Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Egito

Somos chamados a desmascarar a violência que se disfarça de suposta sacralidade

Cairo (Egito) – O Papa Francisco chegou nesta sexta-feira (28) ao Cairo, capital do Egito, onde participou da Conferência Internacional de Paz ao lado de líderes muçulmanos, em uma visita de apenas 27 horas. Em discurso feito durante a conferência, ele pediu aos líderes religiosos que digam “um não forte e claro” a toda violência cometida em nome de Deus e alertou contra a “instrumentalização” da religião por parte do poder.

“Vamos repetir um ‘não’ forte e claro a qualquer forma de violência, vingança e ódio cometido em nome da religião ou em nome de Deus”, disse.

O papa também advertiu que os responsáveis religiosos precisam “desmascarar a violência que se disfarça de suposta sacralidade” e assegurou que a religião não é a causa dos conflitos, e sim sua solução, já que “os populismos demagógicos não ajudam a consolidar a paz”.


ÍNTEGRA DO DISCURSO DO PAPA

Al Salamò Alaikum (A paz esteja convosco)!

É um grande dom estar aqui e começar neste lugar a minha visita ao Egito, dirigindo-me a vós no âmbito desta Conferência Internacional em prol da Paz. Agradeço ao meu irmão, o Grande Imã, por a ter idealizado e organizado e por me ter gentilmente convidado. Gostaria de vos oferecer alguns pensamentos, tirando-os da gloriosa história desta terra, que ao longo dos séculos se apresentou ao mundo como terra de civilização e terra de alianças.

Terra de civilização. Desde a antiguidade, a cultura surgida nas margens do Nilo foi sinónimo de civilização: no Egito, levantou-se alta a luz do conhecimento, fazendo germinar um património cultural inestimável, feito de sabedoria e talento, de conquistas matemáticas e astronómicas, de formas admiráveis de arquitetura e arte figurativa. A busca do saber e o valor da instrução foram opções fecundas de desenvolvimento empreendidas pelos antigos habitantes desta terra. E constituem opções necessárias também para o futuro, opções de paz e em prol da paz, porque não haverá paz sem uma educação adequada das gerações jovens. Nem haverá uma educação adequada para os jovens de hoje, se a formação que lhes for dada não corresponder bem à natureza do homem, ser aberto e relacional.

Com efeito, a educação torna-se sabedoria de vida, quando é capaz de tirar do homem, em contacto com Aquele que o transcende e com aquilo que o rodeia, o melhor de si, formando identidades não fechadas em si mesmas. A sabedoria procura o outro, superando a tentação da rigidez e fechamento; aberta e em movimento, humilde e ao mesmo tempo indagadora, sabe valorizar o passado e pô-lo em diálogo com o presente, sem renunciar a uma hermenêutica adequada. Esta sabedoria prepara um futuro em que se visa fazer prevalecer, não a própria parte, mas o outro como parte integrante de si mesmo; aquela não se cansa de individuar, no presente, ocasiões de encontro e partilha; do passado, aprende que do mal brota unicamente mal, e da violência só violência, numa espiral que acaba por nos fazer prisoneiros. Esta sabedoria, rejeitando a avidez de prevaricação, coloca no centro a dignidade do homem, precioso aos olhos de Deus, e uma ética que seja digna do homem, rejeitando o medo do outro e o temor de conhecer mediante os meios de que o dotou o Criador.[1]

Precisamente no campo do diálogo, sobretudo inter-religioso, sempre somos chamados a caminhar juntos, na convicção de que o futuro de todos depende também do encontro entre as religiões e as culturas. Oferece-nos um exemplo concreto e encorajador, neste sentido, o trabalho do Comité Misto para o Diálogo entre o Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso e o Comité de Al-Azhar para o Diálogo. Há três diretrizes fundamentais que, se forem bem conjugadas, podem ajudar o diálogo: o dever da identidade, a coragem da alteridade e a sinceridade das intenções. O dever da identidade, porque não se pode construir um verdadeiro diálogo sobre a ambiguidade nem sobre o sacrifício do bem para agradar ao outro; a coragem da alteridade, porque quem é cultural ou religiosamente diferente de mim, não deve ser visto e tratado como um inimigo, mas recebido como um companheiro de viagem, na genuína convicção de que o bem de cada um reside no bem de todos; a sinceridade das intenções, porque o diálogo, enquanto expressão autêntica do humano, não é uma estratégia para se conseguir segundos fins, mas um caminho de verdade, que merece ser pacientemente empreendido para transformar a competição em colaboração.

Educar para a abertura respeitosa e o diálogo sincero com o outro, reconhecendo os seus direitos e liberdades fundamentais, especialmente a religiosa, constitui o melhor caminho para construir juntos o futuro, para ser construtores de civilização. Porque a única alternativa à civilização do encontro é a incivilidade do conflito; não há outra. E, para contrastar verdadeiramente a barbárie de quem sopra sobre o ódio e incita à violência, é preciso acompanhar e fazer amadurecer gerações que, à lógica incendiária do mal, respondam com o crescimento paciente do bem: jovens que, como árvores bem plantadas, estejam enraizadas no terreno da história e, crescendo para o Alto e junto dos outros, transformem dia-a-dia o ar poluído do ódio no oxigênio da fraternidade.

Para este desafio tão urgente e apaixonante de civilização, somos chamados, cristãos, muçulmanos e todos os crentes, a prestar a nossa contribuição: «Vivemos sob o sol de um único Deus misericordioso. (…) Assim, no verdadeiro sentido, podemos chamar-nos, uns aos outros, irmãos e irmãs (…), dado que, sem Deus, a vida do homem seria semelhante ao firmamento sem o sol».[2] Que se levante o sol duma renovada fraternidade em nome de Deus e surja desta terra, beijada pelo sol, o alvorecer duma civilização da paz e do encontro. Interceda por isto mesmo São Francisco de Assis, que, há oito séculos, veio ao Egito e encontrou o Sultão Malik al Kamil.

