Tempo do Advento – Ano A
- Advento, ponto de partida do Ano Litúrgico
- Visão de conjunto dos textos bíblicos do Advento
- Advento – Liturgia e espiritualidade
- As três figuras bíblicas do Advento
- Advento no Catecismo Católico
- Viver o tempo da espera (4)
- A Coroa de Advento (6)
- Advento de nós mesmos: Hoje ainda é Advento
- Ele vem….
Advento, ponto de partida do Ano Litúrgico
O Tempo do Advento é o ponto de partida do Ano Litúrgico: a espera do Messias. Os fiéis se preparam pela conversão para a celebração dessa vinda: “Revestido de nossa fragilidade, ele veio a primeira vez… revestido de sua glória, ele virá uma segunda vez” (Prefácio do Advento I).
ANO A
o novo povo de Deus
O ano A leva, no conjunto, a marca do evangelista Mateus. Este evangelho foi redigido, provavelmente, depois da destruição do templo em 70 d.C., com o intuito de oferecer às comunidades judeu-cristãs da região siro-palestinense uma didaqué, instrução da fé, para sustentar sua vocação a serem o novo Israel. Acentua a figura de Jesus como Mestre, que nos faz conhecer a vontade de Deus como Pai dele e Pai nosso, além da dimensão comunitária e eclesial do Reino e da vida cristã.
1. Tempo do Advento
No Advento, primeira fase do período natalino, destacam-se as “utopias messiânicas” de Is (caps. 2, 11 e 35), relacionadas com a esperança da justiça que vem de Deus, não do jogo oportunista do poder. Os evangelhos, tomados de Mt, têm como teor fundamental essa justiça que vem de Deus e que se realiza no projeto divino de salvação, inaugurado nos tempos antigos e atestado pelas Escrituras, bem como na atuação ética do homem, guiada pela vontade de Deus. Assim, as primeiras leituras (tomadas de Is) aparecem como projeção escatológica daquilo que deve acontecer no homem mediante a conversão (cf. sobretudo o 2° dom.). Da interação de “utopia” e conversão brotam a alegria e a esperança por causa da vinda do Cristo (3° dom.). No 4° domingo, ponto culminante, tanto a leitura de Is quanto o correspondente evangelho de Mt apontam para uma salvação personalizada: a salvação que vem de Deus não é uma utopia “em geral”, mas a própria presença de Deus, manifestada em seu Filho e envolvendo os que pela conversão a ele aderem. Esta primeira fase do ciclo natalino se estica assim entre Is e Mt: leva-nos a celebrar, com Mt, o cumprimento da esperança messiânica expressa em Is. Culmina na figura do Emanuel, Deus-conosco, que nos traz a justiça de Deus e exige nossa participação na mesma (Is 7,10ss; Mt 1,18ss).
(1) Konings, J., Liturgia Dominical, Vozes, Petrópolis, 2004, p.351
(2) Idem.
Visão de conjunto dos textos bíblicos do Advento
1º Domingo do Advento/Ano A
1ª Leitura: Is 2,1-5
Salmo responsorial: 121
2ª Leitura: Rm 13,11-14
Evangelho: Mt 24,37-44
Solenidade Imaculada Conceição
de Nossa Senhora
1ª Leitura: Gn 3,9-15.20
Salmo responsorial: 97
2ª Leitura: Ef 1,3-6.11-12
Evangelho: Lc 1,26-38
3º Domingo do Advento/Ano A
1ª Leitura: Is 35,1-6a.10
Salmo Responsorial: 145
2ª Leitura: Tg 5,7-10
Evangelho: Mt 11,2-11
4º Domingo do Advento/Ano A
1ª Leitura: Is 7,10-14
Salmo Responsorial: 23
2ª Leitura: Rm 1,1-7
Evangelho: Mt 1,18-24
Advento – Liturgia e espiritualidade
Frei Régis G. Ribeiro Daher
♦ O significado da palavra: vinda, chegada.
♦ O Advento é ponto de partida e ponto de chegada do ano litúrgico (espiral do tempo).
♦ A Igreja se prepara para o Natal, recordando o nascimento histórico de Cristo.
♦ O Advento apresenta sempre a tríplice “vinda” de Cristo: Cristo veio, Cristo vem, Cristo virá (ontem, hoje e sempre).
♦ É esta a chave de leitura dos textos litúrgicos do advento.
♦ Cristo veio. Mas de que adianta se ele não vem agora para cada pessoa? “Nós é que temos que nascer para Ele” (fr.Walter Hugo).
♦ O Advento é também o nosso tempo; estamos sempre no “advento” de nós mesmos. Cada um vive no Antigo Testamento de si mesmo.
♦ Celebrando sua vinda histórica, realiza-se sua vinda atual no mistério do culto, realizando-se assim, mais uma etapa da preparação da última vinda de Cristo.
♦ A Igreja vive e celebra esta tensão do “já presente” e do ainda “por vir”.
♦ Cristo é sempre aquele que ainda deve vir e continua chegando para cada um e para todo o mundo.
♦ O Reino messiânico já está presente pela justificação e pela graça. Mas ainda não está plenamente presente nos corações dos que creem no Senhor Jesus. É preciso que Ele venha para que se instaure o Reino de justiça, de paz, de reconciliação, onde todos se reconheçam irmãos.
As três figuras bíblicas do Advento
O profeta Isaías – representa o povo da promessa, Israel
♦ A Igreja, novo povo de Deus, une-se ao povo eleito na “expectação”.
