Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Gotas de Liturgia

Apresentação

De maneira clara, condensada, apresentamos neste Especial “Gotas de Liturgia” uma noção básica do rico sentido da Liturgia e dos significados dos termos litúrgicos, dos sinais usados, das vestes e objetos litúrgicos, das cores, do rito litúrgico, do Tempo Litúrgico, da oração dos Salmos. Durante 51 semanas, toda segunda-feira, traremos um pequeno texto para a reflexão de ninguém menos do que o mestre em Teologia da Liturgia no Brasil: Frei Alberto Beckhäuser.

Natural de Forquilhinha (SC), onde nasceu no dia 20 de maio de 1935, Frei Alberto vestiu o hábito franciscano nesta Província da Imaculada Conceição em 22 de dezembro de 1956. Doutorado em Teologia com especialização em Liturgia, desde 1967 acompanha de perto a grande caminhada pós-conciliar da reforma e da renovação litúrgica no Brasil, da qual se tornou um dos protagonistas. Frei Alberto continua a escrever, a dar cursos e palestras e a lecionar Liturgia em várias Escolas Teológicas, particularmente no Instituto Teológico Franciscano, em Petrópolis (RJ).

No primeiro texto, Frei Alberto pergunta: “Liturgia é igual a ritos?”. Segundo Frei Alberto, a liturgia “celebrada é a obra da salvação e do culto de Cristo prestado ao Pai tornada presente e atual através de sinais sensíveis e significativos da própria ação sacerdotal de Cristo. Estes sinais sensíveis e significativos da ação salvadora e do verdadeiro culto prestado por Cristo ao Pai, formam os ritos. Os ritos são, pois, a expressão significativa da obra da salvação e da glorificação da qual os que celebram participam”.

Os artigos iniciais tratam da Liturgia em geral, sua natureza, sua expressão ritual, etc. Depois, Frei Alberto escreve sobre a Santa Missa, da abertura até o envio.

Acompanhe no menu, no lado, os artigos.

Liturgia é igual a ritos?

Se considerássemos a Liturgia simplesmente como um conjunto de ritos estaríamos muito errados e cairíamos num estéril ritualismo já condenado por Jesus Cristo, que pede um culto espiritual a Deus no Espírito e na verdade.

O rito constitui um aspecto da Liturgia da Igreja. É um elemento constitutivo da Liturgia, mas não é a Sagrada Liturgia.

A Sagrada Liturgia nos supera infinitamente. Ela constitui um dom de Deus dado aos através de Jesus Cristo, na força do Espírito Santo. É obra da Santíssima Trindade. Assim, não nos compete apossar-nos da Liturgia, mas deixar-nos possuir por ela. Não nos compete conduzir a Sagrada Liturgia, mas deixar-nos conduzir por ela.

Antes de nós servirmos a Deus, Deus serviu aos seres humanos. Liturgia significa ação em favor do povo, em favor da comunidade. A Liturgia divina é, primeiramente, o serviço que Deus presta a si mesmo, no mistério da Santíssima Trindade. Depois, o serviço que Deus prestou à humanidade, dando-nos o seu Filho Jesus Cristo, que por sua morte e ressurreição prestou o serviço de glorificação ao Pai e o serviço de salvação e santificação à humanidade. A este serviço de salvação de Jesus, a Igreja chama de mistério pascal. Diz o Concílio Vaticano II: “Esta obra da Redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão. Por este mistério, Cristo, ‘morrendo, destruiu a nossa morte e, ressuscitando, recuperou a nossa vida’. Pois do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja” (SC 5).

Em seguida, o Concílio ensina como esta obra da Redenção e da perfeita glorificação de Deus chega até nós, como podemos participar dela: “Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o Evangelho a toda criatura, anunciarem que o Filho de Deus, pela sua morte e ressurreição, nos libertou do poder de Satanás e da morte e nos transferiu para o reino do Pai, mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação através do Sacrifício e dos Sacramentos, em torno dos quais gira toda a vida litúrgica” (SC 6).

A Igreja tem a missão não só de anunciar a salvação, o mistério pascal, mas de realizá-lo. Para isso, Cristo Jesus continua presente e atuante na Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas (cf. SC 7). “A Liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros” (SC 7).

A Liturgia celebrada é a obra da salvação e do culto de Cristo prestado ao Pai tornada presente e atual através de sinais sensíveis e significativos da própria ação sacerdotal de Cristo. Estes sinais sensíveis e significativos da ação salvadora e do verdadeiro culto prestado por Cristo ao Pai, formam os ritos. Os ritos são, pois, a expressão significativa da obra da salvação e da glorificação da qual os que celebram participam.

Jesus agiu uma vez para sempre. Esta ação de Jesus torna-se presente para os que Nele crêem e se deixam atingir pela ação de salvadora de Jesus. É isto a Liturgia celebrada.

Liturgia como celebração

 

O Catecismo da Igreja Católica apresenta a Liturgia como Celebração do mistério cristão, celebração do mistério pascal. Coloca, portanto, a Liturgia na dimensão da celebração. Assim, para compreendermos bem o que é a Liturgia cristã e vivê-la sempre mais intensamente, convém refletir sobre o que é celebração e os elementos que constituem uma celebração. Em consequência dessa compreensão, segue uma palavra sobre a celebração cristã, a Sagrada Liturgia.

1. O que é celebração

Celebrar é tornar célebre. Tornar célebre é tornar famoso, conhecido, é tornar presente. O que torna uma pessoa célebre, famosa,  são as suas obras, os seus feitos. Para reconhecer a celebridade de uma pessoa, procura-se lembrar o que ela foi e o que ele fez; lembram-se, narram-se suas obras. Esta narração das obras torna a pessoa novamente presente.

2. Os elementos de uma celebração

Tomemos como exemplo a celebração do primeiro aninho de uma criança numa festa em família. Analisemos os vários elementos da celebração.

O fato valorizado: – O primeiro elemento para a celebração ou comemoração é o fato de a criança ter nascido. Este fato deve ser um fato valorizado, caso contrário, não se celebra, mas procura-se esquecer. Este fato pode ser chamado também de páscoa, uma passagem.

A expressão significativa do fato ou o rito: – Para lembrar o fato valorizado, a comunidade reunida o expressa através de uma linguagem simbólica. É o rito. No caso do primeiro aniversário da criança, temos antes de tudo, as pessoas presentes que valorizam o fato, a vida da criança; depois, a sala, a mesa, o bolo, a velinha acesa, o canto de parabéns.

Mas fazer memória, celebrar é uma ação. Tudo preparado, a criança à mesa diante do bolo, os presentes cantam os parabéns, a criança apaga a velinha, pois ela é a luz que ilumina a todos, corta-se o bolo, partilha-se o bolo, símbolo de vida, de felicidade, de partilha, de solidariedade. É a festa da vida que veio à luz e perdura já um ano.

A intercomunhão solidária ou o mistério vivido: – O que realmente importa em toda a celebração é o invisível, o sentido que aparece por detrás da ação simbólica ou do ritual: a intercomunhão solidária, a comunhão de todos em solidariedade com a criança. Esta realidade contida e revelada através do rito simbólico da vida da criança podemos chamá-la de mistério.

Em toda celebração temos, portanto, o fato valorizado ou a páscoa-fato, e expressão significativa do fato valorizado, o rito, e a vivência do mistério ou a intercomunhão solidária.

3. A celebração cristã

Na celebração cristã ou na Liturgia, o fato valorizado ou a páscoa-fato é o mistério pascal de Cristo, centrado na sua Paixão, Morte e Ressurreição. Em outras palavras é a Obra da Salvação em Cristo Jesus, desde o mistério da Encarnação até o seu retorno glorioso.

A expressão significativa ou o rito são as diversas celebrações da Igreja que comemoram a Páscoa de Cristo e dos cristãos, o mistério pascal, como os sacramentos, no centro a Eucaristia, o Ano Litúrgico, a Liturgia das Horas, o Domingo, a festa pascal semanal.

A intercomunhão solidária ou o mistério é aquela comunhão de amor e de vida entre Deus e o homem, que acontece na ação comemorativa da Obra da Salvação de Cristo, que assim se torna atual e presente na vida da Igreja e da humanidade. É Cristo que continua a encarnar-se, a morrer e ressuscitar-nos que nele creem e o acolhem como Senhor e Salvador da humanidade. Eis a celebração cristã, eis a liturgia, à luz do conceito de celebração.

A liturgia, celebração da Páscoa

 

Já vimos que em toda celebração temos três elementos que a constituem: o fato valorizado ou páscoa, a expressão significativa do fato valorizado ou o rito, e a intercomunhão solidária ou a participação no mistério. Queremos agora aprofundar o que se celebra, isto é, a páscoa, a Páscoa de Cristo e a páscoa dos cristãos ou a páscoa dos cristãos na Páscoa de Cristo. Temos, portanto, a páscoa-fato e a páscoa vivida no rito.

A páscoa-fato no Antigo Testamento: Para compreendermos o que é a páscoa, é bom a gente recorrer à experiência religiosa do Povo de Israel no Antigo Testamento. A páscoa é o acontecimento central da história do povo de Israel. Temos uma páscoa-fato, o acontecimento histórico, e uma páscoa-rito, ou a celebração da páscoa através do rito, comemorando a Páscoa-fato.

O povo eleito viveu um acontecimento muito importante, ou seja, uma passagem, a páscoa que vem descrita no livro do Êxodo. Deus passa e o povo passa pela ação de Deus. Esta passagem do povo vai desde a libertação do Egito até a posse da Terra prometida, onde corre leite e mel.

O povo passa da escravidão para a liberdade, da morte para a vida, de não-povo, a povo da aliança. Esta passagem de Deus e do povo, pela ação de Deus, tem dois pontos altos, que podemos chamar de páscoa da libertação e páscoa da Aliança. Deus passa libertando o povo da escravidão do Egito, fazendo-o atravessar o mar Vermelho, guiando-o pelo deserto, fazendo-o atravessar o rio Jordão e tomar posse da terra prometida. O outro ponto alto da passagem de Deus é a Aliança aos pés do monte Sinai.

A páscoa-rito no Antigo Testamento:– Cada ano, cada semana e cada dia, o povo comemora esta passagem libertadora e de aliança e dela participa. Anualmente, pela ceia pascal, cada semana, através da celebração da Palavra nas sinagogas aos sábados, e cada dia, através do louvor vespertino e do louvor matutino, ação de graças pelos benefícios de Deus na história do povo, sobretudo pela páscoa da libertação e a páscoa da Aliança.

A Páscoa-fato no Novo Testamento: – Também no Novo Testamento temos uma páscoa-fato e uma páscoa-rito, a verdadeira Páscoa. A Páscoa-fato é Jesus Cristo que, pelo mistério da Encarnação, deixou o Pai e veio a este mundo e deixou este mundo voltando para o Pai. O ponto alto dessa passagem é sua morte, ressurreição e ascensão aos céus. Por esta passagem, Cristo realizou a Obra da Salvação e estabeleceu a nova e eterna Aliança. Libertou a humanidade do pecado e da morte e mereceu-nos nova vida. Esta obra da salvação é chamada de Mistério pascal.