Terra de alianças. No Egito, não surgiu apenas o sol da sabedoria; também a luz policromática das religiões iluminou esta terra: aqui, ao longo dos séculos, as diferenças de religião constituíram «uma forma de enriquecimento recíproco ao serviço da única comunidade nacional».[3] Encontraram-se crenças diferentes e misturaram-se várias culturas, sem se confundirem mas reconhecendo a importância de se aliarem para o bem comum. Alianças deste gênero são ainda mais urgentes hoje. Ao falar disto, gostaria de usar como símbolo o «Monte da Aliança» que se ergue nesta terra. Antes de mais nada, o Sinai lembra-nos que uma autêntica aliança sobre a terra não pode prescindir do Céu, que a humanidade não pode pretender encontrar-se em paz excluindo Deus do horizonte, nem pode subir ao monte para se apoderar de Deus (cf. Ex 19, 12).

Trata-se de uma mensagem atual, visto o perdurar hodierno dum paradoxo perigoso: por um lado, tende-se a relegar a religião para a esfera privada, não a reconhecendo como dimensão constitutiva do ser humano e da sociedade e, por outro, confundem-se, não as distinguindo adequadamente, as esferas religiosa e política. A religião corre o risco de ser absorvida pela gestão de assuntos temporais e tentada pelas adulações de poderes mundanos que, na realidade, a instrumentalizam. Num mundo que globalizou muitos instrumentos técnicos úteis, mas ao mesmo tempo tanta indiferença e negligências, e que corre a uma velocidade frenética, dificilmente sustentável, sente-se a nostalgia das grandes questões de sentido que as religiões fazem aflorar e que suscitam a memória das próprias origens: a vocação do homem, que não foi feito para se exaurir na precariedade dos assuntos terrenos, mas para se encaminhar rumo ao Absoluto para o qual tende. Por estas razões a religião, especialmente hoje, não constitui um problema mas é parte da solução: contra a tentação de se contentar com uma vida superficial em que tudo começa e termina aqui, a religião lembra-nos que é necessário elevar o espírito para o Alto a fim de aprender a construir a cidade dos homens.

Neste sentido e com o olhar da mente fixado ainda no Monte Sinai, gostaria de me referir aos mandamentos lá promulgados, antes de serem gravados na pedra.[4] No centro das «Dez Palavras» ecoa, dirigido aos homens e aos povos de todos os tempos, o mandamento «não matarás» (Ex 20, 13). Deus, amante da vida, não cessa de amar o homem e, por isso, exorta-o a contrastar o caminho da violência como pressuposto fundamental de toda a aliança sobre a terra. Para atuar este imperativo, estão chamadas em primeiro lugar, sobretudo nos dias de hoje, as religiões, porque, encontrando-nos na necessidade urgente do Absoluto, é imprescindível excluir qualquer absolutização que justifique formas de violência. Com efeito, a violência é a negação de toda a religiosidade autêntica.

Assim, como responsáveis religiosos, somos chamados a desmascarar a violência que se disfarça de suposta sacralidade, apoiando-se na absolutização dos egoísmos, em vez de o fazer na autêntica abertura ao Absoluto. Devemos denunciar as violações contra a dignidade humana e contra os direitos humanos, trazer à luz do dia as tentativas de justificar toda a forma de ódio em nome da religião e condená-las como falsificação idólatra de Deus: o seu nome é Santo, Ele é Deus de paz, Deus salam.[5] Por isso, só a paz é santa; e nenhuma violência pode ser perpetrada em nome de Deus, pois profanaria o seu Nome.

Juntos, a partir deste lugar de encontro entre Céu e terra, de alianças entre as nações e entre os crentes, reiteramos um «não» forte e claro a toda a forma de violência, vingança e ódio cometida em nome da religião ou em nome de Deus. Juntos, afirmamos a incompatibilidade entre violência e fé, entre crer e odiar. Juntos, declaramos a sacralidade de cada vida humana contra qualquer forma de violência física, social, educativa ou psicológica. A fé que não nasce dum coração sincero e dum amor autêntico a Deus Misericordioso é uma forma de adesão convencional ou social que não liberta o homem, mas esmaga-o. Digamos juntos: quanto mais se cresce na fé em Deus, tanto mais se cresce no amor do próximo.

Mas, com certeza, a religião não é chamada apenas a desmascarar o mal; traz em si a vocação de promover a paz, hoje como talvez nunca antes.[6] Sem ceder a sincretismos conciliadores,[7] a nossa tarefa é rezar uns pelos outros pedindo a Deus o dom da paz, encontrar-nos, dialogar e promover a concórdia em espírito de colaboração e amizade. Nós, enquanto cristãos – e eu sou cristão –, «não podemos invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos alguns homens, criados à sua imagem».[8] Irmãos de todos. Além disso, reconhecemos que, imersos numa luta constante contra o mal que ameaça o mundo para deixar de ser «um lugar de verdadeira fraternidade», àqueles que «acreditam no amor de Deus [é-lhes dada por Deus] a certeza de que o caminho do amor está aberto para todos e que o esforço para estabelecer a universal fraternidade não é vão».[9] Antes pelo contrário, são essenciais. Com efeito, de pouco ou nada serve levantar a voz e correr ao rearmamento para se proteger: hoje há necessidade de construtores de paz, não de armas; hoje há necessidade de construtores de paz, não de provocadores de conflitos; de bombeiros e não de incendiários; de pregadores de reconciliação e não de arautos de destruição.

Assiste-se, perplexos, ao facto de, por um lado, se distanciar da realidade dos povos em nome de objetivos que não têm em conta a vida concreta das pessoas, enquanto, por outro lado e como reação, surgem populismos demagógicos, que certamente não ajudam a consolidar a paz e a estabilidade: nenhum incitamento violento garantirá a paz, e toda a ação unilateral que não dê início a processos construtivos e compartilhados, de facto torna-se um brinde para os adeptos dos radicalismos e da violência.

Para evitar os conflitos e construir a paz é fundamental trabalhar por remover as situações de pobreza e exploração, onde mais facilmente criam raízes os extremismos, e bloquear os fluxos de dinheiro e de armas para quem fomenta a violência. Indo ainda mais à raiz, é necessário deter a proliferação de armas que, se forem produzidas e comercializadas, mais cedo ou mais tarde acabarão também por ser usadas. Só tornando transparentes as turvas manobras que alimentam o câncer da guerra é que será possível impedir as suas causas reais. A este compromisso urgente e gravoso, estão obrigados os líderes das nações, das instituições e da informação, responsáveis de civilização como nós, convocados por Deus, pela história e pelo futuro a iniciar, cada qual no seu próprio campo, processos de paz, não se esquivando a estabelecer bases sólidas de aliança entre os povos e os Estados. Faço votos de que esta nobre e querida terra do Egito, com a ajuda de Deus, possa continuar a corresponder à sua vocação de civilização e de aliança, contribuindo para desenvolver processos de paz para este povo amado e para toda a região do Médio Oriente.

