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Papa: em meio às feridas humanas, Igreja no Iraque testemunha a misericórdia de Deus

O Iraque ficará sempre comigo, no meu coração

Papa: em meio às feridas humanas, Igreja no Iraque testemunha a misericórdia de Deus

O último compromisso público do Papa Francisco na sua visita histórica ao Iraque foi a celebração eucarística deste domingo (7) no Estádio Franso Hariri, em Erbil, capital da região autônoma do Curdistão iraquiano e a quarta maior cidade do país, com cerca de 2 milhões de habitantes. A missa presidida pelo Pontífice também foi o momento da viagem apostólica com o maior número de participantes.

Com capacidade para cerca de 28 mil pessoas, o estádio teve lotação limitada em 10 mil por causa da pandemia. Francisco, porém, conseguiu percorrer o espaço com o papamóvel para saudar os iraquianos que conseguiram marcar presença para rezar junto com o Papa em Erbil, uma das cidades mais antigas do mundo e que acolhe meio milhão de deslocados internos, que fugiram do autoproclamado Estado Islâmico, além dos refugiados sírios.

A tentação do poder e da sabedoria
Na homilia, o Papa Francisco refletiu sobre “o poder e a sabedoria de Deus” revelados por Jesus através da misericórdia e do perdão, e não por “demonstrações de força”, “longos discursos ou exibições de ciência incomparável” que são verdadeiras “armadilhas” para construir “imagens falsas de Deus” para dar segurança. “Na realidade, é o contrário”, disse o Pontífice: o poder e a sabedoria de Deus foram revelados por Cristo dando a sua vida na cruz, oferecendo “ao Pai as feridas pelas quais fomos curados”.

“Aqui, no Iraque, quantos dos vossos irmãos e irmãs, amigos e concidadãos carregam as feridas da guerra e da violência, feridas visíveis e invisíveis! A tentação é responder a estes e outros fatos dolorosos com uma força humana, com uma sabedoria humana. Jesus, ao contrário, mostra-nos o caminho de Deus, aquele que Ele mesmo percorreu e por onde nos chama a segui-Lo.”

A responsabilidade de purificar Igreja e corações
Ao tratar do Evangelho do dia (Jo 2, 13-25), Francisco lembrou da importância de purificar a Igreja, mas também o coração para que não seja um lugar de “turbulência, desordem e confusão”, livrando-o de “falsidades que o sujam, das simulações da hipocrisia”.

“Precisamos ser purificados das nossas seguranças falaciosas, que trocam a fé em Deus pelas coisas que passam, pelas conveniências do momento. Precisamos que sejam varridas do nosso coração e da Igreja as nefastas sugestões do poder e do dinheiro. Para limpar o coração, precisamos sujar as mãos: sentirmo-nos responsáveis e não ficarmos parados enquanto sofrem o irmão e a irmã.”

“Mas como purificar o coração?”, questionou o Papa: “sozinhos, não somos capazes; temos necessidade de Jesus”, que tem o poder de “purificar as obras do mal”, curar as doenças e restaurar o templo do nosso coração. Ele nunca nos abandona e nos chama ao arrependimento e à purificação, “mesmo quando Lhe voltamos as costas”, para “podermos construir uma Igreja e uma sociedade abertas a todos e solícitas pelos irmãos mais necessitados”. Ao mesmo tempo, disse o Pontífice, “nos revigora para sabermos resistir à tentação de procurar vingança, que nos mergulha numa espiral de retaliações sem fim”.

A sabedoria da cruz da Igreja no Iraque
Com a força de Cristo e do Espírito Santo, então, reforçou Francisco, conseguimos nos tornar “instrumentos da paz de Deus e da sua misericórdia, artífices pacientes e corajosos de uma nova ordem social”. Comunidades cristãs formadas por pessoas humildes e simples, como acontece na Igreja no Iraque, testemunham que o Evangelho tem o poder de mudar a vida. E é com o poder da Ressureição e os olhos da fé, acrescentou ainda o Papa, que o Senhor promete nos fazer ressurgir “das ruínas causadas pela injustiça, a divisão e o ódio”, para encontrar “o bálsamo do seu amor misericordioso”.

“A Igreja no Iraque, com a graça de Deus, fez e continua a fazer muito para proclamar esta sabedoria maravilhosa da cruz, espalhando a misericórdia e o perdão de Cristo especialmente junto dos mais necessitados. Mesmo no meio de grande pobreza e tantas dificuldades, muitos de vocês oferecem generosamente ajuda concreta e solidariedade aos pobres e atribulados. Esse é um dos motivos que me impeliu a vir em peregrinação até junto de vocês, ou seja, para agradecer e confirmar na fé e no testemunho. Hoje, posso ver e tocar com a mão que a Igreja no Iraque está viva, que Cristo vive e age neste seu povo santo e fiel.”

A despedida de Francisco: o Iraque ficará sempre comigo, no meu coração

Nestes dias de viagem apostólica no Iraque, disse o Papa Francisco ao final da celebração eucarística no Estádio Franso Hariri, em Erbil, “ouvi vozes de sofrimento e angústia, mas ouvi também vozes de esperança e consolação”. Isso se deve, em grande parte, acrescentou o Pontífice, “àquela incansável obra de bem-fazer” realizada pelas instituições religiosas de várias confissões, Igrejas locais e organizações caritativas que assistem o povo “na obra de reconstrução e renascimento social”. E com a proximidade do final da visita histórica ao país, o Papa se despediu, afirmando:

“O Iraque ficará sempre comigo, no meu coração. Peço a todos vocês, queridos irmãos e irmãs, que trabalhem juntos e unidos por um futuro de paz e prosperidade que não deixe ninguém para trás, nem discrimine ninguém. Asseguro a vocês as minhas orações por este amado país. De modo particular, rezo para que os membros das várias comunidades religiosas, juntamente com todos os homens e mulheres boa vontade, cooperem para forjar laços de fraternidade e solidariedade ao serviço do bem comum e da paz. Salam, salam, salam! Shukrán [obrigado]! Deus vos abençoe a todos! Deus abençoe o Iraque! Allah ma’akum [fiquem com Deus]!”

O Papa também agradeceu todos que se envolveram na organização da visita ao Iraque e que rezaram e o acolheram com afeto, entre eles, o arcebispo de Erbil dos Caldeus, dom Bashar Matti Warda. De fato, ao final da missa, ele se dirigiu ao Pontífice, agradecendo pela “coragem” de se deslocar até “este conturbado país, uma terra tão cheia de violência, de intermináveis disputas, de deslocamentos e sofrimento para o povo”. Além disso, acrescentou o arcebispo, uma coragem revelada bem neste tempo de pandemia e de crise global, o que tornam as palavras de Cristo, ‘não tenham medo’, concretas:. “a sua coragem flui em nós”.

O arcebispo também agradeceu pelas orações aos perseguidos e marginalizados do Iraque e do mundo, uma forma de continuar a exortar “um tempo de paz, de humildade e de prosperidade, de dignidade de vida e de perspectivas para todos”.

“Agradecemos a mensagem de paz que trouxe para Erbil e para todo o Iraque. A sua poderosa mensagem de fraternidade e perdão é agora um presente para todo o povo do Iraque, deixando-nos – cada um de nós neste país – com a responsabilidade permanente de dar vida continuamente à sua mensagem em nossa vida diária a partir de hoje.”


Fonte: Fotos e textos da Vatican News (reportagem de Andressa Collet )

Oração do Papa em Mosul: “A fraternidade é maior que o fratricídio"

Na manhã deste domingo (07/03) o Papa chegou a cidade de Mosul e dirigiu-se a Hosh al-Bieaa, a praça das 4 igrejas: sírio-católica, armeno-ortodoxa, sírio-ortodoxa e caldeia, destruídas pelos ataques terroristas entre 2014 e 2017. Depois de ouvir os comovedores testemunhos de um sunita e do pároco local que falaram das perdas e dos deslocamentos forçados o Papa fez uma breve saudação e rezou uma oração pelas vítimas e pelo povo iraquiano.

