Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Viagem Apostólica do Papa Francisco ao México

Depois do encontro histórico, Papa chega ao México

Cidade do México  – O Papa Francisco encontra-se em território mexicano desde o início da noite desta sexta-feira, quando foi recebido no Aeroporto Internacional Benito Juárez de Cidade do México pelo presidente do país Enrique Peña Nieto e pela primeira-dama. Uma acolhida oficial mas informal sem uma cerimônia protocolar nem discursos.

Antes da chegada do Papa, diante de uma multidão de pessoas em arquibancadas construídas para o evento, grupos musicais mexicanos narraram com suas músicas e vestidos típicos a história da tradição folclórica do país. Espetáculo que se repetiu depois diante do Papa. Aos gritos, a multidão  pediu a bênção de Francisco que, como pai amoroso, concedeu. Uma recepção digna da alegria do povo mexicano.

Pelas ruas de Cidade do México, Francisco recebeu o amor e o carinho de tantas pessoas que desde o início da tarde se posicionaram nas calçadas para saudar e, por um momento, ver o “missionário da paz”, que vem confirmá-los na fé. Entusiamos que se misturaravam com os gritos de viva o Papa, “bienvenido” Santo Padre”. A cidade se transformou com a chegada do Papa. Apesar de ruas fechadas em uma das cidades com o pior trânsito do mundo, o povo estava feliz em ter em sua casa Papa Francisco.

Os mexicanos receberam o Papa com um abraço luminoso. De fato, formaram a maior ‘corrente’ de smartphones iluminados da história, um corredor de luzes do aeroporto da cidade até a Nunciatura Apostólica. Quem não tinha celular usou pequenas lanternas. Foi o “muro de luzes e de orações” de 19 km.

Os sinos da catedral de Cidade do México também tocaram nesta sexta-feira em festa durante duas horas sem interrupção por 80 voluntários que se alternaram, anunciando a chegada de Francisco; entre os sinos o mais famoso da cidade, chamado “Dona Maria”.

Na manhã deste sábado, a cerimônia de boas-vindas no Palácio Nacional, onde Francisco será recebido com honras de chefe de Estado. Depois a visita de cortesia ao presidente e o encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático. Em seguida a transferência para a catedral da cidade dedicada à Assunção de Nossa Senhora. Um edifício construído com pedras vulcânicas. O lugar era ocupado por um templo dedicado à divindade azteca Xipe. Hernán Cortés fez construir uma igreja no lugar com o material recuperado de antigos templos. Na Catedral, o Papa Francisco manterá um encontro com os bispos do México. Momentos antes, o Santo Padre será recebido diante dos portões da Catedral pelo chefe de governo do local que lhe entregará as Chaves da Cidade. A Praça diante da Catedral, conhecida também como “Zócalo”, pode acolher cerca de 80 mil pessoas.

Ainda neste sábado, no final da tarde, o Papa vai até a Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, coração da religiosidade mexicana onde celebrará a Santa Missa. Após a celebração, um momento de oração em privado no “Camarín”, lugar onde é conservada a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe.

Os próximos dias, a agenda nacional mexicana se concentrará na visita do Papa Francisco e no impacto de sua mensagem ao povo mexicano, mesmo sendo um estado leigo. As expectativas sobre os seus discursos públicos certamente concentrarão a atenção de uma sociedade muito religiosa, mas ao mesmo tempo muito secularizada, que partilha as interrogações feitas por Francisco. Um líder religioso que se aproxima das preocupações das pessoas, que adverte para uma “guerra mundial em pedaços” e denuncia os pecados da pobreza e da corrupção.

O seu itinerário por lugares emblemáticos de males nacionais é ao mesmo tempo um confronto com problemas que dizem respeito diretamente ao povo e ao seu desânimo em relação à justiça, às instituições e à própria convivência. As palavras de Francisco ajudarão como bálsamo para o desânimo? Despertará novos impulsos em uma sociedade que procurar crescer em todos os setores? A resposta dos mexicanos é sim.

Os lugares que Francisco irá tocar nos próximos dias dizem respeito às grandes preocupações e esperanças dos mexicanos. O tema central da visita “Missionário da misericódia e paz” gira em torno a perguntas sobre como recuperar a paz em um país que vive – como destacou nos dias passados a imprensa local – “o seu pedaço de guerra”. O questionamento da violência, da corrupção, do tráfico de drogas, a migração.

A imprensa internacional descreve a viagem como uma viagem difícil, pois tocará lugares complicados. Estará em Ecatepec, onde poderá ver face a face uma das áreas mais violentas do país e com o mais elevado índice de feminicídios e mulheres desaparecidas. Ciudade Juárez onde a Corte Internacional dos Direitos Humanos e emitiu sentenças contra o país por causa das “mortes de Juárez”. Irá a Michocán que é uma das áreas mais “quentes” da guerra contra o narcotráfico. Também visitará Chiapas que desde os anos 90 emergiu como referente da marginalização e exclusão da população indígena com a insurreição “zapatista”. No norte do país, numa “missa binacional” poderá apalpar a problemática da migração, de crimes e do tráfico de pessoas.

São lugares representativos dos fragmentos de “guerra”, afirma a imprensa local.

Os mexicanos esperam muito desta visita de Francisco, suas palavras e gestos. Certamente o “Papa latino-americano” não irá decepcioná-los.

 

O HISTÓRICO ENCONTRO

Após a reunião a portas fechadas, o Papa e o Patriarca Kirill assinaram uma histórica declaração conjunta que marca uma nova era nas relações entre a Igreja católica e o Patriarcado Russo.

Em 30 itens, Francisco e o Patriarca Kirill passaram em resenha e assinaram a concordância sobre temas-chave para a reaproximação entre católicos e ortodoxos.

Entre os tópicos principais, a preocupação comum sobre a situação dos cristãos no Oriente Médio, o protagonismo de Cuba e o futuro das relações entre ortodoxos e greco-católicos.

“Os resultados da conversa me permitem assegurar que ambas as Igrejas podem cooperar conjuntamente defendendo os cristãos no mundo inteiro e, com plena responsabilidade, trabalhar conjuntamente, para que não se faça guerra, para que se respeite a vida humana no mundo inteiro”, declarou Kirill.

“Falamos claramente, sem meias palavras”, disse Francisco. “Senti a consolação do Espírito neste diálogo. São iniciativas viáveis que se podem realizar”, concluiu o Pontífice após a assinatura da declaração.


ÍNTEGRA DA DECLARAÇÃO CONJUNTA

Declaração comum do Papa Francisco e do Patriarca Kirill de Moscovo e de toda a Rússia

“A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2 Cor 13, 13).

1. Por vontade de Deus Pai de quem provém todo o dom, no nome do Senhor nosso Jesus Cristo e com a ajuda do Espírito Santo Consolador, nós, Papa Francisco e Kirill, Patriarca de Moscou e de toda a Rússia, encontramo-nos, hoje, em Havana. Damos graças a Deus, glorificado na Trindade, por este encontro, o primeiro na história.
Com alegria, encontramo-nos como irmãos na fé cristã que se reúnem para “falar de viva voz” (2 Jo 12), coração a coração, e analisar as relações mútuas entre as Igrejas, os problemas essenciais de nossos fiéis e as perspectivas de progresso da civilização humana

Cuba
2. O nosso encontro fraterno teve lugar em Cuba, encruzilhada entre Norte e Sul, entre Leste e Oeste. A partir desta ilha, símbolo das esperanças do “Novo Mundo” e dos acontecimentos dramáticos da história do século XX, dirigimos a nossa palavra a todos os povos da América Latina e dos outros continentes. Alegramo-nos porque aqui cresce, de forma dinâmica, a fé cristã. O forte potencial religioso da América Latina, a sua tradição cristã secular, presente na experiência pessoal de milhões de pessoas, são a garantia de um grande futuro para esta região.

3. Encontrando-nos longe das antigas disputas do “Velho Mundo”, sentimos mais fortemente a necessidade de um trabalho comum entre católicos e ortodoxos, chamados a dar ao mundo, com mansidão e respeito, razão da esperança que está em nós (cf. 1 Ped 3, 15).

Tradição comum
4. Damos graças a Deus pelos dons que recebemos da vinda ao mundo do seu único Filho. Partilhamos a Tradição espiritual comum do primeiro milênio do cristianismo. As testemunhas desta Tradição são a Virgem Maria, Santíssima Mãe de Deus, e os Santos que veneramos. Entre eles, contam-se inúmeros mártires que testemunharam a sua fidelidade a Cristo e se tornaram “semente de cristãos”.

5. Apesar desta Tradição comum dos primeiros dez séculos, há quase mil anos que católicos e ortodoxos estão privados da comunhão na Eucaristia. Estamos divididos por feridas causadas por conflitos de um passado distante ou recente, por divergências – herdadas dos nossos antepassados – na compreensão e explicitação da nossa fé em Deus, uno em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Deploramos a perda da unidade, consequência da fraqueza humana e do pecado, ocorrida apesar da Oração Sacerdotal de Cristo Salvador: “Para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti; para que assim eles estejam em Nós” (Jo 17, 21).

Superar divergências
6. Conscientes da permanência de numerosos obstáculos, esperamos que o nosso encontro possa contribuir para o restabelecimento desta unidade querida por Deus, pela qual Cristo rezou. Que o nosso encontro inspire os cristãos do mundo inteiro a rezar ao Senhor, com renovado fervor, pela unidade plena de todos os seus discípulos. Em um mundo que espera de nós não apenas palavras mas gestos concretos, possa este encontro ser um sinal de esperança para todos os homens de boa vontade!

7. Determinados a realizar tudo o que seja necessário para superar as divergências históricas que herdamos, queremos unir os nossos esforços para testemunhar o Evangelho de Cristo e o patrimônio comum da Igreja do primeiro milênio, respondendo em conjunto aos desafios do mundo contemporâneo. Ortodoxos e católicos devem aprender a dar um testemunho concorde da verdade, em áreas onde isso seja possível e necessário. A civilização humana entrou em um período de mudança de época. A nossa consciência cristã e a nossa responsabilidade pastoral não nos permitem ficar inertes perante os desafios que requerem uma resposta comum.

Oriente Médio
8. O nosso olhar dirige-se, em primeiro lugar, para as regiões do mundo onde os cristãos são vítimas de perseguição. Em muitos países do Oriente Médio e do Norte da África, os nossos irmãos e irmãs em Cristo veem exterminadas as suas famílias, aldeias e cidades inteiras. As suas igrejas são barbaramente devastadas e saqueadas; os seus objetos sagrados profanados, os seus monumentos destruídos. Na Síria, no Iraque e em outros países do Oriente Médio, constatamos, com amargura, o êxodo maciço dos cristãos da terra onde começou a espalhar-se a nossa fé e onde eles viveram, desde o tempo dos apóstolos, em conjunto com outras comunidades religiosas.

9. Pedimos a ação urgente da Comunidade internacional para prevenir uma nova expulsão dos cristãos do Oriente Médio. Ao levantar a voz em defesa dos cristãos perseguidos, queremos expressar a nossa compaixão pelas tribulações sofridas pelos fiéis de outras tradições religiosas, também eles vítimas da guerra civil, do caos e da violência terrorista.

10. Na Síria e no Iraque, a violência já causou milhares de vítimas, deixando milhões de pessoas sem casa nem meios de subsistência. Exortamos a Comunidade internacional a unir-se para pôr fim à violência e ao terrorismo e, ao mesmo tempo, a contribuir por meio do diálogo para um rápido restabelecimento da paz civil. É essencial garantir uma ajuda humanitária em larga escala às populações martirizadas e a tantos refugiados nos países vizinhos.

Pedimos a quantos possam influir sobre o destino das pessoas raptadas, entre as quais se encontram os Metropolitas de Aleppo, Paulo e João Ibrahim, sequestrados no mês de Abril de 2013, que façam tudo o que é necessário para a sua rápida libertação.

Acordo de Paz
11. Elevamos as nossas súplicas a Cristo, Salvador do mundo, pelo restabelecimento da paz no Oriente Médio, que é “fruto da justiça” (Is 32, 17), a fim de que se reforce a convivência fraterna entre as várias populações, as Igrejas e as religiões lá presentes, pelo regresso dos refugiados às suas casas, a cura dos feridos e o repouso da alma dos inocentes que morreram.

Com um ardente apelo, dirigimo-nos a todas as partes que possam estar envolvidas nos conflitos pedindo-lhes que deem prova de boa vontade e se sentem à mesa das negociações. Ao mesmo tempo, é preciso que a Comunidade internacional faça todos os esforços possíveis para pôr fim ao terrorismo valendo-se de ações comuns, conjuntas e coordenadas. Apelamos a todos os países envolvidos na luta contra o terrorismo, para que atuem de maneira responsável e prudente. Exortamos todos os cristãos e todos os crentes em Deus a suplicarem, fervorosamente, ao Criador providente do mundo que proteja a sua criação da destruição e não permita uma nova guerra mundial. Para que a paz seja duradoura e esperançosa, são necessários esforços específicos tendentes a redescobrir os valores comuns que nos unem, fundados no Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

12. Curvamo-nos perante o martírio daqueles que, à custa da própria vida, testemunham a verdade do Evangelho, preferindo a morte à apostasia de Cristo. Acreditamos que estes mártires do nosso tempo, pertencentes a várias Igrejas mas unidos por uma tribulação comum, são um penhor da unidade dos cristãos. É a vós, que sofreis por Cristo, que se dirige a palavra do Apóstolo: “Caríssimos, (…) alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória” (1 Ped 4, 12-13).

Diálogo e Europa
13. Nesta época preocupante, é indispensável o diálogo inter-religioso. As diferenças na compreensão das verdades religiosas não devem impedir que pessoas de crenças diversas vivam em paz e harmonia. Nas circunstâncias atuais, os líderes religiosos têm a responsabilidade particular de educar os seus fiéis num espírito respeitador das convicções daqueles que pertencem a outras tradições religiosas. São absolutamente inaceitáveis as tentativas de justificar ações criminosas com slogans religiosos. Nenhum crime pode ser cometido em nome de Deus, “porque Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1 Cor 14, 33).

14. Ao afirmar o alto valor da liberdade religiosa, damos graças a Deus pela renovação sem precedentes da fé cristã que acontece na Rússia e em muitos países da Europa Oriental, onde, durante algumas décadas, dominaram os regimes ateus. Hoje as cadeias do ateísmo militante estão quebradas e, em muitos lugares, os cristãos podem livremente confessar a sua fé. Em um quarto de século foram construídas dezenas de milhares de novas igrejas, e abertos centenas de mosteiros e escolas teológicas. As comunidades cristãs desenvolvem uma importante atividade sócio-caritativa, prestando variada assistência aos necessitados. Muitas vezes trabalham lado a lado ortodoxos e católicos; atestam a existência dos fundamentos espirituais comuns da convivência humana, ao testemunhar os valores do Evangelho.

15. Ao mesmo tempo, estamos preocupados com a situação em muitos países onde os cristãos se debatem cada vez mais frequentemente com uma restrição da liberdade religiosa, do direito de testemunhar as suas convicções e da possibilidade de viver de acordo com elas. Em particular, constatamos que a transformação de alguns países em sociedades secularizadas, alheias a qualquer referência a Deus e à sua verdade, constitui uma grave ameaça à liberdade religiosa. É fonte de inquietação para nós a limitação atual dos direitos dos cristãos, se não mesmo a sua discriminação, quando algumas forças políticas, guiadas pela ideologia de um secularismo frequentemente muito agressivo, procuram relegá-los para a margem da vida pública.

16. O processo de integração europeia, iniciado depois de séculos de sangrentos conflitos, foi acolhido por muitos com esperança, como uma garantia de paz e segurança. Todavia, convidamos a manter-se vigilantes contra uma integração que não fosse respeitadora das identidades religiosas. Embora permanecendo abertos à contribuição de outras religiões para a nossa civilização, estamos convencidos de que a Europa deve permanecer fiel às suas raízes cristãs. Pedimos aos cristãos da Europa Oriental e Ocidental que se unam para testemunhar em conjunto Cristo e o Evangelho, de modo que a Europa conserve a própria alma formada por dois mil anos de tradição cristã.

Família
17. O nosso olhar volta-se para as pessoas que se encontram em situações de grande dificuldade, em condições de extrema necessidade e pobreza, enquanto crescem as riquezas materiais da humanidade. Não podemos ficar indiferentes à sorte de milhões de migrantes e refugiados que batem à porta dos países ricos. O consumo desenfreado, como se vê em alguns países mais desenvolvidos, está gradualmente esgotando os recursos do nosso planeta. A crescente desigualdade na distribuição dos bens da Terra aumenta o sentimento de injustiça perante o sistema de relações internacionais que se estabeleceu.

18. As Igrejas cristãs são chamadas a defender as exigências da justiça, o respeito pelas tradições dos povos e uma autêntica solidariedade com todos os que sofrem. Nós, cristãos, não devemos esquecer que “o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus” (1 Cor 1, 27-29).

19. A família é o centro natural da vida humana e da sociedade. Estamos preocupados com a crise da família em muitos países. Ortodoxos e católicos partilham a mesma concepção da família e são chamados a testemunhar que ela é um caminho de santidade, que testemunha a fidelidade dos esposos nas suas relações mútuas, a sua abertura à procriação e à educação dos filhos, a solidariedade entre as gerações e o respeito pelos mais vulneráveis.

20. A família funda-se no matrimônio, ato de amor livre e fiel entre um homem e uma mulher. É o amor que sela a sua união e os ensina a acolher-se reciprocamente como um dom. O matrimônio é uma escola de amor e fidelidade. Lamentamos que outras formas de convivência já estejam postas ao mesmo nível desta união, ao passo que o conceito, santificado pela tradição bíblica, de paternidade e de maternidade como vocação particular do homem e da mulher no matrimônio, seja banido da consciência pública.

21. Pedimos a todos que respeitem o direito inalienável à vida. Milhões de crianças são privadas da própria possibilidade de nascer no mundo. A voz do sangue das crianças não nascidas clama a Deus (cf. Gn 4, 10).

O desenvolvimento da chamada eutanásia faz com que as pessoas idosas e os doentes comecem a sentir-se um peso excessivo para as suas famílias e a sociedade em geral.
Estamos preocupados também com o desenvolvimento das tecnologias reprodutivas biomédicas, porque a manipulação da vida humana é um ataque aos fundamentos da existência do homem, criado à imagem de Deus. Consideramos nosso dever lembrar a imutabilidade dos princípios morais cristãos, baseados no respeito pela dignidade do homem chamado à vida, segundo o desígnio do Criador.

Juventude
22. Hoje, desejamos dirigir-nos de modo particular aos jovens cristãos. Vós, jovens, tendes o dever de não esconder o talento na terra (cf. Mt 25, 25), mas de usar todas as capacidades que Deus vos deu para confirmar no mundo as verdades de Cristo, encarnar na vossa vida os mandamentos evangélicos do amor de Deus e do próximo. Não tenhais medo de ir contra a corrente, defendendo a verdade de Deus, à qual estão longe de se conformar sempre as normas secularizadas de hoje.

23. Deus ama-vos e espera de cada um de vós que sejais seus discípulos e apóstolos. Sede a luz do mundo, de modo que quantos vivem ao vosso redor, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está no Céu (cf. Mt 5, 14.16). Haveis de educar os vossos filhos na fé cristã, transmitindo-lhes a pérola preciosa da fé (cf. Mt 13, 46), que recebestes dos vossos pais e antepassados. Lembrai-vos que “fostes comprados por um alto preço” (1 Cor 6, 20), a custo da morte na cruz do Homem-Deus Jesus Cristo.

24. Ortodoxos e católicos estão unidos não só pela Tradição comum da Igreja do primeiro milênio mas também pela missão de pregar o Evangelho de Cristo no mundo de hoje. Esta missão exige o respeito mútuo entre os membros das comunidades cristãs e exclui qualquer forma de proselitismo.

Não somos concorrentes, mas irmãos: por esta certeza, devem ser guiadas todas as nossas ações recíprocas e em benefício do mundo exterior. Exortamos os católicos e os ortodoxos de todos os países a aprender a viver juntos na paz e no amor e a ter “os mesmos sentimentos, uns com os outros” (Rm 15, 5). Por isso, é inaceitável o uso de meios desleais para incitar os crentes a passar de uma Igreja para outra, negando a sua liberdade religiosa ou as suas tradições. Somos chamados a pôr em prática o preceito do apóstolo Paulo: “Tive a maior preocupação em não anunciar o Evangelho onde já era invocado o nome de Cristo, para não edificar sobre fundamento alheio” (Rm 15, 20).

Greco-católicos
25. Esperamos que o nosso encontro possa contribuir também para a reconciliação, onde existirem tensões entre greco-católicos e ortodoxos. Hoje, é claro que o método do “uniatismo” do passado, entendido como a união de uma comunidade à outra separando-a da sua Igreja, não é uma forma que permita restabelecer a unidade. Contudo, as comunidades eclesiais surgidas nestas circunstâncias históricas têm o direito de existir e de empreender tudo o que é necessário para satisfazer as exigências espirituais dos seus fiéis, procurando ao mesmo tempo viver em paz com os seus vizinhos. Ortodoxos e greco-católicos precisam de reconciliar-se e encontrar formas mutuamente aceitáveis de convivência.

26. Deploramos o conflito na Ucrânia que já causou muitas vítimas, provocou inúmeras tribulações a gente pacífica e lançou a sociedade em uma grave crise econômica e humanitária. Convidamos todas as partes do conflito à prudência, à solidariedade social e à atividade de construir a paz. Convidamos as nossas Igrejas na Ucrânia a trabalhar por se chegar à harmonia social, abster-se de participar no conflito e não apoiar ulteriores desenvolvimentos do mesmo.

27. Esperamos que o cisma entre os fiéis ortodoxos na Ucrânia possa ser superado com base nas normas canônicas existentes, que todos os cristãos ortodoxos da Ucrânia vivam em paz e harmonia, e que as comunidades católicas do país contribuam para isso de modo que seja visível cada vez mais a nossa fraternidade cristã.

28. No mundo contemporâneo, multiforme e todavia unido por um destino comum, católicos e ortodoxos são chamados a colaborar fraternalmente no anúncio da Boa Nova da salvação, a testemunhar juntos a dignidade moral e a liberdade autêntica da pessoa, “para que o mundo creia” (Jo 17, 21). Este mundo, onde vão desaparecendo progressivamente os pilares espirituais da existência humana, espera de nós um vigoroso testemunho cristão em todas as áreas da vida pessoal e social. Nestes tempos difíceis, o futuro da humanidade depende em grande parte da nossa capacidade conjunta de darmos testemunho do Espírito de verdade.

Testemunhas da verdade
29. Neste corajoso testemunho da verdade de Deus e da Boa Nova salvífica, possa sustentar-nos o Homem-Deus Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, que nos fortifica espiritualmente com a sua promessa infalível: “Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12, 32).

Cristo é fonte de alegria e de esperança. A fé n’Ele transfigura a vida humana, enche-a de significado. Disto mesmo puderam convencer-se, por experiência própria, todos aqueles a quem é possível aplicar as palavras do apóstolo Pedro: “Vós que outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia” (1 Ped 2, 10).

30. Cheios de gratidão pelo dom da compreensão recíproca manifestada durante o nosso encontro, levantamos os olhos agradecidos para a Santíssima Mãe de Deus, invocando-A com as palavras desta antiga oração: “Sob o abrigo da vossa misericórdia, nos refugiamos, Santa Mãe de Deus”. Que a bem-aventurada Virgem Maria, com a sua intercessão, encoraje à fraternidade aqueles que A veneram, para que, no tempo estabelecido por Deus, sejam reunidos em paz e harmonia num só povo de Deus para glória da Santíssima e indivisível Trindade!

Havana (Cuba), 12 de fevereiro de 2016.


Texto Vatican News

Foto: Vatican Media (https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2021-05/terco-pandemia-mexico-guadalupe.html)

Comovente discurso do Papa aos bispos mexicanos

Cidade do Vaticano – Um longo e intenso discurso marcou o encontro do Papa com os bispos mexicanos, no final da manhã deste sábado (13/02), na Catedral da Cidade do México. Francisco dividiu sua reflexão em quatro pontos, sempre inspirados em Nossa Senhora de Guadalupe: Um olhar de ternura;​ Um olhar capaz de tecer; Um olhar atento e solidário, não adormecido; e Um olhar de conjunto e de unidade.

ÍNTEGRA

Estou feliz por poder encontrar vocês no dia seguinte ao da minha chegada a este amado país, que também eu, seguindo os passos dos meus Predecessores, vim visitar.
Não podia deixar de vir! Poderia o Sucessor de Pedro, chamado do profundo sul latino-americano, privar-se da possibilidade de pousar o olhar na «Virgem Morenita»?
Agradeço-vos por me terdes recebido nesta Catedral – a «casita», um pouco alongada mas sempre «sagrada», que pediu à Virgem de Guadalupe – e pelas amáveis palavras de boas-vindas que me dirigistes.

Sabendo que aqui se encontra o coração secreto de cada mexicano, entro com passo delicado, como se deve entrar na casa e na alma deste povo, sentindo-me profundamente grato por me abrir a porta. Sei que, fixando os olhos da Virgem, alcanço o olhar do seu povo, que aprendeu a mostrar-se n’Ela. Sei que nenhuma outra voz pode falar tão profundamente do coração mexicano, como me pode falar a Virgem; Ela guarda os seus mais nobres desejos e as esperanças mais recônditas; recolhe as suas alegrias e lágrimas; Ela compreende os seus numerosos idiomas e responde-lhes com ternura de Mãe, porque são os seus filhos.

Estou feliz por estar convosco aqui, nas proximidades da «Colina de Tepeyac», como nos alvores da evangelização deste continente e, por favor, permiti-me que, tudo quanto vos disser, possa fazê-lo partindo da Guadalupana. Como quereria que fosse Ela mesma a levar, até às profundezas das vossas almas de pastores e – por vosso intermédio – a cada uma das vossas Igrejas particulares presentes neste vasto México, tudo o que intensamente brota do coração do Papa!

Como sucedeu com São Juan Diego e as sucessivas gerações dos filhos da Guadalupana, também o Papa, há tempos, cultivava o desejo de olhar para Ela. Mais ainda, queria eu mesmo ser envolvido pelo seu olhar materno. Refleti muito sobre o mistério deste olhar e peço-vos que acolhais tudo o que brota do meu coração de Pastor neste momento.

 

Um olhar de ternura

Antes de mais nada, a «Virgem Morenita» ensina-nos que a única força capaz de conquistar o coração dos homens é a ternura de Deus. Aquilo que encanta e atrai, aquilo que abranda e vence, aquilo que abre e liberta das cadeias não é a força dos meios nem a dureza da lei, mas a fragilidade omnipotente do amor divino, que é a força irresistível da sua doçura e a promessa irreversível da sua misericórdia.

Um inquieto e ilustre escritor desta terra, Octávio Paz, disse que, em Guadalupe, não se pede a abundância das colheitas nem a fertilidade da terra, mas procura-se um regaço no qual os homens, sempre órfãos e deserdados, buscam um abrigo, um lar.

Passados séculos do evento fundador deste país e da evangelização do continente, porventura se diluiu ou está esquecida a necessidade de um regaço por que anseia o coração do povo que vos está confiado?

Conheço a longa e dolorosa história que atravessastes, não sem o derramamento de muito sangue, não sem convulsões impiedosas e dilacerantes, não sem violência e incompreensões. Com razão, o meu venerado e santo Predecessor, que se sentia no México como em sua casa, quis lembrar que a vossa história «é percorrida, como rios às vezes ocultos e sempre caudalosos, por três realidades que ora se encontram, ora revelam as suas diferenças complementares, sem jamais se confundirem totalmente: a antiga e rica sensibilidade dos povos indígenas que amaram Juan de Zumárraga e Vasco de Quiroga, aos quais muitos desses povos continuam a chamar pais; o cristianismo arraigado na alma dos mexicanos; e a moderna racionalidade, de perfil europeu, que tanto quis enaltecer a independência e a liberdade» (João Paulo II, Discurso na cerimônia de chegada ao México, 22 de Janeiro de 1999).

E nesta história, nunca se mostrou infecundo o regaço materno que tem gerado continuamente o México, embora às vezes se parecesse com aquela rede quase a romper-se que continha cento e cinquenta e três peixes (Jo 21, 11), mas as fraturas ameaçadoras sempre se recompuseram.

Por isso, convido-vos a começar de novo desta necessidade de um regaço que emana da alma do vosso povo. O regaço da fé cristã é capaz de reconciliar o passado marcado muitas vezes por solidão, isolamento e marginalização, com o futuro continuamente relegado para um amanhã que escapa. Apenas naquele regaço é possível, sem renunciar à própria identidade, «descobrir a verdade profunda da nova humanidade, em que todos são chamados a ser filhos de Deus» (João Paulo II, Homilia na canonização de São Juan Diego, 31 de Julho de 2002).

Inclinai-vos, com delicadeza e respeito, sobre a alma profunda do vosso povo, debruçai-vos com atenção e decifrai o seu rosto misterioso. Porventura o presente, muitas vezes dissolvido em dispersões e festas, não é prenúncio de Deus que é o único e pleno presente? Porventura a familiaridade com a dor e a morte não são formas de coragem e caminhos rumo à esperança? Porventura a percepção de que o mundo esteja necessitado sempre e somente de redenção não será um antídoto à autossuficiência arrogante de quantos julgam possível poder prescindir de Deus?

Naturalmente, para tudo isto é necessário um olhar capaz de refletir a ternura de Deus. Por isso, sede bispos de olhar límpido, alma transparente, rosto luminoso; não tenhais medo da transparência; a Igreja não precisa da obscuridade para trabalhar. Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo; não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa; não ponhais a vossa confiança nos «carros e cavalos» dos faraós de hoje, porque a nossa força é a «coluna de fogo» que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor (Ex 14, 24-25).

O mundo, onde o Senhor nos chama a exercer a nossa missão, tornou-se muito complexo. À prepotente ideia do «cogito», que pelo menos não negava que houvesse uma rocha acima da areia do ser, sobrepôs-se hoje uma concepção da vida – no dizer de muitos – mais vacilante, vaga e caótica do que nunca, porque carece de um substrato sólido.

As fronteiras, tão intensamente exigidas e sustentadas, tornaram-se permeáveis à novidade de um mundo em que a força de alguns já não pode sobreviver sem a vulnerabilidade dos outros. A hibridação irreversível da tecnologia aproxima o que está afastado, mas, infelizmente, torna distante o que deveria estar perto.

E, precisamente neste mundo, Deus pede-vos para ter um olhar capaz de interceptar a pergunta que grita no coração do vosso povo, o único que, no próprio calendário, possui uma «festa do grito». Àquele grito, é preciso responder que Deus existe e, graças a Jesus, está perto; responder que só Deus é a realidade sobre a qual se pode construir, porque «Deus é a realidade fundante, não um Deus apenas pensado ou hipotético, mas o Deus com um rosto humano» (Bento XVI, Discurso inaugural da V Conferência Geral do CELAM, 13 de Maio de 2007).

Nos vossos olhares, o povo mexicano tem o direito de encontrar os indícios de quem «viu o Senhor» (cf. Jo 20, 25), de quem esteve com Deus. Isto é o essencial. Assim, não percais tempo e energias nas coisas secundárias, nas críticas e intrigas, em projetos vãos de carreira, em planos vazios de hegemonia, nos clubes estéreis de interesses ou compadrios. Não vos deixeis paralisar pelas murmurações e maledicências. Introduzi os vossos sacerdotes nesta compreensão do ministério sagrado. A nós, ministros de Deus, basta a graça de «beber o cálice do Senhor», o dom de guardar a parte da sua herança que nos foi confiada, apesar de sermos administradores inexperientes. Deixemos o Pai atribuir-nos o lugar que preparou para nós (Mt 20, 20-28). Poderemos nós ocupar-nos verdadeiramente de outras coisas que não sejam as do Pai? Fora das «coisas do Pai» (Lc 2, 48-49), perdemos a nossa identidade e, culpavelmente, tornamos vã a sua graça.

Se o nosso olhar não dá testemunho de ter visto Jesus, então as palavras que recordamos d’Ele não passam de figuras retóricas vazias. Talvez expressem a nostalgia daqueles que não podem esquecer o Senhor, mas, em todo o caso, são apenas o balbuciar de órfãos junto do sepulcro. No fim de contas, são palavras incapazes de impedir que o mundo fique abandonado e reduzido ao próprio poder desesperado.

Penso na necessidade de oferecer um regaço materno aos jovens. Que os vossos olhares sejam capazes de se cruzar com o deles, de os amar e individuar o que eles buscam com aquela força com que muitos como eles deixaram barcos e redes na praia do mar (Mc 1, 17-18), abandonaram bancas de extorsão para seguir o Senhor da verdadeira riqueza (Mt 9, 9).

Em particular preocupam-me tantos jovens que, seduzidos pelo poder vazio do mundo, exaltam as quimeras e revestem-se dos seus símbolos macabros para comercializar a morte em troca de moedas que, no fim, a ferrugem corrói e os ladrões arrombam os muros para as roubar (Mt 6, 19). Peço-vos que não subestimeis o desafio ético e anticívico que o narcotráfico representa para a sociedade mexicana inteira, incluindo a Igreja.

A amplitude do fenômeno, a complexidade das suas causas, a imensidão da sua extensão como metástase devoradora, a gravidade da violência que desagrega e suas conexões transtornadas não consentem que nós, pastores da Igreja, nos refugiemos em condenações genéricas, mas exigem uma coragem profética e um projeto pastoral sério e qualificado para contribuir, gradualmente, a tecer aquela delicada rede humana, sem a qual todos estaríamos, desde o início, derrotados por tal ameaça insidiosa. Só começando das famílias; aproximando-nos e abraçando a periferia humana e existencial das áreas desoladas das nossas cidades; envolvendo as comunidades paroquiais, as escolas, as instituições comunitárias, a comunidade política, as estruturas de segurança; só assim será possível libertar-se totalmente das águas onde, infelizmente, se afogam tantas vidas, seja a de quem morre como vítima, seja a de quem diante de Deus terá as mãos sempre manchadas de sangue, mesmo que tenha os bolsos cheios de dinheiro sórdido e a consciência anestesiada.

Um olhar capaz de tecer

No manto da alma mexicana, Deus teceu, com o fio dos traços mestiços do seu povo, o rosto da sua manifestação na «Morenita». Deus não precisa de cores perecíveis para desenhar o seu rosto. Os desenhos de Deus não são condicionados pelas cores e os fios, mas determinados pela irreversibilidade do seu amor que quer tenazmente imprimir-se em nós.

Por isso, sede bispos capazes de imitar esta liberdade de Deus, escolhendo o que é humilde para manifestar a majestade do seu rosto e copiar esta paciência divina ao tecer, com o fio sútil da humanidade que encontrais, aquele homem novo que o vosso país espera. Não vos deixeis levar pela vã pretensão de mudar o povo, como se o amor de Deus não tivesse força suficiente para o mudar.

Redescobri, depois, a constância sábia e humilde com que os Pais da fé desta Pátria souberam introduzir as gerações sucessivas na semântica do mistério divino.