A Páscoa-rito no Novo Testamento: – Cristo realizou esta Obra da Salvação uma vez para sempre. Mas, ele confiou esta Obra aos Apóstolos e à Igreja para que todos que nele cressem e o seguissem pudessem participar dessa Obra. Uma maneira de tornar a Obra da Salvação presente e dela participar é a comemoração deste fato pascal salvador e de glorificação de Deus através de ritos, ou das celebrações. São as celebrações da Igreja, sobretudo, os sacramentos, tendo como início o Batismo e centro, a Eucaristia. É a páscoa-rito, a salvação de Deus por Cristo e em Cristo vivida através dos ritos que chamamos de mistérios do culto.

Nestas comemorações da Páscoa de Cristo realiza-se aquela comunhão de vida no amor entre Deus e a humanidade que chamamos de mistério. Atualiza-se para nós por Cristo e em Cristo, a Obra da Salvação e da glorificação de Deus, os dois movimentos da ação litúrgica.

O mistério

 

O grande estudioso da Sagrada Liturgia Dom Odo Casel definiu a Liturgia como sendo o Mistério do Culto de Cristo e da Igreja. O Catecismo da Igreja Católica a apresenta como celebração do Mistério pascal. Liturgia tem, pois, a ver com mistério.

Mas, como entender o mistério? Para uma correta compreensão do que seja a Sagrada Liturgia é importante termos uma noção do que seja o mistério. Não se trata do mistério no sentido em que geral se compreende, como algo desconhecido, de secreto, que não pode ser compreendido, mas no sentido que a Bíblia, os Padres da Igreja e a Liturgia o entendem. Claro que em qualquer mistério também continua presente o aspecto do oculto.

Mistério vem do verbo grego myo, que significa estar fechado, estar cerrado ou cerrar-se, mas sempre alguma coisa que pode ser aberta, que é feita para ser aberta como, por exemplo, a porta, a janela. A palavra mistério conota sempre algo oculto, que pode ser revelado. Tem a ver também com culto, com rito, pois, o rito sempre oculta e revela algo ao mesmo tempo em relação à divindade, a Deus, a comunhão com Deus.

O mistério se realiza já no próprio Deus. Deus é mistério não só porque a razão humana não O pode compreender plenamente, mas também porque Deus é intercomunhão de vida e de amor trinitário. Deus é comunhão de vida e de amor.

Na compreensão da Liturgia a partir da Sagrada Escritura, sobretudo de São Paulo, mistério é o plano de Deus de fazer outros fora dele participar de sua vida, do seu amor, de sua felicidade e glória, plano este revelado e realizado em Jesus Cristo e em todos aqueles e aquelas que acolherem em Cristo este plano de Deus.

Enquanto este maravilhoso plano de Deus se realiza em Jesus Cristo, ele é chamado mistério de Cristo.

As diversas revelações e realizações deste Plano nas ações de Jesus Cristo, como ações salvadoras e de glorificação de Deus, são chamadas mistérios de Cristo. Os mistérios de Cristo são as diversas expressões da passagem, da páscoa de Cristo por este mundo, pelas quais ele realiza a obra da salvação, como a encarnação, o nascimento, o batismo no Jordão, a pregação, os milagres, a transfiguração, os passos da Paixão e Morte, a Sepultura, a Ressurreição e gloriosa Ascensão ao céu, o envio do Espírito Santo, na esperança da sua última vinda.

O mistério, para fora de Deus, se realiza, onde Deus e o ser humano se encontram, onde Deus e o ser humano convivem, onde Deus e o ser humano se tornam um na comunhão do amor.

O mistério realiza-se também onde as pessoas humanas se encontram no bem, onde os seres humanos praticam o bem um ao outro, doam-se um ao outro no amor. O amor conjugal, por exemplo. São Paulo diz que é grande este mistério, expressando a relação do amor entre Cristo e a Igreja.

Mas, o mistério realiza-se, acontece, sobretudo, através de ritos comemorativos dos mistérios de Cristo, através das diversas celebrações da Igreja, que constituem a Sagrada Liturgia. Pelo mistério do culto participamos dos mistérios de Cristo, ou seja, do mistério pascal. Realiza-se, sensível e sacramentalmente, a comunhão divino-humana, a exemplo da comunhão divino-humana em Cristo Jesus. Na Liturgia, Deus continua a encarnar-se.

O que é mistério pascal

 

Para se compreender o que seja a Liturgia é de suma importância saber o que significa mistério pascal.

Temos aqui dois termos que devemos aprofundar: mistério e páscoa. As duas palavras têm a ver com Jesus Cristo, pois se trata do mistério de Cristo e da Páscoa verdadeira que também é Jesus Cristo que saiu do Pai e veio a este mundo e novamente deixou o mundo e voltou para o Pai.

Entende-se por mistério algo fechado que pode ser aberto e é feito para ser aberto, como, por exemplo, a porta, a janela. É algo oculto que se revela, mas que, na ordem da criação, nunca se revela totalmente. É aquela realidade que está por trás de uma realidade sensível. Devemos superar a idéia de mistério como algo simplesmente oculto, como algo secreto, algo inatingível pela razão humana. Mistério é ação, é relação, é comunicação. Onde há uma relação de vida no amor aí se realiza o mistério.

Podemos dizer que Deus é mistério em si mesmo, enquanto Deus é intercomunhão de amor e de vida entre as pessoas da Trindade Santa. Mistério é também o plano de Deus de fazer outros seres fora dele participar de sua vida, do seu amor, da sua felicidade e de sua glória, plano este revelado e realizado no Filho Encarnado, Jesus Cristo e em todos aqueles que aderem a esse plano em Cristo. Enquanto este plano se revela e se realiza em Cristo Jesus, ele se chama mistério de Cristo. Onde se realiza a comunhão de vida e de amor entre Deus e os seres humanos realiza-se o mistério. O mistério se realiza onde Deus e o ser humano se encontram, onde convivem no amor, onde se realiza a comunhão divino-humana. Realiza-se também onde acontece a comunhão de amor dos seres humanos em Deus como, por exemplo no amor conjugal. São Paulo diz: É grande este mistério!

Mistérios de Cristo, no plural, são ações de Jesus Cristo, pelas quais se revela e se realiza o plano de Deus de salvação, de comunhão divino-humana como são a Encarnação, o Nascimento, o Batismo no rio Jordão e, particularmente, sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão aos Céus.

A partir desta compreensão de mistério, podemos agora compreender o mistério pascal. Eis o que diz o Concílio Vaticano II:

“Esta obra da Redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão. Por este mistério, Cristo ‘morrendo, destruiu a nossa morte e, ressuscitando, recuperou a nossa vida’. Pois do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja” (SC 5).

Cristo, morrendo, destruiu a nossa morte e, ressuscitando, recuperou a nossa vida. O Senhor Jesus, passando deste mundo para o Pai, isto é, pela sua Páscoa, vence o pecado e a morte não só para si, mas para toda a humanidade. Por sua Páscoa Ele recuperou a nossa vida. O mistério pascal compreende todos os mistérios de Cristo, mas particularmente, sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão ao céu.

Jesus confiou o mistério pascal aos Apóstolos e a toda a Igreja, que o realizam através do anúncio deste mistério, de sua celebração na Sagrada Liturgia e pelas ações da caridade, vivendo o novo Mandamento.

Por isso, o mistério pascal se encontra no centro da Liturgia e de toda a vida cristã.

Jesus Cristo, o centro da Sagrada Liturgia

 

A Liturgia é obra da Santíssima Trindade na celebração da Obra da Salvação realizada por Cristo comemorada pela Igreja. Assim, podemos dizer que o Centro da Liturgia é Jesus Cristo, seus mistérios, sintetizados no mistério pascal de sua morte e ressurreição.

Toda celebração litúrgica da Igreja, a celebração dos sacramentos ou outras celebrações dos mistérios de Cristo, sempre fazem memória de Jesus Cristo. Tudo deve, pois, convergir para Cristo e nada desviar deste Centro.

Quem representa ritualmente esse Centro, nas celebrações?

São pessoas ou coisas que representam Cristo, como diz o número a Sacrosanctum Concilium: “Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre presente em sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, ‘pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na Cruz’, quanto, sobretudo, sob as espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que batiza. Presente está pela sua Palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles’ (Mt 18,20)” (SC 7).

Cristo, que está presente e age pelo seu Espírito na Sagrada Liturgia, manifesta-se, portanto, de vários modos. 1. Nas sagradas espécies do pão, e do vinho com água. Daí, a sacralidade do momento da apresentação dos dons, da preparação do altar, da consagração e da Sagrada Comunhão. 2. No ministro. Mas, o ministro que, nos principais sacramentos é o sacerdote, está a serviço da Liturgia e da assembleia. Ele não pode e não deve ser o centro das atenções. Ele preside em nome de Cristo e representa Cristo. “Quando celebra a Eucaristia, ele deve servir a Deus e ao povo com dignidade e humildade, e, pelo seu modo de agir e proferir as palavras divinas, sugerir aos fiéis uma presença viva de Cristo” (IGMR, n. 93). Os fiéis não irão participar da Missa por causa deste daquele padre, mas por causa de Cristo. Portanto, nada de vedetismo ou de showman. 3. Está presente na Palavra. O leitor não é o centro, mas é Cristo que está falando. Ele está a serviço da Palavra de Deus. Que sublime ministério o de proclamar a Palavra de Deus na assembléia celebrante! 4. Na assembléia. A assembléia constitui o Corpo de Cristo, formado de muitos membros, mas formando um só corpo. Daí as ações comuns da assembleia na celebração, as posições comuns do corpo, os gestos e as palavras. Todos os demais ministérios também devem expressar a presença de Cristo que serve. Pensemos diáconos; depois, no salmista, nos acólitos, nos coletores, no comentarista, no grupo de cantores, no animador do canto, nos instrumentistas. Todos devem lembrar Cristo e servir a Cristo, servindo à assembléia. 5. O espaço celebrativo, a igreja. Nela existem, sobretudo, três centros, sinais da presença e da ação de Cristo, a serviço da assembleia, e nos quais se concentra a atenção da mesma. São eles o altar que é Cristo, o ambão, em que a Palavra é Cristo, e a cadeira do Presidente, que age em nome de Cristo. Temos, portanto, o Cristo presente no altar, na mesa da Palavra e cadeira de presidência. O centro de convergência de todo o espaço deverá ser, pois, o altar.

Tudo fala de Cristo, tudo deve transmitir um clima sagrado de nobre simplicidade. O altar é despojado, coberto de ao menos uma toalha de cor branca, a cor sacerdotal. Não pode ser um depósito de tudo quanto é bugiganga. Tudo estará centralizado em Cristo Jesus.

O símbolo

 

 

Aprofundando a compreensão da Sagrada Liturgia, vamos abordar a questão de sua expressão significativa ou do símbolo. Toda a Liturgia se move e se expressa através de uma linguagem simbólica.

O que é o símbolo? Em todo o relacionamento humano, o símbolo não é o que em geral se entende por símbolo: algo irreal, fantasioso, mero sinal para significar outra coisa.

A palavra símbolo vem do grego e significa lançar junto, juntar, unir, de duas coisas tornar uma só. Vejamos três exemplos para compreender o que é o símbolo.
Quando os comerciantes gregos realizavam um contrato de troca no mercado, para depois se reconhecerem, tomavam uma varinha e a quebravam em duas partes. Cada um levava consigo uma parte. Quando se reencontravam para fazer a troca do produto combinado, uniam os dois pedaços que se encaixavam perfeitamente um no outro. Esta ação de unir duas partes numa só, é o símbolo. Uma parte contém, oculta, revela e comunica a outra. A ação contém, oculta, revela e comunica, o contrato, a palavra dada.