♦ Isaías convoca o novo povo de Deus a colocar-se em atitude de espera e de preparação para o Reino messiânico.
A Virgem Imaculada
♦ Maria já está grávida do Salvador. Ele já está presente, já se manifesta em Maria e por Maria, mas não totalmente.
♦ Ele ainda precisa nascer, ainda precisa de um “lugar”.
♦ Jesus deseja nascer em cada coração humano. Deseja que cada pessoa se torne “mãe” do Senhor.
♦ Torna-se “mãe”, a exemplo de Maria, quem acolhe sua palavra e a põe em prática (S. Francisco).
João Batista
♦ É o profeta que faz a ligação entre o Antigo e o Novo Testamento.
♦ Anuncia a vinda do Messias e o mostra presente entre os homens.
♦ É o que batiza o Messias e o que testemunha a justiça e a verdade.
♦ Ele próprio é o testemunho de conversão e penitência.
♦ Convoca à conversão para receberem o Messias e para se preparar ao juízo final.
Advento no Catecismo Católico
A seleção de alguns textos do Catecismo da Igreja Católica pode nos ajudar a meditar, refletir e a se colocar na atitude de espera. Não de qualquer espera, mas daquela iluminada pela fé e pelo amor, de quem sabe a quem aguarda. Mesmo sem o saber, a humanidade toda está a espera de uma felicidade sem fim, e do fim de toda dor e sofrimento. Para nós este sentido último da vida tem nome e é uma pessoa: Jesus Cristo, o filho de Deus. A vida toda é advento, porque no tempo de cada um o Cristo vem nos salvar.
(o número da margem refere-se ao texto do catecismo)
♦ A preparação para a vinda de Cristo
522. A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento de tal imensidão que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da “Primeira Aliança”, tudo ele faz convergir para Cristo; anuncia-o pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. Desperta, além disso, no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda.
♦ João Batista prepara o caminho
523. São João Batista é o precursor imediato do Senhor, enviado para preparar-lhe o Caminho . “Profeta do Altíssimo” (Lc 1,76), ele supera todos os profetas, deles é o último , inaugura o Evangelho ; saúda a vinda de Cristo desde o seio de sua mãe e encontra sua alegria em ser “o amigo do esposo” (Jo 3,29), que designa como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Precedendo a Jesus “com o espírito e o poder de Elias” (Lc 1,17), dá-lhe testemunho por sua pregação, seu batismo de conversão e, finalmente, seu martírio .
♦ A primeira e a segunda vinda de Cristo
524. Ao celebrar cada ano a liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta espera do Messias: comungando com a longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo de sua Segunda Vinda . Pela celebração da natividade e do martírio do Precursor, a Igreja se une a seu desejo: “É preciso que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30).
♦ Tempo de expectativa, de luta e de vigília
672. Cristo afirmou antes de sua Ascensão que ainda não chegara a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por Israel , que deveria trazer a todos os homens, segundo os profetas , a ordem definitiva da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho , mas é também um tempo ainda marcado pela “tristeza” e pela provação do mal , que não poupa a Igreja e inaugura os combates dos últimos dias . E um tempo de expectativa e de vigília .
673. A partir da Ascensão, o advento de Cristo na glória é iminente , embora não nos “caiba conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade” (At 1,7) . Este acontecimento escatológico pode ocorrer a qualquer momento , ainda que estejam “retidos” tanto ele como a provação final que há de precedê-lo .
♦ Tempo de reconhecer o Cristo na história
674. A vinda do Messias glorioso depende a todo momento da história do reconhecimento dele por “todo Israel” . Uma parte desse Israel se “endureceu” (Rm 11,25) na “incredulidade” (Rm 11,20) para com Jesus. S. Pedro o afirma aos judeus de Jerusalém depois de Pentecostes: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados e deste modo venham da face do Senhor os tempos de refrigério. Então enviará ele o Cristo que vos foi destinado, Jesus, a quem o céu deve acolher até os tempos da restauração de todas as coisas, das quais Deus falou pela boca de seus santos profetas” (At 3,19-21). E S. Paulo lhe faz eco: “Se a rejeição deles resultou na reconciliação do mundo, o que será o acolhimento deles senão a vida que vem dos mortos?” A entrada da “plenitude dos judeus” na salvação messiânica, depois da “plenitude dos pagãos” , dará ao Povo de Deus a possibilidade de “realizar a plenitude de Cristo” (Ef 4,13), na qual “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28).
♦ Esperar a quem se conhece e em quem se crê
840. De resto, quando se considera o futuro, o povo de deus da Antiga Aliança e o novo Povo de Deus tendem para fins análogos: a espera da vinda ( ou da volta) do Messias. Mas o que se espera é, do lado dos cristãos, a volta do Messias, morto e ressuscitado, reconhecido como Senhor e Filho de Deus, e do lado dos hebreus, a vinda do Messias – cujos traços permanecem encobertos —, no fim dos tempos, espera esta acompanhada do drama da ignorância ou do desconhecimento de Cristo Jesus.