Primeiro aprendendo e, em seguida, ensinando a gramática necessária para dialogar com Deus, escondido nos séculos da sua busca e tornado próximo na pessoa do seu Filho Jesus, que hoje muitos reconhecem, na sua imagem ensanguentada e humilhada, como figura do próprio destino. Imitai a sua condescendência e capacidade de abaixar-Se; nunca compreenderemos suficientemente o fato de Deus ter tecido, com os fios mestiços do nosso povo, o rosto com que Se deu a conhecer! Nunca Lhe agradeceremos bastante…

Peço-vos um olhar de singular delicadeza para os povos indígenas e as suas fascinantes e não raro massacradas culturas. O México tem necessidade das suas raízes ameríndias, para não ficar um enigma sem solução. Os indígenas do México esperam ainda que se lhes reconheça, efetivamente, a riqueza da sua contribuição e a fecundidade da sua presença para herdar aquela identidade que vos torna uma nação única, e não apenas uma entre outras.

Muitas vezes se falou do presente destino por cumprir desta nação, do «labirinto da solidão» em que estaria prisioneira, da geografia como destino que a enreda. Segundo alguns, tudo isto seria obstáculo para o desenho de um rosto unitário, de uma identidade adulta, de uma posição singular no concerto das nações e de uma missão compartilhada.

Segundo outros, a própria Igreja no México estaria condenada a escolher entre sofrer a inferioridade para onde foi relegada em alguns períodos da sua história, como quando a sua voz foi silenciada e procurou-se suprimir a sua presença, ou aventurar-se nos fundamentalismos para recuperar certezas provisórias, esquecendo-se que tem inscrita no coração a sede do Absoluto e está chamada, em Cristo, a congregar todos e não apenas uma parte (cf. Lumen gentium 1, 1).

Em vez disso, não vos canseis de lembrar ao vosso povo como são fortes as raízes antigas que permitiram a viva síntese cristã de comunhão humana, cultural e espiritual que aqui se forjou. Recordai que as asas do vosso povo já planaram várias vezes por cima de não poucas vicissitudes. Guardai a memória do longo caminho percorrido até agora e sabei suscitar a esperança de novas metas, porque o amanhã será uma terra «rica de frutos» embora nos coloque desafios não indiferentes (Nm 13, 27-28).

Que os vossos olhares, fixos sempre e apenas em Cristo, sejam capazes de contribuir para a unidade do vosso povo; favorecer a reconciliação das suas diferenças e a integração das suas diversidades; promover a solução dos seus problemas endógenos; lembrar a medida alta que o México pode alcançar, se aprender a pertencer-se a si mesmo antes que aos outros; ajudar a encontrar soluções compartilhadas e sustentáveis para as suas misérias; motivar a nação inteira para não se contentar com menos de quanto se espera do modo mexicano de habitar o mundo.

Um olhar atento e solidário, não adormecido

Peço-vos para não cairdes na estagnação de dar velhas respostas às novas questões. O vosso passado é um poço de riquezas por escavar, que pode inspirar o presente e iluminar o futuro. Ai de vós se vos deixais adormentar sobre os louros! É preciso não desperdiçar a herança recebida, guardando-a com um trabalho constante. Estais sentados aos ombros de gigantes: bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos fiéis «até ao fim», que deram a vida para a Igreja poder cumprir a sua missão. Do alto de tal pódio, sois chamados a alongar o olhar sobre o campo do Senhor para programar a sementeira e esperar a colheita.

Convido-vos a trabalhar sem medo na tarefa de evangelizar e aprofundar a fé, por meio de uma catequese mistagógica que saiba valorizar a religiosidade popular da vossa gente. O nosso tempo exige atenção pastoral às pessoas e grupos que esperam poder encontrar-se com Cristo vivo. Só uma corajosa conversão pastoral das nossas comunidades pode procurar, gerar e nutrir os atuais discípulos de Jesus (cf. Documento de Aparecida, 226; 368; 370).

Por isso nós, pastores, precisamos vencer a tentação da distância e do clericalismo, da frieza e da indiferença, do triunfalismo e da auto-referencialidade. Guadalupe ensina-nos que Deus é familiar no seu rosto, que a proximidade e a condescendência podem fazer mais do que a força.

Como ensina a bela tradição guadalupana, a «Morenita» guarda os olhares daqueles que A contemplam, reflete o rosto daqueles que A encontram. É necessário aprender que há algo de irrepetível em cada pessoa que olha para nós à procura de Deus. Compete-nos a nós tornar-nos permeáveis a tais olhares: guardar em nós cada um deles, conservá-los no coração, protegê-los.

Só uma Igreja que saiba proteger o rosto dos homens que vêm bater à sua porta, será capaz de lhes falar de Deus. Se não decifrarmos os seus sofrimentos, se não nos dermos conta das suas necessidades, nada poderemos oferecer. A riqueza de que dispomos flui somente quando encontramos a pequenez daqueles que mendigam, encontro esse que se realiza, precisamente, no nosso coração de pastores.

Peço-vos que o primeiro rosto a guardar no vosso coração seja o dos vossos sacerdotes. Não os deixeis expostos à solidão e ao abandono, como presa do mundanismo que devora o coração. Estai atentos e aprendei a ler os seus olhares, para vos alegrardes com eles quando se sentem felizes contando tudo o que «fizeram e ensinaram» (Mc 6, 30), e para não os abandonardes quando se sentem um pouco desanimados, só conseguindo chorar porque «negaram o Senhor» (Lc 22, 61-62), e também para os apoiardes, em comunhão com Cristo, quando algum, abatido, sair com Judas «na noite» (Jo 13, 30). Nestas situações, nunca falte a vossa paternidade de bispos para com os vossos sacerdotes. Encorajai a comunhão entre eles; fazei com que possam aperfeiçoar os seus dons; inseri-os nas grandes causas, porque o coração do apóstolo não foi feito para coisas pequenas.

A necessidade de familiaridade habita no coração de Deus. Assim Nossa Senhora de Guadalupe pede apenas uma «casita sagrada». Os nossos povos latino-americanos apreciam os diminutivos na linguagem e usam-nos de bom grado. Talvez necessitem de diminutivos porque, doutra forma, sentir-se-iam perdidos. Adaptaram-se a sentir-se pequeninos e acostumaram-se a viver na modéstia.

A Igreja, mesmo quando se reúne numa majestosa catedral, não poderá deixar de considerar-se como uma «casita» onde os seus filhos se sintam à vontade. Diante de Deus, pode-se permanecer apenas se se é pequeno, se se é órfão, se se é mendicante.

«Casita» familiar e, ao mesmo tempo, «sagrada», porque a proximidade se enche da grandeza omnipotente. Somos guardiães deste mistério. Às vezes perdemos este sentido da medida divina humilde e cansamo-nos de oferecer ao nosso povo a «casita», onde possa sentir-se em intimidade com Deus. Pode acontecer também que, tendo descuidado um pouco o sentido da sua grandeza, se perdeu em parte o temor reverencial para com tal amor. Onde habita Deus, o homem não pode aceder sem ter sido admitido e sem antes «tirar as sandálias dos pés» (Ex 3, 5) confessando assim a própria insuficiência.

O fato de nos termos esquecido de «tirar as sandálias» para entrar não estará porventura na raiz da perda do sentido da sacralidade da vida humana, da pessoa, dos valores essenciais, da sabedoria acumulada ao longo dos séculos, do respeito pela natureza? Sem recuperar, na consciência dos homens e da sociedade, estas raízes profundas, incluindo o generoso empenho em prol dos legítimos direitos humanos, faltará a seiva vital que só pode vir dum manancial que a humanidade não poderá jamais dar-se por si mesma.

Um olhar de conjunto e de unidade

Só olhando a «Morenita» é que o México tem uma visão completa de si mesmo. Por isso convido-vos a compreender que a missão que a Igreja vos confia exige este olhar que abrace a totalidade. E isto não se pode realizar isoladamente, mas só em comunhão.

A cintura da Guadalupana anuncia a sua fecundidade. É a Virgem que traz, no ventre, o Filho esperado pelos homens. É a Mãe que já tem em gestação a humanidade do novo mundo que nasce. É a Esposa que prefigura a maternidade fecunda da Igreja de Cristo. Vós tendes a missão de cingir a nação mexicana inteira com a fecundidade de Deus. Nenhum pedaço desta cintura pode ser desprezado.

O episcopado mexicano realizou passos notáveis nestes anos conciliares; aumentaram os seus membros; promoveu-se uma contínua e qualificada formação permanente; não faltou o ambiente fraterno; cresceu o espírito de colegialidade; as intervenções pastorais influíram sobre as vossas Igrejas e sobre a consciência nacional; as atividades pastorais compartilhadas revelaram-se frutuosas em áreas essenciais da missão eclesial como a família, as vocações, a presença social.

Ao mesmo tempo que nos alegramos com o caminho destes anos, peço-vos que não vos deixeis desanimar com as dificuldades nem poupeis qualquer esforço possível para promover, entre vós e nas vossas dioceses, o zelo missionário, especialmente a favor das partes mais necessitadas do único corpo da Igreja mexicana. Redescobrir que a Igreja é missão constitui um elemento fundamental para o seu futuro, porque só o entusiasmo, a admiração convicta dos evangelizadores tem a força de arrastar. Por isso, peço-vos que cuideis de maneira especial da formação e preparação dos leigos, superando toda a forma de clericalismo e envolvendo-os ativamente na missão da Igreja, principalmente tornando presente, com o testemunho da própria vida, o Evangelho de Cristo no mundo.

Muito ajudaria a este povo mexicano um testemunho unificante da síntese cristã e uma visão compartilhada da identidade e destino dele. Neste sentido, será muito importante que a Pontifícia Universidade do México esteja cada vez mais presente no coração dos esforços eclesiais para garantir aquele olhar de universalidade sem o qual a razão, resignada com modelos parciais, renuncia à sua mais alta aspiração de buscar a verdade.

A missão é vasta, e levá-la por diante requer uma multiplicidade de caminhos. Exorto-vos, com a mais viva insistência, a conservar a comunhão e a unidade entre vós. A comunhão é a forma vital da Igreja, e a unidade dos seus pastores dá prova da sua veracidade. O México e a sua vasta e multiforme Igreja têm necessidade de bispos servidores e guardiães da unidade construída sobre a Palavra do Senhor, alimentada com o seu Corpo e guiada pelo seu Espírito que é o alento vital da Igreja.

Não há necessidade de «príncipes», mas de uma comunidade de testemunhas do Senhor. Cristo é a sua única luz; é a fonte da água viva; da sua respiração, sai o Espírito que estende as velas da barca eclesial. Em Cristo glorificado, que os membros deste povo gostam de honrar como Rei, acendei juntos a luz, enchei-vos da sua presença que não Se extingue; respirai a plenos pulmões o ar bom do seu Espírito. Compete-vos semear Cristo no território, manter acesa a sua luz humilde que ilumina sem ofuscar, garantir que nas suas águas se sacie a sede do vosso povo; levantar as velas de modo que o sopro do Espírito as impulsione e não encalhe a barca da Igreja no México.

Lembrai-vos de que a Esposa sabe bem que o Pastor amado (Ct 1, 7) Se encontra apenas onde as pastagens são verdejantes e os ribeiros cristalinos. A Esposa desconfia dos companheiros do Esposo que, às vezes por descuido ou incapacidade, conduzem o rebanho para lugares áridos e cheios de pedregulhos. Ai de nós, pastores, companheiros do Supremo Pastor, se deixarmos vagar a sua Esposa, porque, na tenda por nós construída, não se encontra o Esposo.

Permiti-me uma última palavra para expressar o apreço do Papa por tudo o que tendes feito para enfrentar o desafio deste nosso tempo que são as migrações. Hoje, são milhões os filhos da Igreja que vivem na diáspora ou em trânsito peregrinando para o Norte à procura de novas oportunidades. Muitos deles deixam para trás as suas raízes para se aventurar, mesmo na clandestinidade que envolve todo o tipo de riscos, em busca da «luz verde» que olham como a sua esperança. Muitas famílias se dividem; e nem sempre a integração na alegada «terra prometida» é tão fácil como se pensa.