Outro exemplo: a união conjugal. O homem é símbolo da mulher e a mulher, símbolo do homem. Já não são dois, mas uma só carne. Um contém, oculta, revela e comunica ao mesmo tempo o outro. O símbolo contém o que significa e não aponta simplesmente para outra coisa fora de si mesma. O símbolo é a mesma coisa em outro modo de ser, é a mesma realidade em outra maneira de ser. O símbolo é real.

O exemplo do bolo. Um dia escutei uma conversa entre duas jovens. A conversa foi longa. Resumindo, uma disse à outra: Sabe, a fulana de tal, minha amiga, me convidou para comer um bolo na casa dela. Ela tem aniversário, convidou os amigos. Mas, eu não vou não. É bobagem, é coisa de coroa. Além disso, se quiser comer bolo eu vou na confeitaria e como à vontade. A outra, porém, observou: Mas é festa, não é? E a conversa morreu por aí. Para a primeira, bolo é bolo e acabou. Bolo de confeitaria. Expressão da gula, matar a fome, sozinha. Para a outra, bolo não é bolo, mas é festa. E festa é encontro, acolhida, celebração da vida, apreço, expressão da amizade, em suma, é a intercomunhão solidária, o mistério da vida experimentada na partilha do bolo. O bolo, portanto, contém, oculta, revela e comunica, ao mesmo tempo, a festa, é o símbolo da festa.

Assim como o bolo contém, oculta, revela e comunica, ao mesmo tempo, a festa, o símbolo contém, oculta, revela e comunica o mistério. O símbolo é a linguagem do mistério, é a comunicação do mistério e com o mistério, a experiência do mistério.

Podemos definir, portanto, o símbolo de três modos: 1) O símbolo é a mesma realidade em outra forma, em outro modo de ser. 2) O símbolo é algo ou uma ação que contém, oculta, revela e comunica, ao mesmo tempo, o mistério. 3) O símbolo é a linguagem, a comunicação d mistério.

Assim, na Liturgia, o símbolo, o rito, composto por um conjunto de símbolos, é a expressão significativa do mistério. Pela ação litúrgica realiza-se a comunhão divino-humana, comemorando a comunhão divino-humana que se realizou na história pelo mistério da Encarnação do Filho de Deus, em Jesus Cristo. Em forma sensível, através de ritos simbólicos, participamos da Salvação em Cristo Jesus e com Ele, por Ele e Nele, a humanidade glorifica a Deus.

A linguagem simbólica da liturgia

 

Toda a Liturgia é simbólica, é sacramental. Claro que devemos compreender o símbolo no seu sentido real como a mesma realidade num outro modo de ser, elementos, objetos e ações que, ao mesmo tempo, contêm, ocultam, revelam e comunicam o mistério ou como a linguagem ou comunicação do mistério. Sendo o mistério a comunhão divino-humana, onde Deus e o ser humano se encontram no amor, ou os seres humanos vivem em comunhão de amor em Deus.

Assim em toda a Missa entramos em comunhão com o mistério, toda a Missa constitui oração, desde o sinal da cruz de abertura até o graças a Deus final. A própria palavra é símbolo e particularmente a Palavra de Deus na celebração. Ela evoca e torna presente o mistério celebrado; por ela a Igreja faz memória de Jesus Cristo. É oração.

Lembro, porém, que restringimos a linguagem simbólica por demais às palavras, o canto e as orações. Símbolos mais fortes do que a palavra dos cantos e orações são os gestos, as ações, os ritos. Um gesto ou ação pode constituir um rito simbólico como, por exemplo, o sinal da cruz, ou a bênção. Depois, temos os ritos formados por vários símbolos como os ritos de entrada, a Liturgia da Palavra, o liturgia eucarística e os ritos finais. Falamos também em ritos de apresentação dos dons, o rito da consagração, pela Oração eucarística, o rito de comunhão. Finalmente, podemos dizer que a Celebração Eucarística como um todo pode ser chamada Rito da Missa. Por isso, não tem sentido dizer: Celebrar com símbolos, pois toda a Missa é celebrada com símbolos.

O mistério é comemorado não só através de palavras. A comunhão com Deus na Liturgia, através da memória da Obra da Salvação de Cristo Jesus, se realiza através de todos os sentidos. A Assembleia celebra de corpo inteiro. A comunicação com Deus por Cristo e em Cristo se faz através do ouvido, da vista, do olfato, do paladar e do tato, abrangendo todas as faculdades da pessoa, a inteligência, a vontade e o sentimento. Rezamos com todos os sentidos.

Assim, o primeiro símbolo ou rito da Liturgia é encontrar-se, é formar assembleia celebrante. Convocados pela Palavra de Deus e a fé, ao reunir-se, a assembleia já está comemorando o mistério da Igreja, do Corpo de Cristo formado de muitos membros. A assembleia já constitui um símbolo, um rito comemorativo. Depois, temos a Palavra de Deus e da Igreja. Não podemos esquecer os elementos da natureza usados como linguagem simbólica na Liturgia. Temos objetos como símbolos na Liturgia. Importantes são os gestos, as ações, as posturas do corpo e os movimentos. Tudo se faz oração, tudo se torna comemoração dos mistérios de Cristo, realizando a comunhão com o mistério, comunhão com Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo. As vestes sagradas falam do Sagrado, de Deus e das coisas divinas. Igualmente, a arte do som, a música e o canto. Além disso, temos a arte da cor expressa na pintura, na escultura, na decoração do espaço e no próprio espaço celebrativo, a igreja como lugar de celebração dos mistérios. Inclui-se ainda o tempo como experiência pascal. Temos, então, o tempo da Liturgia que abarca todo o tempo, o passado, o presente e o futuro, e a Liturgia celebrada no tempo; no tempo da vida, os sacramentos, no ciclo do tempo solar, o Ano litúrgico, no ciclo do tempo com suas fases, formando as semanas, o Domingo, o Dia do Senhor ressuscitado e na experiência do tempo diário da noite e do dia, das trevas e da luz, onde temos sobretudo a Liturgia das Horas. A Eucaristia que celebra todo o mistério pode estar presente e ser expressão de todas as experiências do tempo.

O rito

 

Vamos considerar a natureza do rito e o sentido do rito na Sagrada Liturgia, pois toda a Liturgia é ritual, ou seja, é expressa e vivida através de ritos.

O rito é, por natureza, uma ação previamente ordenada e fixada, a ser repetida. A fixidez e a repetição são próprias da natureza do rito. O ser humano é um ser ritual, por ser mistério, que ultrapassa sua corporeidade. Por ser mistério é, por isso mesmo, simbólico em sua manifestação. Para penetrar no seu mistério ele usa de sinais sensíveis e significativos, uma linguagem simbólica, para expressar a realidade profunda que ultrapassa sua corporeidade. Pelo fato de ser simbólico é também um ser ritual.

Por isso, se não segue o rito em suas ações ele se perde. O profissional, por exemplo, segue sempre um rito em suas ações, como o médico na ação cirúrgica, o piloto de avião e assim por diante. Se todos os profissionais seguissem à risca os ritos de sua profissão se evitariam muitas falhas, inclusive, acidentes aéreos. O rito leva o ser humano a realizar as coisas uma depois da outra.

Jesus Cristo quis que a obra da salvação se atualizasse nos seus seguidores através de ritos que denominamos celebrações dos mistérios de Cristo. Assim, na ação da Igreja, os diversos ritos comemoram e tornam presente a Obra da Salvação e da glorificação de Deus por Cristo e em Cristo.

O rito na Liturgia tem várias compreensões. O rito pode significar qualquer ação simbólica de uma celebração, como o sinal da cruz, a genuflexão, o derramar água e assim por diante. O rito pode compreender um conjunto de ações ou palavras como, por exemplo, o rito de Entrada. Pode significar uma parte mais ampla de uma celebração como o rito de Abertura ou de Encerramento de uma celebração, a Liturgia da Palavra, a Liturgia eucarística. Pode ainda significar toda uma celebração. Por exemplo, o Rito do Batismo, o Rito da Celebração eucarística, o Rito do Matrimônio. Por fim, pode expressar o conjunto de ritos de uma Igreja ou de um conjunto de Igrejas de certas partes do mundo. Temos então as Igrejas de rito ocidental e as Igrejas de rito oriental, subdivididos em várias famílias.

Importa descobrirmos o sentido dos diversos ritos nas celebrações como linguagem simbólica dos mistérios celebrados. Eles constituem a linguagem do mistério. São sinais sensíveis e significativos dos mistérios celebrados. Tornam-se verdadeira oração, comunhão com Deus.

A mera execução de ritos leva ao ritualismo estéril, condenado com veemência por Cristo ou conduzirá à magia, como se o rito tivesse eficácia por si mesmo. Importa, pois, viver o que os ritos significam. Eles recebem sua força das palavras de Cristo: “Fazei isto em memória de mim”.

Toda a Liturgia da Igreja é ritual porque simbólica memorial. Este é o modo que Cristo deixou para viver o seu mistério. Devemos, pois, esforçar-nos por entrar no ritmo do rito. Ele deve ser conhecido por todos os que participam de uma celebração. Devemos deixar-nos cativar e acolher pelo rito. O rito por sua natureza não admite cortes bruscos, surpresas, interrupções ou improvisação. Todos os sentidos participam da vivência do rito: a vista, o ouvido, o olfato, o paladar, a palavra, o silêncio, o tato, a ação, o movimento. Devemos deixar-nos envolver pelo rito para que se transforme em oração, em comunhão com Deus. A maior criatividade consiste em deixar-nos acolher e recriar sempre de novo pelo rito da celebração do mistério.

Celebrar com símbolos?

 

Não poucas vezes, ouvimos dizer nas Equipes de Liturgia: “Nós aqui celebrarmos com símbolos”. Quando se usam estes termos pensa-se em símbolos que acompanham os dons no rito da preparação do altar. Cuidado! Sempre celebramos com símbolos. Toda a Liturgia faz uso de uma linguagem simbólica: Gestos, ações, movimentos, silêncio e, até, as palavras.

Os grandes símbolos da Eucaristia como Sacrifício de ação de graças e Ceia do Senhor são o pão e o vinho com água. Só tem sentido fazer acompanhar ou preceder estes símbolos por outros, se eles realmente ajudarem a compreender e a vivenciar os grandes e essenciais símbolos da Eucaristia. Em geral, tais símbolos acrescentados mais distraem do que ajudam a vivenciar o sentido místico da apresentação das oferendas. Quando bem compreendidos através de uma catequese litúrgica eficiente, não há necessidade de ilustrá-los com símbolos sobrepostos. Poderão ajudar em algumas circunstâncias, mas tais “símbolos” não podem torna-se quase necessários e automáticos em toda celebração. Eles não pertencem ao rito da preparação da Mesa do Senhor, não pertencem à matéria do Sacrifício de ação de graças.

Precisamos compreender o que simbolizam o pão e vinho no rito da apresentação dos dons, chamado também apresentação das oferendas ou procissão dos dons ou das oferendas.

