Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Chegaram as folias do carnaval com suas cores, enfeites, artes e danças – a música contagia os foliões. Um tempo diferente, aguardado e aproveitado de modos variados. Na folia, busca-se o bem mais almejado pelo coração humano: a alegria. Sem alegria não se dá conta de viver – dobra-se o “peso” que recai sobre a vida. Cada coração procura – e tem o direito de achar – a felicidade para emoldurar os desafios do cotidiano. O anseio pela alegria é tão intenso que pode levar a exageros. Um frenesi de experiências e de sensações que comprometem dignidades, ferem inteirezas. Essas experiências e sensações, ao invés de levarem à alegria que emoldura a vida, cavam um buraco enorme na interioridade, comprometendo os alicerces da existência humana. Adequadamente procurar a alegria no tempo do carnaval é lição preciosa, para garantir mais sentido ao viver. Uma lição que inclui respeitar o semelhante e descartar exageros de todo tipo. É preciso cuidado para não se perder o rumo na busca pela alegria. As artes, as gingas e as danças deste tempo de carnaval não dispensam o zelo pela própria unidade interior, fiel da balança no equilíbrio dos relacionamentos, fonte de sabedoria para encontrar felicidade, distanciando-se do vazio que mina as forças para bem viver.
Na busca pela alegria, há, pois, de contracenar as festas deste tempo com o necessário silêncio que amalgama a unidade interior de cada pessoa. O silêncio leva mais qualidade para o viver. Seus frutos incluem a capacitação para pronunciar palavras mais adequadas, para agir com mais cortesia, em todas as circunstâncias, expressando zelo incondicional pela inteireza do semelhante – do amigo, do familiar, do desconhecido, de cada pessoa, pois todos têm uma dignidade sagrada. Dedicar momentos ao silêncio ajuda, especialmente, a evitar exageros, verificáveis na desordenada ânsia de se alcançar a alegria. Essa desordem leva a um vazio que corrói o coração humano, fazendo-o querer encontrar a felicidade a qualquer preço, por todo tipo de meio. Importante lembrar que alegria é um bem e uma virtude, não é um entorpecente. Quando simplesmente é confundida com uma sensação intensa e passageira, provoca uma lacuna, uma cegueira no ser humano, fazendo-o perder o autocontrole.
O caçador de alegrias duradouras tem que esmerar-se na competência do silêncio – fundamental para obter a sabedoria que permite reconhecer onde está a verdadeira felicidade. É preciso exercitar-se no silêncio mesmo quando há muitos atrativos externos, inclusive aqueles que se expressam a partir das fantasias, das gingas, das festas. Muitos dedicam-se ao silêncio neste tempo de folias, convictos de que essa dedicação auxilia na busca por uma vida qualificada e saudável, coerente com as sendas da misericórdia e da verdade. Não se trata de simples oposição entre folias e silêncio – não são os pecaminosos e os iluminados. A procura pela alegria na folia, com as suas nuanças culturais, expressões típicas, não pode dispensar o exercício do silêncio, que revigora a alma e o corpo. Deve-se cultivar um saudável equilíbrio. O corpo precisa de repouso e de cuidados para não se exaurir no afã da folia. Ele se reabastece com a unidade interior alcançada a partir do silêncio, mesmo aquele silêncio curto e breve.
Dedicar-se a instantes de quietude alimenta uma clarividência sapiencial sobre os caminhos para se viver bem. Praticar o silêncio, com a ajuda da natureza, da quietude do próprio ambiente doméstico, ou de lugares marcados por uma mística religiosa e contemplativa, contribui para qualificar a existência do ser humano. Vale até um breve minuto de silêncio para se conectar à própria interioridade, potencializando-a com inteirezas que somente podem ser conquistadas a partir da contemplação. A vivência da folia pode, assim, ser temperada pela sabedoria que se conquista a partir dos instantes de silêncio, para se festejar com autenticidade e equilíbrio. O ser humano não dá conta de viver sempre na superfície, necessitando revisitar cotidianamente a sua interioridade para iluminar a exterioridade. E o silêncio é o único caminho para mergulhar no mais profundo de si e de Deus, e retornar à superfície do mundo com as energias renovadas, capacitando-se para o exercício de responsabilidades cidadãs na construção de uma sociedade justa e solidária, conforme os parâmetros da amizade social.
Os místicos e sábios consideram o caminho do silêncio como “a arte das artes”, “a ciência das ciências”, por permitir encontrar o lugar do coração – aquela terra de onde jorra uma água com força de fecundar as alegrias almejadas, alicerce que não deixa alegria alguma ser passageira e ilusória. No tempo das folias, o silêncio é experiência indispensável, fonte de recomposição da unidade interior, para superar futilidades e desequilíbrios que distanciam o ser humano da verdadeira e duradoura felicidade. As folias constituem um caminho possível para se experimentar alegria, mas é preciso reconhecer: o silêncio alicerça a existência de cada pessoa. Valham as alegrias duradouras fecundadas pela prática do silêncio.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte