Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Viagem Apostólica do Papa Francisco aos EUA e Cuba

“Deus quer a santa e amada Igreja pobre”, afirma Papa

Durante a celebração das vésperas na Catedral de Havana, neste Domingo, 20, o Santo Padre afirmou que todo batizado, sacerdote, consagrado é profeta, e exortou-os a viverem no espírito de pobreza. O Pontífice, mais uma vez, deixou o discurso preparado de lado e improvisou a partir do testemunho dos religiosos, sobretudo os que se dedicam no serviço e cuidado aos mais necessitados.

Recebido com o tradicional canto da Igreja ao Sumo Pontífice, “Tu és Pedro”, o Papa Francisco chegou a Catedral de Havana para rezar o ofício das leituras com padres, seminaristas, religiosos e religiosas cubanos e de todo o mundo que atuam no país como missionários. Havia muitos deles com idade avançada e alguns até cadeirantes, os quais o Pontífice fez questão de cumprimentar.

Francisco foi acolhido pelo Cardeal Jaime Ortega Alamino, o qual abordou a pobreza da Igreja local, afirmando que existem testemunhos admiráveis de desprendimento no país. “Na Igreja de Cuba não existem espaços fáceis para competitividade”, declarou Ortega.

Em seguida uma religiosa das Filhas da Caridade, que trabalha numa instituição que cuida de pessoas com idade entre 12 e 71 anos, os quais possuem dificuldades físicas e mentais, testemunhou sua missão, dizendo que quando foi enviada a esse trabalho, chorou, pois, tinha outros planos para sua vocação. “Descalçamo-nos diante do mistério de Deus, frente aqueles que para muitos não são vistos”, e afirmou que hoje vê seu campo de missão como o lugar mais belo do mundo.

“A vida religiosa em Cuba com seus diferentes carismas, busca a se aproximar com amor dos enfermos. Com reconhecimento da dignidade de cada pessoa e como parte da Boa Nova do evangelho. Confiando sempre na via de Jesus Cristo e com Maria, sua mãe”, ressaltou a monja.

Em seu discurso improvisado, Francisco enfatizou que o mundo não conhece a pobreza não por pudor, mas por desprezo. “O Espírito do mundo não ama o caminho do Filho de Deus, que se esvaziou de Si mesmo, para ser pobre. Humilhou-se para ser um de nós”, afirmou.

“Deus quer a santa e amada Igreja pobre, assim como quis pobre a nossa Santa Mãe Maria”, ao fazer esta afirmação pediu amor pela pobreza e que religiosos e religiosas não se esquecessem que a primeira bem-aventurança se refere a pobreza: “Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos Céus”. (c.f Mateus 5,3)

Segundo o Papa muitas religiosas e religiosos “queimam a vida” acariciando material de descarte, a quem o mundo despreza e prefere que não exista. Fez menção aos métodos e análises que quando detectam imperfeições em uma nova vida prefere “mandá-la de volta” antes que nasça.

“Graças a todas a essas mulheres consagradas ao serviço dos ‘inúteis’, porque não podem ganhar dinheiro com esse serviço aos menores. Obrigado a todos os consagrados e consagradas que fazem isso”, agradeceu o Pontífice.

Confessionário: lugar privilegiado para acolher os mais necessitados
O Bispo de Roma disse aos sacerdotes que o lugar privilegiado para acolherem os mais necessitados é o confessionário, onde o homens e mulheres mostram sua miséria. Pediu, por favor, que os clérigos não os castiguem, mas antes, lembrem-se de seus próprios pecados. “Por favor, não se cansem de perdoar, sejam perdoadores, como fazia Jesus. Assim como as monjas que não ficam furiosas quando encontram um enfermo sujo, vocês também, quando encontrarem um pecador, não o insulte, Jesus os abraçava”, pediu Francisco.

Ao final pediu aos Bispos e sacerdotes que sejam a misericórdia de Jesus e dêem abraços de perdão aos pequeninos que vão aos confessionários. Afirmou que os religiosos que o acolheram semearam no coração dos presentes pobreza e misericórdia, onde está Jesus.


CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM SACERDOTES, CONSAGRADOS E SEMINARISTAS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Catedral de Havana
Domingo, 20 de Setembro de 2015

O cardeal Jaime falou-nos de pobreza e a irmã Yaileny [Irmã Yaileny Ponce Torres, Filha da Caridade] falou-nos do mais pequeno, dos mais pequenos: «são todos crianças». Eu tinha preparado uma homilia para dizer agora, com base nos textos bíblicos, mas, quando falam os profetas – e todo o sacerdote é profeta, todo o baptizado é profeta, todo o consagrado é profeta –, prestemos-lhe atenção. E assim vou dar a homilia ao Cardeal Jaime para que vo-la faça chegar e seja publicada. Depois meditai-a. E, agora, conversemos um pouco sobre o que disseram estes dois profetas.

Ao Cardeal Jaime veio-lhe o desejo de pronunciar uma palavra muito incómoda, sumamente incómoda, que até vai contramão em toda a estrutura cultural, entre aspas, do mundo. Ele disse: «pobreza». E repetiu-a várias vezes. Penso que o Senhor quis que a ouvíssemos várias vezes e a acolhêssemos no coração. O espírito do mundo não a conhece, não a quer, esconde-a, não por pudor, mas por desprezo. E, se tem de pecar e ofender a Deus para que não lhe chegue a pobreza, fá-lo. O espírito do mundo não ama o caminho do Filho de Deus, que Se aniquilou a Si próprio, fez-Se pobre, fez-Se nada, humilhou-Se para ser um de nós.

A pobreza, que meteu medo àquele jovem tão generoso – tinha cumprido todos os mandamentos. Quando Jesus lhe disse: «Olha! Vende tudo que tens e dá-o aos pobres», pôs-se triste, meteu-lhe medo a pobreza. A pobreza, sempre procuramos iludi-la, até por coisas razoáveis, mas estou a falar de iludi-la no coração. Que é preciso saber administrar os bens, não se discute; é uma obrigação. Porque os bens são um dom de Deus; mas, quando estes bens entram no coração e começam a condicionar-te a vida, aí perdeste. Já não és como Jesus. Tens a tua segurança onde a pusera o jovem triste, aquele que se retirou triste. Creio que a vós, sacerdotes, consagrados, consagradas, pode servir aquilo que dizia Santo Inácio – isto não é fazer publicidade da família, não! Mas ele dizia que a pobreza era o muro e a mãe da vida consagrada. Era a mãe, porque gerava mais confiança em Deus. E era o muro, porque a protegia de todo o mundanismo. Quantas almas destruídas! Almas generosas, como a do jovem triste, que começaram bem mas depois foi-se-lhes apegando o amor a esse mundanismo rico, e acabaram mal, isto é, medíocres. Acabaram sem amor, porque a riqueza depaupera, mas depaupera mal. Tira-nos o melhor que temos, faz-nos pobres da única riqueza que vale a pena, para depormos a segurança noutra coisa.

O espírito de pobreza, o espírito de despojamento, o espírito de deixar tudo para seguir a Jesus. Isto de deixar tudo não sou que eu o invento. Aparece várias vezes no Evangelho. Na vocação dos primeiros discípulo que deixaram os barcos, as redes e seguiram-No. Aqueles que deixaram tudo para seguir a Jesus. Uma vez contava-me um padre idoso e sábio, a propósito de quando o espírito de riqueza, de mundanismo rico, entra no coração dum consagrado ou duma consagrada, dum sacerdote, dum bispo, dum Papa, duma pessoa seja ela quem for. Dizia que, quando alguém começa a juntar dinheiro para garantir o futuro, é certo que então o futuro já não está em Jesus; está numa companhia de seguros de tipo espiritual que eu dirijo, não é verdade? Assim, quando uma Congregação Religiosa – dizia-me ele para dar um exemplo – começa a juntar dinheiro e a poupar cada vez mais, Deus é tão bom que lhe envia um ecônomo desastroso, que a leva à falência. São as melhores bênçãos de Deus à sua Igreja, os ecônomos desastrosos, porque fazem-na livre, fazem-na pobres. A nossa Santa Mãe Igreja é pobre, Deus quere-a pobre, como quis pobre a nossa Santa Mãe Maria. Amai a pobreza como uma mãe. E, simplesmente com sugestão, se algum de vós tiver vontade, interrogue-se: Como é o meu espírito de pobreza? Como é o meu despojamento interior? Creio que isto poderá fazer bem à nossa vida consagrada, à nossa vida presbiteral. Afinal de contas, não nos esqueçamos que é a primeira das Bem-aventuranças: Felizes os pobres em espírito, os que não estão agarrados à riqueza, aos poderes deste mundo.

E a irmã falava-nos dos últimos, dos mais pequenos que, mesmo se são grandes, uma pessoa acaba por tratá-los como crianças, porque se apresentam como crianças. O mais pequeno. Esta é uma frase de Jesus. E já aparece no protocolo com base no qual seremos julgados: «O que fizeste ao mais pequeno dos meus irmãos, a mim mesmo o fizeste». Há serviços pastorais que podem ser mais gratificantes do ponto de vista humano, sem serem maus nem mundanos, mas quando alguém, por íntima preferência, busca o mais pequeno, o mais abandonado, o mais doente, aquele que ninguém tem em conta, aquele que ninguém quer, o mais pequeno, e serve o mais pequeno, então está a servir a Jesus de maneira superlativa. Mandaram-te para onde não querias ir. E choraste. Choraste porque não gostavas, o que não significa que sejas uma freira chorona, não! Deus nos livre das freiras choronas, não é? Freiras que estão sempre a lamentar-se. Isto não é meu; era Santa Teresa que o dizia às suas religiosas. É dela. Ai daquela religiosa que passa o dia inteiro a lamentar-se: porque me fizeram uma injustiça. Na língua castelhana do tempo, dizia: «Ai da monja que anda a dizer: fizeram-ma sem razão». Choraste porque eras jovem, tinhas outros sonhos: talvez pensasses que, num colégio, poderias render mais, proporcionar futuro à juventude. Mas mandaram-te para lá – a «Casa da Misericórdia» – onde a ternura e a misericórdia do Pai se tornam mais patentes, onde a ternura e a misericórdia de Deus se fazem uma carícia. Quantos religiosos e religiosas queimam – repito o verbo – queimam a sua vida, acariciando material de descarte, acariciando a quem o mundo descarta, a quem o mundo despreza, a quem o mundo prefere que não exista, a quem o mundo hoje quando, com os novos métodos de análise que tem, prevê que pode nascer com uma doença degenerativa, propõe eliminá-lo antes de nascer. É o mais pequeno. E uma jovem, cheia de sonhos, começa a sua vida consagrada, fazendo viva a ternura de Deus na sua misericórdia. Às vezes, não entendem, não sabem, mas como é bonito para Deus e quanto bem nos faz, por exemplo, o sorriso de um espático, que não sabe como fazê-lo, ou quando te quer beijar e baba-te a cara toda. Esta é a ternura de Deus, esta é a misericórdia de Deus. Ou quando estão mal-humorados e te dão um murro. Mas queimar a minha vida, assim, com material de descarte aos olhos do mundo fala-nos unicamente duma pessoa; fala-nos de Jesus, que, por pura misericórdia do Pai, Se fez nada, Se aniquilou: diz o texto de Filipenses no capítulo dois. Fez-Se nada. E estas pessoas, a quem dedicas a tua vida, imitam a Jesus, não por sua vontade, mas porque assim vieram ao mundo. São nada e escondem-nas, não as mostram, nem as visitam. E, se puderem e ainda estiverem a tempo, eliminam-nas. Obrigado pelo que fazes e, em ti, obrigado a estas e tantas outras mulheres consagradas ao serviço do inútil, porque não se pode combinar qualquer negócio, não se pode ganhar dinheiro, não se pode realizar absolutamente nada de «construtivo», entre aspas, com estes nossos irmãos, com os menores, com os mais pequenos. Aí brilha Jesus. Aí brilha a minha opção por Jesus. Graças a ti e a todos os consagrados e consagradas que fazem isto.

«Padre, eu não sou freira, não cuido de doentes, sou pároco, tenho uma paróquia, ou ajudo um pároco. Quem é o meu Jesus predileto? Quem é o mais pequeno? Quem é aquele que me mostra mais a misericórdia do Pai? Aonde tenho de ir para o encontrar?» Obviamente, continuo a repassar o protocolo de Mateus (capítulo 25). Lá temo-los todos: no faminto, no recluso, no doente. Aí os encontrarás. Mas há um lugar privilegiado para o sacerdote, onde aparece este último, este mínimo, o mais pequeno, é o confessionário. Lá, quando aquele homem ou aquela mulher te mostram a sua miséria – olha que é a mesma que tens tu e só Deus te salvou de não chegar ao mesmo! – quando te mostram a sua miséria, por favor, não o censures, não o prendas, nem o castigues. Se não tiveres pecado, atira-lhe a primeira pedra: mas só nesta condição. Caso contrário, pensa nos teus pecados. Pensa que tu podias ser aquela pessoa. E pensa que, potencialmente, podes cair ainda mais fundo. Pensa que, neste momento, tens um tesouro nas mãos, que é a misericórdia do Pai. Por favor, sacerdotes, não vos canseis de perdoar. Sede perdoadores. Não vos canseis de perdoar, como fazia Jesus. Não vos escondais por trás de medos ou rigidez. Assim como esta religiosa e todas as outras que estão no mesmo trabalho que ela não ficam furiosas quando encontram o doente sujo ou mal disposto, mas servem-no, limpam-no, cuidam dele, assim também tu, quando chega junto de ti o penitente, não te faças mau, não te ponhas neurótico, não o expulses do confessionário, não o censures. Jesus abraçava-os. Jesus amava-os. Amanhã comemoramos São Mateus. Quanto roubava ele! Além disso, quanto traía o seu povo! E diz o Evangelho que Jesus, à noite, foi jantar com ele e outros como ele. Santo Ambrósio tem uma frase que me comove muito: «Onde há misericórdia, está o espírito de Jesus. Onde há rigidez, estão apenas os seus ministros».

Irmão sacerdote, irmão Bispo, não tenhas medo da misericórdia. Deixa que ela flua, através das tuas mãos e do teu abraço de perdão, porque aquele ou aquela que lá está, é o mais pequeno. E, portanto, é Jesus. Isto é o que me ocorre dizer depois de ter ouvido estes dois profetas. Que o Senhor nos conceda estas graças que os dois semearam no nosso coração: pobreza e misericórdia. Porque nelas está Jesus.


Reunimo-nos nesta histórica Catedral de Havana para cantar, com os Salmos, a fidelidade de Deus para com o seu povo, dar graças pela sua presença, pela sua infinita misericórdia. Fidelidade e misericórdia, de que se faz memória não só nas paredes desta casa, mas também nalguns aqui presentes com «cabelos brancos», uma memória viva e atualizada de que «a misericórdia do Senhor é infinita e a sua fidelidade dura para sempre». Irmãos, juntos, demos graças!

Demos graças pela presença do Espírito com a riqueza dos seus diferentes carismas no rosto de tantos missionários que vieram para estas terras, tornando-se cubanos entre os cubanos, sinal de que é eterna a misericórdia do Senhor.

O Evangelho apresenta-nos Jesus em diálogo com seu Pai, coloca-nos no centro da intimidade entre o Pai e o Filho feita oração. Quando se aproximava a sua hora, Jesus rezou ao Pai pelos seus discípulos, pelos que estavam com Ele e pelos que haviam de vir (cf. Jo 17, 20). Faz-nos bem pensar que, naquela hora crucial, Jesus coloca na sua oração a vida dos seus, a nossa vida. E pede a seu Pai que os mantenha na unidade e na alegria. Jesus conhecia bem o coração dos seus, conhece bem o nosso coração. Por isso, reza, pede ao Pai que não prevaleça neles uma consciência que tenda a isolar-se, a refugiar-se nas próprias certezas, seguranças, nos próprios espaços; que tenda a desinteressar-se da vida dos outros, instalando-se em pequenos «grêmios domésticos» que quebram o rosto multiforme da Igreja. São situações que desembocam numa tristeza individualista; tristeza que pouco a pouco vai dando lugar ao ressentimento, à lamentação contínua, à monotonia. «Este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 2) a que vos chamou, a que nos chamou. Por isso, Jesus reza, pede que a tristeza e o isolamento não prevaleçam no nosso coração. E nós queremos fazer o mesmo, queremos unir-nos à oração de Jesus, às suas palavras, dizendo juntos: «Pai santo, (…) guarda-os em ti, para serem um só, como Nós somos (…), e tenham em si a plenitude da minha alegria» (Jo 17, 11.13).

Jesus reza e convida-nos a rezar, porque sabe que há coisas que só podemos alcançar como dom, coisas que só podemos viver como um presente. A unidade é uma graça que só o Espírito Santo nos pode dar; a nós, compete-nos pedi-la e dar o melhor de nós mesmos para sermos transformados por este dom.

É frequente confundir unidade com uniformidade, com fazer, sentir e dizer todos o mesmo. Isto não é unidade, mas homogeneidade. Isto é matar a vida do Espírito, matar os carismas que Ele distribuiu para utilidade do seu povo. A unidade fica ameaçada sempre que queremos fazer os outros à nossa imagem e semelhança. Por isso, a unidade é um dom; não é algo que se possa impor à força ou por decreto. Alegra-me ver-vos aqui, homens e mulheres de diferentes gerações, contextos, experiências de vida, unidos pela oração em comum. Peçamos a Deus que faça crescer em nós o desejo de proximidade; que possamos sentir-nos próximos, ser vizinhos, com as nossas diferenças, propensões, estilos, mas vizinhos; com as nossas discussões, os nossos «litígios», falando cara a cara e não pelas costas. Peçamos a Deus que sejamos pastores próximos do nosso povo, que nos deixemos questionar, interrogar pela nossa gente. Os conflitos, as discussões na Igreja são previsíveis e, ouso dizer, necessárias; sinal de que a Igreja está viva e o Espírito continua a agir, continua torná-la dinâmica. Ai das comunidades onde não há um sim ou um não! São como os esposos que já não discutem, porque perderam o interesse um pelo outro, perdeu-se o amor.

Em segundo lugar, o Senhor reza para que gozemos «da plenitude da alegria» que Ele tem (cf. Jo 17, 13). A alegria dos cristãos, especialmente dos consagrados, é um sinal muito claro da presença de Cristo nas suas vidas. Quando há rostos tristes, isso é um sinal de alerta, alguma coisa não está bem. E Jesus pede isto ao Pai precisamente antes de sair para o horto das oliveiras, ocasião em que tem de renovar o seu «fiat». Não tenho dúvida de que todos vós tendes de carregar o peso de não poucos sacrifícios; e, para alguns, há décadas que os sacrifícios têm sido duros. Jesus reza, também Ele a partir do seu sacrifício, para que não percamos a alegria de saber que Ele vence o mundo. É esta certeza que nos impele, dia após dia, a reafirmar a nossa fé. Ele – com a sua oração, no rosto do nosso povo – «permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 3).

Como é importante, como é influente sobre a vida do povo cubano o testemunho de irradiar, sempre e em toda a parte, esta alegria, não obstante os cansaços, as dúvidas e até o desespero, que é uma tentação muito perigosa que atrofia a alma!

Irmãos, Jesus reza para que sejamos um e a sua alegria permaneça em nós. Façamos o mesmo: unamo-nos uns aos outros em oração.


ÚLTIMO COMPROMISSO

Santiago de Cuba  – O último compromisso desta terça-feira (22/9) em Cuba antes de partir para os Estados Unidos começou quase uma hora antes do previsto. Papa Francisco foi recebido com muito carinho pelas famílias presentes na Catedral Nossa Senhora de Assunção em Santiago de Cuba, sempre solícito e muito simpático, até parou para fotos e abraços.

Santiago de Cuba é a segunda cidade mais importante do país, com cerca de 500 mil habitantes, e a terceira a ser visitada pelo Papa nesta viagem pastoral que começou no último sábado (19/9) por Havana e terminará no final de semana pela Filadélfia.

A Catedral que recebeu o Papa tem quase 500 anos de fundação. A presença evangelizadora da Igreja naquela cidade foi lembrada pelo arcebispo local, Dom Dionísio García Ibánez. Este é o encontro das famílias cubanas com o seu pastor, disse ele, acrescentando que são famílias oriundas de todas as províncias do país e também do exterior. “A família cubana é alegre e lutadora e quer permanecer unida. É a instituição mais valorizada pelos cubanos, mas temos uma forte queda na taxa da natalidade”, comentou Dom García, que também pediu uma bênção especial às “nossas famílias que querem ser fortalecidas”.

Uma família com pai, mãe e três filhas deu o seu testemunho na ocasião, falando sobre o trabalho honesto para sustentar o lar. A mãe, que segurava a filha menor nos braços, também pediu uma bênção para viver o lar como “igrejas domésticas”, como instrumentos de paz e misericórdia. Em seguida, Papa Francisco fez questão de saudar todos os membros da família e de dar os parabéns ao patriarca que, hoje, completava 36 anos de idade.

Festa
Durante o seu discurso no Encontro com as Famílias, Papa Francisco aproveitou para agradecer aos cubanos por terem feito o Pontífice se sentir em casa. O encontro na Catedral de Santiago foi descrito pelo Santo Padre como “a cereja sobre o bolo”.