O pão e vinho constituem os elementos essenciais do banquete ou da refeição fraterna. Significam o alimento sólido e o alimento líquido. Na Ceia do Senhor, Banquete pascal, o pão e o vinho expressam um tríplice nível de significado ou de simbolismo.

1. O pão e o vinho significam o que o ser humano é: sua vida como dom de Deus, enfim, o mundo e todo o universo como dom de Deus. Ninguém vive sem comer e beber.

2. O pão e o vinho significam, simbolizam o que o ser humano faz. Ninguém vai colher pão na roça; ninguém vai buscar vinho no rio ou na fonte. Isso quer dizer que o pão para chegar a ser pão, e o vinho para chegar a ser vinho, passam por todo um processo humano. O trabalho, a criação, o sofrimento. Significam o ser humano participante da obra da criação.

3. Na última Ceia Jesus Cristo deu um novo significado ao pão e ao vinho. Ele relacionou o pão com o seu Corpo dado para a vida do mundo e o vinho, com o seu Sangue derramado para a remissão dos pecados. Através da entrega de sua vida por amor Jesus restaurou o sentido da vida e do amor do ser humano. Aquilo que o homem é e aquilo que ele faz por Cristo e em Cristo, na atitude de Cristo, readquire a dimensão do amor e da vida.

Quando os fiéis levam o pão e o vinho para o altar, que é Cristo, a assembléia une a Cristo tudo aquilo que o pão e o vinho significam naquele momento: a vida como dom de Deus, os trabalhos, as realizações, o amor a Deus, ao próximo e a todo o criado, suas dores e sofrimentos. Tudo isso na atitude de Jesus Cristo no Sacrifício da cruz, na sua entrega ao Pai e ao mundo para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Deste significado dos dons brota a grande ação de graças, a Oração eucarística. A apresentação dos dons é, pois, oração.

Por isso, convém que esta procissão de apresentação dos dons se faça em silêncio e não seja perturbada ou distraída por uma série de outros elementos, que em vez de ajudar dificultam este momento da apresentação dos dons e a preparação da Mesa do Senhor.

Estas três dimensões dos símbolos do Sacrifício e da Ceia do Senhor são belamente expressos nas palavras que o sacerdote profere ao apresentar os dons ao altar:

“Bendito sejais, Senhor Deus do universo pela pão (pelo vinho) que recebemos de vossa bondade, fruto da terra (da videira) e do trabalho humano que agora vos apresentamos e para nós se vai tornar pão da vida (vinho da salvação)”. Convém que a assembléia aclame.

Da casa da Igreja para a igreja como casa

 

Nos primeiros séculos do cristianismo, as Comunidades de fé se reuniam pelas casas. Muitas vezes eram nobres ou pessoas abastadas que colocavam suas casas a serviço da Comunidade de fé. Estas Comunidades cristãs eram chamadas de Igreja, isto é, ecclésia ou ecclesía. O lugar, onde os fiéis se reuniam, era chamada domus Ecclesiae, isto é, a casa da Igreja, comunidade convocada por Deus. Lá eles se reuniam para a oração e, sobretudo, para a Fração do Pão, ou seja, para a Celebração da Eucaristia. Mais tarde, a casa onde os cristãos reuniam, começou a ser chamada de igreja.

A igreja-edifício tem suas origens na compreensão do templo. Templo é a morada de Deus entre os homens. Era o espaço separado do profano, reservado para a divindade. Este conceito também se encontra na prática religiosa do Povo de Israel. O Templo de Jerusalém era a morada de Deus no meio do seu povo. Por isso, um santuário.

Muito cedo os cristãos rejeitaram o culto a Deus no Templo. Compreenderam que o verdadeiro templo de Deus era Jesus Cristo. No mistério da Encarnação Deus armou a sua tenda entre os homens. Jesus mesmo ensina que o verdadeiro templo é o seu Corpo: Podeis destruir este templo e em três dias o hei de reconstruir”. Os discípulos compreenderam que ele falava do seu corpo, que dentro de três dias haveria de ressuscitar (cf. Jo 2,19-22).

Também o cristão como morada de Deus, morada do Espírito Santo, constitui um santuário, templo ou morada de Deus. São Paulo afirma: “Não sabeis que sois templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós. Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós” (1Cor 3,16-17). O Corpo místico de Cristo, a Igreja, é verdadeiro templo de Deus. São Paulo diz ainda: Vós sois o edifício de Deus, a construção de Deus (cf. 1Cor, 3,9). São Pedro tem uma afirmação semelhante: “E vós também, como pedras vivas, tornai-vos um edifício espiritual e um sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, aceitos por Deus através de Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Cada cristão e a comunidade cristã como um todo é, pois, templo de Deus, casa de Deus.

A partir de Jesus Cristo, a igreja como edifício é o lugar do encontro da Igreja, construção formada pelos membros do Corpo de Cristo. Os elementos arquitetônicos da igreja-edifício hão de constituir um conjunto harmonioso, assim como os diferentes membros da Igreja formam o único Corpo de Cristo. No espaço celebrativo da Igreja, tudo deve falar do Corpo da Igreja, do sagrado, do santo. Todo o espaço da igreja, sua forma, sua organização, sua decoração e ornamentação, tudo ajuda a celebrar. A beleza do conjunto é linguagem dos mistérios celebrados, tendo no centro o Mistério pascal. O espaço é sagrado porque revela e é linguagem comemorativa da Obra da Salvação em Cristo Jesus. Tudo deve ser belo e asseado e exalar agradável perfume.

O altar, que “é Cristo”, será o centro de todo o espaço sagrado. A mesa da Palavra será artística. A cadeira do Presidente será centro de unidade de toda a assembléia, em torno do Cristo sacerdote no altar e no ambão. A cruz junto ao altar, de preferência, a cruz processional, recorda aos fiéis que na Liturgia a Igreja celebra sempre o mistério da Salvação da Cruz e Ressurreição do Senhor.

Nada de sobreposição de elementos, de imagens multiplicadas; nada de cartazes obscurecendo a arquitetura do espaço, o altar, o ambão, as paredes frontais ou laterais da igreja. Tudo, formando um harmonioso conjunto. Então também o espaço sagrado fará parte do rito celebrativo, será símbolo do mistério pascal celebrado na Liturgia.

A linguagem corporal na liturgia

 

A Sagrada Liturgia é ação da Igreja, fazendo memória da ação ou da obra da salvação, realizada por Cristo. Deus tomou corpo em seu Filho e deseja que a humanidade toda se torne corpo de Deus. A festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo é chamada também “Corpo de Deus”. Em Cristo, Deus assumiu corpo humano. E é através do corpo que o ser humano pode comunicar-se com Deus, com o próximo e com todo o criado.

Este fato nos leva a refletir sobre a corporeidade na Liturgia. Como já vimos num artigo anterior, na Liturgia o ser humano age e se comunica através de suas faculdades, a inteligência, a vontade e o sentimento, e por todos os seus sentidos, isto é, o ouvido, a vista, o olfato, o paladar e o tato. O ser humano age e se comunica de corpo inteiro.

O ouvido: Talvez seja o sentido mais fundamental. A fé vem pelo ouvido. Através do ouvido tomamos conhecimento dos mistérios que são celebrados. Pomo-nos à escuta, abrimo-nos para o plano de Deus da criação e da salvação. Ouvir tem a ver com obedecer. Ouvir é obedecer. Ouvindo a Palavra de Deus na Liturgia, obedecemos, damos uma resposta positiva a Deus. Pensemos na Missa. Somos todo-ouvido: o diálogo com o sacerdote, a escuta da Palavra de Deus, fazendo nossas as orações proferidas pelo sacerdote, ouvindo. Ouvimos o canto com sua mensagem, sobretudo, um canto a mais vozes. Rezamos pelo ouvido.

A vista: Somos chamados a contemplar a face de Deus. Na Liturgia acompanhamos o drama sagrado que se desdobra diante de nós. Temos a arte da cor. A pintura, a escultura, a arquitetura, o espaço sagrado. Acompanhamos as ações do sacerdote, seus gestos, suas ações, suas posturas corporais. Pela vista acompanhamos as ações dos ministros, os movimentos das procissões de entrada, do Evangeliário, da apresentação dos dons, da Comunhão. Rezamos, entramos em comunhão com Deus através da vista.

O olfato: Demos como exemplo o incenso que não foi abolido. Pensemos também no óleo perfumado do Santo Crisma. O espaço celebrativo deveria transmitir um suave odor. Que possamos ser como Maria Madalena, que perfumou os pés de Cristo com precioso perfume. Somos chamados a perfumar o corpo de Cristo através dos gestos de amor. E que nossa oração seja como incenso perfumado que se eleva a Deus. Rezamos até pelo nariz.

O paladar: Este sentido está menos presente na Liturgia. Mas, encontra-se no coração da Liturgia, na Eucaristia. O Concílio manda os cristãos comerem a Ceia do Senhor, degustar Deus. Diz São Francisco nos Louvores ao Deus Altíssimo: “Vós sois toda a doçura”. Somos convidados a comer o Corpo do Senhor e a beber o seu Sangue. É o mais profundo ato de adoração, a mais intensa oração, a mais plena comunhão com Deus.

O tato: Outra forma de Deus se comunicar com o ser humano é o tato. Deus toca a humanidade, santificando-a. Toca a humanidade, assumindo-a pela encarnação do seu Filho Jesus Cristo. Toca a humanidade dando-se como comida e bebida. É muito ilustrativa a linguagem do toque na Liturgia do batismo. O primeiro toque acontece no rito de acolhida pela a assinalação com o sinal da cruz na fronte. Depois, temos a unção no peito, para que o batizando tenha a força do Espírito a fim de renunciar ao mal e professar a fé. O toque por excelência é o toque da água fecundada pelo Espírito Santo.

Finalmente, temos os ritos explicativos: a unção do vértice da cabeça, a veste branca, a vela acesa e o toque nos ouvidos e na boca para que o batizado possa ouvir logo a Palavra de Deus e confessá-la por sua vida. No matrimônio, sacramento do amor, fonte de vida, a linguagem sacramental é, sobretudo, a linguagem corporal do toque, banhada pelo gozo da sexualidade.  Tudo o que é humano é valorizado na Liturgia, tudo é divinizado; tudo pode transformar-se em oração.

O Toque divino

 

Na reflexão sobre a celebração da Palavra de Deus, dissemos que Deus nos toca através de sua Palavra. Nesta reflexão queremos aprofundar a questão da linguagem do toque na Sagrada Liturgia em geral.

Trata-se de um toque divino. Deus toca a humanidade em Jesus Cristo. Primeiramente, no mistério da Encarnação. Deus Filho assume a natureza humana. Depois, ele toca as águas do rio Jordão. Vários Padres da Igreja consideram que, tocando as águas, Jesus, o Filho de Deus, santificou todas as águas. Eles compreendem que, pelo mistério da Encarnação, Jesus veio santificar e, de certa maneira, divinizar toda a realidade criada. Deixando-se tocar pelas águas, Jesus deixou lavar em si todos os pecados do mundo. Ele assume a humanidade pecadora. Na Sexta-feira Santa, Jesus toca a natureza humana mortal destruindo a morte e tornando a natureza humana imortal por sua ressurreição.