Francisco afirmou que “A trágica redução dos discípulos de Cristo, aqui e em todo o Médio Oriente, é um dano incalculável não só para as pessoas e comunidades envolvidas, mas também para a própria sociedade que eles deixaram para trás. Com efeito, um tecido cultural e religioso assim rico de diversidade é enfraquecido pela perda de qualquer um dos seus membros, por menor que seja, como, num dos vossos artísticos tapetes, um pequeno fio rebentado pode danificar o conjunto”. O Papa também destacou: “Como é cruel que este país, berço de civilizações, tenha sido atingido por uma tormenta tão desumana, com antigos lugares de culto destruídos e milhares e milhares de pessoas – muçulmanas, cristãs, yazidis e outras – deslocadas à força ou mortas!”. E concluiu sua saudação afirmando:

“Hoje, apesar de tudo, reafirmamos a nossa convicção de que a fraternidade é mais forte que o fratricídio, que a esperança é mais forte que a morte, que a paz é mais forte que a guerra”

Oração pelas vítimas da guerra
Francisco fez uma breve premissa: “Antes de rezar por todas as vítimas da guerra nesta cidade de Mosul no Iraque e em todo o Oriente Médio, gostaria de partilhar convosco estes pensamentos:

Se Deus é o Deus da vida – e é-o –, a nós não é lícito matar os irmãos no seu nome.
Se Deus é o Deus da paz – e é-o –, a nós não é lícito fazer a guerra no seu nome.
Se Deus é o Deus do amor – e é-o –, a nós não é lícito odiar os irmãos.

Agora rezemos juntos por todas as vítimas da guerra, para que Deus Omnipotente lhes conceda vida eterna e paz sem fim, acolhendo-as no seu abraço amoroso. E rezemos também por todos nós para podermos, independentemente das respetivas filiações religiosas, viver em harmonia e paz, conscientes de que, aos olhos de Deus, todos somos irmãos e irmãs”.

ORAÇÃO
Deus Altíssimo, Senhor do tempo e da história, por amor criastes o mundo e nunca cessais de derramar as vossas bênçãos sobre as vossas criaturas. Com terno amor de Pai, acompanhais os vossos filhos e filhas, para além do oceano do sofrimento e da morte, para além das tentações da violência, da injustiça e do lucro iníquo.

Mas nós homens, ingratos pelos vossos dons e distraídos pelas nossas preocupações e ambições demasiado terrenas, muitas vezes esquecemos os vossos desígnios de paz e harmonia. Fechamo-nos em nós mesmos e nos nossos próprios interesses e, indiferentes a Vós e aos outros, fechamos as portas à paz. Assim se repetiu aquilo que o profeta Jonas ouviu dizer de Nínive: a maldade dos homens subiu até à presença de Deus (cf. Jn 1, 2). Não levantamos para o Céu mãos puras (cf. 1 Tm 2, 8), mas da terra subiu mais uma vez o grito do sangue inocente (cf. Gn 4, 10). Os habitantes de Nínive, na narração de Jonas, ouviram a voz do vosso profeta e encontraram salvação na conversão. Também nós, Senhor, ao mesmo tempo que Vos confiamos as inúmeras vítimas do ódio do homem contra o homem, invocamos o vosso perdão e suplicamos a graça da conversão:

Kyrie eleison! Kyrie eleison! Kyrie eleison!

[Senhor, tende piedade de nós! Senhor, tende piedade…]

– um momento de silêncio –

Senhor nosso Deus, nesta cidade, dois símbolos testemunham o perene desejo da humanidade se aproximar de Vós: a mesquita Al-Nouri com o seu minarete Al Hadba e a igreja de Nossa Senhora do relógio. É um relógio que, há mais de cem anos, lembra aos transeuntes que a vida é breve, e o tempo precioso. Ensinai-nos a compreender que Vós nos confiastes o vosso desígnio de amor, paz e reconciliação, para o realizarmos no tempo, no breve arco da nossa vida terrena. Fazei-nos compreender que, só colocando-o em prática sem demora, será possível reconstruir esta cidade e este país e curar os corações dilacerados pela dor. Ajudai-nos a não gastar o tempo ao serviço dos nossos interesses egoístas, pessoais ou coletivos, mas ao serviço do vosso desígnio de amor. E quando nos transviarmos, concedei que possamos dar ouvidos à voz dos verdadeiros homens de Deus e arrepender-nos a tempo, para não nos arruinarmos ainda mais com destruição e morte.

Confiamo-Vos as pessoas, cuja vida terrena foi abreviada pela mão violenta dos seus irmãos, e imploramo-Vos também, para quantos fizeram mal aos seus irmãos e irmãs, que se arrependam, tocados pelo poder da vossa misericórdia:

Requiem æternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. Amen.

A cidade de Mosul

A cidade de Mosul tem721.096 e é a capital administrativa do Governatorato de Nínive (Ninewah). Localiza-se 465 km a noroeste de Bagdá, na margem ocidental do Rio Tigre, de frente para os resquícios arqueológicos da antiga cidade assíria de Nínive, que remonta a 6.000 a.C.

Por 2500 anos, Mosul representou a identidade plural do Iraque, graças à coexistência, dentro das muralhas da Cidade Velha, de vários grupos étnicos, linguísticos e religiosos. Fundada no século 7 a.C., como parte do Império Assírio, Mosul foi importante centro comercial no período abássida, devido à sua posição estratégica, e alcançou o auge de sua influência no século 12 d.C., sob a dinastia de Zangid, cujo poder e cuja influência são hoje testemunhados por alguns prédios simbólicos, entre as quais a Grande Mesquita Al-Nouri e o famoso minarete inclinado de al-Hadba, com 44 metros de altura, chamado de “corcunda”.

Foi então que em Mosul se estabeleceram as escolas de processamento de metais e pintura, que no século XIII deram lugar a uma florescente indústria artesanal, que continuaram por séculos. Durante os reinados das dinastias Mongol e Turca, bem como no primeiro período otomano, Mosul foi ulteriormente melhorada com a construção de numerosas mesquitas e madrassas, sobretudo em sua parte meridional.

A “cidade dos profetas”, assim chamada devido à presença dos túmulos de cinco profetas muçulmanos, também conhecidos como Um Al-Rabi’ain, “a mãe das duas primaveras”, manteve ao longo do tempo sua arquitetura medieval e seu núcleo original, com edifícios islâmicos, cristãos, otomanos e uma mistura extraordinária de etnias e religiões, até ser ocupada por três anos do autoproclamado Estado Islâmico, entre junho de 2014 e julho de 2017.

Estima-se que cerca de meio milhão de pessoas, das quais mais de 120.000 cristãos, fugiram de Mosul, que em 2004 tinha 1.846.500 habitantes. A cidade passou por uma devastação sistemática, o que resultou na destruição de, entre outras coisas, de numerosas igrejas, do mausoléu de ‛Awn ad-dīn, de Nabī Yūnis (o mausoléu do profeta Jonas) e de uma seção da muralha da antiga cidade de Nínive, bem como de raros manuscritos e mais de 100.000 livros mantidos na Biblioteca, de achados arqueológicos e inúmeras estátuas presentes nas coleções do Museu de Nínive.

Em junho de 2017, o autoproclamado Estado Islâmico, cercado por forças governamentais, e com o controle somente da cidade velha, destruiu a mesquita de Mūr ad-dīn, lugar símbolo do Califado, que, no entanto, foi reconquistado poucos dias depois pelo exército iraquiano, juntamente com uma parte da área medieval da cidade. Em julho 2017, após nove meses de luta, Mosul foi libertada.

