carvalho de Débora (Gen 35,8). Depois de ter morado na terra de Seir (Edon) onde morreu e foi enterrado no túmulo de Quenez, que havia sido juiz de Israel no tempo da anarquia (= dos Juízes, 16,3), ele deu um sinal sobre Jerusalém e o país inteiro, que quando ouvissem uma pedra gritar amargamente, o fim estaria próximo. E quando vissem todos os gentios em Jerusalém, (era o sinal de que) a cidade inteira seria arrasada até o chão.

O livro de Jonas é uma parábola, uma história contada pelo povo de Deus para falar de cada um de nós, quando temos medo de ser profetas. A nossa vida é marcada por essa dinâmica vocacional de sermos enviados por Deus e de, ao mesmo tempo, rejeitarmos a proposta divina. Jonas somos todos nós, quando cultivamos medos que nos impedem de seguir adiante. Medo de sair proclamando a Palavra que liberta. Medo de mergulhar no sagrado, de assumir as responsabilidades que a vida nos impõe. Jonas nos convoca a adentrar no mais profundo de nós mesmos, a fazer uma viagem interior ao túnel do tempo, para superar traumas e recobrar forças para viver o presente intensamente. Não por menos, Jonas, em hebraico Yoná, significa “pomba de asas aparadas”.[3] Jonas é todo aquele que prefere ficar na “baleia” – peixe grande – , descansando sem assumir a sua missão.

Deus chama Jonas, mas ele não aceita a difícil tarefa de ir a Nínive, a cidade do inimigo povo assírio, aquele que havia destruído o seu povo, Israel. Jonas não acredita que Deus o chama para anunciar a Boa-Nova ao opressor. Ele não crê que o opressor possa se salvar. Deus chama Jonas para profetizar, mas ele foge. Ele prefere ir para uma “Colônia de férias”, a cidade de Tarsis. E para lá se embarca. No barco, a caminho de Tarsis, ocorre uma terrível tempestade, o capitão e os marinheiros que o interrogam representam Deus que continua a desafiá-lo. Uma tempestade assola os viajantes. Para salvar a todos, Jonas propõe que ele seja jogado ao mar. No fundo do mar, lugar do mal e das incertezas, Jonas cai justamente no interior de um peixe grande. Nesse momento, Jonas toma consciência de seus atos, mergulha no silêncio de si mesmo e enfrenta o monstro marinho, lugar do perigo, que mora dentro dele mesmo.

A vocação de Jonas, o profeta da parábola, corresponde a uma dimensão de nossa consciência: a do medo. Deus nos chama, mas temos medo de perder a representação de Deus. Queremos que Deus seja aquilo que projetamos dele. Deus nos surpreende. Ele surpreendeu Jonas, que mora dentro de nós.

[1] Cf. Faria, Jacir de Freitas, Roteiros Homiléticos, Vida Pastoral, 274. São Paulo: Paulus, p. 45-46. 
[2] Cf. FARIA, Jacir de Freitas, Profetas e profetisas na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2006. 
[3] Cf. LELOUP, Jean-Yves, Caminhos da realização. Dos medos do eu ao mergulho do ser, Petrópolis: Vozes, 2000, p. 17-79. 

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