Jesus usa o toque em sua ação messiânica, curando os enfermos, perdoando os pecados e ressuscitando os mortos. Todos queriam tocá-lo, ao menos nas suas vestes para que fossem curados. E Jesus, ao ser tocado, sentia sair dele uma força (cf. Mc 5,28-34). Jesus toca as crianças, abraçando-as, abençoando-as impondo as mãos sobre elas (cf. Mc 10,13-16).

Também na vida da Igreja, Deus quer tocar a humanidade através dos sacramentos da salvação, através de sinais sensíveis e significativos dos toques salvadores de Jesus Cristo. Valeria a pena analisar os sacramentos nesta perspectiva da linguagem do toque. No batismo se vê isso de maneira muito forte. O primeiro toque de bênção e salvação é a marca do sinal da cruz na fronte. Em seguida, a unção do peito da criança com o óleo dos catecúmenos. A própria Palavra de Deus constitui um modo de Deus tocar as pessoas. No rito sacramental, temos o grande toque do mergulho na água. Finalmente, temos os ritos que desdobram este rito essencial do toque divino pelas águas do batismo: a unção com o óleo do Crisma no alto da cabeça; a vela acesa nas mãos dos pais; a veste batismal com a qual a criança é revestida e o éfeta, tocando os ouvidos e a boca para abri-los à escuta da Palavra de Deus e à profissão de fé para a glória de Deus Pai.

Em todos os sacramentos temos, de alguma maneira, o toque, mesmo que seja pela imposição das mãos ou pelas unções. Na Eucaristia o Senhor não se deixa tocar apenas, mas deixa-se comer. Ele nos recebe e nos transforma nele, divinizando-nos. Na Eucaristia, Jesus toca e tocando assume o pão e o vinho, transformando-os no seu Corpo e no seu Sangue. A linguagem do toque ou a comunicação pelo toque tem lugar especial no sacramento do Matrimônio. A linguagem do amor conjugal, fonte de vida, não são propriamente as palavras, mas é a linguagem do toque, a linguagem do corpo, onde os dois corpos se tocam e se tornam uma só carne, fonte de vida. A realidade terrestre do amor humano entre um homem e uma mulher torna-se, no mistério do amor de Cristo, amor fiel, amor de aliança, linguagem de glorificação do Deus amor e do amor de Deus à humanidade.

Devemos convencer-nos de que, na Liturgia, a comunicação pela palavra não é a única nem a mais importante. A linguagem litúrgica vai muito além. Trata-se de uma comunicação com Deus através de todos os sentidos. Ela consiste numa linguagem que atinge os sentidos, causando emoções. A linguagem falada pode tornar-se por demais racional, nocional. A linguagem litúrgica é, antes de tudo, ação que passa por todos os sentidos e, particularmente, pelo tato. Ela passa pelo corpo todo, levando mais à emoção do que ao intelecto.

Deixemo-nos tocar por Deus, procuremos tocar as chagas gloriosas do Cristo ressuscitado, a exemplo de Tomé na manhã da ressurreição. Este toque divino nos diviniza.

Mãos que falam com Deus

 

Em geral as pessoas não sabem o que fazer com as mãos durante as celebrações litúrgicas. Andam balançando os braços, aproximam-se da Comunhão com as mãos nos bolsos. Desde criança, ao ensinar o filho a rezar, a mãe lhe junta as mãos.

A linguagem das mãos é muito forte. Em línguas semíticas a palavra para designar a mão significa também poder. Para agir, a mão é o meio mais importante do ser humano. Ele pode usar as mãos para fazer o mal ou para fazer o bem, para abençoar, para partilhar. Daí a expressão: ter mãos abertas. Com o sentido de ação generosa, as mãos aparecem frequentemente nas Escrituras: “Tu lhes dás e eles o recolhem, abres tua mão e se saciam de bens” (Sl 103,28). Estar nas mãos de alguém significa estar à sua disposição, sob o seu poder (cf. Gn 16,16). Significa também proteção de Deus. Na hora da morte, Jesus exclama: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Os Padres da Igreja interpretam a mão de Deus como o Verbo encarnado que, “por sua própria mão, tudo fez existir”.

Entre todos os povos e culturas se expressa o sagrado, a relação com a divindade, através da linguagem das mãos. As mãos falam, falam de Deus e com Deus.

Em relação à linguagem das mãos podemos distinguir ações, gestos e posturas.

Ações: – Ação de traçar o sinal da cruz sobre si mesmo, sobre objetos e pessoas; impor as mãos como invocação do Espírito Santo e bênção; dar as mãos, gesto de acolhida como no matrimônio; dar a mão como saudação; receber dons e objetos diversos. Acender fogo ou velas. Temos ainda a ação de tocar, de partir, de lavar as mãos, de ungir.

Gestos: Fazer o sinal da cruz da testa ao peito e do ombro esquerdo ao direito, enquanto a outra mão repousa sobre o peito. Temos a persignação no início da proclamação do Evangelho. Traça-se o sinal da cruz sobre a fronte, sobre os lábios e sobre o peito, enquanto a outra mão repousa sobre o peito. O sentido é claro. Na fronte: – que o Evangelho seja entendido; sobre os lábios: – que o Evangelho seja testemunhado; sobre o peito: – que o Evangelho seja vivido. Erguer as mãos, sinal de louvor, de oferta e de súplica. A mão estendida como na concelebração.

Posturas: Mãos juntas, unidas pelas palmas, constituem símbolo da oração, da relação e comunhão com Deus. Temos vários modos de juntar as mãos. As mãos juntas, uma palma da mão unida à outra. Esta forma é usada sempre que o sacerdote presidente, o diácono ou os acólitos se deslocam de um lugar para outro. Também é usada quando, de pé junto ao altar, ao ambão e à cadeira, o sacerdote não está em ação. Isso vale também para o diácono e os acólitos. Mãos juntas com os dedos entrelaçados: é a posição das mãos na oração particular e quando se está de joelhos. Mãos juntas, uma acolhendo a outra em forma de concha: É uma forma válida para os fiéis em geral, quando se movimentam na igreja ou se aproximam da Sagrada Comunhão e quando os leitores se aproximam do ambão.

Ao altar, quando uma das mãos estiver ocupada em fazer algo como virar a página, descobrir ou cobrir o cálice, a outra repousa espalmada sobre o altar. Quando traça o sinal da cruz sobre algo depositado sobre o altar, a outra mão também repousa com a palma da mão sobre o altar. Quando traça o sinal da cruz sobre si mesmo ou o povo, a mão esquerda repousa sobre o peito. Finalmente, quando saúda o altar com um beijo, apoia as duas mãos sobre o altar, como que num abraço ao Cristo, pois o altar é Cristo. Faz a mesma coisa quando junto ao altar faz genuflexão. Tudo isso expressa a harmonia e a beleza do rito feito oração.

Não se prevê o gesto de dar as mãos durante o Pai nosso. Palmas não existem no Rito Romano. A salva de palmas, contanto que não se torne um rito permanente, pode, ocasionalmente, ser significativa. A assembleia reunida reza também através das mãos.

Sinais da reverência na Liturgia

 

Na Liturgia e, particularmente, na Missa, ocorrem vários sinais ou gestos de reverência, que estão bem especificados e explicados na Instrução Geral sobre o Missal Romano (n. 274-275). Trata-se de genuflexão e de inclinações. Estamos diante de uma linguagem corporal.

Genuflexão: – A genuflexão se faz dobrando o joelho direito até o chão. É sinal de adoração. Por isso se reserva ao Santíssimo Sacramento e à Cruz, desde a solene adoração na Ação litúrgica da Sexta-feira da Paixão do Senhor até o início da Vigília pascal. O estar de joelhos é sinal de humildade, de respeito e reverência, mas não propriamente de adoração. A tradicional genuflexão dupla diante do Santíssimo exposto não mais existe, pois foi abolida conforme o Ritual da Sagrada Comunhão e o Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa, Introdução, n. 84, onde se diz: “Diante do Santíssimo Sacramento, faz-se genuflexão simples, quer esteja no tabernáculo quer exposto para a adoração pública”.

Na Missa o sacerdote celebrante faz três genuflexões, a saber: depois da apresentação da hóstia, após a apresentação do cálice e antes da Comunhão (cf. IGMR, n. 274). Caso o tabernáculo esteja no âmbito do presbitério, o sacerdote e os ministros que não têm nada na mão, fazem genuflexão ao chegarem diante do altar e ao o deixarem no fim da celebração. Os que trazem algo na mão, fazem inclinação da cabeça, menos o que leva o Evangeliário. Ele não faz nenhuma reverência, pois leva o Evangeliário diretamente e o coloca bem no meio do altar. Faz genuflexão quem passar diante do altar após a consagração. Fora disso, quem passa diante do altar faz inclinação profunda ou inclinação do corpo (cf. IGMR, n. 274).

Inclinação: – Pela inclinação se manifesta a reverência e a honra que se atribuem às próprias pessoas ou aos seus símbolos. Há duas espécies de inclinação, ou seja, de cabeça e de corpo. Faz-se inclinação de cabeça quando se nomeiam juntas as três Pessoas Divinas, ao nome de Jesus, da Virgem Maria e do santo em cuja honra se celebra a Missa. Portanto, não há inclinações como estão se generalizando, dos leitores ou outros acólitos ao livro, ao altar ou ao sacerdote presidente. O leitor que convém já esteja no lado do ambão na igreja, vai direto ao ambão, faz a leitura e volta ao seu lugar. Nada de ficar fazendo inclinações de cá pra lá. Se estiver do outro lado, o que não convém, quando passa diante do altar ele faz inclinação profunda ao altar. Durante a celebração, a presença sacramental de Cristo no tabernáculo é ignorada, para se realçar bem a presença de Cristo na própria celebração: na assembleia, no sacerdote presidente, na Palavra de Deus proclamada e nas espécies eucarísticas.

Inclinação de corpo, ou inclinação profunda, se faz: ao altar; às orações Ó Deus todo-poderoso, purificai-me, proferida antes de o sacerdote proclamar o Evangelho; De coração contrito, antes de o sacerdote lavar as mãos no rito da apresentação dos dons; no símbolo, às palavras E se encarnou; no Cânon Romano, às palavras Nós vos suplicamos. O diácono faz a mesma inclinação quando pede a bênção antes de proclamar o Evangelho. Além disso, o sacerdote inclina-se um pouco quando, na consagração, profere as palavras do Senhor (cf. IGMR, n. 275b). Antes e depois da turificação faz-se inclinação profunda à pessoa ou à coisa que é incensada, com exceção do altar e das oferendas para o sacrifício da Missa (cf. IGMR, n. 277).

As posturas do corpo bem como os sinais de reverência como a genuflexão e as inclinações adquirem caráter de oração, em linguagem corporal, comunicação com o sagrado, com Deus, por Cristo e em Cristo. Esta linguagem é tão ou mais intensa do que a linguagem das palavras.

Elementos da natureza como símbolos na Liturgia

 

A linguagem usada pela Liturgia para evocar os mistérios de Cristo e atualizá-los aqui e agora na comunidade cristã vai além das palavras. Nela entram todos os sentidos e ela passa por todos os elementos da natureza. Na Sagrada Liturgia, a Igreja lança mão de elementos da natureza como símbolos ou sinais sensíveis e significativos dos mistérios celebrados.