Hoje, graças também a cooperação internacional, está se trabalhando para a reconstrução da cidade para permitir o regresso dos refugiados. Em novembro passado, finalmente reabriu ao público o Museu Arqueológico, que abriga o que restou do patrimônio da antiga Nínive, fortemente empobrecido por saques e pela destruição pelo Isis.

Nos últimos meses, a Unesco também deu início às obras de restauração da Mesquita Al-Nuri e duas igrejas na parte antiga da cidade: a igreja dominicana de al-Saa’a, “Nossa Senhora da Hora”, cuja torre do sino, com o relógio, presente da Imperatriz Eugenia, esposa de Napoleão III, representa um dos símbolos da cidade; e a catedral sírio-católica de al-Tahera. A reconstrução dos antigos prédios históricos de Mosul fazem parte de um programa da organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura, denominado “despertar o espírito de Mosul”, financiado pelos Emirados Árabes Unidos.

Arquieparquia de Mosul dos Caldeus

A Arquieparquia de Mosul dos Caldeus, (rest. Século XVIII como Eparquia particular da Igreja patriarcal de Babilônia dos Caldeus; ereta Eparquia sufragânea da Babilônia dos Caldeus em 24 de outubro de 1960; Arquieparquia em 14 fevereiro de 1967) tem 5.000 católicos; 7 paróquias; 1 igreja; 13 sacerdotes diocesanos (2 ordenados no ano passado); 3 seminaristas nos cursos filosófico e teológico; 1 membro de instituto religioso masculino; 6 membros dos institutos religiosos femininos; 5 institutos educacionais; 7 instituições de beneficência; 31 batismos no ano passado.

O Arquieparca de Mosul dos Caldeus é DomNajeeb Michaeel, O.P., nascido em Zakho, Eparquia de Amadiyah e Zaku, 9 de setembro de 1955; ordenado sacerdote em 16 de maio 1987; eleito em 23 de agosto de 2018; consagrado em 18 de janeiro de 2019.

Arquieparquia de Mosul dos Sírios

Arquieparquia de Mosul dos Sírios, (1790) tem 4.500 católicos; 13 paróquias; 2 igrejas; 22 sacerdotes diocesanos; 26 sacerdotes diocesanos regulares; 6 seminaristas nos cursos filosófico e teológico; 27 membros de institutos religiosos masculinos; 3 membros de institutos religiosos femininos; 2 institutos educacionais; 5 instituições de beneficência; 318 batismos desde 2016.

O arquieparca de Mosul dos Sírios é Dom Yohanna Petros Moshe, nascido em Qaraqosh, Archieparquia de Mosul dos Sírios, em 23 de novembro de 1943; ordenado sacerdote em 9 de junho de 1968; eleito em 26 de junho de 2010; consagrado em 16 de abril.


Fonte: fotos Vatican News (texto de Jane Nogara)

Papa em Qaraqosh: “O perdão é necessário para se permanecer cristão”

Depois de fazer a oração pelas vítimas da guerra em Mosul, o Papa Francisco foi a cidade de Qaraqosh para encontrar a comunidade local. O encontro foi realizado na igreja da Imaculada Conceição. Depois de ser acolhido pelo Patriarca sírio-católico, o Papa fez um discurso e em seguida rezou o Angelus junto com a comunidade. O Santo Padre encontrou uma comunidade com grande diversidade cultural e religiosa e disse que “isto mostra algo da beleza que a vossa região tem para oferecer ao futuro. A vossa presença aqui lembra que a beleza não é monocromática, mas resplandece pela variedade e as diferenças”. Lembrando depois, “com grande tristeza, olhamos ao nosso redor e vemos outros sinais: os sinais do poder destruidor da violência, do ódio e da guerra”. Porém como recordou o Papa a “última palavra pertence a Deus e ao seu Filho, vencedor do pecado e da morte”.

“Mesmo no meio das devastações do terrorismo e da guerra podemos, com os olhos da fé, ver o triunfo da vida sobre a morte”

A herança espiritual é a vossa força
Falando sobre a herança espiritual dos pais e mães na fé disse: “A grande herança espiritual que nos deixaram continua a viver em vós. Abraçai esta herança! Esta herança é a vossa força. Agora é o momento de reconstruir e recomeçar, confiando-se à graça de Deus, que guia o destino de cada homem e de todos os povos”. Francisco recordou também que os filhos não herdarão apenas uma terra, uma cultura e uma tradição, “mas também os frutos vivos da fé, que são as bênçãos de Deus sobre esta terra”.

“Animo-vos a não esquecer quem sois e donde vindes; a preservar os laços que vos mantêm unidos, a guardar as vossas raízes”

Conhecendo nossas fragilidades como homens o Papa consolou: “Com certeza há momentos em que a fé pode vacilar, quando parece que Deus não vê nem intervém. Sentistes a verdade disto nos dias mais negros da guerra, e é verdade também nestes dias de crise sanitária mundial e de grande insegurança. Nestes momentos, lembrai-vos que Jesus está ao vosso lado. Não deixeis de sonhar. Não desistais, não percais a esperança”.

Perdão é a palavra-chave
Recordando o testemunho de uma senhora antes de seu discurso afirmou: “Comoveu-me uma coisa que disse a Senhora Doha: o perdão é necessário por parte daqueles que sobreviveram aos ataques terroristas. Perdão: esta é uma palavra-chave. O perdão é necessário para permanecer no amor, para se permanecer cristão”. “É preciso capacidade de perdoar e, ao mesmo tempo, coragem de lutar. Sei que isto é muito difícil. Mas acreditamos que Deus pode trazer a paz a esta terra. Confiamos n’Ele e, unidos a todas as pessoas de boa vontade, dizemos ‘não’ ao terrorismo e à instrumentalização da religião”.

Conversão e proteção
Francisco pediu também orações pela conversão: “Não nos cansemos de rezar pela conversão dos corações e pelo triunfo de uma cultura da vida, da reconciliação e do amor fraterno, no respeito pelas diferenças, pelas diversas tradições religiosas, no esforço por construir um futuro de unidade e colaboração entre todas as pessoas de boa vontade”. O Papa recordou que a igreja conta com a proteção de Nossa Senhora e falou sobre a imagem da Imaculada Conceição colocada no teto da igreja: “Aqui a sua estátua foi danificada e espezinhada, mas o rosto da Mãe de Deus continua a olhar-nos com ternura. Porque é assim que fazem as mães: consolam, confortam, dão vida”.

Por fim fez uma particular saudação às mulheres:

“Gostaria de agradecer cordialmente a todas as mães e mulheres deste país, mulheres corajosas que continuam a dar vida não obstante os abusos e as feridas. Que as mulheres sejam respeitadas e protegidas! Que lhes sejam dadas atenção e oportunidades!”


Fonte: fotos Vatican News (texto de Jane Nogara)

Missa em Bagdá: “Sois testemunhas vivendo as bem-aventuranças”

Depois do encontro com líderes religiosos na cidade de Ur, terra de Abraão, o Papa Francisco voltou a Bagdá e presidiu neste sábado (06/03) a Santa Missa na Catedral Caldeia de São José. Na sua primeira homilia no Iraque o Papa falou sobre a sabedoria, o testemunho e as promessas.

Francisco iniciou afirmando que a “a sabedoria foi cultivada nestas terras desde tempos muito antigos. E comenta que com o livro da Sabedoria aprendemos uma perspectiva invertida sobre os privilegiados pela sabedoria: “Para o mundo, quem tem menos é descartado e quem tem mais é privilegiado; para Deus, não: quem tem mais poder é sujeito a um exame rigoroso, enquanto os últimos são os privilegiados de Deus”.