Em frente à Catedral de Santiago e se direcionando a todo o povo cubano, em sua despedida do país, Papa Francisco fez uma saudação especial aos avós e aos jovens. O Pontífice enalteceu que “um povo que cuida dos avós e dos jovens tem o futuro garantido”. No seu último trajeto pelas ruas de Cuba, uma multidão acompanhou o Papa em agradecimento ao carinho do Santo Padre transmitido durante quatro dias de visita pastoral ao país caribenho.

O avião A330 da Alitália decolou às 18h26, hora local, com destino à Washington, onde, após 3h30 previstas de viagem e 2.103km percorridos, será recebido pelo Presidente Barack Obama, esposa e filhas na Base Andrews da Força Aérea.

Logo após a partida, o Papa lançou um tweet de agradecimento:
“Obrigado a todos os cubanos! De coração, obrigado!”


Discurso
Encontro com as famílias na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, em Santiago
22 de setembro de 2015

Estamos em família! E quando alguém está em família, sente-se em casa. Obrigado, famílias cubanas! Obrigado, cubanos, por me terdes feito sentir todos estes dias em família, por me terdes feito sentir em casa. Este encontro convosco é como «a cereja sobre o bolo». Concluir a minha visita vivendo este encontro em família é motivo para agradecer a Deus pelo «calor» que brota de gente que sabe receber, que sabe acolher, que sabe fazer sentir-se em casa. Obrigado!

Agradeço a D. Dionisio García, Arcebispo de Santiago, a saudação que me dirigiu em nome de todos e ao casal que teve a coragem de partilhar com todos nós os seus anseios e esforços para viver o lar como uma «igreja doméstica».

O Evangelho de João apresenta-nos, como primeiro acontecimento público de Jesus, as bodas de Caná, uma festa de família. Está lá com Maria, sua mãe, e alguns dos seus discípulos partilhando a festa familiar.

As bodas são momentos especiais na vida de muitos. Para os «mais veteranos», pais, avós, é uma ocasião para recolher o fruto da sementeira. Dá alegria à alma ver os filhos crescerem, conseguindo formar o seu lar. É a oportunidade de verificar, por um instante, que valeu a pena tudo aquilo por que se lutou. Acompanhar os filhos, apoiá-los, incentivá-los para que possam decidir-se a construir a sua vida, a formar a sua família, é um grande desafio para todos os pais. Os recém-casados, por sua vez, encontram-se na alegria. Todo um futuro que começa; tudo tem «sabor» a coisas novas, a esperança. Nas bodas, sempre se une o passado que herdamos e o futuro que nos espera. Sempre se abre a oportunidade de agradecer tudo o que nos permitiu chegar até ao dia de hoje com o mesmo amor que recebemos.

E Jesus começa a sua vida pública numa boda. Insere-Se nesta história de sementeiras e colheitas, de sonhos e buscas, de esforços e compromissos, de árduos trabalhos lavrando a terra para que dê o seu fruto. Jesus começa a sua vida no interior de uma família, no seio de um lar. E é no seio dos nossos lares que Ele incessantemente continua a inserir-Se, e deles continua a fazer parte.

É interessante observar como Jesus Se manifesta também nos almoços, nos jantares. Comer com diferentes pessoas, visitar casas diferentes foi um lugar que Jesus privilegiou para dar a conhecer o projeto de Deus. Vai à casa dos seus amigos – Lázaro, Marta e Maria -, mas não é seletivo: não Lhe importa se são publicanos ou pecadores, como Zaqueu. E não era só Ele que agia assim; quando enviou os seus discípulos a anunciar a boa nova do Reino de Deus, disse-lhes: «Ficai na casa [que vos receber], comendo e bebendo do que lá houver» (Lc 10, 7). Bodas, visitas aos lares, jantares: algo de «especial» hão-de ter estes momentos na vida das pessoas, para que Jesus prefira manifestar-Se aí.

Lembro-me que, na minha diocese anterior, muitas famílias me explicavam que o único momento que tinham para estar juntos era, normalmente, o jantar, à noite, quando se voltava do trabalho e as crianças terminavam os deveres da escola. Era um momento especial de vida familiar. Comentava-se o dia, aquilo que cada um fizera, arrumava-se a casa, guardava-se a roupa, organizavam-se as tarefas principais para os dias seguintes. São momentos em que uma pessoa chega também cansada, e pode acontecer uma ou outra discussão, um ou outro «litígio». Jesus escolhe estes momentos para nos mostrar o amor de Deus, Jesus escolhe estes espaços para entrar nas nossas casas e ajudar-nos a descobrir o Espírito vivo e atuante nas nossas realidades cotidianas. É em casa onde aprendemos a fraternidade, a solidariedade, o não ser prepotentes. É em casa onde aprendemos a receber e agradecer a vida como uma bênção, e aprendemos que cada um precisa dos outros para seguir em frente. É em casa onde experimentamos o perdão, e somos continuamente convidados a perdoar, a deixarmo-nos transformar. Em casa, não há lugar para «máscaras»: somos aquilo que somos e, duma forma ou doutra, somos convidados a procurar o melhor para os outros.

Por isso, a comunidade cristã designa as famílias pelo nome de igrejas domésticas, porque é no calor do lar onde a fé permeia cada canto, ilumina cada espaço, constrói comunidade; porque foi em momentos assim que as pessoas começaram a descobrir o amor concreto e operante de Deus.

Em muitas culturas, hoje em dia, vão desaparecendo estes espaços, vão desaparecendo estes momentos familiares; pouco a pouco, tudo leva a separar-se, a isolar-se; escasseiam os momentos em comum, para estar juntos, para estar em família. Assim não se sabe esperar, não se sabe pedir licença ou desculpa, nem dizer obrigado, porque a casa vai ficando vazia: vazia de relações, vazia de contatos, vazia de encontros. Recentemente, uma pessoa que trabalha comigo contava-me que a sua esposa e os filhos tinham ido de férias e ele ficara sozinho. No primeiro dia, a casa estava toda em silêncio, «em paz», nada estava fora do lugar. Ao terceiro dia, quando lhe perguntei como estava, disse-me: quero que regressem todos já. Sentia que não podia viver sem a sua esposa e os seus filhos.

Sem família, sem o calor do lar, a vida torna-se vazia; começam a faltar as redes que nos sustentam na adversidade, alimentam na vida cotidiana e motivam na luta pela prosperidade. A família salva-nos de dois fenômenos atuais: a fragmentação (a divisão) e a massificação. Em ambos os casos, as pessoas transformam-se em indivíduos isolados, fáceis de manipular e controlar. Sociedades divididas, quebradas, separadas ou altamente massificadas são consequência da ruptura dos laços familiares, quando se perdem as relações que nos constituem como pessoa, que nos ensinam a ser pessoa.

A família é escola da humanidade, que ensina a pôr o coração aberto às necessidades dos outros, a estar atento à vida dos demais. Apesar de tantas dificuldades que afligem hoje as nossas famílias, não nos esqueçamos, por favor, disto: as famílias não são um problema, são sobretudo uma oportunidade; uma oportunidade que temos de cuidar, proteger, acompanhar.

Discute-se muito sobre o futuro, sobre o tipo de mundo que queremos deixar aos nossos filhos, que sociedade queremos para eles. Creio que uma das respostas possíveis se encontra pondo o olhar em vós: deixemos um mundo com famílias. É certo que não existe a família perfeita, não existem esposos perfeitos, pais perfeitos nem filhos perfeitos, mas isso não impede que sejam a resposta para o amanhã. Deus incentiva-nos ao amor, e o amor sempre se compromete com as pessoas que ama. Portanto, cuidemos das nossas famílias, verdadeiras escolas do amanhã. Cuidemos das nossas famílias, verdadeiros espaços de liberdade. Cuidemos das nossas famílias, verdadeiros centros de humanidade.

Não quero concluir sem fazer menção da Eucaristia. Tereis notado que Jesus, como espaço do seu memorial, quis utilizar uma ceia. Escolhe como espaço da sua presença entre nós um momento concreto da vida familiar; um momento vivido e compreensível a todos: a ceia.

A Eucaristia é a ceia da família de Jesus, que, de um extremo ao outro da terra, se reúne para escutar a sua Palavra e alimentar-se com o seu Corpo. Jesus é o Pão de Vida das nossas famílias, quer estar sempre presente, alimentando-nos com o seu amor, sustentando-nos com a sua fé, ajudando-nos a caminhar com a sua esperança, para que possamos, em todas as circunstâncias, experimentar que Ele é o verdadeiro Pão do Céu.

Daqui a alguns dias, participarei juntamente com famílias do mundo inteiro no Encontro Mundial das Famílias e, dentro de um mês, no Sínodo dos Bispos, cujo tema é a família. Convido-vos a rezar especialmente por estas duas intenções, para que saibamos todos juntos ajudar-nos a cuidar da família, para que saibamos cada vez mais descobrir o Emanuel, o Deus que vive no meio do seu povo fazendo das famílias a sua morada.


Texto e foto: Vatican News

Beato franciscano será canonizado pelo Papa nos EUA

O Papa Francisco canonizará o beato franciscano Junípero Serra hoje, 23 de setembro, em Washington, no âmbito de sua viagem aos Estados Unidos. O religioso foi beatificado pelo Papa João Paulo II a 25 de setembro de 1988.

A canonização será durante celebração ao ar livre, diante da Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição, maior templo católico dos EUA, no nordeste da capital norte-americana.

Conhecido como o Apóstolo da Califórnia, Frei Junípero nasceu em Petra, na ilha de Maiorca, a 24 de novembro de 1713, de Antônio Serra e Margarida Ferrer, pais exemplares pelos costumes e piedade, embora pessoas de pouca instrução. A criança foi batizada com o nome de Miguel José e foi crismado com a idade de apenas dois anos, por ocasião da visita do bispo de Maiorca, Atanasio Esterripa. Ajudava os pais nos trabalhos do campo e frequentou a escola anexa ao convento franciscano de São Bernardino, dando provas de inteligência viva e aberta e desta forma pôde ser encaminhado para fazer estudos superiores.

Depois de um ano de estudos filosóficos no convento de São Francisco de Palma, com 17 anos, vestiu o hábito franciscano no convento Santa Maria de Jesus. A 15 de setembro de 1731 emitiu os votos religiosos mudando o nome de batismo para o de Junípero, devido à grande admiração que tinha para com Frei Junípero, um dos primeiros companheiros de São Francisco.

Aos 35 anos de idade, não obstante a fecundidade de seu apostolado na Europa, Frei Junípero, obedecendo a um chamado interior, partiu rumo às Missões da América junto com um seu discípulo, Frei Francisco Palòu. Os dois permaneceram juntos por toda a vida. Partiram no dia 13 de abril de 1749, de Málaga. Depois de dramática travessia chegaram a São João de Porto Rico no dia 18 de outubro e a 7 de dezembro alcançaram Vera Cruz, na costa sul do México. A pé, prosseguiram até a cidade do México. Passou a exercer apostolado junto aos indígenas falando em sua língua.

O futuro santo fez um catecismo na língua do povo e ensinava ciência e técnicas a respeito do trabalho da terra. Graças à ajuda dos que eram missionados, Junípero e seu colega puderam construir em Santiago de Jalpán uma igreja de pedra, de estilo barroco ainda hoje tido como monumento de interesse histórico e tomado, posteriormente, como modelo para a realização de quatro outras igrejas na missão.

Em junho de 1767, depois da expulsão dos jesuítas das possessões do vice-reino de Espanha por decisão de Carlos III, as missões da Baixa Califórnia foram confiadas aos Franciscanos e Frei Junípero foi nomeado seu superior. Em 1º de abril de 1768, junto com 14 companheiros, empreendeu a corajosa e extenuante viagem rumo à península da Baixa Califórnia.

Depois de dois anos, devido também às condições econômicas favoráveis, pôde fundar a primeira missão californiana de San Diego de Alcalà. Deslocou-se na direção da Alta Califórnia e fundou as Missões de São Carlos Borromeu, de Santo Antônio de Pádua, São Gabriel e de São Luis Bispo e muitas outras. Segue-se um período de incompreensão com um comandante militar da Nova Espanha, José de Galvez. Por este motivo, o bem-aventurado retirou-se a pé para o México permanecendo no Colégio de São Ferdinando até 13 de março de 1774. No final da vida, retirou-se com seu confrade fiel para Monterey, na Califórnia, que escreveu a biografia do bem-aventurado como testemunha ocular.

Junípero Serra, durante dezessete anos, precisamente de 1767 a 1784 percorreu, apenas na Califórnia, perto de 9.900km a pé, 5.400 em embarcação, não obstante a idade e as enfermidades. Fundou 9 missões, das quais derivam os nomes franciscanos de cidades californianas muito importantes, como São Francisco, São Diego, Los Angeles, etc.

Frei Junípero, fortemente debilitado em sua saúde, pela asma e gangrena numa perna, morreu a 28 de agosto de 1784 no retiro do Carmelo de Monterrey na Califórnia com 71 anos de idade, sendo que 36 deles foram dedicados à missão.

Considerado o pai dos índios, foi honrado como herói nacional. Desde 1º de março de 1931, a sua estátua representando o Estado da Califórnia, está entre as outras dos Pais fundadores dos Estados Unidos na Sala do Congresso de Washington, estátua única de um religioso no Santuário dos americanos ilustres. O ponto mais alto da cordilheira de montanhas de Santa Lucia na Califórnia tem o seu nome.

Frei Junípero soube viver como Igreja em saída

Washington – O Papa Francisco presidiu a missa de canonização do Beato Frei Junípero Serra, apóstolo da Califórnia, no Santuário Nacional da Imaculada Conceição, no campus da Universidade Católica, no nordeste de Washington, nesta quarta-feira. O frei espanhol foi responsável no século XVIII pela introdução da fé católica em território americano.

Declaramos e definimos como Santo Junípero Serra, o inscrevemos no Catálogo dos Santos, e estabelecemos que em toda a Igreja seja devotadamente honrado entre os Santos”, declarou o Pontífice. Cerca de 25 mil pessoas se reuniram nos jardins da enorme basílica, muitos deles desde as primeiras horas da manhã, apesar de um forte sol. Francisco entrou no jardim do templo a bordo do papamóvel, em meio a uma interminável ovação, enquanto desde a basílica era saudado por sinos.

Serra nasceu em Maiorca em 1713 e na segunda metade do século fundou missões religiosas na região costeira que atualmente faz parte do estado da Califórnia, onde morreu em 1784. Entre outras, fundou a missão de São Gabriel em uma região atualmente situada na área metropolitana de Los Angeles.

Beatificado pelo papa João Paulo II em 1988, Serra foi nesta quarta-feira introduzido por Francisco no cânone católico em condição de santo.

“Hoje, recordamos uma daquelas testemunhas que souberam testemunhar nestas terras a alegria do Evangelho: Padre Junípero Serra. Soube viver aquilo que é «a Igreja em saída», esta Igreja que sabe sair e ir pelas estradas, para partilhar a ternura reconciliadora de Deus. Soube deixar a sua terra, os seus costumes, teve a coragem de abrir sendas, soube ir ao encontro de muitos aprendendo a respeitar os seus costumes e as suas características.”

Francisco disse que que o Apóstolo da Califórnia, “aprendeu a gerar e acompanhar a vida de Deus nos rostos daqueles que encontrava, tornando-os seus irmãos. Junípero procurou defender a dignidade da comunidade nativa, protegendo-a de todos aqueles que abusaram dela; abusos que hoje continuam a encher-nos de pesar, especialmente pela dor que provocam na vida de tantas pessoas”.

“Escolheu um lema que inspirou os seus passos e plasmou a sua vida: «Sempre avante». Soube-o dizer, mas sobretudo viver. Esta foi a maneira que Junípero encontrou para viver a alegria do Evangelho, para que não se anestesiasse o seu coração. Foi sempre avante, porque o Senhor espera; sempre avante, porque o irmão espera; sempre avante por tudo aquilo que ainda tinha para viver; foi sempre avante. Como ele então, possamos também nós hoje dizer: sempre avante”, concluiu Francisco.


HOMILIA – íntegra

“Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos!” (Flp 4, 4). Um convite que toca fortemente a nossa vida. Alegrai-vos – diz-nos São Paulo, com a força quase duma ordem. Um convite no qual ecoa o desejo de que todos experimentemos uma vida plena, uma vida que tenha sentido, uma vida jubilosa. É como se Paulo tivesse a capacidade de ouvir cada um dos nossos corações e desse voz àquilo que sentimos, àquilo que vivemos. Há algo dentro de nós que nos convida à alegria, não nos contentando com paliativos que procuram simplesmente tranquilizar-nos.

Mas, por outro lado, vivemos as tensões da vida diária. Muitas são as situações que parecem pôr em dúvida este convite. A dinâmica, a que muitas vezes estamos sujeitos, parece levar-nos a uma resignação triste que pouco a pouco se vai transformando num hábito com uma consequência letal: anestesiar o coração.

Não queremos que a resignação seja o motor da nossa vida; ou será que queremos? Não queremos que a rotina se apodere da nossa vida; ou sim? Por isso podemos questionar-nos: como proceder para que não se anestesie o nosso coração? Como aprofundar a alegria do Evangelho nas várias situações da nossa vida?

Jesus disse aos discípulos de então e repete-o a nós hoje: Ide! Anunciai! A alegria do Evangelho só se experimenta, conhece e vive, dando-a, dando-se.

O espírito do mundo convida-nos ao conformismo, à comodidade. Perante este espírito mundano “é necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo” (Enc. Laudato si’, 229); a responsabilidade de anunciar a mensagem de Jesus. Porque a fonte da nossa alegria situa-se naquele “desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva” (Exort. ap. Evangelii gaudium, 24). Ide ter com todos, a fim de anunciar ungindo e ungir anunciando. A isto mesmo, nos convida hoje o Senhor dizendo:

A alegria, o cristão experimenta-a na missão: ide ter com os povos de todas as nações.
A alegria, o cristão encontra-a num convite: ide e anunciai.
A alegria, o cristão renova-a e actualiza-a com uma vocação: ide e ungi.

Jesus envia-vos a todas as nações, a todos os povos. E, neste «todos» de há dois mil anos, estávamos incluídos também nós. Jesus não dá uma lista seletiva com aqueles a quem se deve ir e a quem não ir, com aqueles que são dignos, ou não, de receber a sua mensagem, a sua presença. Pelo contrário, abraçou sempre a vida como esta Lhe aparecia: com cara de tristeza, fome, doença, pecado; com cara de ferimentos, sede, cansaço; com cara de dúvidas e de fazer piedade. Longe de esperar uma vida embelezada, decorada, maquiada, abraçou-a como a encontrava; mesmo que fosse uma vida que muitas vezes se apresentava arruinada, suja, destroçada. A todos – disse Jesus –, ide e anunciai; a toda esta vida, tal como é e não como gostaríamos que fosse: ide e abraçai no meu nome. Ide pelas encruzilhadas dos caminhos, ide… anunciar, sem medo, sem preconceitos, sem superioridade nem purismos; a todos aqueles que perderam a alegria de viver, ide anunciar o abraço misericordioso do Pai. Ide ter com aqueles que vivem com o peso da tristeza, do fracasso, da sensação duma vida destroçada, e anunciai a loucura dum Pai que procura ungi-los com o óleo da esperança, da salvação. Ide anunciar que os erros, as ilusões enganadoras, as incompreensões não têm a última palavra na vida duma pessoa. Ide com o óleo que cura as feridas e restabelece o coração.

A missão nunca nasce dum projeto perfeitamente elaborado ou dum manual bem estruturado e programado; a missão nasce sempre duma vida que se sentiu procurada e curada, encontrada e perdoada. A missão nasce de se fazer uma, duas e mais vezes a experiência da unção misericordiosa de Deus.

A Igreja, o povo santo de Deus, sabe percorrer as estradas poeirentas da história, frequentemente permeadas por conflitos, injustiças, violência, para ir encontrar os seus filhos e irmãos. O santo povo fiel de Deus não teme o erro; teme o fechamento, a cristalização em elite, o agarrar-se às próprias seguranças. Sabe que o fechamento, nas suas múltiplas formas, é a causa de tantas resignações.

Por isso saiamos, vamos oferecer a todos a vida de Jesus Cristo (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 49). O povo de Deus sabe envolver-se, porque é discípulo d’Aquele que Se ajoelhou diante dos seus, para lhes lavar os pés (cf. ibid., 24).

Hoje encontramo-nos aqui, porque houve muitos que tiveram a coragem de responder a esta chamada; muitos que acreditaram que «na doação a vida se fortalece, e se enfraquece no comodismo e no isolamento» (Documento de Aparecida, 360). Somos filhos da ousadia missionária de muitos que preferiram não se fechar «nas estruturas que nos dão uma falsa proteção (…), nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 49). Somos devedores duma Tradição, duma cadeia de testemunhas que tornaram possível que a Boa Nova do Evangelho continue a ser, de geração em geração, Nova e Boa.

E hoje recordamos uma daquelas testemunhas que souberam testemunhar nestas terras a alegria do Evangelho: Padre Junípero Serra. Soube viver aquilo que é “a Igreja em saída”, esta Igreja que sabe sair e ir pelas estradas, para partilhar a ternura reconciliadora de Deus. Soube deixar a sua terra, os seus costumes, teve a coragem de abrir sendas, soube ir ao encontro de muitos aprendendo a respeitar os seus costumes e as suas características.
Aprendeu a gerar e acompanhar a vida de Deus nos rostos daqueles que encontrava, tornando-os seus irmãos. Junípero procurou defender a dignidade da comunidade nativa, protegendo-a de todos aqueles que abusaram dela; abusos que hoje continuam a encher-nos de pesar, especialmente pela dor que provocam na vida de tantas pessoas.

Escolheu um lema que inspirou os seus passos e plasmou a sua vida: “Sempre avante”. Soube-o dizer, mas sobretudo viver. Esta foi a maneira que Junípero encontrou para viver a alegria do Evangelho, para que não se anestesiasse o seu coração. Foi sempre avante, porque o Senhor espera; sempre avante, porque o irmão espera; sempre avante por tudo aquilo que ainda tinha para viver; foi sempre avante. Como ele então, possamos também nós hoje dizer: sempre avante.

Santa Missa e Canonização do Beato Junipero Serra

Santuário Nacional da Imaculada Conceição

Washington D.C
23 de setembro de 2015

Pronunciamento histórico do Papa Francisco

Washington – No Congresso dos Estados Unidos, em Washington, o Papa pronunciou esta quinta-feira (24/09) um de seus mais importantes discursos desta 10ª viagem apostólica internacional. Tratou-se de uma visita inédita, pois Francisco é o primeiro Pontífice a dirigir-se aos membros do Senado e da Câmara norte-americanos. Por representarem a nação, o pronunciamento do Papa aos políticos constitui um “diálogo” com todo o povo dos Estados Unidos, enredado a partir de quatro personalidades que marcaram a história do país: Abraham Lincoln, Martin Luther King, Dorothy Day e Thomas Merton.

Liberdade

Citando o “guardião da liberdade”, Abraham Lincoln, Francisco advertiu para dois perigos que assolam o mundo: o fundamentalismo e o reducionismo simplista.

Quanto ao fundamentalismo, o Papa afirmou que esta pode ser inclusive religiosa e pediu “equilíbrio” para se combater a violência perpetrada em nome de uma religião, de uma ideologia ou de um sistema econômico. Já o reducionismo simplista divide o mundo em dois polos: o bem e mal, ou justos e pecadores. “Sabemos que, na ânsia de nos libertar do inimigo externo, podemos ser tentados a alimentar o inimigo interno. Imitar o ódio e a violência dos tiranos e dos assassinos é o modo melhor para ocupar o seu lugar”.

Francisco propõe coragem e inteligência para se resolver as muitas crises econômicas e geopolíticas de hoje, em que os países desenvolvidos também sentem as consequências. Para estar a serviço da pessoa, recordou, a política não pode se submeter à economia e à finança.

Imigração

A luta de Martin Luther King por plenos direitos para os afro-americanos levou o Papa a falar dos imigrantes. “Aquele sonho continua a inspirar-nos”, disse Francisco, citando a maior “crise de refugiados” desde os tempos da II Guerra Mundial.

“Também neste continente, milhares de pessoas sentem-se impelidas a viajar para o Norte à procura de melhores oportunidades. Porventura não é o que queríamos para os nossos filhos? Não devemos deixar-nos assustar pelo seu número, mas antes olhá-los como pessoas, procurando responder o melhor que pudermos às suas situações”, ressaltou o Pontífice, reafirmando o valor da regra de ouro: «O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles» (Mt 7, 12).”

Pena de morte

“Se queremos segurança, demos segurança; se queremos vida, demos vida; se queremos oportunidades, providenciemos oportunidades. A medida que usarmos para os outros será a medida que o tempo usará para conosco.” Para Francisco, isso vale também para a pena de morte, cuja abolição representa a melhor via.

“Recentemente, os meus irmãos bispos aqui nos Estados Unidos renovaram o seu apelo pela abolição da pena de morte. Não só os apoio, mas encorajo também todos aqueles que estão convencidos de que uma punição justa e necessária nunca deve excluir a dimensão da esperança e o objetivo da reabilitação.”

Pobreza e degradação ambiental

O engajamento da Serva de Deus Dorothy Day, que fundou o Movimento Operário Católico, inspirou o Papa a falar da justiça, da pobreza e de suas causas, entre as quais a distribuição da riqueza e a degradação ambiental.

Citando sua Encíclica Laudato si, Francisco exortou os políticos e o povo estadunidense a “mudar de rumo”. “Estou convencido de que podemos fazer a diferença e não tenho dúvida alguma de que os Estados Unidos – e este Congresso – têm um papel importante a desempenhar. Agora é o momento de empreender ações corajosas e uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”

Conflitos

Por fim, o Papa citou o testemunho do monge cisterciense Thomas Merton para falar da necessidade do diálogo.

Aludindo à reaproximação dos Estados Unidos com Cuba, Francisco “saudou” os esforços que se fizeram nos últimos meses para procurar superar “diferenças históricas” ligadas a episódios “dolorosos do passado”. “É meu dever construir pontes e ajudar, por todos os modos possíveis, cada homem e cada mulher a fazerem o mesmo”, afirmou, destacando que medidas do gênero exigem coragem e audácia.

Comércio de armas
Comprometer-se com o diálogo, acrescentou, significa acabar com tantos conflitos armados em todo o mundo. Francisco é claro e não usa meias-palavras: “Por que motivo se vendem armas letais àqueles que têm em mente infligir sofrimentos inexprimíveis a indivíduos e sociedade? Infelizmente a resposta, como todos sabemos, é apenas esta: por dinheiro; dinheiro que está impregnado de sangue, e muitas vezes sangue inocente. Perante este silêncio vergonhoso e culpável, é nosso dever enfrentar o problema e deter o comércio de armas”.

Famílias

O Papa concluiu seu discurso falando do motivo que o levou aos Estados Unidos, isto é, o Encontro Mundial das Famílias em Filadélfia.

O Pontífice declara-se preocupado com as ameaças que a instituição familiar está recebendo, falando de modo especial dos jovens, que parecem desorientados e sem meta. “Os seus problemas são os nossos problemas. Não podemos evitá-los. (…) Deus abençoe a América!”

Crise ecológica ameaça a espécie humana

Nova York  – Depois do histórico pronunciamento no Congresso dos Estados Unidos, em Washington, esta sexta-feira o Papa Francisco cumpriu mais uma etapa marcante desta sua viagem apostólica ao discursar na sede das Nações Unidas, em Nova York. Diante de mais de 170 chefes de Estado e de governo, do Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, o Pontífice definiu a sua visita como uma continuação daquelas realizadas por seus predecessores: Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI.

Francisco reconheceu o esforço das Nações Unidas em dar uma resposta jurídica e política às complexas situações mundiais. “Apesar de serem muitos os problemas graves por resolver, todavia é seguro e evidente que, se faltasse toda esta atividade internacional, a humanidade poderia não ter sobrevivido ao uso descontrolado das suas próprias potencialidades”, constatou o Papa.

O Pontífice falou ainda dos órgãos com capacidade executiva real, como o Conselho de Segurança e Organismos Financeiros Internacionais. Estes, todavia, devem velar pelo desenvolvimento sustentável dos países, e não sufocá-los com sistemas de crédito que levam as populações a maior pobreza, exclusão e dependência.

“Dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar onipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais.”

Laudato Sí

Todo o pronunciamento de Francisco foi inspirado nas reflexões propostas em sua Encíclica Laudato Sí. O Papa reforçou dois direitos: o direito à existência da natureza e os direitos da pessoa humana.

“Qualquer dano ao meio ambiente é um dano à humanidade. (…) O abuso e a destruição do meio ambiente aparecem associados com um processo ininterrupto de exclusão. Na verdade, uma ambição egoísta e ilimitada de poder e bem-estar material leva tanto a abusar dos meios materiais disponíveis, como a excluir os fracos e os menos hábeis. A exclusão econômica e social é uma negação total da fraternidade humana e um atentado gravíssimo aos direitos humanos e ao ambiente.”

Cultura do descarte

O Pontífice recordou que os mais pobres são aqueles que mais sofrem esses ataques: são descartados pela sociedade, obrigados a viver de desperdícios e sofrer injustamente as consequências do abuso do ambiente.

Como sinais de esperança, o Papa citou a adoção da «Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável», que a Assembleia Geral começa a debater esta sexta-feira, e a Conferência de Paris sobre as alterações climáticas.

Todavia, advertiu, os compromissos solenemente assumidos não são suficientes. A vontade política, segundo Francisco, deve ser efetiva, prática e constante para preservar o meio ambiente e superar fenômenos como tráfico de seres humanos, drogas e armas, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo e terrorismo.

Já as vítimas devem se encontrar em condição de serem protagonistas do seu próprio destino. E a chave para fazê-lo é a educação de meninos e meninas, que são excluídas em alguns lugares.

Francisco ofereceu ainda os indicadores mínimos para que todos vivam com dignidade. Em nível material, são casa, trabalho e terra. Em nível espiritual, é a liberdade do espírito, que inclui a liberdade religiosa, o direito à educação e os outros direitos civis.

Conflitos

A guerra, acrescentou o Pontífice, é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente. A experiência destes setenta anos de existência das Nações Unidas mostram tanto a eficácia da plena aplicação das normas internacionais, como a ineficácia da sua inobservância. Se respeitada, a Carta das Nações Unidas produz paz. Mas se aplicada quando convém, abre-se uma verdadeira “caixa de Pandora” com forças incontroláveis, que prejudicam seriamente as populações inermes, o ambiente cultural e também o ambiente biológico.

Francisco condenou a proliferação das armas, especialmente as de destruição em massa e as armas nucleares, por contradizer o princípio pacificador da ONU. A corrida armamentista levaria a instituição a se chamar “Nações Unidas pelo medo e a desconfiança”. “É preciso trabalhar por um mundo sem armas nucleares, aplicando plenamente, na letra e no espírito, o Tratado de Não-Proliferação para se chegar a uma proibição total destes instrumentos.”

O Papa renovou seu apelo por uma solução pacífica dos conflitos, principalmente em Ucrânia, Síria, Iraque, Líbia, Sudão do Sul e na região dos Grandes Lagos. “Antes dos interesses de parte, existem rostos concretos. Nas guerras e conflitos, existem pessoas, nossos irmãos e irmãs, que choram, sofrem e morrem. Seres humanos que se tornam material de descarte, enquanto nada mais se faz senão enumerar problemas, estratégias e discussões.”

Narcotráfico

Francisco denunciou ainda a morte silenciosa de milhões de pessoas provocada pelo narcotráfico. “Uma guerra financiada e pobremente combatida. O narcotráfico, por sua própria natureza, é acompanhado pelo tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas, exploração infantil e outras formas de corrupção. Corrupção que penetrou nos diferentes níveis da vida social, política, militar, artística e religiosa, gerando, em muitos casos, uma estrutura paralela que põe em perigo a credibilidade das nossas instituições.”

Futuro

Para concluir o seu discurso, o Papa citou Paulo VI, para que as suas palavras sejam uma continuação do que foi dito na Assembleia 50 anos atrás: “Eis chegada a hora em que se impõe uma pausa, um momento de recolhimento, de reflexão, quase de oração: pensar de novo na nossa comum origem, na nossa história, no nosso destino comum”.