♦ O sofrimento e a glória na espera da segunda vinda
556. No limiar da vida pública, o Batismo; no limiar da Páscoa, a Transfiguração. Pelo Batismo de Jesus “declaratum fuit mysterium primae regenerationis – foi manifestado o mistério da primeira regeneração”: o nosso Batismo; a Transfiguração “est sacramentum secundae regenerationis – é o sacramento da segunda regeneração”: a nossa própria ressurreição . Desde já participamos da Ressurreição do Senhor pelo Espírito Santo que age nos sacramentos do Corpo de Cristo. A Transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa do Cristo, “que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,21). Mas ela nos lembra também “que é preciso passarmos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus” (At 14,22): Pedro ainda não tinha compreendido isso ao desejar viver com Cristo sobre a montanha . Ele reservou-te isto, Pedro, para depois da morte. Mas agora Ele mesmo diz: Desce para sofrer na terra, para servir na terra, para ser desprezado, crucificado na terra. A Vida desce para fazer-te matar; o Pão desce para ter fome; o Caminho desce para cansar-se da caminhada; a Fonte desce para ter sede; e tu recusas sofrer?
♦ O Pai-nosso e a Eucaristia: a oração do tempo de paciência e de espera
2771 – Na Eucaristia, a Oração do Senhor manifesta também o caráter escatológico de seus pedidos. É a oração própria dos “últimos tempos”, dos tempos da salvação que começaram com a efusão do Espírito Santo e que terminarão com a Volta do Senhor. Os pedidos ao nosso Pai, ao contrário das orações da Antiga Aliança, apóiam-se sobre o mistério da salvação já realizada, uma vez por todas, em Cristo crucificado e ressuscitado.
2772 – Desta fé inabalável brota a esperança que anima cada um dos sete pedidos. Estes exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo de paciência e de espera durante o qual “ainda não se manifestou o que nós seremos” (1Jo 3,2) . A Eucaristia e o Pai-Nosso apontam para a vinda do Senhor, “até que Ele venha” (1Cor 11,26).
♦ “Marana Tha”, apressa, Senhor, a vinda do seu Reino!
2816 – No Novo Testamento o mesmo termo “Basiléia” pode ser traduzido por realeza (nome abstrato), reino (nome concreto) ou reinado (nome de ação). O Reino de Deus existe antes de nós. Aproximou-se no Verbo encarnado, é anunciado ao longo de todo o Evangelho, veio na morte e na Ressurreição de Cristo. O Reino de Deus vem desde a santa Ceia e na Eucaristia: ele está no meio de nós. O Reino virá na glória quando Cristo o restituir a seu Pai: O Reino de Deus pode até significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com nossas súplicas todos os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera. Assim como Ele é nossa Ressurreição, pois nele nós ressuscitamos, assim também pode ser o Reino de Deus, pois nele nós reinaremos .
2817 – Este pedido é o “Marana Tha”, o grito do Espírito e da Esposa: “Vem, Senhor Jesus”! Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto um dever de pedir a vinda deste Reino, nós mesmos, por nossa iniciativa, teríamos soltado este grito, apressando-nos a ir abraçar nossas esperanças. As almas dos mártires, sob o altar, invocam o Senhor com grandes gritos: “Até quando, Senhor, tardarás a pedir contas de nosso sangue aos habitantes da terra?” (Ap 6,10). Eles devem, com efeito, obter justiça no fim dos tempos. Senhor, apressa portanto a vinda de teu reinado .
♦ No retorno de Cristo, a libertação de todo o mal
2853 – A vitória sobre o “príncipe deste mundo” foi alcançada, de uma vez por todas, na Hora em que Jesus se entregou livremente à morte para nos dar sua vida. É o julgamento deste mundo, e o príncipe deste mundo é “lançado fora” , “Ele põe-se a perseguir a Mulher” , mas não tem poder sobre ela: a nova Eva, “cheia de graça” por obra do Espírito Santo, é preservada do pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da Santíssima Mãe de Deus, Maria, sempre virgem). “Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear contra o resto de seus descendentes” (Ap 12,17). Por isso o Espírito e a Igreja rezam: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 22,17.20), porque a sua Vinda nos livrará do Maligno.
2854 – Ao pedir que nos livre do Maligno, pedimos igualmente que sejamos libertados de todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Neste último pedido, a Igreja traz toda a miséria do mundo diante do Pai. Com a libertação dos males que oprimem a humanidade, ela implora o dom precioso da paz e a graça de esperar perseverantemente o retorno de Cristo. Rezando dessa forma, ela antecipa, na humildade da fé, a recapitulação de todos e de tudo naquele que “detém as chaves da Morte e do Hades” (Ap 1,18), “o Todo-poderoso, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem” (Ap 1,8) : Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados por vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto, vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador .
♦ Maria, a obediência da fé
148. A Virgem Maria realiza da maneira mais perfeita a obediência da fé. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que “nada é impossível a Deus” (Lc 1,37) e dando seu assentimento: ”Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Isabel a saudou: “Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada .
149. Durante toda a sua vida e até sua última provação , quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou. Maria não deixou de crer “no cumprimento” da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé.
♦ “Nada é impossível a Deus”
494. Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo , Maria respondeu com a “obediência da fé”, certa de que “nada é impossível a Deus”: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,37-38). Assim, dando à Palavra de Deus o seu consentimento, Maria se tornou Mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina da salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho, para servir, na dependência dele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção . Como diz Sto. Irineu, “obedecendo, se fez causa de salvação tanto para si como para todo o gênero humano”. Do mesmo modo, não poucos antigos Padres dizem com ele: “O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade a virgem Maria desligou pela fé”. Comparando Maria com Eva, chamam Maria de “mãe dos viventes” e com freqüência afirmam: “Veio a morte por Eva e a vida por Maria”.