As Bem-aventuranças
E continuou: “Jesus, a Sabedoria em pessoa, completa esta inversão no Evangelho: não num momento qualquer, mas no início do primeiro discurso, com as Bem-aventuranças”. E explica que a inversão é total pois os pobres, os que choram, os perseguidos são declarados bem-aventurados. Explicando:

“Para Deus não é maior quem tem, mas quem é pobre em espírito; não quem pode tudo sobre os outros, mas quem é manso com todos; não quem é aclamado pelas multidões, mas quem é misericordioso com o irmão”

O amor é a nossa força
“A proposta de Jesus é sapiente, porque o amor, que é o coração das Bem-aventuranças, embora pareça frágil aos olhos do mundo, na realidade vence”. “O amor é a nossa força, a força de tantos irmãos e irmãs que também aqui foram vítimas de preconceitos e ofensas, sofreram maus tratos e perseguições pelo nome de Jesus”. Concluindo o pensamento o Papa explica que enquanto a glória e vaidade no mundo passam o amor permanece.

Viver as bem-aventuranças
“Mas como se vivem as Bem-aventuranças?” Questionou o Papa logo explicando que simplesmente “exigem o testemunho diário”.

“Para se tornar bem-aventurado, não é preciso ser herói de vez em quando, mas testemunha todos os dias. O testemunho é o caminho para encarnar a sabedoria de Jesus. É assim que se muda o mundo: não com o poder nem com a força, mas com as Bem-aventuranças”

Testemunhar o amor de Jesus, como descreve São Paulo, em primeiro lugar é considerar que ‘a caridade é paciente’. Trata-se de um termo que exprime, na Bíblia, a paciência de Deus. Francisco esclarece que o homem ao longo da história continuou a trair a aliança pelas suas fraquezas, mas o Senhor nunca o abandonou, permaneceu sempre fiel, perdoou, recomeçou.

“A paciência de recomeçar sempre é a primeira qualidade do amor, porque o amor não se indigna, mas sempre recomeça”

“Quem ama não se fecha em si mesmo, quando as coisas correm mal, mas responde ao mal com o bem, lembrando-se da sabedoria vitoriosa da cruz” .

Força humilde do amor
Finalizando seu pensamento sobre a sabedoria e testemunha o Papa orientou: “Como reajo eu às situações funestas? À vista das adversidades, apresentam-se sempre duas tentações. A primeira é a fuga: fugir, virar as costas, desinteressar-se. A segunda é reagir, como irritados, com a força”. E pondera:

“Nem a fuga nem a espada resolveram coisa alguma. Ao contrário, Jesus mudou a história. Como? Com a força humilde do amor, com o seu paciente testemunho. O mesmo somos nós chamados a fazer; assim Deus realiza as suas promessas”

Na segunda parte de sua homilia falou sobre as promessas:
“A sabedoria de Jesus, encarnada nas Bem-aventuranças, pede o testemunho e oferece a recompensa, contida nas promessas divinas. De fato, vemos que a cada Bem-aventurança segue uma promessa: quem as vive terá o reino dos céus, será consolado, saciado, verá a Deus”.

Promessas através das nossas fraquezas
Mas como se realizam? O Papa respondeu: “Através das nossas fraquezas. Deus faz bem-aventurados aqueles que percorrem até ao fim o caminho da sua pobreza interior. Esta é a estrada; não há outra. Citando exemplos de Abraão, Moisés, Maria e Pedro que viveram a promessa através das nossas fraquezas e foram bem-aventurados o Pontífice afirmou:

“Às vezes, queridos irmãos e irmãs, podemos sentir-nos incapazes, inúteis. Não lhe demos crédito, pois Deus quer fazer maravilhas precisamente através das nossas fraquezas”. “É certo que somos provados, muitas vezes caímos, mas não devemos esquecer que, com Jesus, somos bem-aventurados”.

As bem-aventuranças são para todos
Por fim o Papa concluiu: “Querida irmã, querido irmão, talvez olhes para as tuas mãos e te pareçam vazias, talvez sintas insinuar-se no coração a desconfiança e penses que a vida é injusta contigo. Se tal suceder, não temas! As Bem-aventuranças são para ti, para ti que estás na aflição, com fome e sede de justiça, perseguido”.

“Aqui, onde na antiguidade surgiu a sabedoria, nestes tempos se levantaram tantas testemunhas, muitas vezes transcuradas nos noticiários mas preciosas aos olhos de Deus; testemunhas que, vivendo as Bem-aventuranças, ajudam Deus a realizar as suas promessas de paz”.


Fonte: fotos Vatican News (texto de Jane Nogara)

Em Najaf, o histórico encontro do Papa com o Grande Aiatolá Al-Sistani

O segundo dia do Papa Francisco em terras iraquianas começou com o histórico encontro com o Grande Aiatolá Sayyid Ali Al-Husayni Al- Sistani, em sua residência em Najaf.

“Durante a visita de cortesia, que durou cerca de quarenta e cinco minutos – afirmou o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni – o Santo Padre sublinhou a importância da colaboração e da amizade entre as comunidades religiosas para que, cultivando o respeito mútuo e o diálogo, se possa contribuir para o bem do Iraque, da região, de toda a humanidade”.

“O encontro – acrescentou Bruni – foi uma ocasião para o Papa agradecer ao Grande Aiatolá Al-Sistani porque, junto com a comunidade xiita, diante da violência e das grandes dificuldades dos últimos anos, levantou sua voz em defesa dos mais fracos e perseguidos, afirmando a sacralidade da vida humana e a importância da unidade do povo iraquiano”.

Ao despedir-se do Grande Aiatolá, o Santo Padre reiterou a sua oração a Deus, Criador de todos, por um futuro de paz e fraternidade para a amada terra iraquiana, para o Médio Oriente e para todo o mundo.

O Papa saiu cedo da Nunciatura, às 6h50, dirigindo-se ao Aeroporto de Bagdá, distante 28,7 km, para se transferir a Najaf em um voo da Iraqi Airways. Após 45 minutos de voo, foi acolhido no Aeroporto pelo governador, transferindo-se logo a seguir, em automóvel, para a residência do Grande Aiatolá.

Um grupo de iraquianos, com vestes tradicionais, acolheu o Santo Padre na parte externa da residência de Al-Sistani. Quando o Papa entrou, acolhido na entrada pelo filho Mohammed Rida, foram soltas pombas brancas, em sinal de paz. Juntos, se dirigiram para a sala onde ocorreu o encontro privado. Cada detalhe deste histórico encontro foi meticulosamente estudado entre os representantes do Aiatolá e do Vaticano. Por exemplo, não houve troca de presentes, visto este gesto não fazer parte da tradição xiita em casos como este.

É a primeira vez que o Papa Francisco se encontra de forma privada com um expoente do Islã xiita, visto já ter estreitado laços com uma das mais altas autoridades do Islã sunita, o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmed al-Tayyeb, com quem compartilhou em Abu Dhabi a assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz e da Convivência Comum. O Papa Francisco assim, dá mais um passo no trabalho de construção desse espírito de fraternidade e respeito entre as religiões e todos os seres humanos, não obstante as diferenças culturais e de pontos de vista existentes. Não só a comunidade iraquiana como um todo poderá se beneficiar deste encontro, mas principalmente as comunidades cristãs e outras minorias.

“A fé leva o crente a ver no outro um irmão que se deve apoiar e amar. Da fé em Deus, que criou o universo, as criaturas e todos os seres humanos – iguais pela Sua Misericórdia –, o crente é chamado a expressar esta fraternidade humana, salvaguardando a criação e todo o universo e apoiando todas as pessoas, especialmente as mais necessitadas e pobres”, diz a primeira parte do Documento de Abu Dhabi.