E deixou o seu apelo às lideranças mundiais: “O tempo presente convida-nos a privilegiar acões que possam gerar novos dinamismos na sociedade e frutifiquem em acontecimentos históricos importantes e positivos. Não podemos permitir-nos o adiamento de ‘algumas agendas’ para o futuro. O futuro exige-nos decisões críticas e globais face aos conflitos mundiais que aumentam o número dos excluídos e necessitados”.


ÍNTEGRA DO DISCURSO

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores!

Mais uma vez, seguindo uma tradição de que me sinto honrado, o Secretário-Geral das Nações Unidas convidou o Papa para falar a esta distinta assembleia das nações. Em meu nome e em nome de toda a comunidade católica, Senhor Ban Ki-moon, desejo manifestar-lhe a gratidão mais sincera e cordial; agradeço-lhe também as suas amáveis palavras. Saúdo ainda os chefes de Estado e de Governo aqui presentes, os embaixadores, os diplomatas e os funcionários políticos e técnicos que os acompanham, o pessoal das Nações Unidas empenhado nesta LXX Sessão da Assembleia Geral, o pessoal de todos os programas e agências da família da ONU e todos aqueles que, por um título ou outro, participam nesta reunião. Por vosso intermédio, saúdo também os cidadãos de todas as nações representadas neste encontro. Obrigado pelos esforços de todos e cada um em prol do bem da humanidade.

Esta é a quinta vez que um Papa visita as Nações Unidas. Fizeram-no os meus antecessores Paulo VI em 1965, João Paulo II em 1979 e 1995 e o meu imediato antecessor, hoje Papa emérito Bento XVI, em 2008. Nenhum deles poupou expressões de reconhecido apreço pela Organização, considerando-a a resposta jurídica e política adequada para o momento histórico, caracterizado pela superação das distâncias e das fronteiras graças à tecnologia e, aparentemente, superação de qualquer limite natural à afirmação do poder. Uma resposta imprescindível, dado que o poder tecnológico, nas mãos de ideologias nacionalistas ou falsamente universalistas, é capaz de produzir atrocidades tremendas. Não posso deixar de me associar ao apreçamento dos meus antecessores, reiterando a importância que a Igreja Católica reconhece a esta instituição e as esperanças que coloca nas suas actividades.

A história da comunidade organizada dos Estados, representada pelas Nações Unidas, que festeja nestes dias o seu septuagésimo aniversário, é uma história de importantes sucessos comuns, num período de inusual aceleração dos acontecimentos. Sem pretender ser exaustivo, pode-se mencionar a codificação e o desenvolvimento do direito internacional, a construção da normativa internacional dos direitos humanos, o aperfeiçoamento do direito humanitário, a solução de muitos conflitos e operações de paz e reconciliação, e muitas outras aquisições em todos os setores da projeção internacional das atividades humanas. Todas estas realizações são luzes que contrastam a obscuridade da desordem causada por ambições descontroladas e egoísmos coletivos. Apesar de serem muitos os problemas graves por resolver, todavia é seguro e evidente que, se faltasse toda esta actividade internacional, a humanidade poderia não ter sobrevivido ao uso descontrolado das suas próprias potencialidades. Cada um destes avanços políticos, jurídicos e técnicos representa um percurso de concretização do ideal da fraternidade humana e um meio para a sua maior realização.

Por isso, presto homenagem a todos os homens e mulheres que serviram, com lealdade e sacrifício, a humanidade inteira nestes setenta anos. Em particular, desejo hoje recordar aqueles que deram a sua vida pela paz e a reconciliação dos povos, desde Dag Hammarskjöld até aos inúmeros funcionários, de qualquer grau, caídos nas missões humanitárias de paz e reconciliação.

A experiência destes setenta anos demonstra que, para além de tudo o que se conseguiu, há constante necessidade de reforma e adaptação aos tempos, avançando rumo ao objetivo final que é conceder a todos os países, sem exceção, uma participação e uma incidência reais e equitativas nas decisões. Esta necessidade dE uma maior equidade é especialmente verdadeira nos órgãos com capacidade executiva real, como o Conselho de Segurança, os organismos financeiros e os grupos ou mecanismos criados especificamente para enfrentar as crises econômicas. Isto ajudará a limitar qualquer espécie de abuso ou usura especialmente sobre países em vias de desenvolvimento. Os Organismos Financeiros Internacionais devem velar pelo desenvolvimento sustentável dos países, evitando uma sujeição sufocante desses países a sistemas de crédito que, longe de promover o progresso, submetem as populações a mecanismos de maior pobreza, exclusão e dependência.

A tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. Neste contexto, convém recordar que a limitação do poder é uma ideia implícita no conceito de direito. Dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar onipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais. A efetiva distribuição do poder (político, econômico, militar, tecnológico etc.) entre uma pluralidade de sujeitos e a criação de um sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos interesses realiza a limitação do poder. Mas, hoje, o panorama mundial apresenta-nos muitos direitos falsos e, ao mesmo tempo, amplos setores sem proteção, vítimas inclusivamente de um mau exercício do poder: o ambiente natural e o vasto mundo de mulheres e homens excluídos são dois setores intimamente unidos entre si, que as relações políticas e econômicas preponderantes transformaram em partes frágeis da realidade. Por isso, é necessário afirmar vigorosamente os seus direitos, consolidando a protecção do meio ambiente e pondo fim à exclusão.

Antes de mais nada, é preciso afirmar a existência de um verdadeiro «direito do ambiente», por duas razões. Em primeiro lugar, porque como seres humanos fazemos parte do ambiente. Vivemos em comunhão com ele, porque o próprio ambiente comporta limites éticos que a ação humana deve reconhecer e respeitar. O homem, apesar de dotado de «capacidades originais [que] manifestam uma singularidade que transcende o âmbito físico e biológico» (Enc. Laudato si’, 81), não deixa ao mesmo tempo de ser uma porção deste ambiente. Possui um corpo formado por elementos físicos, químicos e biológicos, e só pode sobreviver e desenvolver-se se o ambiente ecológico lhe for favorável. Por conseguinte, qualquer dano ao meio ambiente é um dano à humanidade. Em segundo lugar, porque cada uma das criaturas, especialmente seres vivos, possui em si mesma um valor de existência, de vida, de beleza e de interdependência com outras criaturas. Nós cristãos, juntamente com as outras religiões monoteístas, acreditamos que o universo provém de uma decisão de amor do Criador, que permite ao homem servir-se respeitosamente da criação para o bem dos seus semelhantes e para a glória do Criador, mas sem abusar dela e muito menos sentir-se autorizado a destruí-la. E, para todas as crenças religiosas, o ambiente é um bem fundamental (cf. ibid., 81).

O abuso e a destruição do meio ambiente aparecem associados, simultaneamente, com um processo ininterrupto de exclusão. Na verdade, uma ambição egoísta e ilimitada de poder e bem-estar material leva tanto a abusar dos meios materiais disponíveis como a excluir os fracos e os menos hábeis, seja pelo fato de terem habilidades diferentes (deficientes), seja porque lhes faltam conhecimentos e instrumentos técnicos adequados ou possuem uma capacidade insuficiente de decisão política. A exclusão econômica e social é uma negação total da fraternidade humana e um atentado gravíssimo aos direitos humanos e ao ambiente. Os mais pobres são aqueles que mais sofrem esses ataques por um triplo e grave motivo: são descartados pela sociedade, ao mesmo tempo são obrigados a viver de desperdícios, e devem sofrer injustamente as consequências do abuso do ambiente. Estes fenômenos constituem, hoje, a «cultura do descarte» tão difundida e inconscientemente consolidada.

O caráter dramático de toda esta situação de exclusão e desigualdade, com as suas consequências claras, leva-me, juntamente com todo o povo cristão e muitos outros, a tomar consciência também da minha grave responsabilidade a este respeito, pelo que levanto a minha voz, em conjunto com a de todos aqueles que aspiram por soluções urgentes e eficazes. A adoção da «Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável», durante a Cimeira Mundial que hoje mesmo começa, é um sinal importante de esperança. Estou confiado também que a Conferência de Paris sobre as alterações climáticas alcance acordos fundamentais e efetivos.

Todavia não são suficientes os compromissos solenemente assumidos, mesmo se constituem um passo necessário para a solução dos problemas. A definição clássica de justiça, a que antes me referi, contém como elemento essencial uma vontade constante e perpétua: Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi. O mundo pede vivamente a todos os governantes uma vontade efetiva, prática, constante, feita de passos concretos e medidas imediatas, para preservar e melhorar o ambiente natural e superar o mais rapidamente possível o fenômeno da exclusão social e econômica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada. Tal é a magnitude destas situações e o número de vidas inocentes envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de cair num nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as consciências. Devemos ter cuidado com as nossas instituições para que sejam realmente eficazes na luta contra estes flagelos.

A multiplicidade e complexidade dos problemas exigem servir-se de instrumentos técnicos de medição. Isto, porém, esconde um duplo perigo: limitar-se ao exercício burocrático de redigir longas enumerações de bons propósitos – metas, objetivos e indicadores estatísticos –, ou julgar que uma solução teórica única e apriorística dará resposta a todos os desafios. É preciso não perder de vista, em momento algum, que a ação política e econômica só é eficaz quando é concebida como uma atividade prudencial, guiada por um conceito perene de justiça e que tem sempre presente que, antes e para além de planos e programas, existem mulheres e homens concretos, iguais aos governantes, que vivem, lutam e sofrem e que muitas vezes se vêem obrigados a viver miseravelmente, privados de qualquer direito.

Para que estes homens e mulheres concretos possam subtrair-se à pobreza extrema, é preciso permitir-lhes que sejam atores dignos do seu próprio destino. O desenvolvimento humano integral e o pleno exercício da dignidade humana não podem ser impostos; devem ser construídos e realizados por cada um, por cada família, em comunhão com os outros seres humanos e num relacionamento correto com todos os ambientes onde se desenvolve a sociabilidade humana – amigos, comunidades, aldeias e vilas, escolas, empresas e sindicatos, províncias, países etc. Isto supõe e exige o direito à educação – mesmo para as meninas (excluídas em alguns lugares) –, que é assegurado antes de mais nada respeitando e reforçando o direito primário das famílias a educar e o direito das Igrejas e de agregações sociais a apoiar e colaborar com as famílias na educação das suas filhas e dos seus filhos. A educação, assim entendida, é a base para a realização da Agenda 2030 e para a recuperação do ambiente.

Ao mesmo tempo, os governantes devem fazer o máximo possível por que todos possam dispor da base mínima material e espiritual para tornar efectiva a sua dignidade e para formar e manter uma família, que é a célula primária de qualquer desenvolvimento social. A nível material, este mínimo absoluto tem três nomes: casa, trabalho e terra. E, a nível espiritual, um nome: liberdade do espírito, que inclui a liberdade religiosa, o direito à educação e os outros direitos civis.