Irmãos, que os vossos corações sejam capazes de os seguir e alcançar além das fronteiras. Reforçai a comunhão com os vossos irmãos do episcopado norte-americano, para que a presença materna da Igreja mantenha viva as raízes da sua fé, as razões da sua esperança e a força da sua caridade. Para não acontecer que, pendurando as suas cítaras, emudeçam as suas alegrias, esquecendo-se de Jerusalém e transformando-se em «exilados de si mesmos» (Salmo 136). Juntos, testemunhai que a Igreja é guardiã de uma visão unitária do homem e não pode aceitar que seja reduzido a mero «recurso humano».

Não será vã a solicitude das vossas dioceses ao derramar o pouco bálsamo que possuem nos pés feridos de quantos atravessam os seus territórios e gastar em favor deles o dinheiro duramente arrecadado; no fim, o divino Samaritano enriquecerá a quem não passou indiferente por Ele quando estava caído na estrada (Lc 10, 25-37).

Queridos irmãos, o Papa tem a certeza de que o México e a sua Igreja chegarão a tempo ao encontro consigo mesmo, com a história, com Deus. Talvez alguma pedra no caminho atrase a marcha, e o cansaço da viagem exigirá alguma pausa, mas nunca será suficiente para vos fazer perder a meta. Na verdade, poderá chegar tarde quem tem uma Mãe à sua espera? Quem pode ouvir continuamente ressoar no próprio coração: «Não estou aqui Eu, que sou tua Mãe?»

“As lágrimas dos que sofrem não são estéreis”

Cidade do México – O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, especialmente dos jovens sem futuro e dos idosos sem reconhecimento: disse o Papa na missa celebrada este sábado no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, num dos momentos mais aguardados desta sua 12ª viagem apostólica internacional, qual peregrino da misericórdia e da paz em terras mexicanas.

Uma visita à casa da Mãe expressamente desejada pelo Pontífice. De fato, o motivo principal da visita de Francisco ao México: venerar o ícone de Nossa Senhora de Guadalupe, diante do qual deteve-se longamente em oração após a santa missa.

“O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o rosto de tantos que encontramos no nosso caminho”, afirmou o Pontífice.

Partindo do Evangelho da liturgia própria da Santíssima Virgem de Guadalupe, Francisco havia iniciado a homilia recordando o episódio da visita de Nossa Senhora a sua prima Isabel para traçar em seguida a figura de Maria como a mulher do sim, um sim de entrega a Deus e aos irmãos.

“Escutar esta passagem do Evangelho nesta casa tem um sabor especial. Maria, a mulher do sim, também quis visitar os habitantes desta terra da América na pessoa do índio São Juan Diego. Assim como se moveu pelas estradas da Judeia e da Galileia, da mesma forma alcançou Tepeyac, com as suas roupas, usando a sua língua, para servir esta grande nação. Assim como acompanhou a gravidez de Isabel, acompanhou e acompanha a gestação desta abençoada terra mexicana”.

Francisco acrescentou que também hoje Maria continua a fazer-se presente junto de todos nós, especialmente daqueles que sentem que «não valem nada».

Referindo-se à apresentação de Maria ao humilde Juanito, o Papa disse que “naquela madrugada de dezembro de 1531, tinha lugar o primeiro milagre que se tornará depois a memória viva de tudo o que guarda este Santuário. Naquele amanhecer, naquele encontro, Deus despertou a esperança de seu filho Juan, a esperança do seu povo”.

“Naquele amanhecer, Deus aproximou-Se e aproxima-Se do coração atribulado mas resistente de tantas mães, pais, avós que viram os seus filhos partir, viram-nos perdidos ou mesmo arrebatados pela criminalidade”.

 

Na construção do outro santuário – o santuário da vida, o das nossas comunidades, sociedade e culturas –, ninguém pode ser deixado de fora. “Todos somos necessários – observou o Papa –, sobretudo aqueles que normalmente não contam porque não estão à «altura das circunstâncias» ou não «contribuem com o capital necessário» para a sua construção”.

“O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, de todos e em todas as condições, especialmente dos jovens sem futuro, expostos a uma infinidade de situações dolorosas e arriscadas, e dos idosos sem reconhecimento, esquecidos em tantos cantos. O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o rosto de tantos que encontramos no nosso caminho…”

Após citar um Hino Litúrgico dedicado a Maria, que expressa a proteção consoladora da Virgem, Francisco lembrou as palavras asseguradoras da Mãe, que nos dão a certeza de que “as lágrimas daqueles que sofrem, não são estéreis. São uma oração silenciosa que sobe até ao céu e que, em Maria, encontra sempre lugar sob o seu manto”.
N’Ela e com Ela, Deus faz-Se irmão e companheiro de estrada, carrega conosco as cruzes para não deixar as nossas dores esmagar-nos.

Francisco concluiu ressaltando que também hoje Maria volta a enviar-nos; hoje repete para nós: “Sê o meu mensageiro, sê o meu enviado para construir muitos santuários novos acompanhar tantas vidas, consolar tantas lágrimas”: “Sê o meu mensageiro – diz-nos – dando de comer aos famintos, de beber aos sedentos; oferece um lugar aos necessitados, veste os nus e visita os doentes. Socorre os prisioneiros, perdoa a quem te fez mal, consola quem está triste, tem paciência com os outros e sobretudo implora e invoca o nosso Deus”.

Os milhares de fiéis e peregrinos presentes, mais de 40 mil ao todo, viveram com grande emoção e participação a visita do Papa Francisco ao maior santuário mariano do mundo, todos os anos visitado por vinte milhões de peregrinos. A celebração marcou o ponto alto e último compromisso deste primeiro dia de atividades do Santo Padre em terras mexicanas.

Cidade do México – O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, especialmente dos jovens sem futuro e dos idosos sem reconhecimento: disse o Papa na missa celebrada este sábado no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, num dos momentos mais aguardados desta sua 12ª viagem apostólica internacional, qual peregrino da misericórdia e da paz em terras mexicanas.

Uma visita à casa da Mãe expressamente desejada pelo Pontífice. De fato, o motivo principal da visita de Francisco ao México: venerar o ícone de Nossa Senhora de Guadalupe, diante do qual deteve-se longamente em oração após a santa missa.

“O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o rosto de tantos que encontramos no nosso caminho”, afirmou o Pontífice.

Partindo do Evangelho da liturgia própria da Santíssima Virgem de Guadalupe, Francisco havia iniciado a homilia recordando o episódio da visita de Nossa Senhora a sua prima Isabel para traçar em seguida a figura de Maria como a mulher do sim, um sim de entrega a Deus e aos irmãos.

“Escutar esta passagem do Evangelho nesta casa tem um sabor especial. Maria, a mulher do sim, também quis visitar os habitantes desta terra da América na pessoa do índio São Juan Diego. Assim como se moveu pelas estradas da Judeia e da Galileia, da mesma forma alcançou Tepeyac, com as suas roupas, usando a sua língua, para servir esta grande nação. Assim como acompanhou a gravidez de Isabel, acompanhou e acompanha a gestação desta abençoada terra mexicana”.

Francisco acrescentou que também hoje Maria continua a fazer-se presente junto de todos nós, especialmente daqueles que sentem que «não valem nada».

Referindo-se à apresentação de Maria ao humilde Juanito, o Papa disse que “naquela madrugada de dezembro de 1531, tinha lugar o primeiro milagre que se tornará depois a memória viva de tudo o que guarda este Santuário. Naquele amanhecer, naquele encontro, Deus despertou a esperança de seu filho Juan, a esperança do seu povo”.

“Naquele amanhecer, Deus aproximou-Se e aproxima-Se do coração atribulado mas resistente de tantas mães, pais, avós que viram os seus filhos partir, viram-nos perdidos ou mesmo arrebatados pela criminalidade”.

Na construção do outro santuário – o santuário da vida, o das nossas comunidades, sociedade e culturas –, ninguém pode ser deixado de fora. “Todos somos necessários – observou o Papa –, sobretudo aqueles que normalmente não contam porque não estão à «altura das circunstâncias» ou não «contribuem com o capital necessário» para a sua construção”.

“O santuário de Deus é a vida dos seus filhos, de todos e em todas as condições, especialmente dos jovens sem futuro, expostos a uma infinidade de situações dolorosas e arriscadas, e dos idosos sem reconhecimento, esquecidos em tantos cantos. O santuário de Deus são as nossas famílias que precisam do mínimo necessário para se poderem formar e sustentar. O santuário de Deus é o rosto de tantos que encontramos no nosso caminho…”

Após citar um Hino Litúrgico dedicado a Maria, que expressa a proteção consoladora da Virgem, Francisco lembrou as palavras asseguradoras da Mãe, que nos dão a certeza de que “as lágrimas daqueles que sofrem, não são estéreis. São uma oração silenciosa que sobe até ao céu e que, em Maria, encontra sempre lugar sob o seu manto”.
N’Ela e com Ela, Deus faz-Se irmão e companheiro de estrada, carrega conosco as cruzes para não deixar as nossas dores esmagar-nos.

Francisco concluiu ressaltando que também hoje Maria volta a enviar-nos; hoje repete para nós: “Sê o meu mensageiro, sê o meu enviado para construir muitos santuários novos acompanhar tantas vidas, consolar tantas lágrimas”: “Sê o meu mensageiro – diz-nos – dando de comer aos famintos, de beber aos sedentos; oferece um lugar aos necessitados, veste os nus e visita os doentes. Socorre os prisioneiros, perdoa a quem te fez mal, consola quem está triste, tem paciência com os outros e sobretudo implora e invoca o nosso Deus”.

Os milhares de fiéis e peregrinos presentes, mais de 40 mil ao todo, viveram com grande emoção e participação a visita do Papa Francisco ao maior santuário mariano do mundo, todos os anos visitado por vinte milhões de peregrinos. A celebração marcou o ponto alto e último compromisso deste primeiro dia de atividades do Santo Padre em terras mexicanas.

Papa Francisco: O orgulho é a pior das tentações

Ecapetec – Na segunda missa da Viagem Apostólica ao México, no campus de uma universidade de Ecatepec, neste domingo (14/2), Francisco afirmou que a Quaresma é tempo de desmascarar três tentações: a riqueza, a vaidade e a pior delas – advertiu o Papa – orgulho. “Até que ponto nos acostumamos a um estilo de vida que considera a riqueza, a vaidade e o orgulho como a fonte e a força de vida?”, disse o Papa para quase 500 mil pessoas. A cidade de 1,6 milhão de habitantes faz parte do estado do México, uma região que se tornou famosa pelos números alarmantes de desaparecimentos de mulheres e resgate de muitos de seus corpos desmembrados flutuando no Río de los Remedios, cerca de 20km da sede da missa deste domingo.

Na quarta-feira passada, começamos o tempo litúrgico da Quaresma; nele, a Igreja convida-nos a preparar-nos para a celebração da grande festa da Páscoa. É um tempo especial para lembrar o dom do nosso Batismo, quando fomos feitos filhos de Deus. A Igreja convida-nos a reavivar o dom recebido para não o deixar cair no esquecimento como algo passado ou guardado em uma “caixa de recordações”.

Este tempo de Quaresma é uma boa ocasião para recuperar a alegria e a esperança de nos sentirmos filhos amados do Pai. Este Pai que nos espera para nos livrar do cansaço, da apatia, da desconfiança e revestir-nos com a dignidade que só um verdadeiro pai e uma verdadeira mãe sabem dar aos seus filhos, as vestes que nascem da ternura e do amor.

O nosso Pai é pai de uma grande família: é Pai nosso. Sabe ter um amor, mas não gerar e criar “filhos únicos”. É um Deus que Se entende de família, de fraternidade, de pão partido e partilhado. É o Deus do “Pai Nosso”, não do “meu pai e padrinho de vocês».

Em cada um de nós, está inscrito, vive aquele sonho de Deus que voltamos a celebrar em cada Páscoa, em cada Eucaristia: somos filhos de Deus. Um sonho vivido por muitos irmãos nossos ao longo da história. Um sonho testemunhado pelo sangue de tantos mártires de ontem e de hoje.