Al Salamò Alaikum (A paz esteja convosco)!


 

Que se levante o sol duma renovada fraternidade em nome de Deus e surja desta terra, beijada pelo sol, o alvorecer duma civilização da paz e do encontro. Interceda por isto mesmo São Francisco de Assis, que, há oito séculos, veio ao Egito e encontrou o Sultão Malik al Kamil.


[1] «Aliás, uma ética de fraternidade e coexistência pacífica entre as pessoas e entre os povos não se pode basear na lógica do medo, da violência e do fechamento, mas na responsabilidade, no respeito e no diálogo sincero» (Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, «A não-violência: estilo de uma política para a paz», 5).

[2] João Paulo II, Discurso às Autoridades Muçulmanas, Kaduna (Nigéria), 14 de fevereiro de 1982.

[3] Idem, Discurso na Cerimónia de Chegada, Cairo, 24 de fevereiro de 2000, 2.

[4] «Foram impressos no coração do homem como Lei moral universal, válida em todos os tempos e lugares». Oferecem a «base autêntica para a vida dos indivíduos, das sociedades e nações; (…) são o único futuro da família humana. Salvam o homem da força destruidora do egoísmo, do ódio e da mentira. Evidenciam todos os falsos bens que o arrastam para a escravidão: o amor de si mesmo até à exclusão de Deus, a avidez do poder e do prazer que subverte a ordem da justiça e degrada a nossa dignidade humana e a do nosso próximo» (Idem, Homilia na Celebração da Palavra no Monte Sinai, Mosteiro de Santa Catarina, 26 de fevereiro de 2000, 3).

[5] Cf. Francisco, Discurso na Mesquita Central de Koudoukou, Bangui (República da África Central), 30 de novembro de 2015.

[6] «Talvez nunca antes na história, como agora, o laço intrínseco que existe entre uma atitude autenticamente religiosa e o grande bem da paz se tenha tornado evidente a todos» (João Paulo II, Discurso aos Representantes das Igrejas Cristãs e Comunidades Eclesiais e das Religiões Mundiais, Assis, 27 de outubro de 1986, 6).

[7] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 251.

[8] Conc. Ecum. Vat. II, Decl. Nostra aetate, 5.

[9] Idem, Const. past. Gaudium et spes, 37.38.


Texto: Vatican News

Foto: reprodução da transmissão pelo YouTube do Vaticano

Com as autoridades

O Papa Francisco encontrou-se com as autoridades egípcias, nesta sexta-feira (28/04), no Palácio Presidencial, no Cairo, no âmbito de sua 18ª viagem apostólica internacional.

“Sinto-me feliz por me encontrar no Egito, terra de uma civilização muito antiga e nobre, cujos vestígios podemos admirar ainda hoje e que, na sua majestade, parecem querer desafiar os séculos. Esta terra é muito significativa para a história da humanidade e para a Tradição da Igreja, não só pelo seu prestigioso passado histórico – faraônico, copta e muçulmano –, mas também porque muitos Patriarcas viveram no Egito ou o cruzaram. Na verdade, aparece mencionado numerosas vezes na Sagrada Escritura. Nesta terra, Deus se fez ouvir, «revelou o seu nome a Moisés» e, no Monte Sinai, confiou ao seu povo e à humanidade os Mandamentos divinos. No solo egípcio, encontrou refúgio e hospitalidade a Sagrada Família: Jesus, Maria e José”, disse Francisco em seu segundo discurso em terras egípcias.

“Também hoje encontram aqui hospitalidade milhões de refugiados provenientes de vários países, entre os quais se conta o Sudão, a Eritreia, a Síria e o Iraque; refugiados esses, aos quais se procura, com um louvável esforço, integrar na sociedade egípcia”, frisou o Papa.

“Por causa da sua história e da sua particular posição geográfica, o Egito ocupa um papel insubstituível no Oriente Médio e no contexto dos países empenhados na busca de soluções para problemas agudos e complexos que precisam ser encarados agora para se evitar uma precipitação de violência ainda mais grave. Refiro-me à violência cega e desumana, causada por vários fatores: o desejo obtuso de poder, o comércio de armas, os graves problemas sociais e o extremismo religioso que utiliza o Santo Nome de Deus para realizar inauditos massacres e injustiças.”

“Este destino e esta tarefa do Egito constituem também o motivo que levou o povo a solicitar um Egito, onde a ninguém falte o pão, a liberdade e a justiça social. Com certeza, este objetivo tornar-se-á realidade, se todos juntos tiverem a vontade de transformar as palavras em ações, as aspirações válidas em compromissos, as leis escritas em leis aplicadas, valorizando a genialidade inata deste povo.”

O Papa recordou em seu discurso, “as pessoas que, nos últimos anos, deram a vida para salvaguardar a sua pátria: os jovens, os membros das forças armadas e da polícia, os cidadãos coptas e todos os desconhecidos que tombaram por causa de várias ações terroristas. Penso também nos assassinatos e nas ameaças que levaram a um êxodo de cristãos do norte do Sinai. Expresso viva gratidão às autoridades civis e religiosas e a quantos deram hospitalidade e assistência a estas pessoas tão provadas. Penso igualmente naqueles que foram atingidos nos atentados contra as igrejas coptas, quer em dezembro passado quer mais recentemente em Tanta e Alexandria. Aos seus familiares e a todo o Egito, as minhas sentidas condolências com a certeza da minha oração ao Senhor pela rápida recuperação dos feridos”.

“Não posso deixar de encorajar os esforços audaciosos na realização de numerosos projetos nacionais, bem como as muitas iniciativas que foram tomadas a favor da paz no Egito e fora dele, tendo em vista o almejado desenvolvimento na prosperidade e na paz que o povo deseja e merece”.

“A grandeza de qualquer nação revela-se no cuidado que efetivamente dedica aos membros mais frágeis da sociedade: as mulheres, as crianças, os idosos, os doentes, as pessoas com deficiência, as minorias, de modo que nenhuma pessoa e nenhum grupo social fique excluído ou marginalizado”, disse ainda o Papa, recordando que este ano, comemora-se o 70º aniversário das relações diplomáticas entre a Santa Sé e a República Árabe do Egito.