Viver o tempo da espera (4)
Toda a existência cristã é caracterizada pelo Advento-Vinda, o que vale dizer que somos peregrinos na história, a caminho da pátria definitiva. O Senhor permanentemente vem ao nosso encontro, caminha conosco e mantém viva a nossa esperança.
O Advento manifesta os dois aspectos da vinda do Senhor: nas duas primeiras semanas, o “Advento escatológico”, ou seja, sua vinda definitiva, e, nas duas últimas semanas, o “Advento Natalício”, sua primeira vinda, o Natal. “Abre as portas, deixa entrar o Rei da glória. É o tempo, ele vem orientar a nossa história”.
Com o profeta Isaías e com João Batista, acolhemos o apelo à conversão para que sejam superadas todas as formas de dominação, exclusão e miséria, para que se realize uma sociedade com liberdade e dignidade para todos. Com Maria, vivemos a alegria e a confiança. “A Virgem, Mãe será, um Filho, à luz dará. Seu nome, Emanuel: conosco Deus do céu; o mal desprezará, o bem acolherá”.
Com atenta vigilância, alegre expectativa e renovada esperança, vivamos o Tempo do Advento retomando o seguimento de Jesus, tornando-nos, como ele, discípulos missionários da vida e da paz, fazendo crescer em nós e em nossas comunidades a certeza de que ele continua vindo através de nós.
A esperança pessoal, coletiva e cósmica
Seríamos muito pobres se reduzíssemos o Advento, simplesmente, a um tempo de preparação para a festa do Natal. O Advento, tempo de espera, é baseado na exprectativa do Reino e a nossa atitude básica é acender e renovar em nós esse desejo e esse ânimo. Num tempo marcado pelo consumo, é preciso que afirmemos profeticamente a esperança.
No âmbito pessoal, intensificando o desejo do coração e retomando o sentido da vida. Mas as esperanças são também coletivas: é o sonho do povo por justiça e paz – “fundir suas espadas, para fazer bicos de arado, fundir suas lanças, para delas fazer foices” (Is 2,4). As esperanças são também cósmicas: “A criação geme e sofre em dores de parto até agora e nós também gememos em nosso íntimo esperando a libertação” (Rm 8, 18-23).
“O melhor da festa é esperar por ela”, diz um ditado popular. Do ponto de vista humano, a espera e a preparação de um acontecimento são tão importantes quanto o evento. Daí a necessidade de fazermos uma avaliação do que significa e de como vivenciamos o tempo do Advento em nossas comunidades. Que importância damos ao tempo do Advento?
“Deixem o Advento ser Advento”
“Atualmente, muitas comunidades eclesiais, influenciadas pela onda consumista por ocasião das festas natalinas e de final de ano, estão assumindo o costume de enfeitar suas igrejas já bem antes do Natal chegar. Em pleno tempo do Advento já ornamentam suas igrejas com flores, pisca-pisca, árvores de Natal e outros motivos natalinos, como se já fosse Natal. Não sejam tão apressadas, Não entrem na onda dos símbolos consumistas da nossa sociedade. Evitem enfeitar a igreja com motivos natalinos durante o Advento. Deixem o Advento ser Advento e o Natal ser Natal” . (5)
É preciso tomar cuidado de não abortar o Advento ou celebrá-lo superficialmente. Esse cuidado nos levará a não antecipar o Natal, fazendo celebrações natalinas antes do previsto, ou usando ritos e sinais próprios da festa. Mas também não podemos celebrar o Advento como se Cristo ainda não tivesse nascido. A longa noite da espera terminou. O mundo já foi redimido, embora a história da salvação continue…
(4) COLOMBO, Dom Sérgio Aparecido, PNE – QVJ, nº 42, Roteiros Homiléticos, CNBB, 2007, p.5-8.
(5) SILVA, Frei José Ariovaldo da, Mundo e Missão, dezembro 2004
A Coroa de Advento (6)
Desde a sua origem a Coroa de Advento possui um sentido especificamente religioso e cristão: anunciar a chegada do Natal sobretudo às crianças, preparar-se para a celebração do Santo Natal, suscitar a oração em comum, mostrar que Jesus Cristo é a verdadeira luz, o Deus da Vida que nasce para a vida do mundo. O lugar mais natural para o seu uso é família.
Além da coroa como tal com as velas, é uso antigo pendurar uma coroa (guirlanda), neste caso sem velas, na porta da casa. Em geral laços vermelhos substituem as velas indicando os quatro pontos cardeais. Entrou também nas igrejas em formas e lugares diferentes, em geral junto ao ambão. Cada domingo do Advento se acende uma vela. Hoje está presente em escolas, hotéis, casas de comércio, nas ruas e nas praças. Tornou-se mesmo enfeite natalino. Já não se pode pensar em tempo de Advento sem a coroa com suas quatro velas.
Simbolismo da Coroa de Advento
Pelo fato de se tratar de uma linguagem simbólica, a Coroa de Advento e seus elementos podem ser interpretados de diversas formas. Desde a sua origem ela possui um forte apelo de compromisso social, de promoção das pessoas pobres e marginalizadas. Trata-se de acolher e cuidar da vida onde quer que ela esteja ameaçada. Podemos dizer que a Coroa de Advento constitui um hino à natureza que se renova, à luz que vence as trevas, um hino a Cristo, a verdadeira luz, que vem para vencer as trevas do mal e da morte. É, sobretudo, um hino à vida que brota da verdadeira Vida.
A mensagem da Coroa de Advento é percebida a partir do simbolismo de cada um de seus elementos.
O Círculo
A coroa tem a forma de círculo, símbolo da eternidade, da unidade, do tempo que não tem início nem fim, de Cristo, Senhor do tempo e da história. O círculo indica o sol no seu ciclo anual, sua plenitude sem jamais se esgotar, gerando a vida. Para os cristãos este sol é símbolo de Cristo.
Desde a Antigüidade, a coroa é símbolo de vitória e do prêmio pela vitória. Lembremos a coroa de louros, a coroa de ramos de oliveira, com a qual são coroados os atletas vitoriosos nos jogos olímpicos.
Os ramos verdes
Os ramos verdes que enfeitam o círculo costumam ser de abeto ou de pinus, de ciprestes. É símbolo nórdico. Não perdem as folhas no inverno. É, pois, sinal de persistência, de esperança, de imortalidade, de vitória sobre a morte.
Para nós no Brasil este elemento é um tanto artificial e, por isso, problemático, menos significativo, visto que celebramos o Natal no início do verão e com isso não vivenciamos esta mudança da renovação da natureza. Por isso, a tendência de se substituir o verde por outros elementos ornamentais do círculo: frutos da terra, sementes, flores, raízes, nozes, espigas de trigo.
Para ornar a coroa usam-se também laços de fitas vermelhas ou rosas, símbolo do amor de Jesus Cristo que se torna homem, símbolo da sua vitória sobre a morte através da sua entrega por amor.
Deste modo, nas guirlandas penduradas nas portas das casas, os laços ocupam o lugar das velas.
Lembram os pontos cardeais, a cruz de Cristo, que irradia a luz da salvação ao mundo inteiro.
As velas
As quatro velas indicam as quatro semanas do Tempo do Advento, as quatro fases da História da Salvação preparando a vinda do Salvador, os quatro pontos cardeais, a Cruz de Cristo, o Sol da salvação, que ilumina o mundo envolto em trevas. O ato de acender gradativamente as velas significa a progressiva aproximação do Nascimento de Jesus, a progressiva vitória da luz sobre as trevas.Originariamente, a velas eram três de cor roxa e uma de cor rosa, as cores dos domingos do Advento.
O roxo, para indicar a penitência, a conversão a Deus e o rosa como sinal de alegria pelo próximo nascimento de Jesus, usada no 3º domingo do Advento, chamado de Domingo “Gaudete” (Alegrai-vos).
Existem diferentes tradições sobre os significados das velas. Uma bastante difundida:
- a primeira vela é do profeta;
- a segunda vela é de Belém;
- a terceira vela é dos pastores;
- a quarta vela é dos anjos.
Outra tradição vê nas quatro velas as grandes fases da História da Salvação até a chegada de Cristo. Assim:
- a primeira é a vela do perdão concedido a Adão e Eva, que de mortais se tornarão seres viventes em Deus;
- a segunda é a vela da fé dos patriarcas que crêem na promessa da Terra Prometida;
- a terceira é a vela da alegria de Davi pela sua descendência;
- a quarta é a vela do ensinamento dos profetas que anunciam a justiça e a paz.
Nesta perspectiva podemos ver nas quatro velas as vindas ou visitas de Deus na história, preparando sua visita ou vinda definitiva no seu Filho Encarnado, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo:
- o tempo da criação: de Adão e Eva até Noé;
- o tempo dos patriarcas;
- o tempo dos reis;
- o tempo dos profetas.
(7) Idem.
Advento de nós mesmos: Hoje ainda é Advento
Leonardo Boff
Advento significa preparação para a vinda do Messias na carne quente e humana de Jesus Cristo na festa do Natal. Advento simboliza ainda a preparação da humanidade para a chegada do Salvador do Mundo. E Ele já veio. Por isso não deveria em si haver mais o tempo do advento. O tempo da espera e das trevas já passou e andamos à luz do Esperado que já irrompeu.
Porque então festejamos ainda o advento? Não é só um rito litúrgico e um tempo que prepara o Natal? Não. O advento é também o nosso tempo, depois da encarnação de Deus. É verdade que Deus veio de forma definitiva para dentro de nossa pequenez, mas, apesar disso, Ele é sempre aquele que ainda deve vir e continua chegando para cada um e para todo o mundo.
Cada um vive no Antigo Testamento de si mesmo porque vive na imperfeição e no pecado, no desejo da redenção e na ânsia do Libertador. Os tempos messiânicos foram inaugurados com o Messias Jesus, mas não se completaram ainda. Não é ainda verdade aquilo que Isaías sonhou para os tempos ridentes do Messias; o lobo ainda não é hóspede do cordeiro, a pantera não se deita ao pé do cabrito, nem o touro e o leão comem juntos; não é verdade ainda que a vaca e o urso se confraternizam e o leão come palha com o boi; não é ainda verdade que a criança de peito brinca à toca da serpente e o menino crescidinho mete a mão no buraco do escorpião (Is 11, 6-8).
Numa palavra: a reconciliação do homem com o outro homem e com a natureza é ainda um suspiro dolorido. Cremos que fomos libertados por Jesus Cristo, entretanto, nos sentimos tão pecadores como o homem pré-cristão. Não se realizou a profecia de Jeremias para o nosso tempo, de que Deus colocaria no nosso interior a sua lei santa e Ele mesmo a escreveria em nossos corações (Jr 31,33).
Toda esta situação nos convence: hoje é ainda advento. Temos que esperar a vinda de Deus que modificará o estado calamitoso deste mundo realizando os sonhos dos antigos profetas e as nossas próprias esperanças. Cada ser humano carrega dentro de si uma riqueza que não alcança ser mostrada durante nosso percurso terrestre. Não nos realizamos totalmente, por mais que nos esforcemos. Estamos sempre no advento de nós próprios.
Mas um dia, tudo florescerá em nós quando Deus mesmo se revelar a nós próprios; então não haverá mais advento; será Natal eterno; Deus terá nascido e se revelado definitivamente dentro de nosso coração. O advento cristão professa: em alguém, em Jesus, Deus se manifestou totalmente. Nele a espera expirou. Para nós, advento significa então: esperar e preparar-se para aquilo que se revelou em Cristo se revele também em nós. Enquanto isso não acontecer, suplicamos como os primeiros cristãos: Vem, Senhor Jesus! Vem! É o nosso advento cristão.
Ele vem….
Breves reflexões sobre o Advento e o Natal
Frei Almir Guimarães
Eis, de longe está vindo o Senhor, seu fulgor enche todo o universo (Liturgia do Advento).
Deus está para chegar. Este é o clamor do Advento. Na vida é fundamental saber e querer esperar. Haverá Natal para aqueles que esperam a visita de Deus nos cantos do coração e para os que arregaçam as mangas no empenho de eliminar a desesperança. Não falamos de uma esperança passiva e inerte, mas ativa, resoluta e decidida. Ninguém vive sem esperança.
A mãe espera ansiosamente a chegada do filho que se aninhou em seu seio. A moça que trabalha no caixa do supermercado espera o final de seu expediente para encontrar o marido e os filhos e se ocupar das coisas da casa, lá onde ela se sente muito bem. O casal espera que seu relacionamento melhore para que ele e ela possam sonhar novos sonhos e esboçar sólidos projetos de bem querer para o tempo da vida que vem. O amigo aguarda o amigo na rodoviária ou no aeroporto pensando na festa do coração. Eles terão muitas coisas a se dizer…
Há essa espera fundamental do Senhor na vida. Sem ela não há natal, não há nascimento de Deus na trama da vida de ninguém. Agostinho de Hipona lembra: “Irrequieto é nosso coração enquanto não descansar em Deus!” Felizes aqueles que não se satisfazem com coisas pequenas, coisinhas e bugigangas, mas dilatam o horizonte de seus anseios e desejos. Os salmos nos falam do homem sedento de Deus, desejoso da visita do Alto: “Assim como a corça suspira pelas águas correntes, suspira igualmente minh’alma por vós, ó meu Deus! Minh’alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face do Deus vivo?” (Sl 41,2-3). Assim como a terra se abre à chuva, da mesma forma o coração inquieto espera uma água que vem do alto. “Que os céus lá do alto derramem o orvalho, que chova das nuvens o Justo esperado. Que a terra se abra e germine o Salvador”.
É fundamental esperar Deus! “Espero Deus com gulodice” (Arthur Rimbaud). Não temos o direito de domesticar o futuro. Este precisa ficar aberto. Deus precisa ser livre para fazer de nós e do mundo o que quer e não aquilo que pouco sabiamente programamos e queremos que ele realize.
Nossa medida não é a medida do Senhor.
Homens e mulheres de advento são peregrinos, não param de caminhar. Não se pode parar porque Deus vem do amanhã que ainda não existe.
Existe uma espera impaciente que queima as etapas, que não respeita os tempos interiores. Tal impaciência faz de nós seres tensos incapazes de viver o momento presente. Fugimos. Corremos de um lado para o outro. A esperança não é nervosismo, embora seja ativa.
Dante Alighieri, na sua “Divina Comédia”, coloca na entrada do inferno a seguinte advertência: “Vós que entrais, colocai de lado toda esperança” Uma vida sem esperança é o inferno antecipado.
São jovens os que fazem projetos para o futuro. Thomas Mann afirma: “O tempo que se passa esperando, não envelhece o homem!”
Por isso, o Advento tem este perfume: Ele vem, vem ao nosso encontro, quebrar a nossa solidão, sonhar os nossos sonhos, viver a nossa vida e assim não estaremos mais sós…
Deus está para chegar no fragilidade do rosto do Menino das Palhas…
Nosso Deus há de vir com poder
iluminar nosso olhar, aleluia.
As Normas Litúrgicas para o Ano litúrgico dizem: “ O tempo do Advento possui uma dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do Natal em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus entre os homens, é também um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se os corações para a segunda vinda de Cristo no fim dos tempos. Por este duplo motivo o tempo do Advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa” (n. 39).
“O Senhor Jesus vem de muitos modos no presente. Ele manifesta-se nos irmãos; manifesta-se na Sagrada Escritura, na Igreja, nas ações litúrgicas. Ele vem sempre. Podemos dizer que a vida cristã, constitui um permanente advento do Senhor. Contudo, num determinado período do ano este advento do Senhor é tematizado de modo mais intenso. É o tempo do Advento em que a Igreja se coloca à espera do Senhor, comemorando sua vinda no passado e proclamando sua outra vinda no futuro” ( Frei Alberto Beckhäuser, OFM, Viver o Ano Litúrgico, Vozes 2003, Petrópolis, p. 50).