Quaresma: tempo de conversão, porque experimentamos na vida de todos os dias como tal sonho se encontra continuamente ameaçado pelo pai da mentira, por aquele que quer nos separar, gerando uma sociedade dividida e conflituosa, uma sociedade de poucos e para poucos.

Quantas vezes experimentamos na nossa própria carne ou na carne da nossa família, na dos nossos amigos ou vizinhos a amargura que nasce de não sentir reconhecida esta dignidade que todos trazemos dentro.

Quantas vezes tivemos de chorar e arrepender-nos, porque nos demos conta de não ter reconhecido tal dignidade nos outros. Quantas vezes – digo-o com tristeza – permanecemos cegos e insensíveis perante a falta de reconhecimento da dignidade própria e alheia.

Quaresma: tempo para regular os sentidos, abrir os olhos para tantas injustiças que atentam diretamente contra o sonho e o projeto de Deus. Tempo para desmascarar aquelas três grandes formas de tentação que rompem, fazem em pedaços a imagem que Deus quis plasmar.

Três tentações de Cristo… Três tentações do cristão que procuram arruinar a verdade a que fomos chamados. Três tentações que visam degradar e nos degradar.

1. A riqueza, apropriando-nos de bens que foram dados para todos, usando-os só para mim ou para “os meus”. É conseguir o pão com o suor alheio ou até com a vida alheia. Tal riqueza é pão que tem gosto de tristeza, de amargura e de sofrimento. Em uma família ou em uma sociedade corrupta, é o pão que se dá aos próprios filhos.

2. A vaidade: a busca de prestígio baseada na desqualificação contínua e constante daqueles que “não são ninguém”. A busca exacerbada daqueles cinco minutos de fama que não perdoa a “fama” dos outros. E, “alegrando-se com a desgraça alheia”, abre-se caminho à terceira tentação – a pior: o orgulho.

3. O orgulho, ou seja, colocar-se em um plano de superioridade de qualquer tipo, sentindo que não se partilha “a vida comum dos mortais” e rezando todos os dias: “Obrigado, Senhor, porque não me fizestes como eles”.

Três tentações de Cristo… Três tentações que o cristão enfrenta diariamente. Três tentações que procuram degradar, destruir e tirar a alegria e o frescor do Evangelho; que nos fecham em um círculo de destruição e pecado.

Por isso vale a pena perguntarmo-nos: Até que ponto estamos conscientes destas tentações na nossa vida, em nós mesmos?

Até que ponto nos acostumamos a um estilo de vida que considera a riqueza, a vaidade e o orgulho como a fonte e a força de vida? Até que ponto estamos convencidos de que cuidar do outro, preocupar-nos e ocupar-nos com o pão, o bom nome e a dignidade dos outros seja fonte de alegria e de esperança?

 

Escolhemos, não o diabo, mas Jesus; queremos seguir os seus passos, mas sabemos que não é fácil. Sabemos o que significa ser seduzidos pelo dinheiro, a fama e o poder.
Por isso, a Igreja oferece-nos este tempo da Quaresma, convida-nos à conversão com uma única certeza: Ele está à nossa espera e quer curar o nosso coração de tudo aquilo que o degrada, degradando-se ou degradando.

É o Deus que tem um nome: misericórdia. O seu nome é a nossa riqueza, o seu nome é a nossa fama, o seu nome é o nosso poder. E é no seu nome que repomos a nossa confiança, como diz o Salmo: “Vós sois o meu Deus, em Vós confio”. Podemos repetir isto juntos: “Vós sois o meu Deus, em Vós confio”.

Que, nesta Eucaristia, o Espírito Santo renove em nós a certeza de que o seu nome é misericórdia e nos faça experimentar, em cada dia, que “o Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”, sabendo que com Ele e n’Ele “renasce sem cessar a alegria” (Exort. ap. Evangelii Gaudium, 1).

 

UM MILHÃO

O jornal norte-americano “New York Times” e vários meios de comunicação mexicanos publicam em suas páginas deste domingo que mais de 1 milhão de pessoas já viu e gravou com seus celulares a passagem do Papa pelas ruas da Cidade do México no sábado.

Por sua vez, o jornal da capital, La Prensa, titula na capa: “Fiéis não se incomodam vir de longe, enfrentar o frio e esperar horas só para ver o Papa por alguns segundos e gravar as imagens de Francisco sorridente e abençoando”. E relata a aventura de centenas de mexicanos vindos da cidade de Veracruz, que o Papa não verá. Eles lotaram cinco ônibus acompanhados pelo seu bispo. Como não com conseguiram entrar no “Zócalo” (a praça central da capital onde se encontra a catedral e o palácio presidencial) para saudar o Papa, se reuniram numa das avenidas onde passaria o papamóvel. Ficaram esperando três horas e a alegria deles foi enorme só ao ver o Papa passar, acenar para elas e as abençoar. E tudo foi gravado nos celulares e enviado aos familiares e amigos que ficaram em Veracruz.

Papa dá receita a crianças doentes: “carinhoterapia”

Cidade do Vaticano – O último compromisso do Papa Francisco neste domingo (14/02), terceiro dia em terras mexicanas, foi a visita ao Hospital pediátrico Federico Gomez, um centro de excelência na Cidade do México, voltado ao atendimento das crianças mais pobres do país. Anualmente são 255 mil as crianças atendidas e 6 mil as internações.

Sempre acompanhado pela Primeira Dama Angelica Rivera e pelo Diretor do Hospital, Dr, José Alberto Garcia Aranda, Francisco percorreu diversas alas do Hospital. Inicialmente, saudou 36 crianças, acompanhadas de familiares, no primeiro andar do hospital, onde pronunciou seu discurso. O Papa saudou uma a uma as crianças, dando a elas de presente um terço. Em um dos pequenos pacientes, com um pequeno conta-gotas, pingou uma medicação em sua boca. Emoção, gestos de carinho e atenção especial a cada um dos pequenos marcou o encontro.

Para o encontro foram preparadas catequeses, quer para as crianças, como para alguns funcionários e médicos do hospital. O recurso do teatro, com uma história que falava sobre o Papa Francisco, foi usada para preparar as crianças.

Após as breves palavras de acolhida da Primeira Dama, o Papa dirigiu algumas palavras às crianças e aos funcionários, onde destacou a importância da “carinhoterapia” e das palavras “bendizer e agradecer”.

Após, depositou flores aos pés de uma imagem de São Francisco, no pátio do hospital, dirigindo-se então ao Setor de Oncologia, onde encontrou crianças que fazem quimioterapia. Uma delas cantou Ave Maria em latim para o Papa, num dos momentos comoventes do encontro.

A entrada de Francisco na Sala do Sino foi outro momento forte. O badalar indica a cura de uma criança. Na verdade, foram duas badaladas já que, recentemente, duas crianças ficaram curadas. Uma delas é a pequena Helena Luz, que no sábado, 13, completou 7 anos. O som produzido pelo sino é como que uma advertência ao céu, um agradecimento, de que uma criança foi curada. O gesto é realizado na presença de crianças em tratamento para servir de encorajamento e esperança.


A seguir, o Papa encontrou de forma privada pacientes em tratamento. As imagens, por desejo do Pontífice, não foram transmitidas. Por fim, o Papa deixou o Hospital rumo à Nunciatura, onde pernoitará.

ÍNTEGRA

Senhor Presidente, Senhora Primeira Dama, Senhora Secretária da Saúde, Senhor Diretor, Membros do Patronato, Famílias aqui presentes, Amigas e amigos, queridas crianças, boa tarde!

Agradeço a Deus que me dá a oportunidade de vir visitar-vos, de me encontrar convosco e as vossas famílias neste Hospital; de poder partilhar um pouco da vossa vida, da vida de todas as pessoas que trabalham como médicos, enfermeiros, funcionários e voluntários que vos atendem, tanta gente que está trabalhando por vocês.

Há uma passagem no Evangelho que nos narra a vida de Jesus quando era criança. Era bem pequenino, como alguns de vós. Um dia os seus pais, José e Maria, levaram-No ao Templo para O apresentarem a Deus. Então encontram um ancião que se chamava Simeão, que ao ver o Menino, com muita determinação e velhinho e com grande alegria e gratidão, toma-O nos braços e começa a bendizer a Deus. Ao ver o menino Jesus, duas coisas nasceram nele: um sentimento de gratidão e o desejo de bendizer. Ou seja, dar graças a Deus e teve vontade de bendizer.

Simeão é o «avô» que nos ensina estas duas atitudes fundamentais: agradecer e bendizer.

Aqui, eu digo para vocês. Os médicos bendizem vocês, cada vez que cuidam de vocês as enfermeiras, todo o pessoal, todos os que trabalham bendizem vocês, as crianças. Porém vocês também têm que aprender a bendizê-los e pedir a Jesus que cuide deles, porque eles cuidam de vocês. Eu aqui sinto-me (e não só pela idade) muito identificado com estes dois ensinamentos de Simeão. Por um lado, ao atravessar aquela porta e ver os vossos olhos, os vossos sorrisos, os vossos rostos, veio-me o desejo de dar graças. Obrigado pelo carinho com que me recebeis; obrigado pelo afeto com que sois cuidados e acompanhados. Obrigado pelo esforço de muitos que estão a dar o seu melhor para poderdes recuperar rapidamente. É muito importante sentir-se cuidados e acompanhados, sentir-se amados e saber que estão procurando a melhor maneira de cuidar de nós. Por todas estas pessoas, digo obrigado.

E, ao mesmo tempo, quero abençoar-vos. Quero pedir a Deus que vos abençoe, que acompanhe a vós e aos vossos familiares, a todas as pessoas que trabalham nesta casa e procuram que estes sorrisos continuem a crescer cada dia; a todas as pessoas que, não só com medicamentos mas sobretudo com a «carinhoterapia», ajudam para que este tempo seja vivido com maior alegria. Tão importante “a carinhoterapia”! Tão importante “às vezes um carinho ajuda tanto a recuperar-se
Conheceis o índio Juan Diego? Levante a mão quem o conhece….. Quando o tio de Juanito, Juan Diego, caiu doente, este ficou muito preocupado e angustiado. Naquele momento, aparece a Virgem de Guadalupe e diz-lhe: «Não se perturbe o teu coração, nem te inquiete coisa alguma. Não estou aqui Eu, que sou tua Mãe?»

Temos a nossa Mãe. Peçamos-Lhe que nos ofereça ao seu Filho Jesus. E agora vou pedir às crianças uma coisa, fechem os olhos, fechemos os olhos e peçamos aquilo que deseja o nosso coração hoje; um pouquinho de silêncio com os olhos fechados e dentro peçamos o que queremos. E agora juntos digamos para nossa Mãe: Ave Maria…

Que o Senhor e a Virgem de Guadalupe sempre vos acompanhem. Muito obrigado! E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim”.

“O mundo de hoje, da cultura do descarte, necessita de vós”

San Cristóbal de Las Casas – “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que geme e sofre as dores do parto”. Foi o que disse o Papa Francisco na Missa esta segunda-feira (15/02) com as comunidades indígenas do Chiapas, em San Cristóbal de Las Casas, numa liturgia celebrada em espanhol e nas línguas indígenas tseltal, ch’ol e tsotsil, que contou também com a participação de numerosos fiéis guatemaltecos.

Na saudação dirigida ao Pontífice, um homem e uma mulher representando as comunidades indígenas do Chiapas, do México e da Guatemala agradeceram ao Papa por ter aprovado o uso de suas línguas nativas na liturgia.

No altar papal apoiado na pirâmide de Palenque – evocação da cultura e história mayas – simbolizada pelos degraus que partem da terra até o altar, a expressão de que a fé cristã não elimina as raízes das culturas, não se separa da terra e da história, mas as torna plenas em Jesus, faz crescer e amadurecer em Cristo. A fé não destrói nem a história nem a cultura, mas as assume, para transformá-las em Cristo.