Residência do Grande Aiatolá

A residência do Grande Aiatolá Sayyid Ali Al-Husayni Al-Sistani está localizada dentro do Santuário do Imame ‘Ali ou Mesquita do Imām ʿAlī, considerada pelos xiitas o terceiro lugar sagrado do Islã, depois da Mesquita Sagrada de Meca e a Mesquita do Profeta de Medina. A primeira estrutura de mesquita – construída no túmulo de ʿAlī, primo e genro de Maomé e primeiro homem a ser convertido ao islamismo – é caracterizada por uma cúpula verde, que remonta ao ano 786. Os xiitas acreditam que em seu interior também tenham sido sepultados Adão, Eva e Noé.

A mesquita foi destruída e reconstruída várias vezes ao longo dos séculos; a último reconstrução, iniciada em 1623, foi concluída em 1632. A cúpula foi coberta em 1742 por Nader Shah com 7777 placas de tijolos pintados em ouro por Nader Shah. Posteriormente, foram realizadas inúmeras outras intervenções e embelezamentos. A cor externa predominante é o dourado brilhante.

Existem dois minaretes de 38 metros de altura nas laterais da entrada, com três portais monumentais; mosaicos em turquesa cobrem as paredes lateral e posterior. Interiormente, o mausoléu de ʿAlī é incrustado com mosaicos e circundado por um pátio. Em 1991, durante a insurreição que seguiu a Guerra do Golfo, a mesquita foi danificada pela Guarda Republicana iraquiana de Saddam Hussein. No local, haviam se refugiado membros da oposição xiita ao regime. Todos foram mortos. O local permaneceu fechado por alguns anos. A mesquita foi restaurada pelo líder espiritual dos ismaelitas, Dawudi Bohra, o 52º dāʿī muṭlaq, Syedna Mohammad Syedna Mohammad Burhanuddin.

Quem é o Grande Aiatolá Sayyid Ali Al-Husayni Al-Sistani

Nascido em 4 de agosto de 1930 em Mashhad, no Irã, é o líder da comunidade xiita iraquiana e diretor da hawza (ou do seminário religioso xiita Twelver) de Najaf. Filho de uma importante família religiosa, ele estudou o Alcorão desde pequeno; aos vinte ele deixa o Irã para continuar sua formação no Iraque, tornando-se discípulo do Grande Aiatolá Abu al-Qasim al-Khoei em Al-Najaf e conquistanto, ao longo do tempo, o respeito também dos sunitas e curdos. Sua interpretação da revelação islâmica silenciosa, que prega a abstenção das autoridades religiosas das atividades políticas diretas, o leva a ser um interlocutor reconhecido por diversas correntes políticas.

Em 2004, ele apoiou eleições livres no Iraque, dando assim uma importante contribuição para o planejamento do primeiro governo democrático em País, enquanto em 2014 convida os iraquianos a se unirem para lutar contra o autoproclamado Estado islâmico.

Mais recentemente, em novembro de 2019, quando a população sai às ruas em sinal de descontentamento contra o alto custo de vida e a instabilidade política nacional, Al-Sistani convida manifestantes e policiais a permanecerem calmos e não recorrerem à violência.

Posteriormente, ele pede a renúncia do governo e a reforma eleitoral. Seus pedidos são aceitos: o primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi renuncia pouco depois, enquanto em dezembro o Parlamento aprovou a reforma eleitoral.


Fonte: (texto e fotos da Vatican News)

Teóloga iraniana explica por que encontro entre Francisco e Al-Sistani é histórico

Shahrazad Houshmand, iraniana, a primeira mulher muçulmana a fazer uma Licenciatura em Teologia Fundamental Cristã, descreve a figura do Aiatolá Al-Sistani, com quem o Papa se encontrará nesta sexta-feira, em Najaf, como um homem de diálogo inter-religioso. Ele é a mais alta autoridade xiita iraquiana.

Há expectativa em Najaf, a terceira cidade sagrada para os muçulmanos xiitas depois de Meca e Medina, e que abriga o túmulo de Ali, genro e primo de Maomé, para o encontro privado de sexta-feira entre o Papa Francisco e o Aiatolá Sayyid Ali Al-Husayni Al- Sistani.

Líder dos xiitas iraquianos, que são mais de 60% da população, é uma figura influente para o xiismo em todo o mundo e em todo o país. Pregando a abstenção das autoridades religiosas da atividade política direta, é considerado um valioso interlocutor das várias correntes políticas e religiosas do país.

Homem de paz

Entre seus pronunciamentos pela unidade nacional iraquiana, recordamos o apoio às eleições livres em 2004, o que levou ao primeiro governo democrático do país; o convite em 2014 para se juntar à luta contra o autoproclamado Estado Islâmico e, no ano passado, o apelo para manter a calma e não recorrer à violência nas manifestações contra o alto custo de vida e a instabilidade política nacional.

Para o Papa Francisco, após o encontro em 2019 com o Grão Imame de Al-Azhar Ahmed Al-Tayyeb, um dos mais prestigiosos líderes do Islã sunita, aquele com Al-Sistani é um novo grande passo no diálogo com o Islã, como explica ao Vatican News a teóloga iraniana Shahrazad Houshmand, a primeira mulher muçulmana a obter uma Licenciatura em Teologia Fundamental Cristã e membro do Conselho de Mulheres do Pontifício Conselho para a Cultura:

R.- Este encontro é certamente um encontro histórico. Al-Sistani é o maior ponto de referência religioso, teológico e jurídico para os muçulmanos no Iraque e não só. Ele cobre essa função para os xiitas do Paquistão, Índia, Golfo Pérsico e também para os xiitas na Europa e na América. O encontro entre esses dois grandes líderes religiosos, além de ser uma novidade absoluta no mundo, também é importante porque esses dois guias religiosos e espirituais têm pontos de vista comuns, já que o Aiatolá Al-Sistani nutre um grande respeito pelos fiéis de outras religiões, o mesmo observado no Bispo de Roma nos últimos anos. Nesta convergência espiritual e religiosa comum, eles têm no coração toda a humanidade e, sobretudo, irão querer certamente refletir sobre a situação na região. Como sabemos, o Papa Francisco recordará dos cristãos assassinados, mas encontrando Al-Sistani, quer lançar um grito ainda mais alto e fazer com que todos os homens de boa vontade, incluindo muçulmanos e cristãos, reflitam sobre a dor de toda a humanidade. Os dois, neste encontro fraterno, amigável e de grande empatia espiritual, vão querer pedir a todos os homens de boa vontade para pensarem na dor do ser humano, enquanto ser digno de ser respeitado e amado. Já vimos na assinatura do documento excepcional de 4 de fevereiro de 2019 em Abu Dhabi, que entre o Papa Francisco e o Grão Imame de Al-Azhar Al-Tayyeb nasceu um grande acordo sobre o sentido profundo religioso e sobre o ato religioso concreto. A primeira frase que abre esse documento é, de fato, precisamente a síntese do ato religioso: o crente e a sua fé devem levar a amar e a apoiar o próximo, mas é um amor que se torna também um apoio, sobretudo pelos mais necessitados. Eu penso que esse outro encontro com o Aiatolá Al-Sistani está exatamente na mesma sintonia.

Al-Sistani é conhecido por suas posições conciliatórias e por seus apelos pela reconstrução do Iraque …

R. – Al-Sistani pode ser definido como “rabbani”, que significa “homem religioso sábio”, no sentido de que além de ter feito um caminho muito profundo e amplo de estudo da teologia, da história do Alcorão, da tradição e da Jurisprudência islâmica e de direito, é sobretudo uma figura espiritual que reúne e unifica o povo iraquiano. É precisamente um referencial para a segurança nacional. Em seu site e em seus livros, ele convida todos a serem irmãos. Recomenda aos xiitas para não pensarem apenas no bem dos xiitas, mas também no bem dos sunitas. Ele recomenda que os xiitas e sunitas não pensem apenas no bem dos muçulmanos, mas no bem dos cristãos e assim por diante. Ele próprio se declara servo dos xiitas, dos sunitas, dos curdos e dos cristãos. Um homem de tal profundidade religiosa, teológica e espiritual, que se declara servo de todo o povo, com todas as suas diferenças, é certamente um ícone de paz e de unificação.