“O único extremismo permitido aos cristãos é o da caridade”

Cairo – Depois de uma programação intensa em seu primeiro dia de visita ao Cairo, com encontros com o Presidente egípcio Al-Sisi, o discurso na Universidade Al-Azhar e a visita ao Patriarca copta-ortodoxo Tawadros II, neste sábado o Papa conclui a viagem dedicando-se inteiramente ao aspecto pastoral, recebendo o abraço da pequena, mas muito ativa, comunidade copta-católica.

O dia começou com a despedida da Nunciatura e a saudação de um grupo de crianças alunas da Escola Comboniana do Cairo. Em seguida, em automóvel fechado, Francisco se deslocou ao estádio de futebol “Air Defense” e com o ‘golf-car’, (pequeno carro aberto) deu uma volta no campo, em meio aos fiéis. Cerca de 30 mil aguardavam o Pontífice.

A liturgia foi celebrada em latim e árabe, com as orações dos fiéis em várias outras línguas. Em sua homilia, proferida em italiano, o Papa dissertou sobre o itinerário dos discípulos de Emaús, descrito no Evangelho de Lucas, e que se pode resumir em três palavras: morte, ressurreição e vida.

“Aquele sobre quem construíram a sua existência morreu, derrotado, levando consigo para o túmulo todas as suas aspirações. Na realidade, eram eles os mortos no sepulcro da sua limitada compreensão”.

“Ressuscitado, Jesus transforma o seu desespero em vida, porque, quando desaparece a esperança humana, começa a brilhar a divina”, prosseguiu o Pontífice, explicando: “Quando o homem toca o fundo do fracasso e da incapacidade, quando se despoja da ilusão de ser o melhor, ser o autossuficiente, ser o centro do mundo, então Deus estende-lhe a mão para transformar a sua noite em alvorada, a sua tristeza em alegria, a sua morte em ressurreição, o seu voltar atrás em regresso a Jerusalém, isto é, regresso à vida e à vitória da Cruz”.

Enfim, “a experiência dos discípulos de Emaús ensina-nos que não vale a pena encher os lugares de culto, se os nossos corações estiverem vazios do temor de Deus e da sua presença; não vale a pena rezar, se a nossa oração dirigida a Deus não se transformar em amor dirigido ao irmão; não vale a pena ter muita religiosidade, se não for animada por muita fé e muita caridade; não vale a pena cuidar da aparência, porque Deus vê a alma e o coração e detesta a hipocrisia. Para Deus, é melhor não acreditar do que ser um falso crente, um hipócrita!”

“A fé verdadeira é a que nos torna mais caridosos, mais misericordiosos, mais honestos e mais humanos; é a que anima os corações levando-os a amar a todos gratuitamente, sem distinção nem preferências; é a que nos leva a ver no outro, não um inimigo a vencer, mas um irmão a amar, servir e ajudar; é a que nos leva a espalhar, defender e viver a cultura do encontro, do diálogo, do respeito e da fraternidade; é a que nos leva a ter a coragem de perdoar a quem nos ofende, a dar uma mão a quem caiu, a vestir o nu, a alimentar o faminto, a visitar o preso, a ajudar o órfão, a dar de beber ao sedento, a socorrer o idoso e o necessitado. A verdadeira fé é a que nos leva a proteger os direitos dos outros, com a mesma força e o mesmo entusiasmo com que defendemos os nossos. Na realidade, quanto mais se cresce na fé e no seu conhecimento, tanto mais se cresce na humildade e na consciência de ser pequeno”.

O Papa terminou a homilia com uma lembrança: “Deus só aprecia a fé professada com a vida, porque o único extremismo permitido aos cristãos é o da caridade. Qualquer outro extremismo não provém de Deus nem Lhe agrada”.

E um pedido: “Não tenham medo de amar a todos, amigos e inimigos, porque, no amor vivido, está a força e o tesouro do crente”.


ÍNTEGRA DA HOMILIA
Al Salamò Alaikum (A paz esteja convosco)!

Hoje, o Evangelho do terceiro domingo de Páscoa fala-nos do itinerário dos dois discípulos de Emaús que deixaram Jerusalém. Um Evangelho que se pode resumir em três palavras: morte, ressurreição e vida.

Morte. Os dois discípulos voltam à sua vida quotidiana, repletos de desânimo e desilusão: o Mestre morreu e, por conseguinte, é inútil esperar. Sentiam-se desorientados, enganados e desiludidos. O seu caminho é um voltar atrás; é um afastar-se da experiência dolorosa do Crucificado. A crise da Cruz – antes, o «escândalo» e a «loucura» da Cruz (cf. 1 Cor 1, 18, 2, 2) – parece ter sepultado todas as suas esperanças. Aquele sobre quem construíram a sua existência morreu, derrotado, levando consigo para o túmulo todas as suas aspirações.

Não podiam acreditar que o Mestre e Salvador, que ressuscitara os mortos e curara os doentes, pudesse acabar pregado na cruz da vergonha. Não podiam entender por que razão Deus Todo-Poderoso não O tivesse salvo duma morte tão ignominiosa. A cruz de Cristo era a cruz das suas ideias sobre Deus; a morte de Cristo era uma morte daquilo que imaginavam ser Deus. Na realidade, eram eles os mortos no sepulcro da sua limitada compreensão.

Quantas vezes o homem se autoparalisa, recusando-se a superar a sua ideia de Deus, um deus criado à imagem e semelhança do homem! Quantas vezes se desespera, recusando-se a crer que a omnipotência de Deus não é omnipotência de força, de autoridade, mas é apenas omnipotência de amor, de perdão e de vida!

Os discípulos reconheceram Jesus no ato de «partir o pão» (Lc 24, 35), na Eucaristia. Se não deixarmos romper o véu que ofusca os nossos olhos, se não deixarmos romper o endurecimento do nosso coração e dos nossos preconceitos, nunca poderemos reconhecer o rosto de Deus.

Ressurreição. Na obscuridade da noite mais escura, no desespero mais desconcertante, Jesus aproxima-Se dos dois discípulos e caminha pela sua estrada, para que possam descobrir que Ele é «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6). Jesus transforma o seu desespero em vida, porque, quando desaparece a esperança humana, começa a brilhar a divina: «O que é impossível aos homens é possível a Deus» (Lc 18, 27; cf. 1, 37). Quando o homem toca o fundo do fracasso e da incapacidade, quando se despoja da ilusão de ser o melhor, ser o autossuficiente, ser o centro do mundo, então Deus estende-lhe a mão para transformar a sua noite em alvorada, a sua tristeza em alegria, a sua morte em ressurreição, o seu voltar atrás em regresso a Jerusalém, isto é, regresso à vida e à vitória da Cruz (cf. Heb 11, 34).