Cirilo de Jerusalém (séc. IV) fala das duas vindas de Cristo. A primeira se revestiu de um aspecto de sofrimento, a segunda manifestará a coroa da realeza divina. Houve uma primeira descida de Cristo, discreta como a chuva sobre a relva e haverá outra, no esplendor, e que se realizará no futuro: “Na primeira ela foi envolto em faixas e reclinado no presépio; na segunda, será revestido de um manto de luz. Na primeira ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos” (Lit. das Horas, I, p. 113-114).
Bernardo de Claraval (séc. XII), por sua vez, fala de uma tríplice vinda de Cristo. Entre a primeira, a do presépio, e a última no fim dos tempos, há uma vinda intermediária. A primeira e a última são visíveis, a intermediária, não. “Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que traspassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com o esplendor de sua glória’’ (Lit. das Horas I, p. 138).
“Celebrando cada ano o mistério do Advento, a Igreja nos exorta a renovar continuamente a lembrança de tão grande amor de Deus para conosco. Ensina-nos também que a vinda de Cristo não foi proveitosa apenas para os seus contemporâneos, mas que a sua eficácia é comunicada a todos nós se, mediante a fé e os sacramentos, quisermos receber a graça que ele nos prometeu e orientar a nossa vinda conforme os seus ensinamentos (S. Carlos Borromeu).
Sou eu, o Senhor, que me aproximo,
a minha justiça já está perto,
a minha salvação já não demora! (Liturgia do Advento)
Vem, ó Jesus, envolto em paninhos,
não no furor das armas!
Na humildade
e não nos coisas grandes.
No presépio
e não nas nuvens dos céus.
Nos braços de tua mãe
e não num trono de glória.
Sobre um burrico
e não carregado por querubins.
Ao nosso encontro,
e não contra nós.
Para salvar,
e não para julgar.
Para visitar na paz
não para condenar no furor.
Se tu vens assim, ó Jesus,
em vez de fugir de ti
correremos aos teu encontro!
Pierre de Celles (séc. XIII)
Levantai a vossa cabeça e olhai,
pois a vossa redenção se aproxima!
Liturgia do Advento
Nossa sociedade conseguiu realizar uma imensa proeza. Tirou Jesus do presépio e esvaziou o Natal da presença do Menino das Palhas, do Deus que vem nos visitar. Os grandes centros comerciais do país ignoram a mensagem cristã: luzes, brilhos, dourados, temática de bichinhos para atrair as crianças….e nada de presépio. Come-se, bebe-se, há presentes trocados, mas sem Jesus, aquele que é a alma do Natal.
“Para conquistar os homens, elevá-los a si, para falar com eles, Deus veio a este mundo como criança; como um balbucio que é fácil sufocar. E, de fato, as pessoas o sufocam… Sufocam-no fazendo do Natal a festa da sociedade de consumo, do esbanjamento, do institucionalizado, festa dos presentes e das decorações luminosas, do décimo terceiro salário, dos espumantes e panetones; festa de certa poesia generalizada, de um difuso sentimentalismo com verniz de generosidade e emoção. Outros sufocam o Deus-Menino impedindo-o de crescer. Deus permanece criança por toda a vida; uma frágil estatueta de terracota, relegada a uma caixa, que se coloca no presépio uma vez por ano; é preciso um pretexto para dar aparência religiosa a este natal pagão. As palavras que esta criança trouxe aos homens não são ouvidas; são exigentes e inoportunas, enquanto um cristianismo adocicado é mais cômodo” ( Missal Dominical da Paulus, p.80).
Exprime bem o sentido do Natal este texto judeu-cristão do século II atribuído a um certo Salomão:
Deus assumiu meu rosto
Seu amor por mim
humilhou sua grandeza.
Ele se fez semelhante a mim
para que eu o receba.
Fez-se semelhante a mim
para que eu possa revestir-me dele.
Ao vê-lo não tive medo
porque ele é a misericórdia para mim.
Assumiu minha natureza
para que eu o compreenda,
assumiu um rosto
para que eu não me afaste dele.
Natal é Deus conosco e a festa da encarnação do Verbo:
Aquele que por sua natureza era igual ao Pai aniquilou-se assumindo a condição de escravo: despiu-se da majestade e do poder, não porém da bondade e da misericórdia. De fato, o que diz o Apóstolo? A bondade e a humanidade de Deus, nosso salvador se manifestaram (Tt 3,4). Seu poder aparecera anteriormente na criação do universo, e sua sabedoria se manifestava no governo de todas as coisas, mas a doçura de sua misericórdia apareceu sobretudo, agora, na sua humanidade (S. Bernardo de Claraval)
Quero evocar a lembrança do Menino que nasceu em Belém e todos os incômodos que sofreu desde a sua infância: quero vê-lo tal qual ele era, deitado numa manjedoura e dormindo sobre o feno, entre um boi e um burro
1Celano 84Num lugarejo chamado Greccio, não muito longe de Rieti, dois anos antes de sua morte, Francisco resolveu fazer uma encenação do presépio: um manjedoura, os animais, as coisas simples, o essencial. Na noite santa a celebração da eucaristia. Sobre a toalha do altar, verdadeiro presépio, o Cristo pão. Natal e Eucaristia se conjugam.
Queria o santo ver com seus próprios olhos, plasticamente, como as coisas tinham acontecido. Singeleza, simplicidade… Um menino todo fragilidade como todos os meninos da face da terra, filho da Pobre Maria, da Paupércula. O menino dependia dos peitos da mãe. Uma criança que vem do infinito e que necessita de todos os cuidados e atenções dos humanos. O Santo fica extasiado com o Deus pobre. A pobreza do Filho de Deus passa a ser a sua via, a sua estrada. Pobreza que é caminho, mas é esposa. Francisco compreenderá que a pobreza acompanhará os passos de Cristo e ele não querer outra coisa senão seguir os passos de Jesus e de sua mãezinha pobre.