Quanto mais os símbolos estão ligados à vida, mais fortes e significativos eles serão. Assim, o ser humano comunica-se com Deus através aquilo que ele é, de maneira encarnada, enquanto nele se encontram os elementos da natureza, como a terra, a água, o ar e o fogo. Os símbolos falam por si. Podemos apenas explicitar, desdobrar, introduzir no seu limiar para que a pessoa possa entrar no interior do templo e experimentar seu mistério.

Entre os elementos da natureza usados na Liturgia queremos citar alguns:

1. Luz e trevas: – Nunca podemos dizer plenamente o que significa a luz em oposição às trevas. Quando alguém nasce, dizemos que veio à luz. A mãe dá à luz o filho. Morre alguém, dizemos que fechou os olhos. Sem luz não existe vida. A luz do sol dá vida a todas as cosias; por ela tudo recebe forma, colorido e beleza. O sol ilumina e aquece. Pelo fato de a luz estar tão intimamente ligada à vida a ponto de podermos dizer que é vida, o símbolo da luz torna-se tão frequente em nosso linguajar para designar as realidades mais profundas que desejamos expressar de alguma forma. Cristo apresenta-se como luz do mundo e seus discípulos são chamados a também serem luz a iluminar as trevas. A luz simboliza o próprio Deus. Fiquemos, pois, bem atentos ao uso frequente da luz na Liturgia.

2. A água: – A água é um símbolo muito significativo e forte. Ocorre no Batismo e na Eucaristia. Refletindo sobre o sentido da água, veremos que ela está em íntima relação com a vida do ser humano. Serve para purificar, para embelezar, para tomar banho, para refrescar, para reanimar. A água é força dinâmica; água demais pode destruir. A água serve para matar a sede. Sem água não haveria nenhuma espécie de vida sobre a terra. É essencial para a vida do ser humano. Podemos dizer, então, que água é vida. Eis que estamos diante do simbolismo da água. A partir desta compreensão da água podemos entender melhor o sentido do Batismo e principalmente da oração da bênção da água batismal. Observemos como a água está presente na celebração dos mistérios sagrados, sobretudo como recordação e renovação do batismo.

3. O óleo: – O óleo é usado com frequência na Liturgia. Duas vezes no Batismo, na Confirmação, na Unção dos Enfermos, na Ordenação episcopal, na Ordenação presbiteral, bem como na dedicação de igrejas e altares. O óleo na Liturgia está intimamente relacionado com a ação do Espírito Santo. O tema merece uma abordagem mais ampla.

4. O pão e o vinho: – Como o óleo, o pão e o vinho são frutos da terra e do trabalho do homem. Pão e vinho constituem um dos símbolos mais eloquentes na Liturgia cristã. No plano da graça querem expressar o que significam no plano natural: vida, partilha, confraternização. Também o pão e o vinho merecem uma abordagem mais rica.

5. A cinza e o incenso: – Lembramos ainda a cinza e o incenso como elementos da natureza usados na Liturgia. Ambos estão ligados ao fogo, símbolo do próprio Deus. O fogo desperta o bom odor do incenso. A incensação exprime a presença de Deus na nuvem, a oração que sobe aos céus e a reverência à presença de Deus na assembleia reunida, na cruz, no altar, no sacerdote presidente e na Palavra de Deus. O fogo, por outro lado, é capaz de transformar os elementos da natureza em cinzas. Deus é o Senhor da natureza, capaz também de fazer brotar a vida das cinzas, da morte, contanto que o ser humano reconheça sua condição de mortal.

Não pergunte se pode ou não pode, mas que sentido tem

 

Quando qualquer grupo realiza uma ação comunitária, como uma festa ou um jogo, ele segue um roteiro para se compreender em sua comunicação. Assim, não há jogo sem as regras do jogo. Estas normas ou regras devem ser conhecidas e seguidas por todos os participantes. Caso contrário, em vez de comunhão só sairá confusão. As regras do jogo sustentam o jogo, são a comunicação do jogo. O que importa mesmo é o jogo, é a festa.

Assim também na Sagrada Liturgia. Ela é sempre uma ação comunitária da Igreja, comemorando o mistério pascal ou os diversos mistérios de Cristo. As normas ou os ritos constituem como que as regras do jogo, para que aconteça o jogo.

A Liturgia se expressa através de sinais sensíveis e significativos da obra da salvação e de glorificação de Deus de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Estes sinais que chamamos também de símbolos são os diversos ritos, constituídos não só de palavras, mas de ações que comemoram e tornam presentes a Páscoa de Cristo e dos cristãos, ou celebram as páscoas dos cristãos na Páscoa de Cristo.

Os ritos, as normas constituem a linguagem dos mistérios celebrados, levam os fiéis entrarem em comunhão com o mistério, a se tornarem um com Deus, por Cristo, na força do Espírito Santo.

Assim existem na Liturgia dois aspectos a serem observados. “A Liturgia, como ensina o Concílio Vaticano II, consta de uma parte imutável, divinamente instituída, e de partes suscetíveis de mudança. Estas, com o correr dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se nelas se introduzir algo que não corresponda bem à natureza íntima da própria liturgia, ou se estas partes se tornarem menos aptas. Com esta reforma, porém, o texto e os ritos devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristão possa compreendê-las facilmente, na medida do possível, e também participar plena e ativamente da celebração comunitária” (SC 21).

Acontece freqüentemente em aulas, cursos ou encontros de formação litúrgica que os  participantes comecem a perguntar: Pode isso, pode aquilo? Costumo responder: “Não pergunte se pode ou não pode, mas que sentido tem tal norma ou tal rito, ou por que tal norma, tal rito”.

Nosso objetivo na série de artigos sobre questões de Liturgia é explicar o sentido das diversas expressões litúrgicas, procurando sempre seu sentido religioso, seu sentido de linguagem, de comunicação do mistério celebrado e captar e aprofundar o mistério revelado e comunicado por eles.

Assim os leitores serão levados a compreender melhor o que seja a Sagrada Liturgia, a entender o sentido teológico e espiritual das “sagradas cerimônias” da Igreja. A Liturgia será acolhida e vivida como cume e fonte de toda a vida cristã, como a primeira e necessária fonte, da qual os fiéis haurem o espírito verdadeiramente cristão (cf. SC 14).

Claro que a Liturgia precisa também de normas, de leis, que orientam e sustentam a ação comunitária, mas elas não são o elemento principal. Desta forma evitaremos uma compreensão por demais jurídica ou legalista da Liturgia da Igreja. Não se cairá num ritualismo estéril.

O que é “participação ativa” na Liturgia

 

Participar significa tomar parte, possuir parte de algo. Ter parte na Liturgia significa, então, participar da Obra da salvação e da glorificação de Deus por Cristo, com Cristo e em Cristo. É mergulhar na comunhão divino-humana do mistério atualizado na Liturgia.

Depois do Concílio Vaticano II se fala muito de participação ativa na Liturgia. Este enfoque perpassa toda Constituição Sacrosanctum Concilium. Infelizmente, esta participação ativa ainda não está sendo bem compreendida nem pelos bispos e padres nem pelos fiéis em geral.

O objetivo da participação, conforme o Vaticano II, é que seja frutuosa ou eficaz. Ela consiste em viver os mistérios celebrados na Liturgia e na vida. Então, para que a Liturgia seja eficaz ou frutuosa, produza frutos de conversão, de graça, de vida em Cristo, ela deverá ser consciente, ativa e plena. O que significa isso?

Participação consciente: Saber o que se celebra, ou seja, que se celebra Jesus Cristo, a obra da salvação. Trata-se aqui não só da Missa, mas de toda a Liturgia, os sacramentos e outras celebrações como o Ano litúrgico, a Liturgia das Horas, as Exéquias, as Celebrações de bênçãos. Não se pode celebrar o que não se conhece. Promover este conhecimento é função da catequese, da iniciação à vida cristã e da formação permanente. Só conhecendo, seguindo e amando Jesus Cristo, só quando Jesus Cristo é assumido como Senhor e Salvador é que podemos celebrar. Importa, pois, descobrir que é Jesus Cristo em nossa vida e deixar-se fascinar por ele. Isso não se alcança por decretos ou por imposição de obrigações.

Participação plena: – Aqui devemos distinguir dois aspectos. A participação é plena, quando participamos da celebração completa. Por exemplo, a Eucaristia: Ela é oferta de ação de graças, fazendo memória da obra da salvação em forma de ceia. Então, é preciso compreender o que seja ação de graças e, sendo Ceia do Senhor, é lógico que se participe da Sagrada Comunhão, que se coma a Ceia do Senhor. O outro sentido de participação plena significa que a participação será de corpo inteiro, com todas as faculdades e sentidos.

Participação ativa: – A expressão participação ativa, muito presente no Documento do Concílio sobre a Liturgia, não foi bem compreendida. Ativo foi restringido ao oral, à participação pela palavra. Assim, quanto mais se rezava e cantava juntos com a participação de toda a assembleia celebrante, se julgava que a participação era ativa. Esqueceu-se que as pessoas podem participar ativamente através de todas as suas faculdades, a inteligência, a vontade e o sentimento e através de todos os sentidos. Participa-se ativamente através do ouvido, da vista, do olfato, do paladar e do tato. E mesmo através do silêncio que também constitui uma linguagem eloquente. Em outras palavras, as pessoas vivem a Sagrada Liturgia, de corpo inteiro.

Cada forma de participação merecia um comentário. Aqui, apenas uma breve indicação. Temos a participação visual acompanhando, por exemplo, a procissão dos dons, acompanhando os gestos e ações do Presidente da assembléia. Na participação auditiva há espaço para o canto a mais vozes, para a escuta da Palavra de Deus em silêncio, o acompanhamento das orações presidenciais, fazendo-as suas. O olfato: o lugar do incenso, dos perfumes. O paladar: comer, beber, degustar. O tato: o abraço, o ósculo, dar as mãos, coroar, ungir, impor as mãos ser mergulhado na água.

Participação ativa inclui tudo isso. Trata-se de dar sentido aos ritos, de viver os ritos com todo o nosso ser e agir, de corpo inteiro. Rezamos, entrando em comunhão com Deus, através de todos os sentidos. Então, a participação se tornará plena e frutuosa.

O caráter dialogal da Sagrada Escritura

 

Igreja compreende a Liturgia como um sagrado comércio. O admirabile commercium!, exclama a Liturgia do Natal do Senhor. Traduzindo: “Admirável intercâmbio! O Criador da humanidade, assumindo corpo e alma, quis nascer de uma Virgem. Feito homem, nos doou sua própria divindade!” Várias vezes, é usada a expressão “a troca de dons entre o céu e a terra”. Este sagrado comércio entre o céu e a terra, entre Deus e o homem como no mistério da Encarnação continua a acontecer na Liturgia. Trata-se uma troca de serviços entre Deus e a humanidade através do serviço de salvação e de glorificação de Deus de Cristo Jesus.

O comércio caracteriza-se por um intercâmbio de bens. Temos sempre uma troca de dons, que supõe o diálogo entre duas partes. Este diálogo se dá entre Deus e o ser humano.