Com efeito, depois de ter encontrado o Ressuscitado, os dois discípulos retornam cheios de alegria, confiança e entusiasmo, prontos a dar testemunho. O Ressuscitado fê-los ressurgir do túmulo da sua incredulidade e tristeza. Encontrando o Crucificado-Ressuscitado, acharam a explicação e o cumprimento de toda a Escritura, da Lei e dos Profetas; acharam o sentido da aparente derrota da Cruz.

Quem não faz a travessia desde a experiência da Cruz até à verdade da Ressurreição, autocondena-se ao desespero. Com efeito, não podemos encontrar Deus, sem crucificar primeiro as nossas ideias limitadas dum deus que reflete a nossa compreensão da omnipotência e do poder.

Vida. O encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida daqueles dois discípulos, porque encontrar o Ressuscitado transforma toda a vida e torna fecunda qualquer esterilidade.[1] De facto, a Ressurreição não é uma fé nascida na Igreja, mas foi a Igreja que nasceu da fé na Ressurreição. Diz São Paulo: «Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a nossa fé» (1 Cor 15, 14).

O Ressuscitado desaparece da vista deles, para nos ensinar que não podemos reter Jesus na sua visibilidade histórica: «Felizes os que creem sem terem visto!» (Jo 21, 29; cf. 20, 17). A Igreja deve saber e acreditar que Ele está vivo com ela e vivifica-a na Eucaristia, na Sagrada Escritura e nos Sacramentos. Os discípulos de Emaús compreenderam isto e voltaram a Jerusalém para partilhar com os outros a sua experiência: «Vimos o Senhor… Sim, verdadeiramente ressuscitou!» (cf. Lc 24, 32).

A experiência dos discípulos de Emaús ensina-nos que não vale a pena encher os lugares de culto, se os nossos corações estiverem vazios do temor de Deus e da sua presença; não vale a pena rezar, se a nossa oração dirigida a Deus não se transformar em amor dirigido ao irmão; não vale a pena ter muita religiosidade, se não for animada por muita fé e muita caridade; não vale a pena cuidar da aparência, porque Deus vê a alma e o coração (cf. 1 Sam 16, 7) e detesta a hipocrisia (cf. Lc 11, 37-54; At 5, 3.4).[2] Para Deus, é melhor não acreditar do que ser um falso crente, um hipócrita!

A fé verdadeira é a que nos torna mais caridosos, mais misericordiosos, mais honestos e mais humanos; é a que anima os corações levando-os a amar a todos gratuitamente, sem distinção nem preferências; é a que nos leva a ver no outro, não um inimigo a vencer, mas um irmão a amar, servir e ajudar; é a que nos leva a espalhar, defender e viver a cultura do encontro, do diálogo, do respeito e da fraternidade; é a que nos leva a ter a coragem de perdoar a quem nos ofende, a dar uma mão a quem caiu, a vestir o nu, a alimentar o faminto, a visitar o preso, a ajudar o órfão, a dar de beber ao sedento, a socorrer o idoso e o necessitado (cf. Mt 25, 31-45). A verdadeira fé é a que nos leva a proteger os direitos dos outros, com a mesma força e o mesmo entusiasmo com que defendemos os nossos. Na realidade, quanto mais se cresce na fé e no seu conhecimento, tanto mais se cresce na humildade e na consciência de ser pequeno.

Queridos irmãos e irmãs, Deus só aprecia a fé professada com a vida, porque o único extremismo permitido aos crentes é o da caridade. Qualquer outro extremismo não provém de Deus nem Lhe agrada.

Agora, como os discípulos de Emaús, voltai à vossa Jerusalém, isto é, à vossa vida diária, às vossas famílias, ao vosso trabalho e à vossa amada pátria, cheios de alegria, coragem e fé. Não tenhais medo de abrir o vosso coração à luz do Ressuscitado e deixai que Ele transforme a vossa incerteza em força positiva para vós e para os outros. Não tenhais medo de amar a todos, amigos e inimigos, porque, no amor vivido, está a força e o tesouro do crente.

A Virgem Maria e a Sagrada Família, que viveram nesta terra abençoada, iluminem os nossos corações e vos abençoem a vós e ao amado Egito que, ao alvorecer do cristianismo, recebeu a evangelização de São Marcos e, ao longo da história, deu muitos mártires e uma longa série de Santos e Santas!

Al Massih kam; bilhakika kam (Cristo ressuscitou; ressuscitou verdadeiramente)!

[1] Cf. Bento XVI, Audiência-Geral de Quarta-feira, 11 de abril de 2007.

[2] Santo Efrém exclama: «Arrancai a máscara que cobre o hipócrita e não vereis nele senão podridão» (Serm.). «Ai do coração débil (…) que segue dois caminhos»: diz o Eclesiástico (2, 12; cf. 2, 14 Vulg.).

Papa a Tawadros: a paz feita de caridade fraterna e ecumenismo de sangue

O Papa Francisco encontrou o Primaz da mais consistente Igreja radicada num país árabe, o Patriarca Copta-ortodoxo Tawadros II de Alexandria, no final da tarde desta sexta-feira (28), no Cairo, um dos momentos mais aguardados do dia. Depois da audiência privada, no escritório da sede do Patriarcado, Francisco e Tawadros, junto a líderes de outras confissões cristãs, se reuniram em oração ecumênica.

O abraço comum no Egito foi dirigido às vítimas dos recentes ataques terroristas contra cristãos no país, inclusive àquelas que sofreram o atentado de dezembro de 2016, no Cairo. Na ocasião, 29 pessoas morreram vítimas de uma bomba que explodiu na capela de São Pedro, próxima do Patriarcado, no bairro cristão da capital.
No discurso desta tarde, o terceiro de cinco que serão feitos durante sua viagem apostólica ao Egito, Francisco dirigiu-se ao “caríssimo irmão”, Tawadros II, o 118° Papa da Igreja Copta-Ortodoxa, falando em árabe: “O Senhor ressuscitou. Ressuscitou verdadeiramente”.