O sacerdote celebrou a missa, Francisco fez o sermão, parecia ter mel nos lábios quando falava o nome de Jesus. E quando pronunciava a palavra Belém era como se imitasse o som do balido de uma ovelha… Êxtase diante de Deus feito criança e pobreza.
Achava o santo que se deveria, no Natal, esfregar carne nas paredes para que estas soubessem que Deus veio morar entre nos. Queria também que os animais, sobretudo os pássaros, recebessem ração dupla e , quando natal caísse em sexta-feira ficava abolido o jejum.
Há um mistério de paz, de bondade e de proximidade no presépio do frágil menino.
Será um menino pequeno ou uma luz que, dormindo, nos sorri?
Pelo simples fato de olhar esta criança, a alma se ilumina.
Maurice CarêmeMenino Jesus,
não há ninguém à minha volta
nesta igreja vestida de penumbra.Estou diante de teu presépio.
Contemplo teu rosto sereno e tuas mãos tão pequenas
aí deitado no estábulo do boi e do burro.
Tu te remexes, Menino das Palhas,
olhas de um lado para o outro,
estendes tuas mãos,
acolhes os visitantes simples que são os pastores.Menino Jesus,
tu és o nosso Deus feito criança, feito semblante,
feito mãos e pés.Tu, Menino das Palhas, Deus de toda beleza,
que sejas bem vindo entre nós
e possas sentir-te à vontade nessa nossa casa.Abrimos nossas casas e nossos corações.
Vem sentar-te conosco,
comer a comida de nossas mesas,
escutar as batidas de nosso coração,
sentir o vai e vem de nossa respiração.Deus grande e Deus belo,
tu vês essa mulher que está perto de teu presépio,
mulher reta e simples que quer comemorar mais uma vez
a festa de tua natividade.Tu tens mãos para tocar os doentes,
Voz para que tua mensagem chegue ao fundo dos corações
Pés para caminhar porque felizes são os passos do mensageiro da paz.Que o mundo saiba que há uma grande esperança
Porque Deus veio morar para sempre na terra dos homens.
Hoje desceu do céu para nós a verdadeira paz.
Hoje os céus destilam mel por todo o mundo.
Da Liturgia do NatalNatal nos lembra paz. Cristo é o príncipe da paz. No seu nascimento os anjos cantaram a paz. Depois de sua ressurreição ele dá a paz aos seus apóstolos.
“Como é desejável esse nome de paz, estável fundamento da fé cristã e e celeste ornamento do altar do Senhor! E que poderíamos dizer que fosse digno desta paz? O próprio nome de Cristo é paz, como diz o Apóstolo: Cristo é a nossa paz, de ambos os povos fez um só (Ef 2,14). Pois bem: assim como quando o rei está para sair, as ruas são limpas, e toda a cidade é ornada de flores e enfeites variados, de modo que não haja nada menos digno de se mostrar a ele, também agora, a chegada do Cristo, rei da paz, seja retirado tudo que é triste; e, ao brilhar a verdade, seja afugentada a mentira, cesse o conflito, resplandeça a concórdia. Por isso, se também na terra a paz é louvada pelos santos, o esplendor de seu louvor é realizado no céu onde os anjos a louvam, dizendo: Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele ama (Lc 2.14). Vede, irmãos, como os habitantes do céu e da terra trocam entre si os presentes da paz: enquanto os anjos anunciam a paz na terra, os santos da terra louvam o Cristo, que é nossa paz e está nos céus, e todos cantam juntos em místicos coros: Hosana nas alturas!
Dos Sermões de São Pedro Crisólogo
No tempo do natal temos vontade de pedir a paz:
Senhor, ressoa ainda em nossos ouvidos
as tuas palavras: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz,
mas não a dou como o mundo”.
Quisera eu poder ser instrumento da paz
num mundo de violência e de dilaceramentos.
Quebra a paz o desejo de ser maior e mais aquinhoado
que os outros.
Quebra a paz a inveja e o desejo de vingança.
Quebra a paz as fissuras de nosso coração.
Quebra a paz a tortura de indefesos nas prisões e delegacias
por pessoas sem escrúpulo e animalizadas.
Não temos paz para sair à noite,
não temos paz com a violência no trânsito
não temos paz com a inflação de sons e de ruídos.
Não possui paz a criança que perdeu o pai na guerra dos traficantes
ou que percebe que seus pais não se amam e vão se separar.
Há paz onde há perdão.
Há paz onde se respeita a dignidade e o mistério da pessoa,
onde os adversários procuram estender as mãos
Há paz quando Deus visita o interior de cada um com seu manto de misericórdia.
O Menino da Palhas é o príncipe da paz.
Dá-nos, Senhor, a paz e faze de nós instrumentos de pacificação.Belo texto de Pierre Guilbert:
A paz poderá vir
se, para ti, o outro é antes de tudo um irmão,
se a cólera for para ti uma fraqueza e não uma prova de força,
se preferes sair prejudicado a lesar alguém,
se te recusas a dizer que depois de ti só virão catástrofes,
se te colocas do lado do pobre e do oprimido sem a pretensão de ser herói,
se crês que o amor é a única forma de dissuasão,
se crês que a paz seja possível…
… então a paz poderá vir!