Por todas estas razões, a medida e o indicador mais simples e adequado do cumprimento da nova Agenda para o desenvolvimento será o acesso efectivo, prático e imediato, para todos, aos bens materiais e espirituais indispensáveis: habitação própria, trabalho digno e devidamente remunerado, alimentação adequada e água potável; liberdade religiosa e, mais em geral, liberdade do espírito e educação. Ao mesmo tempo, estes pilares do desenvolvimento humano integral têm um fundamento comum, que é o direito à vida, e, em sentido ainda mais amplo, aquilo a que poderemos chamar o direito à existência da própria natureza humana.

A crise ecológica, juntamente com a destruição de grande parte da biodiversidade, pode pôr em perigo a própria existência da espécie humana. As nefastas consequências de uma irresponsável má gestão da economia mundial, guiada unicamente pela ambição de lucro e poder, devem constituir um apelo a esta severa reflexão sobre o homem: «O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza» (Bento XVI, Discurso ao Parlamento da República Federal da Alemanha, 22 de Setembro de 2011; citado na Enc. Laudato Si’, 6). A criação vê-se prejudicada «onde nós mesmos somos a última instância (…). E o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos» (Bento XVI, Discurso ao clero da Diocese de Bolzano-Bressanone, 6 de Agosto de 2008; citado na Enc. Laudato si’, 6). Por isso, a defesa do ambiente e a luta contra a exclusão exigem o reconhecimento de uma lei moral inscrita na própria natureza humana, que inclui a distinção natural entre homem e mulher (cf. Enc. Laudato si’, 155) e o respeito absoluto da vida em todas as suas fases e dimensões (cf. ibid., 123; 136).

Sem o reconhecimento de alguns limites éticos naturais inultrapassáveis e sem a imediata atuação dos referidos pilares do desenvolvimento humano integral, o ideal de «preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra» (Carta das Nações Unidas, Preâmbulo) e «promover o progresso social e um padrão mais elevado de viver em maior liberdade» (ibid.) corre o risco de se tornar uma miragem inatingível ou, pior ainda, palavras vazias que servem como desculpa para qualquer abuso e corrupção ou para promover uma colonização ideológica através da imposição de modelos e estilos de vida anormais, alheios à identidade dos povos e, em última análise, irresponsáveis.

A guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente. Se se quiser um desenvolvimento humano integral autêntico para todos, é preciso continuar incansavelmente no esforço de evitar a guerra entre as nações e entre os povos.

Para isso, é preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental. A experiência destes setenta anos de existência das Nações Unidas, em geral, e, de modo particular, a experiência dos primeiros quinze anos do terceiro milênio mostram tanto a eficácia da plena aplicação das normas internacionais como a ineficácia da sua inobservância. Se se respeita e aplica a Carta das Nações Unidas, com transparência e sinceridade, sem segundos fins, como um ponto de referência obrigatório de justiça e não como um instrumento para mascarar intenções ambíguas, obtém-se resultados de paz. Quando, pelo contrário, se confunde a norma com um simples instrumento que se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é, abre-se uma verdadeira caixa de Pandora com forças incontroláveis, que prejudicam seriamente as populações inermes, o ambiente cultural e também o ambiente biológico.

O Preâmbulo e o primeiro artigo da Carta das Nações Unidas indicam as bases da construção jurídica internacional: a paz, a solução pacífica das controvérsias e o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações. Contrasta fortemente com estas afirmações – e nega-as na prática – a tendência sempre presente para a proliferação das armas, especialmente as de destruição em massa, como o podem ser as armas nucleares. Uma ética e um direito baseados sobre a ameaça da destruição recíproca – e, potencialmente, de toda a humanidade – são contraditórios e constituem um dolo em toda a construção das Nações Unidas, que se tornariam «Nações Unidas pelo medo e a desconfiança». É preciso trabalhar por um mundo sem armas nucleares, aplicando plenamente, na letra e no espírito, o Tratado de Não-Proliferação para se chegar a uma proibição total destes instrumentos.

O recente acordo sobre a questão nuclear, numa região sensível da Ásia e do Médio Oriente, é uma prova das possibilidades da boa vontade política e do direito, cultivados com sinceridade, paciência e constância. Faço votos de que este acordo seja duradouro e eficaz e, com a colaboração de todas as partes envolvidas, produza os frutos esperados.

Nesta linha, não faltam provas graves das consequências negativas de intervenções políticas e militares não coordenadas entre os membros da comunidade internacional. Por isso, embora desejasse não ter necessidade de o fazer, não posso deixar de reiterar os meus apelos que venho repetidamente fazendo em relação à dolorosa situação de todo o Médio Oriente, do Norte de África e de outros países africanos, onde os cristãos, juntamente com outros grupos culturais ou étnicos e também com aquela parte dos membros da religião maioritária que não quer deixar-se envolver pelo ódio e a loucura, foram obrigados a ser testemunhas da destruição dos seus lugares de culto, do seu patrimônio cultural e religioso, das suas casas e haveres, e foram postos perante a alternativa de escapar ou pagar a adesão ao bem e à paz com a sua própria vida ou com a escravidão.

Estas realidades devem constituir um sério apelo a um exame de consciência por parte daqueles que têm a responsabilidade pela condução dos assuntos internacionais. Não só nos casos de perseguição religiosa ou cultural, mas em toda a situação de conflito, como na Ucrânia, Síria, Iraque, Líbia, Sudão do Sul e na região dos Grandes Lagos, antes dos interesses de parte, mesmo legítimos, existem rostos concretos. Nas guerras e conflitos, existem pessoas, nossos irmãos e irmãs, homens e mulheres, jovens e idosos, meninos e meninas que choram, sofrem e morrem. Seres humanos que se tornam material de descarte, enquanto nada mais se faz senão enumerar problemas, estratégias e discussões.

Como pedi ao Secretário-Geral das Nações Unidas, na minha carta de 9 de Agosto de 2014, «a mais elementar compreensão da dignidade humana obriga a comunidade internacional, em particular através das regras e dos mecanismos do direito internacional, a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir e prevenir ulteriores violências sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas» e para proteger as populações inocentes.

Nesta mesma linha, quero citar outro tipo de conflitualidade, nem sempre assim explicitada, mas que inclui silenciosamente a morte de milhões de pessoas. Muitas das nossas sociedades vivem um tipo diferente de guerra com o fenômeno do narcotráfico. Uma guerra «suportada» e pobremente combatida. O narcotráfico, por sua própria natureza, é acompanhado pelo tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas, exploração infantil e outras formas de corrupção. Corrupção, que penetrou nos diferentes níveis da vida social, política, militar, artística e religiosa, gerando, em muitos casos, uma estrutura paralela que põe em perigo a credibilidade das nossas instituições.

Comecei a minha intervenção recordando as visitas dos meus antecessores. Agora quereria, em particular, que as minhas palavras fossem como que uma continuação das palavras finais do discurso de Paulo VI, pronunciadas quase há cinquenta anos, mas de valor perene. «Eis chegada a hora em que se impõe uma pausa, um momento de recolhimento, de reflexão, quase de oração: pensar de novo na nossa comum origem, na nossa história, no nosso destino comum. Nunca, como hoje, (…) foi tão necessário o apelo à consciência moral do homem. Porque o perigo não vem nem do progresso nem da ciência, que, bem utilizados, poderão, pelo contrário, resolver um grande número dos graves problemas que assaltam a humanidade» (Discurso aos Representantes dos Estados, 4 de Outubro de 1965, n. 7). Sem dúvida que a genialidade humana, bem aplicada, ajudará a resolver, entre outras coisas, os graves desafios da degradação ecológica e da exclusão. E continuo com as palavras de Paulo VI: «O verdadeiro perigo está no homem, que dispõe de instrumentos sempre cada vez mais poderosos, aptos tanto para a ruína como para as mais elevadas conquistas» (ibid.).

A casa comum de todos os homens deve continuar a erguer-se sobre uma reta compreensão da fraternidade universal e sobre o respeito pela sacralidade de cada vida humana, de cada homem e de cada mulher; dos pobres, dos idosos, das crianças, dos doentes, dos nascituros, dos desempregados, dos abandonados, daqueles que são vistos como descartáveis porque considerados meramente como números desta ou daquela estatística. A casa comum de todos os homens deve edificar-se também sobre a compreensão duma certa sacralidade da natureza criada.

Tal compreensão e respeito exigem um grau superior de sabedoria, que aceite a transcendência, renuncie à construção de uma elite onipotente e entenda que o sentido pleno da vida individual e coletiva está no serviço desinteressado aos outros e no uso prudente e respeitoso da criação para o bem comum. Repetindo palavras de Paulo VI, «o edifício da civilização moderna deve construir-se sobre princípios espirituais, os únicos capazes não apenas de o sustentar, mas também de o iluminar e de o animar» (ibid.).

O Gaúcho Martín Fierro, um clássico da literatura da minha terra natal, canta: «Os irmãos estejam unidos, porque esta é a primeira lei. Tenham união verdadeira em qualquer tempo que seja, porque se litigam entre si, devorá-los-ão os de fora».

O mundo contemporâneo, aparentemente interligado, experimenta uma crescente, consistente e contínua fragmentação social que põe em perigo «todo o fundamento da vida social» e assim «acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses» (Enc. Laudato si’, 229).

O tempo presente convida-nos a privilegiar ações que possam gerar novos dinamismos na sociedade e frutifiquem em acontecimentos históricos importantes e positivos (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 223).

Não podemos permitir-nos o adiamento de «algumas agendas» para o futuro. O futuro exige-nos decisões críticas e globais face aos conflitos mundiais que aumentam o número dos excluídos e necessitados.

A louvável construção jurídica internacional da Organização das Nações Unidas e de todas as suas realizações – melhorável como qualquer outra obra humana e, ao mesmo tempo, necessária – pode ser penhor de um futuro seguro e feliz para as gerações futuras. Sê-lo-á se os representantes dos Estados souberem pôr de lado interesses sectoriais e ideologias e procurarem sinceramente o serviço do bem comum. Peço a Deus onipotente que assim seja, assegurando-vos o meu apoio, a minha oração, bem como o apoio e as orações de todos os fiéis da Igreja Católica, para que esta Instituição, com todos os seus Estados-Membros e cada um dos seus funcionários, preste sempre um serviço eficaz à humanidade, um serviço respeitoso da diversidade e que saiba potenciar, para o bem comum, o melhor de cada nação e de cada cidadão.

A bênção do Altíssimo, a paz e a prosperidade para todos vós e para todos os vossos povos. Obrigado!