Ao encontrar uma realidade de exclusão social de um povo que vive à margem do progresso e do desenvolvimento, o Papa levou uma palavra de fé e de esperança, enaltecendo a riqueza e valores dos povos indígenas, que muito têm a nos ensinar diante da ganância do lucro e do domínio despótico do homem sobre os bens da criação.

“A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos”, disse o Santo Padre em sua homilia, norteada pelo tema do cuidado da criação.

“O desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas têm a ver com todos nós (cf. ibid., 14) e interpelam-nos. Não podemos permanecer indiferentes perante uma das maiores crises ambientais da história. Nisto, vós tendes muito a ensinar-nos. Os vossos povos, como reconheceram os bispos da América Latina, sabem relacionar-se harmoniosamente com a natureza, que respeitam como «fonte de alimento, casa comum e altar do compartilhar humano»”.

No entanto, disse Francisco, “muitas vezes, de forma sistemática e estrutural, os vossos povos acabaram incompreendidos e excluídos da sociedade”.

“Alguns consideram inferiores os vossos valores, a vossa cultura e as vossas tradições. Outros, fascinados pelo poder, o dinheiro e as leis do mercado, espoliaram-vos das vossas terras ou realizaram empreendimentos que as contaminaram. Que tristeza! Como nos seria útil a todos fazer um exame de consciência e aprender a pedir perdão!”

Francisco havia iniciado sua reflexão partindo Salmo 18 “A lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma”, lei que o povo de Israel recebera das mãos de Moisés, um povo que experimentara a escravidão e a tirania do Faraó, que experimentara a amargura e os maus-tratos, até que Deus disse basta e ouviu o clamor de seu povo.

“Manifesta-se aí o rosto do nosso Deus, o rosto do Pai que sofre com a dor, os maus-tratos, a injustiça na vida de seus filhos; e a sua Palavra, a sua lei torna-se símbolo de liberdade, símbolo de alegria, sabedoria e luz”, afirmou o Papa.
“No coração do homem e na memória de muitos dos nossos povos, está inscrito o anseio por uma terra, por um tempo em que o desprezo seja superado pela fraternidade, a injustiça seja vencida pela solidariedade e a violência seja cancelada pela paz”, acrescentou o Pontífice.

O nosso Pai não só compartilha este anseio, mas Ele mesmo o suscitou e suscita dando-nos o seu filho Jesus Cristo. N’Ele encontramos a solidariedade do Pai, que caminha ao nosso lado.

“N’Ele vemos como aquela lei perfeita assume uma carne, assume um rosto, assume a história, para acompanhar e sustentar o seu povo; faz-se Caminho, faz-se Verdade, faz-se Vida, para que as trevas não tenham a última palavra e a aurora não cesse de vir sobre a vida dos seus filhos.

“De muitas formas e maneiras se procurou silenciar e cancelar este anseio, de muitas maneiras procuraram anestesiar-nos a alma, de muitas formas pretenderam pôr em letargo e adormecer a vida das nossas crianças e jovens com a insinuação de que nada pode mudar ou trata-se de sonhos impossíveis.”

 

Contra estas formas, a própria criação sabe levantar a sua voz: “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la (…). Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto.”

“O mundo de hoje, espoliado pela cultura do descarte, necessita de vós”, disse o Papa na conclusão exortando os jovens a conservarem a sabedoria dos anciãos: “Os jovens de hoje, expostos a uma cultura que tenta suprimir todas as riquezas e características culturais tendo em vista um mundo homogéneo, precisam que não se perca a sabedoria dos vossos anciãos. O mundo de hoje, prisioneiro do pragmatismo, tem necessidade de voltar a aprender o valor da gratuidade.”

Ao término da celebração, as palavras comoventes de agradecimento ao Papa Francisco feitas por dois representantes das comunidades indígenas.

“Mesmo se muitas pessoas nos desprezam, quiseste visitar-nos e levar-nos em consideração, como fez a Virgem de Guadalupe com San Juan Dieguito”, disse ele.

“Mesmo se vives em Roma, ti sentimos muito próximo de nós. Continuas a transmitir-nos a alegria do Evangelho e a ajudar-nos a cuidar da nossa irmã e mãe terra, que Deus nos doou. E recorda-te de nós em tuas orações, a fim de que possamos realizar as obras de misericórdia”, pediram os representantes indígenas.

Papa diz que diz que família não é “modelo superado”

Tuxtla Gutiérrez – Encerrando esta segunda-feira (15/02), o Papa cumpriu um evento que consta quase sempre na agenda de suas viagens internacionais: o encontro com as famílias.

Antes de ingressar no estádio de Tuxtla Gutiérrez, o Papa deu voltas com o papamóvel, aproximando-se das milhares de pessoas que estavam nas redondezas. Dentro do estádio, mais de 50 mil o aguardavam cantando o hino preparado para a visita, “Francisco, amigo”, e dançando músicas típicas. O encontro começou com uma saudação do Arcebispo Fabio Martínez Castilla, que entregou como presente a Francisco uma estola bordada com rostos de crianças. A seguir, foi a vez de quatro famílias darem o seu testemunho.

O primeiro testemunho foi o de Manuel, 14 anos, vítima de distrofia muscular. Ele agradeceu ao Papa por ser amigo dos jovens e por levar a sua mensagem ao povo do Chiapas e lhe pediu para rezar por todos os adolescentes que vivem desanimados e atravessam momentos difíceis.

Em seguida, um casal ofereceu um depoimento sobre a sua vida de seus pais, que têm 50 anos de casados. Falaram da aliança matrimonial, do amor fiel e de sua participação nos sacramentos.

A terceira família era formada por um casal de divorciados e recasados civilmente, que não têm acesso à comunhão, mas participam da comunidade e têm a percepção de recebê-la, segundo revelaram, através do serviço a seus irmãos mais carentes, doentes ou encarcerados.

O último testemunho foi o de Beatriz, enfermeira e mãe solteira, de origem simples, que renunciou ao aborto várias vezes e criou seus filhos sozinha. Ela pediu a Deus que, assim como ela foi amada e acolhida pela Igreja, outras mulheres tenham esta mesma bênção.

O Papa iniciou seu discurso agradecendo estas famílias, que “nos permitiram sentar à sua ‘mesa’ onde partilham o pão que as alimenta e o suor perante as dificuldades diárias: o pão das alegrias, da esperança, dos sonhos, e o suor perante as amarguras, as decepções e as quedas: Obrigado por nos ter permitido sentar à sua mesa e conhecer o seu lar”.

Partindo das palavras de Manuel, que se “encheu de vontade” para a vida, Francisco refletiu que “é isto o que Deus sempre sonhou: quando chegou a plenitude dos tempos, Deus Pai encheu de vontade a humanidade para sempre, dando-nos o seu Filho”. O Papa emocionou todos ao citar o exemplo dos pais de Manuel, que ouviram ajoelhados o testemunho do menino.

E sempre com mais vigor, Francisco disse, quase gritando, que “Deus Pai encheu de vontade a nossa vida, porque o seu nome é amor, é dom gratuito, é dedicação, é misericórdia. Ele nos mostrou isso tudo, em toda a sua força e clareza, no seu Filho Jesus, que gastou a sua vida até à morte para tornar possível o Reino de Deus; um Reino que tem sabor de família, que tem sabor de vida partilhada”.

Lembrando o testemunho de Beatriz, Francisco afirmou que “a precariedade ameaça não só o estômago (o que é já muito!), mas pode ameaçar também a alma, pode insinuar-se em nós sem nos darmos conta: é a precariedade que nasce da solidão e do isolamento; e o isolamento é sempre um mau conselheiro”.

A receita para combater esta situação, que nos torna vulneráveis a muitas soluções aparentes, pode ser concretizada, por exemplo, por meio de leis que protejam e garantam o mínimo necessário para que as famílias e cada pessoa cresçam através do estudo e de um trabalho digno. Outro caminho é o compromisso pessoal, como sublinharam os testemunhos de Humberto e Cláudia: transmitindo o amor de Deus no serviço e na assistência aos outros. “Leis e engajamento pessoal são um binômio muito útil para romper a espiral de precariedade”, frisou o Pontífice.

Abordando as dificuldades que fragilizam as famílias hoje e que tornam suas vidas por vezes árduas e dolorosas, o Papa disse preferir uma família ferida que cada dia procura harmonizar o amor, a uma sociedade doente pelo confinamento e a comodidade do medo de amar. E criticou a “colonização ideológica que apresenta a família como um ‘modelo superado’”.

“Prefiro famílias feridas”

“Prefiro uma família que procura uma vez e outra recomeçar a uma sociedade narcisista e obcecada com o luxo e o conforto. Prefiro uma família com o rosto cansado pelos sacrifícios aos rostos embelezados que nada entendem de ternura e compaixão”.

Terminando seu discurso, Francisco pediu a todos que rezassem com ele a Ave Maria e levou flores a uma imagem da Sagrada Família.

Outro momento tocante foi quando o Papa interrompeu o andamento do encontro e às beiras do palco, pediu que erguessem um menino com deficiências, cadeirante, até o ponto em que o pudesse tocar e beijar. Em vários momentos do evento, o Pontífice trocou o seu carinho com as crianças presentes.

Promessas matrimoniais renovadas

Na sequência, cerca de 200 casais com mais de 50 anos de matrimônio renovaram suas promessas matrimoniais diante do Papa e cantaram o hino “Amar é entregar-se”. Uma família fez uma oração, cantaram todos juntos o Pai Nosso e o Papa concedeu a bênção, encerrando o encontro.

Em seguida, o Papa se dirigiu ao aeroporto da cidade, de onde voou até Cidade do México, para passar a noite na Nunciatura Apostólica.

Aos religiosos: “Não nos deixeis cair na tentação da resignação”

Morelia – “Não nos deixeis cair na tentação da resignação”: foi a oração à qual o Papa Francisco convidou os sacerdotes, religiosos, religiosas, consagrados e seminaristas, na missa celebrada no Estádio “Venustiano Carranza” em Morélia – centro do México –, em seu quinto dia (16/2) em terras mexicanas.

Num encontro muito aguardado, o Santo Padre dedicou sua reflexão, em parte, à necessidade de reagir às adversidades diante de uma realidade que parece insuperável.

“Uma das tentações que nos assalta, uma das tentações que surge não só de contemplar a realidade, mas também de viver nela… sabeis qual pode ser?” – perguntou o Pontífice.

Qual é a tentação que nos pode vir de ambientes dominados muitas vezes pela violência, a corrupção, o tráfico de drogas, o desprezo pela dignidade da pessoa, a indiferença perante o sofrimento e a precariedade? – insistiu Francisco.

“À vista desta realidade que parece ter-se tornado um sistema irremovível, qual é a tentação que repetidamente nos vem? Acho que poderemos resumi-la com a palavra resignação. À vista desta realidade, pode vencer-nos uma das armas preferidas do demônio: a resignação.”

“Uma resignação que nos paralisa e impede não só de caminhar, mas também de abrir caminho; uma resignação que não só nos atemoriza, mas também nos entrincheira nas nossas «sacristias» e seguranças aparentes; uma resignação que não só nos impede de anunciar, mas impede-nos também de louvar; uma resignação que nos impede não só de projetar, mas também de arriscar e transformar.”

A oração na vida sacerdotal e religiosa

O Papa havia iniciado a homilia refletindo sobre a oração na vida sacerdotal e religiosa, na vida dos consagrados em geral: “Há um aforisma que recita assim: «Diz-me como rezas e dir-te-ei como vives, diz-me como vives e dir-te-ei como rezas»; porque, mostrando-me como rezas, aprenderei a descobrir o Deus vivo e, mostrando-me como vives, aprenderei a acreditar no Deus a quem rezas, pois a nossa vida fala da oração e a oração fala da nossa vida, e a nossa vida fala na oração e a oração fala na nossa vida. Aprende-se a rezar, como se aprende a caminhar, a falar, a escutar. A escola da oração é a escola da vida, e a escola da vida é o lugar onde fazemos escola de oração.”