Acompanhemos o desenrolar da Celebração eucarística. Abre-se a celebração com o sinal da cruz em nome da Trindade Santa. Aqui se inicia o diálogo entre o Sacerdote e a assembleia, entre Deus e o homem, que reponde Amém. A saudação, invocando a bênção da Santíssima Trindade também pede uma resposta. Um belíssimo diálogo o temos na abertura da Oração eucarística. O final da Oração eucarística, por sua vez, síntese de toda a Prece, prepara a grande resposta de assentimento, o grande Amém: assim seja, assim é, eis a minha adesão ao que foi proclamado. Belíssimo exemplo de diálogo encontramos após a narração da instituição da Eucaristia. O sacerdote exclama: Mistério da fé!, e o povo anuncia o mistério pascal: Anunciamos, Senhor a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus. Temos ainda a oração pela paz, a saudação da paz, a apresentação do Pão e do Vinho consagrados e os ritos finais. O diálogo entre o sacerdote celebrante e a assembléia é expressão do diálogo entre as pessoas da Santíssima Trindade e entre Deus e a humanidade. As orações proferidas pelo Sacerdote presidente pedem sempre uma resposta ou aclamação do povo. O sacerdote representa o Cristo em diálogo com o Pai e a Comunidade reunida.

A assembleia entra em diálogo com Deus. Ouve, acolhe, responde e se deixa tocar pela ação santificadora de Deus. Na Liturgia da Palavra também se estabelece um diálogo entre Deus e a assembleia. Deus propõe, Deus fala, o povo ouve e responde numa resposta de admiração, de adesão, de pedido de perdão, de adoração, de ação de graças ou de pedido e de intercessão. Por isso, as leituras costumam iniciar com um vocativo Irmãos, e terminar com uma aclamação Palavra do Senhor ou Palavra da salvação, respondida pelo povo. Isso aparece de modo particular na leitura do Evangelho: Temos aí uma saudação no início e uma aclamação no final.

A proclamação ou o salmo responsorial também pede um intercâmbio entre o salmista e a assembleia. Os próprios cantos de entrada, de apresentação dos dons e da Comunhão têm em, sua origem, uma forma dialogada. Todos cantam a antífona e o cantor ou cantores proclamam as estrofes do salmo respectivo. A maioria dos cantos cantados juntos, ministros e povo, também tem caráter dialogal nem sempre observado. Por exemplo, o ato penitencial, quando tem como refrão o Senhor, tende piedade de nós. O canto do Senhor, tende piedade de nós. O gênero literário é de ladainha, pede que um solista ou um grupo de cantores faça a invocação e o povo todo responda: tende piedade de nós. O Cordeiro de Deus também tem forma de ladainha. O Glória e o Creiotambém podem ser cantados ou recitados alternando os lados por versículos ou estrofes. Um belíssimo exemplo de dialogo, o temos na Liturgia das Horas, sobretudo, na alternância dos salmos entre os dois lados do coro. Um lado anuncia e ou outro responde e vice-versa. Temos um diálogo divino-humano no diálogo da assembleia.

Além disso, a forma dialogada torna a celebração mais leve e mais viva. Mais ainda: a forma dialogada evita o perigo de rotina, ou de uma recitação maquinal dos textos.

 

Formar assembleia já é celebrar

 

O Povo de Deus é reunido para celebrar a Obra da Salvação e glorificar a Deus. A própria reunião da assembleia já faz parte da celebração. Quem reúne a assembleia é o próprio Deus através de sua Palavra. Deus convoca seu povo, reunindo-o em torno da Palavra e o povo, por sua vez, ouve a Palavra, acolhe-a no seu coração e responde a ela na própria Liturgia e na vida.

Quando os cristãos se reúnem em assembleia torna-se presente o próprio Cristo Jesus que veio reunir o povo disperso. Dito em outras palavras: Os que crêem em Cristo constituem a Igreja, o Corpo místico de Cristo, cabeça e membros. Forma-se a Igreja, o sacramento do Povo de Deus. A palavra Igreja vem de Ecclesia que, em grego, significa o chamado do alto. Igreja significa o Povo convocado e reunido por Deus.

A ação comunitária de reunir-se em assembleia celebra o Cristo que veio reunir a todos. São Paulo diz: “Deu-nos a conhecer o mistério de sua vontade, conforme o beneplácito que em Cristo se propôs, a fim de realizá-lo na plenitude dos tempos: unir sob uma cabeça todas as coisas em Cristo, tanto as que estão no céu com as que estão na terra” (Ef 1,9-10).

Lembrando o Cristo que veio congregar a todos na unidade, a assembleia torna presente o Cristo. Assembleia gera o Corpo de Cristo, Cabeça e membros. É sinal de toda a humanidade unida em Cristo Jesus. É a Palavra, o Verbo de Deus se tornando visível.

Esta assembleia congregada em Cristo, por sua vez, é sinal da comunhão plena de todos em Cristo no fim dos tempos. Eis a dimensão profética da assembleia cristã.

Reunir-se em assembleia constitui, portanto, um ato de culto ao Pai, por Cristo, na força do Espírito Santo. Tem caráter religioso, constitui uma oração. Oração, comunicação com Deus, não por palavras, mas pela ação, ouvindo a voz de Deus pela fé que convoca a todos para comemorar a obra da salvação e dela participar. Já faz parte do mistério celebrado pela assembleia. Ela constitui um sinal sensível e significativo da própria Igreja, em todas as suas dimensões: a de comunhão e participação, a missionária, a catequética, a celebrativa, a ecumênica e de diálogo religioso e a sócio-transformadora. Toda ela já é realidade e ao mesmo tempo profética ou prefigurativa da comunhão de todos em Cristo Jesus.

Esta comunhão de todos em Cristo e por Cristo é expressa logo na abertura da celebração feita em Nome da Santíssima Trindade e na saudação inicial que mergulha a assembleia no mistério da Trindade, pois, como diz o Vaticano II, “a Igreja toda aparece como ‘o povo de Deus reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (cf. LG 4): A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a Comunhão do Espírito Santo estejam convosco. Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo. Neste momento a assembleia está constituída.

Desta realidade da assembleia reunida na Trindade Santa, devemos tirar algumas conclusões. Primeiro, não se deve chegar tarde nos atos litúrgicos da Igreja. A assembleia está mergulhada no mistério da Trindade Santa. Quem chega tarde, desmergulha a assembleia do mistério. Torna-se um ruído que machuca o Corpo de Cristo. Torna-se um corpo estranho que distrai os que já se encontram em clima de devoção e oração. Claro que pode haver exceções, mas que, então a pessoa permaneça discretamente em lugar que não chame a atenção à sua presença, evitando perturbar a comunhão reinante. Segundo, é preciso acreditar e viver realmente como um ato celebrativo a ação de se dirigir para a igreja convocado pela fé, quem sabe pelos sinos. Enfim, não sendo a assembleia litúrgica um mero encontro social, importa que as pessoas se dirijam à igreja, em clima de fé, de silêncio, de compenetração, pois, vão tornar o Cristo presente e atuante pelo próprio fato de se constituírem em assembleia.

Procissões na Missa

 

As procissões devem ser colocadas na categoria dos movimentos como sinais ou símbolos litúrgicos. Toda criatura encontra-se em contínuo movimento, traçando um caminho no espaço e no tempo. Sendo o movimento expressão do ser humano, pode servir de sinal comemorativo na Liturgia.

Todo ser humano é um homo viator, um ser a caminho. O próprio Deus pôs-se a caminho, sendo ele mesmo o Caminho, no mistério da encarnação. Afirma Jesus: “Saí do Pai e vim ao mundo e, agora, deixo o mundo e volto para o Pai” (Jo 13,3). Esta realidade da vida como caminho, trilhando o Caminho que Jesus Cristo rumo à pátria definitiva, se expressa na Liturgia através das procissões.

Existem as procissões dentro do espaço de celebração, a igreja, e procissões com entrada na igreja ou no santuário. Nas procissões como nas peregrinações existe sempre um destino. No fundo é o sagrado, é Deus, simbolizado pelo santuário, o templo, o altar, a mesa da Palavra. Dirigir-se processionalmente a um destino não é um simples andar, mas um caminhar significativo, um andar compassado com certo ritmo.

Procissões no espaço da celebração: – Consideremos a Celebração Eucarística. São consideradas procissões dentro da Celebração Eucarística os movimentos realizados pelo sacerdote com o diácono e os ministros ao se dirigirem para o altar; pelo diácono, conduzindo o Livro dos Evangelhos do altar até o ambão; dos fiéis, ao levarem os dons do pão, do vinho e água para o altar e ao se aproximarem da Comunhão.

Procissão de entrada: – O Povo de Deus a caminho da Terra prometida reúne-se, numa pausa do caminho, para celebrar sua própria caminhada e alimentar-se com o Pão do Céu. A assembleia faz sua esta procissão de entrada.

Procissão do Evangeliário– Deus convoca o seu povo através do Verbo já no início da celebração. Agora, Jesus Cristo se levanta na assembleia para dirigir sua Palavra. Bendito o que vem em nome do Senhor. A assembleia o saúda, o aclama e se prepara para ouvir com atenção sua palavra, o Pão descido do Céu que alimenta o povo a caminho. O diácono ou o sacerdote pode ser precedido por acólitos com velas acesas e o ministro do incenso.

Procissão das oferendas: – Neste momento, saciada pelo dom da Palavra, a assembleia reunida, representada por alguns fiéis, apresenta a Cristo, o Altar, sua vida como dom de Deus. A assembleia une-se a Cristo para realizar a passagem para o Pai na ação de graças, comemorativa da Páscoa, a passagem de Cristo em sua volta ao Pai. O caminhar para o altar é o caminho de toda a assembleia. O ideal é que seja acompanhada num silêncio orante.

Procissão da Comunhão: – O Povo de Deus, a caminho da Terra Prometida, alimenta-se do Pão da Vida para prosseguir no caminho para Deus.

Procissões com entrada na igreja: – Temos ao menos três procissões desse tipo. A procissão da Vigília Pascal, precedida pelo Círio pascal realizando a iluminação da Igreja. Constitui uma das mais belas procissões da Liturgia cristã: Cristo, luz do mundo a iluminar a humanidade que jazia nas trevas. A procissão de Ramos, que comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Finalmente, a procissão das velas na festa da Apresentação do Senhor.

Nestas festas aparece bem o Povo de Deus, a Igreja, que se reúne guiada por Cristo, o Caminho, e Luz a iluminar o caminho. A Igreja reza através das procissões. Estamos diante de um rito memorial da Igreja peregrina rumo à casa do Pai.

O Senhor esteja “convosco”

 

O título deste pequeno artigo nos leva a refletir sobre o aspecto hierárquico e dialogal da assembleia litúrgica, como manifestação máxima do Corpo de Cristo, a Igreja.

A Igreja, Corpo místico de Cristo, manifesta-se em sua plenitude, quando reunida sob a presidência do Bispo ou de um presbítero, seu delegado. Diz o Concílio Vaticano II: “As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o ‘sacramento da unidade’, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos Bispos. Por isso estas celebrações pertencem a todo o Corpo da Igreja, e o manifestam e afetam; mas atingem a cada um dos membros de modo diferente, conforme a diversidade de ordens, ofícios e da participação atual” (SC 26). Mais adiante se afirma: “Nas celebrações litúrgicas, cada qual, ministro ou fiel, ao desempenhar a sua função, faça tudo e só aquilo que pela natureza da coisa ou pelas normas litúrgicas lhe compete” (SC 28).