Neste ulterior passo no diálogo com os muçulmanos, os pensamentos se voltam para a Encíclica Fratelli tutti e a Declaração de Abu Dhabi. Após o diálogo fraterno com o Grão Imame de Al-Azhar e o mundo sunita, agora prepara uma aproximação semelhante com o xiita. Que leitura você faz desse acontecimento?

R. – É muito importante, além do fato de que 20% dos muçulmanos no mundo são xiitas. Este ato “franciscano” torna-se também um convite e um apelo ao diálogo inter-religioso. Vimos que o próprio Papa também teve encontros muito importantes com seus irmãos cristãos protestantes e que é um homem que ama a paz, que traz a paz entre as religiões e para dentro das próprias leituras religiosas. E isso por si só já é muito interessante, mas eu diria que o encontro com os xiitas também terá frutos muito perfumados e particulares. Há tantas atividades espirituais muito profundas entre a leitura xiita e a leitura católica e penso que esse encontro entre esses dois líderes religiosos, e sobretudo espirituais, também iluminarão nosso caminho.

Os xiitas iraquianos são a maioria da população. Qual é o seu papel, quer dentro do país, como com os outros crentes xiitas?

R. – Os xiitas iraquianos e iranianos seguem a mesma escola teológica e acreditam em doze Imames. Os xiitas iraquianos aguardam o retorno do último Imame, o décimo segundo, e as cidades iraquianas de Najaf e Karbala são muito significativas para o mundo xiita em geral, especialmente para o Iraque. As diferenças entre muçulmanos sunitas e xiitas não são tão profundas, no entanto, porque a verdadeira diferença está na sucessão ao Profeta Maomé. Praticamente para os sunitas a sucessão se dava por escolha democrática livre, enquanto para os xiitas a sucessão de um profeta não pode ocorrer por meio de votação, mas a nomeação vem diretamente do céu ou pela própria figura do Profeta Maomé. Essa é a centralidade da diferença entre a leitura xiita e sunita.

Qual é a diferença com as comunidades xiitas iranianas, onde o xiismo está intimamente ligado à vida política e social? Quais são as diferenças com o xiismo iraquiano?

R.- Após a revolução de 1979, os ulemás e aiatolás xiitas, especialmente com a figura de Khomeini, desenvolveram uma nova tese no seu gênero de unidade entre política e religião. A liderança também política e social deve estar sob o olhar direto do mundo religioso. Por outro lado, essa teoria não chegou ao Iraque e não foi praticada. Existe uma distinção entre o poder religioso e aquele político. Apesar disso, como sabemos, o Aiatolá Al-Sistani também desempenha um papel chave na gestão política das coisas. Embora não tenha poder político, seu poder espiritual também influencia fortemente a ideia política e, sobretudo, a unidade nacional.


Fonte: Vatican News (texto de Michele Raviart)

Papa na terra de Abraão: terrorismo trai a religião. A paz não exige vencedores nem vencidos

Na terra de Abraão, na planície de Ur, realizou-se na manhã deste sábado um dos eventos mais aguardados da viagem do Papa Francisco ao Iraque.

Judeus, cristãos, muçulmanos e representantes de outras religiões se reuniram para rezar e regressar aos primórdios da obra de Deus junto à humanidade. A cidade, de fato, é citada na Bíblia e é indicada como o local de nascimento de Abraão e onde o Patriarca das religiões monoteístas falou pela primeira vez com o Criador.
Depois de ouvir cantos, e o testemunho de homens e mulheres, o Pontífice pronunciou um discurso que mais parece uma poesia, que remete ao diálogo narrado no Livro do Gênesis, quando Deus pediu a Abraão que levantasse os olhos para o céu e contasse as estrelas.

A nossa função primeira é esta, disse o Papa: ajudar os nossos irmãos e irmãs a elevarem o olhar e a oração para o Céu. “Erguemos os olhos ao Céu para nos elevarmos das torpezas da vaidade; servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo.”

Traições da religião
Uma característica de Deus que Francisco continuamente ressalta é a misericórdia de Deus, portanto “a ofensa mais blasfema é profanar o seu nome odiando o irmão”.

“Hostilidade, extremismo e violência não nascem dum ânimo religioso: são traições da religião. E nós, crentes, não podemos ficar calados, quando o terrorismo abusa da religião. Antes, cabe a nós dissipar com clareza os mal-entendidos. Não permitamos que a luz do Céu seja ocultada pelas nuvens do ódio!”

O Pontífice rezou por todas as vítimas do terrorismo, citando mais uma vez – como fez no discurso às autoridades – a comunidade yazidi. “O Céu não se cansou da terra: Deus ama cada povo, cada uma das suas filhas e cada um dos seus filhos! Nunca nos cansemos de olhar para o céu, de olhar para estas estrelas.”

Deus não é contra ninguém, mas é por todos
Mas é da terra que se olha para o céu e é aqui que somos chamados a percorrer juntos sendas de paz. Não nos salvará a idolatria do dinheiro nem o consumismo, mas somente a partilha e o acolhimento. Não haverá paz enquanto se olhar os outros como um “eles”, e não como um “nós”.

Uma antiga profecia diz que os povos “transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices” (Is 2, 4). Esta profecia não se realizou; antes, espadas e lanças tornaram-se mísseis e bombas. E a vizinha Síria é um exemplo disto.

O caminho para a paz, apontou Francisco, começa na renúncia a ter inimigos. “Quem tem a coragem de olhar as estrelas, quem acredita em Deus, não tem inimigos para combater.” Deus não pode ser contra ninguém, mas por todos.

“Cabe a nós instar fortemente os responsáveis das nações para que a proliferação crescente de armas ceda o lugar à distribuição de alimentos para todos.” A vida humana vale pelo que é e não pelo que tem, recordou o Pontífice, que concluiu reafirmando um propósito: “Nós, irmãos e irmãs de diversas religiões, encontramo-nos aqui, em casa, e a partir daqui, juntos, queremos empenhar-nos para que se realize o sonho de Deus: que a família humana se torne hospitaleira e acolhedora para com todos os seus filhos; que, olhando o mesmo céu, caminhe em paz sobre a mesma terra.”


Fonte: Vatican News (texto de Bianca Fraccalvieri )

Papa pede esperança, unidade e zelo pastoral

Concluindo sua intensa jornada o Santo Padre se dirigiu à catedral Sírio-Católica de Bagdá para um encontro com os bispos, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas. E iniciou a sua saudação com “paterno afeto” agradecendo ao Senhor por ter permitido esse encontro. Suas primeiras palavras foram de recordação: “Estamos reunidos nesta Catedral de Nossa Senhora da Salvação, abençoados pelo sangue dos nossos irmãos e irmãs que aqui pagaram o preço extremo da sua fidelidade ao Senhor e à sua Igreja”. E continuou: “Que a recordação do seu sacrifício nos inspire a renovar a nossa confiança na força da Cruz e da sua mensagem salvífica de perdão, reconciliação e renascimento”.

Zelo Apostólico

Em seguida dirigiu-se aos aos religiosos falando sobre a esperança e o zelo apostólico:

“As carências do povo de Deus e os árduos desafios pastorais que enfrentais diariamente, agravaram-se neste tempo de pandemia. Há uma coisa, porém, que nunca deve ser bloqueada nem reduzida: o zelo apostólico, que hauris de raízes muito antigas, da presença ininterrupta da Igreja nestas terras desde os primeiros tempos”

Considerando a situação do país Francisco animou os presentes afirmando que “é fácil ser contagiado pelo vírus do desânimo que às vezes parece difundir-se ao nosso redor”. E sugere “o Senhor deu-nos uma vacina eficaz contra este vírus mau: é a esperança, que nasce da oração perseverante e da fidelidade diária ao nosso apostolado”. “Com esta vacina – continua o Papa – podemos prosseguir com energia sempre nova, para partilhar a alegria do Evangelho como discípulos missionários e sinais vivos da presença do Reino de Deus, Reino de santidade, justiça e paz”.