A primeira menção de Francisco foi à recente solenidade da Páscoa que, neste ano, foi celebrada em comunhão para “proclamar em uníssono o anúncio da Ressurreição”.
Hoje, esta alegria pascal é enriquecida pelo dom de adorarmos, juntos, o Ressuscitado na oração e, por trocarmos novamente, em seu nome, o ósculo santo e o abraço de paz. Sinto-me muito grato por isso: ao chegar aqui como peregrino, tinha a certeza de receber a bênção de um Irmão que me esperava.

O Papa lembrou, então, do primeiro encontro com Tawadros, em Roma, logo depois da eleição de Francisco em 10 de maio de 2013. A data simbólica de um “caminho ecumênico” acabou sendo instituída como o Dia da Amizade Copta-Católica. A própria Declaração Comum assinada por Paulo VI e Amba Shenouda III há mais de 40 anos, em 10 de maio de 1973, acrescentou o Pontífice, também foi um marco nas relações entre a Sé de Pedro e a de Marcos na proclamação do “domínio de Jesus: juntos, confessamos que pertencemos a Jesus e que Ele é o nosso tudo”.

Naquele dia, depois de “séculos de história difícil”, em que “surgiram diferenças teológicas, que foram alimentadas e acentuadas por fatores de caráter não-teológico” e por uma difidência cada vez mais generalizada nas relações, com a ajuda de Deus chegou-se a reconhecer, juntos, que Cristo é “perfeito Deus, quanto à sua divindade, e perfeito homem, quanto à sua humanidade” (Declaração Comum, assinada pelo Santo Padre Paulo VI e por Sua Santidade Amba Shenouda III, 10 de maio 1973).

Na exortação de que “não se pode pensar em avançar cada um pela sua estrada, porque trairíamos a vontade de Jesus”, Papa Francisco fez menção a João Paulo II. Durante o Encontro Ecumênico de fevereiro de 2000, Wojtyla motivou a não se perder mais tempo com esse propósito.

Já não podemos nos esconder atrás de desculpas de divergências de interpretação, nem atrás de séculos de história e tradições que nos tornaram estranhos. […] Nesse sentido, não há só um ecumenismo feito de gestos, palavras e compromisso, mas uma comunhão já efetiva, que cresce dia a dia no relacionamento vivo com o Senhor Jesus, está enraizada na fé professada e funda-se realmente no nosso Batismo, em sermos n’Ele “novas criaturas” (cf. 2 Cor 5, 17): em suma, “um só Senhor, uma só fé, um só Batismo” (Ef 4, 5).

Na “construção da comunhão” com o testemunho diário de “levar a fé ao mundo”, Papa Francisco afirmou que “o Espírito não deixará de abrir caminhos providenciais e inesperados de unidade”. Com esse “espírito apostólico construtivo”, segundo o Pontífice, “possam coptas-ortodoxos e católicos falarem juntos, sempre mais, essa língua comum da caridade”.

O Papa Francisco, então, se disse novamente agradecido pela “atenção genuína e fraterna” de Tawadros para com a Igreja Copta-Católica, tanto através do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs como do 13° Encontro da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas Orientais.
Dando continuidade à expressão da Sagrada Escritura entre as Sés de Marcos e de Pedro, o Pontífice também falou sobre “os laços fraternos do Evangelista e a sua atividade apostólica com São Paulo” ao se referir às origens que geram uma mensagem de “caridade fraterna e comunhão de missão”.

O amadurecimento do nosso caminho ecumênico é sustentado, de modo misterioso e muito atual, também por um verdadeiro e próprio ecumenismo do sangue. São João escreve que Jesus veio “com água e com sangue” (1 Jo 5, 6); quem acredita n’Ele, assim “vence o mundo” (1 Jo 5, 5). Com água e sangue: vivendo uma vida nova no nosso Batismo comum, uma vida de amor incessante e por todos, mesmo à custa do sacrifício do sangue. Desde os primeiros séculos do cristianismo, nesta terra, quantos mártires viveram a fé heroicamente e até ao extremo, preferindo derramar o sangue que negar o Senhor e ceder às adulações do mal ou mesmo só à tentação de responder ao mal com o mal! […] Trabalhemos por nos opor à violência, pregando e semeando o bem, fazendo crescer a concórdia e mantendo a unidade, rezando a fim de que tantos sacrifícios abram o caminho para um futuro de plena comunhão entre nós e de paz para todos.

Além da história de santidade no Egito testemunhada pelo sacrifício dos mártires, o Papa Francisco lembrou de uma nova forma de vida logo que terminaram as perseguições antigas que, “doada ao Senhor, nada retinha para si: no deserto, começou o monaquismo”, disse o Pontífice.

Com veneração a esse patrimônio comum, concluiu o Papa Francisco em seu discurso a Tawadros II: que “o Senhor nos conceda a graça de recomeçar hoje, juntos, como peregrinos de comunhão e arautos de paz”. (AC)

Declaração conjunta: amizade entre as Igrejas católica e copta-ortodoxa

Cairo (RV) – O Papa Francisco e o Patriarca copta-ortodoxo, Tawadros II, assinaram uma declaração conjunta, nesta sexta-feira (28/04), no Cairo, na qual se comprometem em promover a comunhão plena entre as duas comunidades, separadas desde o século V.

“O nosso vínculo profundo de amizade e fraternidade tem sua origem na plena comunhão que existia entre as nossas Igrejas nos primeiros séculos tendo-se expressado de várias maneiras nos primeiros Concílios Ecumênicos, começando pelo Concílio de Nicéia em 325 e a contribuição de Santo Atanásio, corajoso Padre da Igreja que mereceu o título de «Protetor da Fé». A nossa comunhão manifestava-se através da oração e práticas litúrgicas semelhantes, na veneração dos mesmos mártires e santos, e no fomento e difusão do monaquismo, seguindo o exemplo do grande Santo Antão, conhecido como o pai de todos os monges”, destaca o texto.

“Esta experiência comum de comunhão, anterior ao tempo de separação, assume um significado especial em nossa busca atual de restabelecimento da plena comunhão. A maior parte das relações que existiam nos primeiros séculos continuaram, apesar das divisões, entre a Igreja Católica e a Igreja Copta-ortodoxa até o dia de hoje e recentemente foram mesmo revitalizadas. Estas nos desafiam a intensificar os nossos esforços comuns, perseverando na busca duma unidade visível na diversidade, sob a guia do Espírito Santo.”