A família é uma fábrica de esperança e ressurreição

Filadélfia – Centenas de milhares de pessoas acolheram o Papa na sua chegada ao Encontro Mundial das Famílias, em Filadélfia, na noite do sábado (26/9). No palco, o espetáculo foi conduzido por grandes nomes da música dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, pela emoção dos testemunhos das famílias. Após ouvir diversos testemunhos de famílias das mais diferentes realidades que compartilharam as experiências de vida, o Papa iniciou a sua reflexão, deixando de lado o discurso preparado e falando de coração.

“Queridos irmãos e irmãs, queridas famílias

A beleza nos leva a Deus. Um testemunho verdadeiro nos leva a Deus. Porque Deus também é verdade. Beleza e Verdade. E um testemunho dado para servir é bom, nos faz bons, porque Deus é bondade. Todos os bons, todos os verdadeiros, toda a beleza nos levam a Deus, porque Deus é bom, é belo, é verdade. Obrigado a todos, a todos que deram testemunho, e a presença de vocês que também é um testemunho de que vale a pena a vida em família. De que uma sociedade cresce forte, cresce boa, cresce sólida se se edifica na família.

Uma vez, uma criança me perguntou. Sabem, crianças fazem perguntas difíceis. Padre, o que Deus fazia antes de criar o mundo?

Lhes asseguro que me custou muito responder. E disse o que vou dizer agora: antes de criar o mundo, Deus amava, porque Deus é amor.

Era tal o amor, do Pai, Filho e Espirito Santo que transbordava, não sei se e muito teológico, era tão grande que não poderia ser egoísta, tinha que sair de si mesmo. Para compartilhar o amor quem ele amava, e então Ele criou esse mundo lindo em que vivemos. E, por estarmos um pouco confusos, o estamos destruindo. Mas o mais lindo que Deus fez foi a família.

Criou o homem e a mulher, e lhes entregou tudo. O mundo. Cresçam, multipliquem-se, cultivem a terra, façam produzir, crescer, com todo o amor que fez a Criação, entregou a uma família. Todo o amor, a beleza e entrega a família… quando essa abre os braços e recebe.

Não existe paraíso na terra. Existem problemas, porque por astúcia do diabo os homens aprenderam a se dividir. Todo esse amor que Deus nos deu, foi quase perdido. Em pouco tempo, o primeiro crime, o primeiro fratricídio. Um irmão mata outro irmão. A guerra, o amor, a beleza e a verdade de Deus e a destruição da guerra, e entre essas duas posições, caminhamos hoje.

Cabe a nós escolher, decidir o caminho que queremos seguir. Vamos para trás…quando o homem e sua mulher se equivocaram, Deus não os abandonou. É muito grande o amor de Deus, que começou então a caminhar com seu povo até que chegou o momento justo e deu a maior expressão de seu Amor, seu Filho: e para onde mandou seu Filho? A um palácio, uma empresa… não, mandou-O a uma família.

Pôde fazer isso porque era uma família que tinha o amor aberto ao coração, as portas abertas. Pensemos em Maria, não poderia acreditar. Como isso pode acontecer? Quando explicaram, ela obedeceu. Pensemos em José, cheio de planos e, de repente, se encontra nessa situação que não entende, mas aceita. E em obediência, de amor de Maria e José, se dá uma família em que Deus vem. Deus sempre bate às portas dos corações. Ele gosta de fazer isso. Ele sai de dentro. Mas sabe o que mais gosta? Bater às portas das famílias, encontrar famílias que se amam, que fazem crescer seus filhos, que os levam adiante, que criam uma sociedade de bondade, de verdade e de beleza.

Estamos na festa da família. A família tem cidadania divina. A carta de identidade que elas têm foi dada por Deus para que no coração da famílias cresçam a bondade, verdade e beleza.

Alguns podem dizer. Padre, você fala isso porque é solteiro. A família tem dificuldade. Em família discutimos. A família, às vezes quebra pratos. Nas famílias, os filhos dão dor de cabeça, não falemos das sogras.

Mas, nas famílias, sempre há cruz. Porque o amor de Deus, do Filho de Deus, também nos abriu esse caminho. Mas nas famílias depois da cruz há ressurreição, porque o Filho de Deus nos abriu esse caminho. Por isso, a família é uma fábrica de esperança, de esperança e ressurreição. Deus abriu este caminho e os filhos, dão trabalho, sim. Nós como filhos demos trabalho. Às vezes, em casa, vejo alguns de meus colaboradores que vêm trabalhar com olheiras, que têm um bebe de 1 mês, 2 meses…e pergunto: não dormiste? – Não pude porque eles não dormiram a noite toda. Na família há dificuldades. Mas essas dificuldades se superam com amor. O ódio não supera nenhuma dificuldade.

A divisão dos corações não supera nenhuma dificuldade. Somente o amor é capaz de superar. O amor é festa. O amor é alegria. O amor é seguir em frente. Não quero falar muito porque já é tarde, mas queria dizer de dois pontos sobre as famílias.

Queria que se tivesse… não só queria, mas temos que ter cuidado: das crianças e dos avós.

As crianças e os jovens são a força, são aqueles nos quais colocamos as esperanças. Os avós são a memória das famílias. São os que nos deram a fé, nos transmitiram a fé. Cuidar dos avós e das crianças é a mostra do amor, não sei se maior, mas mais promissor da família, porque promete o futuro. Um povo que não sabe cuidar das crianças e um povo que não sabe cuidar dos avós é um povo sem futuro. Porque não tem a força e não tem a memória que o leva adiante.

A família é beleza, mas tem problemas. Às vezes há inimizades. Maridos que brigam com as mulheres, os filhos que não se entendem com os pais. Lhes sugiro um conselho: nunca terminem um dia sem fazer as pazes. Em uma família não se pode terminar o dia em guerra. Que Deus os abençoe. Que Deus lhes dê a força que lhes anime a seguir adiante. Cuidemos a família, defendamos a família, porque aí está em jogo o nosso futuro. Rezem por mim”.

“O Papa não é star… O Papa é servo dos servos de Deus”

Vaticano – Na tradicional conversa a bordo com os jornalistas realizada ao final das viagens, o Papa disse que não é uma “estrela” mas que o Pontífice é o “Servo dos servos de Deus”. Francisco ainda declarou-se surpreendido pela “calorosa” acolhida recebida nos Estados Unidos. Falou ainda que o maior desafio para a Igreja nos EUA é estar próxima das pessoas e que “foi duro” com os bispos acerca dos abusos sexuais.

Santo Padre, nos Estados Unidos, o senhor virou “star”. É bom para a Igreja que o Papa seja uma celebridade?

“O Papa deve… Sabes qual era o título que os Papas usavam e que se deve usar? Servo dos servos de Deus. É um pouco diferente de uma celebridade. As estrelas são bonitas de se ver, eu gosto de vê-las quando o céu está limpo no verão… Mas o Papa deve ser – deve ser! – o Servo dos servos de Deus. Sim, na imprensa se usa isso, mas há uma outra verdade: quantas estrelas vimos que depois se apagam e caem. É uma coisa passageira. Ao invés, ser ‘Servo dos servos de Deus’, isso é bonito! Não passa! Não sei… Assim, penso eu”

“Divórcio católico”

Sobre a recente notícia sobre a simplificação dos processos de nulidade matrimonial, o Santo Padre explicou que a decisão é diferente de um “divórcio católico” e destacou que a “indissolubilidade” será sempre a doutrina da Igreja.

“O divórcio católico não existe, a nulidade é reconhecida se não houve matrimônio, mas se houve, é indissolúvel. (…) Na reforma dos processos de nulidade matrimonial, fechei a porta à via administrativa, através da qual podia entrar o divórcio”, acrescentou.

Francisco explicou que a reforma jurídica visa agilizar os processos, eliminando a necessidade de uma “dupla sentença”, mas a doutrina continua a ser a do matrimônio como Sacramento “indissolúvel”. “Isto é algo que a Igreja não pode mudar, é doutrina, é um Sacramento indissolúvel. O processo judicial serve para provar que aquilo que parecia um sacramento não era sacramento”.

A este respeito, deu o exemplo dos casamentos “à pressa”, quando a noiva estava grávida, para “salvar as aparências”. “Alguns deles correram bem, mas não há liberdade”, observou.

Casais de segunda união

Francisco comentou sobre um dos temas mais mediatizados do próximo Sínodo sobre as Famílias: a situação dos católicos em segunda união. Segundo ele, seria simplista dizer que a solução, para estas pessoas, é a possibilidade de comungar. “Não é a única solução”, alertou.

O Pontífice enfatizou que, além destas situações, há um conjunto de novas questões, como a dos jovens que não se querem casar ou o tema da “maturidade afetiva”. “Para ordenar um padre há uma preparação de oito anos, mas para casar-se por toda a vida fazem quatro encontros de preparação matrimonial”, exemplificou.

China

Ao recordar que já se havia manifestado sobre seu desejo de ver estabelecidas relações diplomáticas entre Santa Sé e China, o Papa disse que “existem contatos e diálogo”. “Para mim, ter um país amigo como a China, que tem tanta cultura e tanta possibilidade de fazer bem, seria uma alegria”.

Colômbia

Sobre o acordo de paz na Colômbia, o Papa disse sentir-se parte não por ter uma atuação direta e sim porque “sempre desejou isso”. “Falei duas vezes com o presidente Juan Manuel Santos sobre o problema, e a Santa Sé – não somente eu – a Santa Sé está aberta a ajudar como puder”.

Objeção de consciência

Sobre a reforma da saúde, promovida pelo presidente norte-americano Barack Obama, que poderia obrigar instituições católicas a práticas contrárias às suas convicções sobre o aborto e o planejamento familiar, bem como sobre os casos de funcionários que se recusaram a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, Francisco afirmou:

“A objeção de consciência é um direito. Se impedimos uma pessoa de fazer objeção de consciência, negamos-lhe um direito”, advertiu, sublinhando que isso se aplica também aos trabalhadores de qualquer Governo.

Historicamente, disse ainda, esse direito foi negado a fiéis de outras religiões que eram obrigados a escolher entre a “espada” ou o “batismo”.

“Sucesso” da viagem

Ao ser questionado se se “sentia mais forte” após o sucesso da viagem, Francisco afirmou que deve continuar no caminho do serviço porque sente que ainda não faz tudo o que deve fazer. “Este é o sentido que eu tenho de poder”, respondeu. “Não sei se tive sucesso ou não. Mas tenho medo de mim mesmo, porque se eu tenho medo de mim mesmo, me sinto sempre – não sei – frágil, no sentido de não ter poder, o poder é também uma coisa passageira: hoje existe, amanhã não… Jesus definiu o poder: o verdadeiro poder é servir”.

“Mulheres” sacerdotisas

Questionado sobre se, um dia, a Igreja católica terá mulheres sacerdotisas, o Papa afirmou que “isso não se pode fazer”. Contudo, admitiu: “Estamos um pouco atrasados no desenvolvimento de uma teologia da mulher. Devemos seguir adiante com essa teologia. Isso sim, é verdadeiro”.