Animados pelo Evangelho

Não esqueçamos jamais que Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho” disse o Papa afirmando que esta é uma mensagem necessária a todos. E continuou: “As dificuldades fazem parte da experiência diária dos fiéis iraquianos” por todos os sofrimentos que passaram e ainda passam pela fragilidade das infraestruturas básicas e a luta contínua pela segurança econômica e pessoal, assim o Papa agradece aos “irmãos bispos e sacerdotes, por terdes permanecido junto do vosso povo, apoiando-o, esforçando-vos por satisfazer as carências das pessoas e ajudando cada um a fazer a sua parte ao serviço do bem comum”.

Ao recordar a importância do apostolado educativo disse que as “Igrejas particulares constituem um recurso precioso para a vida quer da comunidade eclesial quer da sociedade inteira”. Acrescentando:

“Animo-vos a perseverar neste compromisso, a fim de garantir que a Comunidade Católica no Iraque, apesar de pequena como um grão de mostarda, continue a enriquecer o caminho do país no seu conjunto”

Comunidade de irmãos e irmãs

O amor de Cristo pede-nos para colocar de lado qualquer tipo de egocentrismo e competição; impele-nos à comunhão universal e chama-nos a formar uma comunidade de irmãos e irmãs que se acolhem e cuidam mutuamente” afirma o Pontífice fazendo uma metáfora das diversas Igrejas e todos seus patrimônios como um belíssimo tapete formado por tantos fios de variegadas cores e entrelaçados, que “não só atesta a nossa fraternidade, mas remete também para a sua fonte, pois o próprio Deus é o artista que idealizou este tapete”.

“Como é importante este testemunho de união fraterna num mundo que se vê frequentemente fragmentado e dilacerado pelas divisões!”

Aos bispos: próximos aos sacerdotes

Em seguida Francisco dirigiu-se particularmente aos bispos solicitando: “Gosto de pensar no nosso ministério episcopal em termos de proximidade”. “De modo particular permanecei vizinhos aos vossos sacerdotes” pediu o Papa e continua “que não vos vejam como administradores ou gerentes, mas como pais preocupados por que os filhos estejam bem, prontos a dar-lhes apoio e ânimo de coração aberto”.

O chamado a Cristo

Amados sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas, seminaristas que vos preparais para o futuro ministério: todos vós ouvistes a voz do Senhor nos vossos corações e respondestes como o jovem Samuel: ‘Eis-me aqui’”. O Papa pede que todos os dias sejam renovadas estas palavras para “partilhar a Boa Nova com entusiasmo e coragem”.

“É importante sair para o meio do nosso rebanho e oferecer a nossa presença e acompanhamento aos fiéis nas cidades e nas aldeias”

E concluiu o pedido afirmando: “Quando servimos o próximo com dedicação (…) estamos realmente servindo a Jesus, como Ele mesmo nos disse. E servindo a Jesus nos outros, descobrimos a verdadeira alegria”. “Sede pastores servidores do povo, e não funcionários de Estado: sempre no povo de Deus, nunca separados como se fôsseis uma classe privilegiada. Não renegueis esta nobre ‘estirpe’ que é o santo povo de Deus

Vítimas de todas as comunidades religiosas

Gostaria de retornar agora”, prosseguiu o Papa, “aos nossos irmãos e irmãs que morreram no atentado terrorista de há dez anos nesta Catedral e cuja causa de beatificação está em andamento”. Ponderando que “a sua morte lembra-nos fortemente que o incitamento à guerra, os comportamentos de ódio, a violência e o derramamento de sangue são incompatíveis com os ensinamentos religiosos”. “E quero recordar todas as vítimas de violências e perseguições, pertencentes a qualquer comunidade religiosa”.

A riqueza dos jovens

Ao agradecer o empenho e esforço por serem operadores de paz que semeiam reconciliação e convivência fraterna o Papa recordou dos jovens do país:

“Penso de modo particular nos jovens. São portadores de promessas e de esperança em toda a parte, e sobretudo neste país. Na realidade, aqui não existe apenas um património arqueológico inestimável, mas também uma riqueza incalculável para o futuro: são os jovens! São o vosso tesouro e é preciso cuidar deles, alimentando os seus sonhos, acompanhando o seu caminho, aumentando a sua esperança”

Por fim o Papa agradece: “Que o vosso testemunho, amadurecido nas adversidades e fortalecido pelo sangue dos mártires, seja uma luz que resplandece dentro e fora do Iraque, para anunciar a grandeza do Senhor e fazer exultar o espírito deste povo em Deus nosso Salvador“.


Fonte e Imagens: Vatican News (texto de Jane Nogara)

Papa aos iraquianos: “sou peregrino penitente, de paz e de esperança"

O Papa Francisco enviou uma mensagem em vídeo ao povo iraquiano poucos dias antes de sua partida. O Papa fará sua Viagem Apostólica ao país de 5 a 8 de março. Na saudação inicial o Santo Padre se apresenta como peregrino penitente e de paz:

Peregrino penitente e de paz

Desejo muito encontrar todos vocês, ver seus rostos e visitar sua terra, antigo e extraordinário berço da civilização. Venho como peregrino, como peregrino penitente, para implorar perdão e reconciliação do Senhor depois de anos de guerra e terrorismo, para pedir a Deus consolo para os corações e cura para as feridas. E venho até vocês como peregrino de paz, para repetir: “Sois todos irmãos” (Mt 23,8). Sim, venho como peregrino da paz em busca de fraternidade, animado pelo desejo de rezar juntos e caminhar juntos, também com irmãos e irmãs de outras tradições religiosas, unidos pelo pai Abraão, que reúne em uma só família muçulmanos, judeus e cristãos”.

Aos irmãos cristãos

Francisco afirma que se sente honrado em conhecer uma Igreja mártir: “Obrigado pelo seu testemunho. Que os muitos, demasiados mártires que vocês conheceram nos ajudem a perseverar na humilde força do amor.”  E oferece o amor da Igreja de todo o mundo:

Gostaria de lhes trazer a carícia afetuosa de toda a Igreja, que está próxima de vocês e ao mortificado Oriente Médio e os encoraja a seguir em frente. Não permitamos que prevaleçam os terríveis sofrimentos que vocês sofreram e que tanto me afligem. Não desistamos diante da propagação do mal: as antigas fontes de sabedoria de suas terras nos guiam para outro lugar, para fazer como Abraão que, embora tenha deixado tudo, nunca perdeu a esperança (cf. Rm 4,18); e, confiando em Deus, deu vida a uma descendência tão numerosa quanto as estrelas do céu. Caros irmãos e irmãs, vamos olhar para as estrelas. Ali está a nossa promessa”.

Peregrino de esperança

Recordando os sofrimentos do povo iraquiano todos, cristãos, muçulmanos e povos Yazidi pelas guerras e também da força de vontade de não desistirem o Papa os anima:  “Agora venho à sua terra abençoada e ferida como peregrino de esperança. Da sua terra, Nínive, ressoou a profecia de Jonas, que impediu a destruição e trouxe uma nova esperança, a esperança de Deus”.

Por fim o Santo Padre encoraja todos os irmãos: “Deixemo-nos contagiar por esta esperança, que nos encoraja a reconstruir e a recomeçar”. “Irmãos e irmãs de todas as tradições religiosas. Desta terra, há milênios, Abraão começou a sua viagem. Hoje cabe a nós continuá-la, com o mesmo espírito, caminhando juntos pelos caminhos da paz! Por esta razão, invoco sobre vocês toda a paz e a bênção do Altíssimo. E peço a todos vocês que façam o mesmo que Abraão: caminhem com esperança e nunca deixem de olhar para as estrelas. E peço a todos vocês, por favor, me acompanhem com a oração. Shukran! [Obrigado!]