Papa Francisco e Tawadros II recordaram também o encontro fraterno realizado em Roma, em 10 de maio de 2013, e a instituição do dia 10 de maio, como Dia da Amizade copta-católica.

“Alguns acontecimentos trágicos e o sangue derramado pelos nossos fiéis, perseguidos e mortos pelo simples motivo de serem cristãos, nos recordam mais do que nunca que o ecumenismo dos mártires nos une e nos encoraja a prosseguir no caminho da paz e da reconciliação”, lê-se na declaração.

“Este renovado espírito de proximidade permitiu-nos discernir ainda melhor como o vínculo que nos une foi recebido de nosso único Senhor no dia do Batismo. Com efeito, é através do Batismo que nos tornamos membros do único Corpo de Cristo que é a Igreja Esta herança comum é a base da peregrinação que juntos realizamos rumo à plena comunhão, crescendo no amor e na reconciliação.”

O documento, com 12 itens, apresenta o Egito como “terra de mártires e de santos”, na qual os cristãos se encontram e dialogam sob a “herança comum” do Batismo.
“Esforcemo-nos em promover a tranquilidade e a concórdia através da coexistência pacífica entre cristãos e muçulmanos, testemunhando que Deus deseja a unidade e a harmonia de toda a família humana e a igual dignidade de cada ser humano”, ressaltam ainda os dois líderes no documento, defendendo o direito da “liberdade religiosa, que engloba a liberdade de consciência e está enraizada na dignidade da pessoa. Esta é a pedra angular de todas as outras liberdades. É um direito sagrado e inalienável”.

Discurso do encontro com Autoridades

Senhor Presidente,
Grande Imã de Al-Azhar,
Distintos Membros do Governo e do Parlamento,
Ilustres Embaixadores e membros do Corpo Diplomático,

Prezados Senhores e Senhoras,

Al Salamò Alaikum (A paz esteja convosco)!

Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas palavras cordiais de boas-vindas e o amável convite que me dirigiu para visitar o seu querido país. Conservo viva lembrança da sua visita a Roma em novembro de 2014, bem como do encontro fraterno com Sua Santidade Papa Tawadros II em 2013, e do Grande Imã da Universidade de Al-Azhar, Dr. Ahmad Al-Tayyib, no ano passado.

Sinto-me feliz por me encontrar no Egito, terra duma civilização muito antiga e nobre, cujos vestígios podemos admirar ainda hoje e que, na sua majestade, parecem querer desafiar os séculos. Esta terra é muito significativa para a história da humanidade e para a Tradição da Igreja, não só pelo seu prestigioso passado histórico – faraónico, copta e muçulmano –, mas também porque muitos Patriarcas viveram no Egito ou o cruzaram. Na verdade, aparece mencionado numerosas vezes na Sagrada Escritura. Nesta terra, Deus fez-Se ouvir, «revelou o seu nome a Moisés»[1] e, no Monte Sinai, confiou ao seu povo e à humanidade os Mandamentos divinos. No solo egípcio, encontrou refúgio e hospitalidade a Sagrada Família: Jesus, Maria e José.

Esta hospitalidade, generosamente oferecida há mais de dois mil anos, permanece na memória coletiva da humanidade, sendo fonte de bênçãos abundantes que continuam a derramar-se. Assim o Egito é uma terra que, de certo modo, todos nós sentimos como nossa! E, como dizeis, «misr um al dugna (o Egisto é a mãe do universo)». Também hoje encontram aqui hospitalidade milhões de refugiados provenientes de vários países, entre os quais se conta o Sudão, a Eritreia, a Síria e o Iraque; refugiados esses, aos quais se procura, com um louvável esforço, integrar na sociedade egípcia.

Por causa da sua história e da sua particular posição geográfica, o Egito ocupa um papel insubstituível no Médio Oriente e no contexto dos países empenhados na busca de soluções para problemas agudos e complexos que precisam de ser encarados agora para se evitar uma precipitação de violência ainda mais grave. Refiro-me à violência cega e desumana, causada por vários fatores: o desejo obtuso de poder, o comércio de armas, os graves problemas sociais e o extremismo religioso que utiliza o Santo Nome de Deus para realizar inauditos massacres e injustiças.

Este destino e esta tarefa do Egito constituem também o motivo que levou o povo a solicitar um Egito, onde a ninguém falte o pão, a liberdade e a justiça social. Com certeza, este objetivo tornar-se-á realidade, se todos juntos tiverem a vontade de transformar as palavras em ações, as aspirações válidas em compromissos, as leis escritas em leis aplicadas, valorizando a genialidade inata deste povo.

Assim o Egito tem uma tarefa singular: reforçar e consolidar também a paz regional, apesar de se ver, em seu próprio território, ferido por violências cegas. Tais violências fazem sofrer injustamente tantas famílias – algumas das quais aqui presentes – que choram os seus filhos e filhas.

Penso de modo particular em todas as pessoas que, nos últimos anos, deram a vida para salvaguardar a sua pátria: os jovens, os membros das forças armadas e da polícia, os cidadãos coptas e todos os desconhecidos que tombaram por causa de várias ações terroristas. Penso também nos assassinatos e nas ameaças que levaram a um êxodo de cristãos do Sinai setentrional. Expresso viva gratidão às autoridades civis e religiosas e a quantos deram hospitalidade e assistência a estas pessoas tão provadas. Penso igualmente naqueles que foram atingidos nos atentados contra as igrejas coptas, quer em dezembro passado quer mais recentemente em Tanta e Alexandria. Aos seus familiares e a todo o Egito, as minhas sentidas condolências com a certeza da minha oração ao Senhor pela rápida recuperação dos feridos.

Senhor Presidente, ilustres Senhores e Senhoras!

Não posso deixar de encorajar os esforços audaciosos na realização de numerosos projetos nacionais, bem como as muitas iniciativas que foram tomadas a favor da paz no país e fora dele, tendo em vista o almejado desenvolvimento na prosperidade e na paz que o povo deseja e merece.