Dirigindo-se aos consagrados, Francisco ressaltou que Jesus quis introduzir os seus no mistério da Vida. Ele mostrou-lhes que significa ser Filho Deus.

No seu olhar, no seu caminhar, fê-los experimentar a força, a novidade de dizer: «Pai Nosso». Em Jesus, esta expressão não tem o sabor velho da rotina ou da repetição; pelo contrário, sabe a vida, a experiência, a autenticidade. Ele soube viver rezando e rezar vivendo, ao dizer: Pai Nosso.

Dito isso, o Santo Padre frisou que hoje o Mestre nos convida a fazer o mesmo, e lembrou qual foi o primeiro chamado que Jesus fez aos seus: “O nosso primeiro chamado é para fazer experiência deste amor misericordioso do Pai na nossa vida, na nossa história. O primeiro chamado que Jesus nos fez foi para nos introduzir nesta nova dinâmica do amor, da filiação. O nosso primeiro chamado é para aprender a dizer «Pai Nosso», dizer Abbá.”

Jesus chamou-nos para participar na sua vida, na vida divina: Ai de nós, se não a compartilharmos! Ai de nós, se não formos testemunhas do que vimos e ouvimos! Ai de nós! – advertiu o Papa.

Em que consiste a missão senão em dizer com a nossa vida: Pai Nosso? – perguntou Francisco. É a este Pai Nosso que nos dirigimos todos os dias rezando: “Não nos deixeis cair em tentação. Fê-lo o próprio Jesus. Rezou para que nós, seus discípulos – de ontem e de hoje –, não caíssemos em tentação.”

“Nos momentos de tentação, faz-nos muito bem apelar para a nossa memória. Ajuda-nos muito considerar a «madeira» de que fomos feitos. Não começou tudo conosco, nem acabará tudo conosco”, observou Francisco, “por isso, faz-nos bem recuperar a recordação da história que nos trouxe até aqui”, acrescentou.

Concluindo sua reflexão, o Papa quis lembrar um grande evangelizador daquelas terras, o primeiro bispo de Michoacán, Vasco Vásquez de Quiroga, também conhecido como Tato Vasco, “o espanhol que se fez índio”.

“Revisitando a memória, não podemos esquecer-nos de alguém que amou tanto este lugar, que se fez filho desta terra. Alguém que pôde dizer de si mesmo: «Tiraram-me da magistratura para me porem na plenitude do sacerdócio por mérito dos meus pecados. A mim, inútil e completamente inábil para a execução de tão grande empreendimento; a mim, que não sabia remar, elegeram-me primeiro bispo de Michoacán».”

Francisco citou-o qual evangelizador que não se deixou resignar diante das adversidades vividas pelos índios Purhépechas:
“A realidade vivida pelos índios Purhépechas – que ele descreve como «vendidos, vexados e errando pelos mercados recolhendo os restos que se jogavam fora» –, longe de o fazer cair na tentação do torpor e da resignação, moveu a sua fé, moveu a sua vida, moveu a sua compaixão e estimulou-o a realizar várias iniciativas que permitissem «respirar» no meio desta realidade tão paralisante e injusta. A amargura do sofrimento dos seus irmãos fez-se oração e a oração fez-se resposta concreta. Isto valeu-lhe, entre os índios, o nome de «Tata Vasco» que, na língua purhépechas, significa «papai».”

“Não nos deixeis cair na tentação da resignação, não nos deixeis cair na tentação da perda da memória, não nos deixeis cair na tentação de nos esquecermos dos nossos maiores que nos ensinaram, com a sua vida, a dizer: Pai Nosso”, concluiu o Papa Francisco.

Aos jovens: “Não percam o encanto de sonhar”

Morelia – Um discurso veemente e claro com uma mensagem de esperança aos jovens mexicanos, “a riqueza desta terra”, cuja esperança em um futuro melhor é ameaçada pelos tentáculos do “narcotráfico, das drogas, de organizações criminosas que semeiam o terror”.

O antídoto oferecido pelo Papa à juventude para que não se deixe roubar a esperança – mesmo quando tudo parece estar perdido? Jesus! Sentir o amor de Cristo que revela o que há de melhor em nós foi o pedido que “El Papa Pancho” fez aos milhares de jovens presentes no Estádio “José Maria Morelos y Pavón”, em Morelia, no final da tarde desta terça-feira (16/02).

O Sumo Pontífice entrou no estádio em um pequeno carro de golfe, enquanto os jovens cantavam sem parar e agitavam bandeiras de diversas cores. Em companhia do arcebispo de Michoacán, cardeal Alberto Suárez Inda, o Papa deu uma volta no estádio, desceu do veículo para saudar vários jovens, e depois subiu ao palco montado onde pôde ver toda a multidão de jovens.

Foi um espetáculo belíssimo dos jovens mexicanos. Eles cantavam, gritavam, brincavam e faziam todo tipo de barulho para chamar a atenção de Francisco.

O encontro se iniciou com danças regionais. Um grupo de jovens atravessou o estádio com uma cruz grande e uma imagem de Nossa Senhora das Dores, escoltadas por coroinhas com incenso.

 

Os quatro jovens mexicanos que foram hoje porta-vozes da juventude do país pediram ao Papa Francisco “esperança” diante dos problemas que devem afrontar como a impunidade, a violência, a falta de trabalho e o narcotráfico.

Durante o encontro, representantes de cada uma das 94 dioceses que há no país trocaram suas bandeiras com escudos por cruzes que levam a mensagem “Missão Jovem”, com as quais se comprometeram diante do Papa Francisco a evangelizar.

“Não percam o encanto de sonhar, atrevam-se a sonhar, que não é o mesmo que ser dorminhoco”, animou o Papa. “Me pediram uma palavra de esperança e o que tenho para lhes dizer que a base de tudo se chama Jesus Cristo. Quando tudo parecer pesado, quando tudo parecer o mundo caiu sobre nós, abracem a sua cruz, abracem a Ele e, por favor, nunca se soltem de sua mão”, pediu.

ÍNTEGRA DO DISCURSO

Queridos jovens, boa tarde!
Quando cheguei a esta terra, fui recebido com boas-vindas calorosas, podendo assim constatar algo que já intuíra há tempos: a vitalidade, a alegria, o espírito de festa do povo mexicano.

Agora mesmo, depois de ouvir e sobretudo depois de ver vocês, constato de novo outra certeza, algo que disse ao Presidente da nação, na minha primeira saudação: um dos maiores tesouros desta terra mexicana tem um rosto jovem, são os seus jovens. É verdade! Vocês são a riqueza desta terra. Eu não disse a esperança desta terra, mas a sua riqueza.

Não se pode viver a esperança, pressentir o amanhã, se antes a pessoa não consegue estimar-se, se não consegue sentir que a sua vida, as suas mãos e a sua história, têm valor.

A esperança nasce, quando se pode experimentar que nem tudo está perdido, mas para isso é necessário exercitar-se começando “em casa”, começando por si mesmo.
Nem tudo está perdido. Não estou perdido, valho… e muito! A principal ameaça à esperança são os discursos que te desvalorizam, fazem ter sentir um ser de segunda classe. A principal ameaça à esperança é quando sentes que não interessas a ninguém, ou que te deixaram de lado.

A principal ameaça à esperança é quando sentes que tanto vale estares como não estares. Isto mata, isto aniquila-nos e é porta de entrada para tanta amargura.

A principal ameaça à esperança é fazer-te crer que começas a valer qualquer coisa, quando te mascaras com roupas de marca, do último grito da moda, ou que ganhas prestígio, te tornas importante por teres dinheiro, mas, no fundo do teu coração, não crês ser digno de carinho, digno de amor.

A principal ameaça é quando uma pessoa sente que tudo aquilo de que precisa é ter dinheiro para comprar tudo, inclusive o carinho dos outros. A principal ameaça é crer que, pelo fato de ter um grande “carro”, és feliz.

Vocês são a riqueza do México, vocês são a riqueza da Igreja. Compreendo que muitas vezes se torna difícil sentir-se tal riqueza, quando estamos continuamente sujeitos à perda de amigos ou familiares nas mãos do narcotráfico, das drogas, de organizações criminosas que semeiam o terror.

 

É difícil sentir-se a riqueza de uma nação, quando não se tem oportunidades de trabalho digno, possibilidades de estudo e formação, quando não se sentem reconhecidos os direitos levando vocês a situações extremas.

É difícil sentir-se a riqueza de um lugar, quando, por serem jovens, usam vocês para fins mesquinhos, seduzindo vocês com promessas que, no fim, se revelam vãs.
Mas, apesar de tudo isto, não me cansarei de dizer: vocês são a riqueza do México.

Não pensem que digo isto, porque sou bom ou porque já vejo tudo claro! Não, queridos amigos, não é por isso.

Digo isto a vocês, e digo-o convencido, sabem por quê? Porque, como vocês, creio em Jesus Cristo. E é Ele que renova continuamente em mim a esperança, é Ele que renova continuamente o meu olhar.

É Ele que me convida continuamente a converter o coração. Sim, meus amigos! Digo isto, porque em Jesus encontrei Aquele que é capaz de estimular o melhor de mim mesmo.
E é graças a Ele que podemos abrir caminho; é graças a Ele que sempre podemos recomeçar; é graças a Ele que podemos ganhar coragem para dizer: não é verdade que a única forma possível de viver, de poder ser jovem seja deixar a vida nas mãos do narcotráfico ou de todos aqueles que a única coisa que fazem é semear destruição e morte.

É graças a Ele que podemos dizer que não é verdade que a única forma que os jovens têm de viver aqui seja na pobreza e na marginalização: marginalização de oportunidades, marginalização de espaços, marginalização da formação e educação, marginalização da esperança.

Jesus Cristo é Aquele que desmente todas as tentativas de tornar vocês inúteis, ou meros mercenários de ambições alheias.

Vocês me pediram uma palavra de esperança… A que tenho para dar, chama-se Jesus Cristo. Quando tudo parecer pesado, quando parecer que o mundo cai em cima de vocês, abracem a sua cruz, abracem a Ele e, por favor, nunca larguem a Sua mão; por favor, nunca se afastem d’Ele.

É assim, junto com Ele é possível viver plenamente, junto com Ele é possível crer que vale a pena dar o melhor de vocês mesmos, ser fermento, sal e luz no meio dos amigos, no seu bairro, na sua comunidade.

 

Por isso, queridos amigos, em nome de Jesus peço que não se deixem excluir, não se deixem desvalorizar, não se deixem tratar como mercadoria.

Claro, é provável que vocês não tenham à porta o último modelo de carro, a carteira cheia de dinheiro, mas vocês têm algo que ninguém poderá jamais roubar: a experiência de se sentirem amados, abraçados e acompanhados; a experiência se sentirem família, de se sentirem comunidade.

Hoje o Senhor continua a chamar vocês, continua a convocar como fez com o índio Juan Diego. Convida a construir um santuário; um santuário que não é um lugar físico, mas uma comunidade: um santuário chamado paróquia, um santuário chamado nação.

A comunidade, a família, o sentir-se cidadãos são alguns dos principais antídotos contra tudo o que nos ameaça, porque nos faz sentir parte desta grande família de Deus.

E não para nos refugiarmos, não para nos fecharmos; antes, pelo contrário, para sairmos a convidar outros, para sairmos a anunciar a outros que ser jovem no México é a maior riqueza e, por isso, não pode ser sacrificada.

Jesus nunca nos convidaria para ser algozes, mas chama-nos discípulos. Nunca nos mandaria à morte, mas tudo n’Ele é convite à vida: uma vida em família, uma vida em comunidade; uma família e uma comunidade a favor da sociedade.

Vocês são a riqueza deste país e, quando tiverem dúvidas sobre isto, olham para Jesus Cristo, Aquele que desmente todas as tentativas de tornar vocês inúteis ou meros mercenários de ambições alheias.