Fonte: Vatican News (texto de Jane Nogara )

Recomeçar de Abraão para se reconhecer irmãos

Os cristãos iraquianos esperavam pelo Papa há 22 anos. Era 1999, quando São João Paulo II planejou uma breve, mas significativa peregrinação a Ur dos Caldeus, a primeira etapa do percurso jubilar aos lugares de salvação. Ele queria partir de Abraão, do pai comum reconhecido pelos judeus, cristãos e muçulmanos. Muitos não aconselharam o ancião pontífice polonês, pedindo-lhe de não fazer uma viagem que poderia correr o risco de fortalecer Saddam Hussein no poder, após a primeira Guerra do Golfo. O Papa Wojtyla seguiu em frente, apesar das tentativas de dissuadi-lo, feitas em particular pelos Estados Unidos. Mas, no final, essa viagem relâmpago de natureza primorosamente religiosa não foi feita por causa da oposição do presidente iraquiano.

Em 1999, o país já estava de joelhos por causa da guerra sangrenta contra o Irã (1980-1988) e por causa das sanções internacionais seguidas pela invasão do Kuwait e primeira Guerra do Golfo. O número de cristãos no Iraque era, então, três vezes maior do que é hoje. A viagem não realizada por João Paulo II permaneceu uma ferida aberta. O Papa Wojtyla levantou a sua voz contra a segunda expedição militar ocidental no país, a guerra relâmpago de 2003, que terminou com a derrubada do governo de Saddam.

No Angelus de 16 de março, ele disse: “gostaria de lembrar aos países membros das Nações Unidas e, em particular, àqueles que compõem o Conselho de Segurança, que o uso da força representa o último recurso, depois de terem esgotado todas as outras soluções pacíficas, de acordo com os bem conhecidos princípios da própria Carta das Nações Unidas”. Então, no pós-Angelus, ele suplicou: “eu pertenço àquela geração que viveu a II Guerra Mundial e sobreviveu. Tenho o dever de dizer a todos os jovens, àqueles mais jovens do que eu, que não tiveram essa experiência: ‘Nunca mais a guerra!’, como disse Paulo VI na sua primeira visita às Nações Unidas. Devemos fazer tudo o que for possível!”.

Ele não foi ouvido por aqueles “jovens” que fizeram a guerra e foram incapazes de construir a paz. O Iraque foi atingido pelo terrorismo, com atentados, bombas, devastações. O tecido social se desintegrou. E, em 2014, o país viu a ascensão do autoproclamado Estado Islâmico pelo Isis. Mais devastação, perseguições, violências, com as potências regionais e internacionais comprometidas com a luta em solo iraquiano. Com a multiplicação das milícias fora de controle. A pagar o preço, com um alto custo em vidas humanas, a população indefesa, dividida por afiliações étnicas e religiosas.

Olhando para a situação do Iraque, toca-se com a mão a concretude e o realismo das palavras que Francisco quis esculpir na sua última encíclica “Fratelli tutti”: “não podemos mais pensar na guerra como solução, dado que os riscos provavelmente serão sempre maiores do que a hipotética utilidade atribuída a ela. Diante a tal realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos em outros séculos para falar de uma possível ‘guerra justa’. Nunca mais a guerra!… Cada guerra deixa o mundo pior de como o foi encontrado. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma vergonhosa rendição, uma derrota diante das forças do mal”.

Centenas de milhares de cristãos durante esses anos se viram forçados a abandonar as suas casas para buscar refúgio no exterior. Em uma terra de primeira evangelização, cuja Igreja muito antiga tem origens que remontam à pregação apostólica, hoje os cristãos esperam a visita de Francisco como um sopro de oxigênio. Há algum tempo o Papa havia anunciado a sua vontade de ir ao Iraque para confortá-los, seguindo a única “geopolítica” que o move, ou seja, aquela de manifestar proximidade a quem sofre e de favorecer, com a sua presença, processos de reconciliação, de reconstrução e de paz.

Por essa razão, apesar dos riscos ligados à pandemia e à segurança, apesar dos recentes atentados, Francisco manteve esse compromisso na sua agenda até agora, determinado a não decepcionar todos os iraquianos que o esperam. O coração da primeira viagem internacional, após quinze meses de bloqueio forçado devido às consequências da Covid-19, será o compromisso em Ur, na cidade de onde partiu o patriarca Abraão. Uma ocasião para rezar junto aos crentes de outras confissões religiosas, em particular, muçulmanos, para redescobrir as razões de uma convivência entre irmãos, de modo a reconstruir um tecido social além das facções e grupos étnicos, e para lançar uma mensagem ao Oriente Médio e ao mundo inteiro.


Fonte: Vatican News (texto de Andrea Tornielli)

O programa

O Papa Francisco fará sua 33ª Viagem Apostólica fora da Itália e a primeira pós-pandemia, de 5 a 8 de março o Pontífice irá ao Iraque. A Sala de Imprensa da Santa Sé publicou o programa da viagem que prevê vários encontros e deslocamentos no país.

Na sexta-feira, dia 5 o Santo Padre parte de Roma rumo a Bagdá. Ao chegar à capital está prevista a cerimônia de acolhida oficial no Aeroporto da cidade e o encontro com o primeiro-ministro. Em seguida o Papa tem dois encontros oficiais no Palácio Presidencial de Bagdá: um com o Presidente da República e outro com as Autoridades, a Sociedade Civil e o Corpo Diplomático. No mesmo dia, na parte da tarde, Francisco encontra os bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas na Catedral Sírio-Católica de “Nossa Senhora da Salvação”.
No sábado, dia 6 de março na parte da manhã o Papa parte de avião para Najaf onde encontra o Grão-Aiatolá Sayyd Ali Al-Husaymi Al-Sistani. Em seguida segue sua viagem de avião para Nassiriya onde participa na Planície de Ur de um encontro Inter-religioso, está previsto um discurso do Santo Padre. Logo depois retorna de avião para Bagdá.

Na tarde de sábado o Papa celebra a Santa Missa na Catedral caldeia de “São José” em Bagdá.

A programa para domingo, dia 7 de março inicia com uma viagem a Erbil de avião. Na região autônoma do Curdistão Iraquiano o Papa encontra autoridades civis e religiosas no aeroporto local. Em seguida de helicóptero vai a Mosul. Na Praça da igreja de Mosul o Papa faz uma Oração de Sufrágio pelas vítimas da Guerra. A próxima etapa da manhã de domingo é Qaraqosh. Em Qaraqosh o Papa encontra a comunidade na igreja da “Imaculada Conceição” faz um discurso aos presentes e reza o Angelus.

Na parte da tarde, de helicóptero, dirige-se a Erbil no Estádio “Franso Hariri” para celebrar a Santa Missa. Depois da celebração o Papa retorna a Bagdá.

No último dia da sua visita, na manhã de segunda-feira dia 8 de março, Francisco participa da cerimônia de despedida no Aeroporto de Bagdá e em seguida volta a Roma.

Lema e logotipo da viagem
“Sois todos irmãos”. Este é o lema – extraído do Evangelho de Mateus – da visita de Francisco ao Iraque, cujo logotipo mostra o Papa no gesto de saudação ao país, representado no mapa e por seus símbolos, a palmeira e os rios Tigre e Eufrates. O logotipo também mostra uma pomba branca, em seu bico um ramo de oliveira, símbolo de paz, voando sobre as bandeiras da Santa Sé e da República do Iraque. Acima da imagem está o lema da visita em árabe, curdo e caldeu.