O desenvolvimento, a prosperidade e a paz são bens indispensáveis que merecem todos os sacrifícios; constituem também objetivos que requerem trabalho sério, compromisso convicto, metodologia adequada e sobretudo respeito incondicional pelos direitos inalienáveis do homem, tais como a igualdade entre todos os cidadãos, a liberdade religiosa e de expressão, sem distinção alguma.[2] Tais objetivos exigem uma atenção especial ao papel da mulher, dos jovens, dos mais pobres e dos doentes. Na realidade, o verdadeiro desenvolvimento mede-se pela solicitude que se dedica ao homem – coração de todo o desenvolvimento –, à sua educação, saúde e dignidade; com efeito, a grandeza de qualquer nação revela-se no cuidado que efetivamente dedica aos membros mais frágeis da sociedade: as mulheres, as crianças, os idosos, os doentes, as pessoas com deficiência, as minorias, de modo que nenhuma pessoa e nenhum grupo social fique excluído ou marginalizado.

Perante um delicado e complexo cenário mundial, fazendo pensar naquela que designei uma «guerra mundial aos pedaços», é preciso afirmar que não se pode construir a civilização sem repudiar toda a ideologia do mal, da violência e toda a interpretação extremista que pretende aniquilar o outro e destruir as diversidades, manipulando e ultrajando o Santo Nome de Deus. O Senhor Presidente falou disto várias vezes e em diferentes circunstâncias com clareza, que merece escuta e apreço.

Todos temos o dever de ensinar às novas gerações que Deus, o Criador do céu e da terra, não precisa de ser protegido pelos homens; antes, é Ele que protege os homens. Ele nunca quer a morte dos seus filhos, mas a sua vida e felicidade. Ele não pode solicitar nem justificar a violência; antes, detesta-a e rejeita-a.[3] O verdadeiro Deus chama ao amor incondicional, ao perdão gratuito, à misericórdia, ao respeito absoluto por cada vida, à fraternidade entre os seus filhos, crentes e não-crentes.

Temos o dever de afirmar, juntos, que a história não perdoa a quantos proclamam a justiça e praticam a injustiça; não perdoa a quantos falam da igualdade e descartam os que são diferentes. Temos o dever de desmascarar os vendedores de ilusões acerca do Além, que pregam o ódio para roubar aos simples a sua vida presente e o seu direito de viver com dignidade, transformando-os em lenha para queimar e privando-os da capacidade de escolher com liberdade e acreditar com responsabilidade. Senhor Presidente, disse-me há pouco que Deus é o Deus da liberdade, e isto é verdade. Temos o dever de desmantelar os planos homicidas e as ideologias extremistas, afirmando a incompatibilidade entre a verdadeira fé e a violência, entre Deus e os atos de morte.

Ao contrário, a história honra os construtores de paz que, com coragem e sem violência, lutam por um mundo melhor: «Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).

Por conseguinte o Egito, que no tempo de José salvou os outros povos da carestia (cf. Gn 41, 57), também hoje é chamado a salvar esta amada região da carestia do amor e da fraternidade; é chamado a condenar e derrotar toda a violência e todo o terrorismo; é chamado a dar o trigo da paz a todos os corações famintos de convivência pacífica, de trabalho digno, de educação humana. O Egito, que ao mesmo tempo constrói a paz e combate o terrorismo, é chamado a dar provas de que «Al din lillah wa Al watàn lilgiamia’ (a fé é para Deus, a pátria é para todos)», como recita o lema da Revolução de 23 de julho de 1952, demonstrando que se pode crer e viver em harmonia com os outros, partilhando com eles os valores humanos fundamentais e respeitando a liberdade e a fé de todos.[4] O papel peculiar do Egito é necessário para se poder afirmar que esta região, berço das três grandes religiões, pode – antes, deve – despertar da longa noite de tribulação, para voltar a irradiar os valores supremos da justiça e da fraternidade, que são o fundamento sólido e o caminho obrigatório para a paz.[5] Das grandes nações, não se pode esperar pouco!

Neste ano, comemora-se o 70º aniversário das relações diplomáticas entre a Santa Sé e a República Árabe do Egipto, um dos primeiros países árabes que estabeleceu tais relações diplomáticas. Estas sempre se caraterizaram pela amizade, a estima e a cooperação recíproca. Espero que esta minha visita as possa consolidar e reforçar.

A paz é dom de Deus, mas também trabalho do homem. É um bem que se há de construir e proteger, no respeito pelo princípio que afirma a força da lei e não a lei da força.[6] Paz para este amado país! Paz para toda esta região, em particular para a Palestina e Israel, para a Síria, para a Líbia, para o Iémen, para o Iraque, para o Sudão do Sul; paz a todos os homens de boa vontade!

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores!

Quero dirigir uma saudação afetuosa e um abraço paterno a todos os cidadãos egípcios, que estão simbolicamente presentes aqui, nesta sala. Saúdo igualmente os filhos e os irmãos cristãos que vivem neste país: os coptas ortodoxos, os greco-bizantinos, os arménios ortodoxos, os protestantes e os católicos. Que São Marcos, o evangelizador desta terra, vos proteja e nos ajude a construir e a alcançar a unidade, tão desejada por Nosso Senhor (cf. Jo 17, 20-23). A vossa presença nesta pátria não é nova nem casual, mas histórica e inseparável da história do Egito. Sois parte integrante deste país, tendo desenvolvido ao longo dos séculos uma espécie de relação única, uma simbiose particular, que pode ser tomada como exemplo por outras nações. Demonstrastes, e continuais a fazê-lo, que é possível viver juntos, no respeito mútuo e leal confronto, encontrando na diferença uma fonte de riqueza e nunca um motivo de conflito.[7]

Obrigado pela calorosa receção. Peço a Deus Omnipotente e Único que cumule todos os cidadãos egípcios com as suas bênçãos divinas. Que Ele conceda ao Egito paz e prosperidade, progresso e justiça, e abençoe todos os seus filhos!

«Bendito seja o Egito, meu povo»: diz o Senhor no Livro de Isaías (19, 25).

Shukran wa tahìah misr (Obrigado e viva o Egito)!

[1] João Paulo II, Discurso na Cerimónia de Chegada, Cairo, 24 de fevereiro de 2000, 1.

[2] Cf. Declaração Universal dos Direitos do Homem; Constituição Egípcia de 2014, cap. III.

[3] «O Senhor (…) odeia os que amam a violência» (Salmo 11/10, 5).

[4] Cf. Constituição Egípcia de 2014, Art. 5.

[5] Cf. Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2014, 4.

[6] Cf. Idem, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, 1.

[7] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, 24 e 25.