Se estes princípios valem para toda ação litúrgica, aplicam-se particularmente à Missa. A Instrução Geral sobre o Missal Romano diz: “A Celebração Eucarística constitui uma ação de Cristo e da Igreja, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção do Bispo. Por isso, pertence a todo o Corpo da Igreja e o manifesta e afeta; mas atinge a cada um dos seus membros de modo diferente, conforme a diversidade de ordens, ofícios e da participação atual. Desta forma, o povo cristão, ‘geração escolhida, sacerdócio real, gente santa, povo de conquista’, manifesta sua organização coerente e hierárquica. Todos, portanto, quer ministros ordenados, quer fiéis leigos, exercendo suas funções e ministérios, façam tudo e só aquilo que lhes compete” (n. 91). E acrescenta: “Toda celebração legítima da Eucaristia é dirigida pelo Bispo, pessoalmente ou através dos presbíteros, seus auxiliares” (n. 92).

Para expressar que somente os ministros ordenados presidem a celebração litúrgica na função de Cristo Cabeça do seu Corpo que é a Igreja, ela reserva, pelas normas litúrgicas, as saudações, as bênçãos e o envio da assembleia ao ministro ordenado, no exercício de sua função. Os ministros não ordenados são considerados iguais entre os demais fiéis. Por isso, não ocupam a cadeira da presidência, nem saúdam liturgicamente, nem abençoam os fiéis. Por exemplo, em celebrações da Palavra, quem proclama o Evangelho não saúda a assembleia, mas diz simplesmente: “Ouçamos as palavras do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus”, ou simplesmente: “Do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Lucas”.

Por outro lado, os ministros ordenados não dirão: O Senhor esteja conosco, mas, O Senhor esteja convosco; Abençoe-vos o Deus todo poderoso; A paz do Senhor esteja sempre convosco e não conosco; Ide em paz, e não, vamos em paz e o Senhor vos acompanhe, e não, nos acompanhe. Não é fácil largar um hábito adquirido!

O costume, mais ou menos generalizado de os sacerdotes se incluírem nas saudações e bênçãos, surgiu nos primeiros anos após o Concílio. Foi a tendência de se valorizar o sacerdócio batismal dos leigos. Feliz ideia, mas fora do lugar!

Os ministros ordenados em sua função, no diálogo com a assembleia, expressam o diálogo da assembleia com Deus. Eles estão agindo em nome de Deus, em nome de Cristo. É Deus, em nome de Cristo e na força do Espírito Santo, quem saúda, abençoa e envia. Exercem uma função mediadora entre Deus e a assembleia. Eles comunicam Deus com a assembleia e a assembleia com Deus. Trata-se de uma comunicação divina. Os ministros ordenados expressam e exercem uma especial presença e ação de Cristo na Sagrada Liturgia de todo o povo santo e sacerdotal de Deus.

‘O Senhor, tende piedade’ sozinho não é Ato Penitencial

A invocação Kyrie, eleison é de antiga tradição tanto na Liturgia oriental como ocidental. Trata-se de um “canto em que os fiéis aclamam o Senhor e imploram a sua misericórdia”. É uma doxologia, isto é, uma aclamação do Deus misericordioso, que se manifesta no Cristo Senhor.

Na Missa, ele faz parte dos ritos iniciais que precedem a Liturgia da Palavra, isto é, entrada, saudação, ato penitencial, Kyrie, Glória e oração do dia, que têm caráter de exórdio, introdução e preparação.

Sua finalidade é fazer com que os fiéis, reunindo-se em assembleia, constituam uma comunhão, se disponham para ouvir atentamente a palavra de deus e celebrar dignamente a Eucaristia.  Isso podemos apreender na Instrução Geral sobre o Missal Romano n. 46 e 52.

Senhor, tende piedade de nós constitui um dos elementos dos Ritos iniciais. Depois do Ato penitencial que inclui a absolvição geral do sacerdote, absolvição que, contudo, não possui a eficácia do sacramento da penitência, inicia-se sempre o Senhortende piedade, a não ser que já tenha sido rezado no próprio ato penitencial. Quando o Senhor é cantado como parte do ato penitencial, antepõe-se a cada aclamação uma “invocação” chamada também “tropo”. Por exemplo, Senhor, que viestes salvar os corações arrependidos, tende piedade de nós.

Está muito difícil compreender este caráter não penitencial mas doxológico do Senhor, piedade. Nossa espiritualidade tornou-se por demais penitencialista. Devemos recordar que o Ato penitencial – e não rito penitencial em celebração penitencial  – só entrou no Ordinário da Missa com o Concílio Vaticano II, pois antes se tratava de uma preparação dos ministros, preparação que inicialmente era feita na sacristia e mais tarde nas “orações ao pé do altar” num diálogo entre o sacerdote celebrante e os ministros. Só com o movimento litúrgico é que a assembleia começou a participar das orações ao pé do altar. A Missa começava propriamente com a Antífona de entrada, o Introitus.

Outra coisa. A nossa tradução para o português não é muito feliz. Os italianos traduziram simplesmente: Signore, pietà. Senhor, vós sois piedade. Piedade são os sentimentos do pai para com os filhos, sentimento de bondade, perdão, de misericórdia. Trata-se de um ato de reconhecimento de Cristo como Senhor; como manifestação da bondade do Pai, de sua misericórdia. Um ato de adoração, de louvor, de glorificação de Deus por sua bondade e misericórdia; por isso, uma doxologia. É também uma profissão de fé no Cristo Senhor.

Precisamos recuperar estas doxologias durante a Celebração Eucarística. Elas constituem, em geral, como que portas de passagem, de átrios. O Senhor, piedade constitui uma porta de entrada no espaço de Deus que fala e age, primeiramente através da sua Palavra celebrada e depois através da Liturgia eucarística. Outra doxologia importante é o Santo, como porta de entrada no Santo dos Santos da presença de Deus na Oração eucarística.

Assim, quando a assembleia se propõe cantar o Senhor, tende piedade de nós, deverá escolher como Ato penitencial a oração Confesso a Deus ou os versículos bíblicos: Tende compaixão de nós Senhor. Porque somos pecadores. Manifestai, Senhor, a vossa misericórdia. E dai-nos a vossa salvação. Segue-se a absolvição geral e, em seguida, o Senhor, tende piedade de nos.

Glória e não “Glorinha”

 

Através dos anos após o Concílio Vaticano II, introduziu-se uma lamentável distorção no uso do Hino “Glória a Deus nas alturas” na Celebração Eucarística.

Qual o lugar e o sentido do Glória e não canto de louvor ou canto de glória, nem ação de graças, como muitas vezes vem sendo chamado.

Glória é um dos elementos dos ritos iniciais da Celebração Eucarística, que ocorre nos domingos não roxos, nas solenidades e nas festas, bem como, facultativamente, em celebrações mais festivas.

Vejamos o que diz a Instrução Geral sobre o Missal Romano: “O Glória” é um hino antiquíssimo e venerável, pelo qual a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus Pai e ao Cordeiro. O texto deste hino não pode ser substituído por outro. … É cantado ou recitado aos domingos, exceto nos tempos do Advento e da Quaresma, nas solenidades e festas e ainda em celebrações especiais mais solenes” (n. 53).

Não se trata de uma mera aclamação trinitária, embora tenha caráter trinitário. Dirige-se ao Pai, proclama a obra salvadora do Filho, imolado e vitorioso, nosso Senhor e Salvador, na unidade do Espírito Santo. O conteúdo central do hino é cristológico e pascal.

Tem sua origem nas Igrejas do Oriente, de onde veio a Roma, onde era entoado primeiramente só pelo Papa no Natal, na Páscoa e em outras ocasiões solenes. Mais tarde, foi concedido também aos presbíteros entoarem o Glória em sua primeira Missa solene e no dia da Páscoa. No Ocidente nunca foi usado fora da Missa. Sua origem no Oriente está ligada ao Ofício de Laudes, sobretudo dos monges.

Na Celebração Eucarística no Ocidente, o Glória é de uso posterior ao Kyrie e tornou-se um desdobramento solene do próprio canto doxológico do Kyrie eleison. Nesta compreensão, seu uso foi novamente restringido a celebrações solenes e festivas.

Pior é o que está acontecendo, quando se relaciona o Glória com o Ato penitencial. Ouvem-se bispos, padres e comentaristas dizendo: “Agora que fomos perdoados, entoemos com alegria um canto de glória, dando graças a Deus”. E lá vem qualquer “canto de glória”, como é chamado, às vezes, só porque ocorre a palavra “glória”.  O Glória não tem nada a ver com o Ato penitencial. É antes uma grande doxologia, um hino de louvor a Deus com caráter cristológico e pascal, desdobramento do “Senhor, piedade”, um portal de entrada na Liturgia da Palavra e em toda a Liturgia da Missa. Não lugar também para grandes introduções para o canto do Glória, pois ele se segue imediatamente após o Senhor, tende piedade de nós.

Diante disso, todo o repertório de “cantos de glória” produzidos nesses últimos 40 anos deverá ser aposentado em relação à Celebração Eucarística. Poderão ser valorizados em outras celebrações ou devoções.

“Entoado pelo sacerdote ou, se for o caso, pelo cantor ou o grupo de cantores, é cantado por toda a assembleia, ou pelo povo que o alterna com o grupo de cantores ou pelo próprio grupo de cantores. Se não for cantado, deve ser recitado por todos juntos ou por dois coros dialogando entre si” (IGMR, n. 53). O ideal que seja cantado, mas também pode ser recitado. Em dias mais solenes poderá ser cantado por um coro polifônico, mesmo em latim, sendo vivido por todos na devota audição.

Para o canto existe uma tradução versificada em cinco estrofes, que começa com as palavras: Glória a Deus nos altos céus … Os hinos não costumam ter refrões.

Em comunhão eclesial, temos pois algo a corrigir, em relação ao Glória na Missa.

A Palavra de Deus é celebrada

 

Poderia colocar como título deste pequeno artigo “Celebração da Palavra de Deus”. Dizendo assim, infelizmente, logo se pensa num esquema de Celebração da Palavra de Deus. O que gostaria de realçar nesta exposição é a função da Palavra de Deus em toda ação litúrgica.

Desde o início da Igreja, as comunidades celebrantes, antes de realizarem a ação sacramental da bênção ou da ação santificadora de Deus, contemplavam, faziam memória do mistério celebrado através da leitura da Palavra de Deus. Em outras palavras, a Palavra de Deus das Sagradas Escrituras, quando lidas na Igreja, constituem um rito memorial dos mistérios celebrados. O Concílio Vaticano II nos ensina que Cristo está presente quando se leem as Escrituras na igreja, isto é, na comunidade de fé reunida: Presente está (Cristo) pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na igreja” (SC 7). Um pouco antes, se diz que depois de Pentecostes os discípulos começaram a ler as Sagradas Escrituras nas reuniões cultuais da Igreja: Nunca, depois disso, a Igreja deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo ‘tudo quanto a ele se referia em todas as Escrituras’ (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual ‘se torna novamente presente a vitória e o triunfo de sua morte’…(SC 6).

Realmente, a Missa como a celebração dos outros sacramentos consta de duas grandes partes: a Liturgia da Palavra e a Liturgia sacramental. Contudo, as duas partes formam um só ato de culto. Assim compreendemos que a Liturgia da Palavra constitui também uma celebração ou comemoração dos mistérios celebrados. Nela se lê tudo quanto se refere ao mistério pascal. A Palavra de Deus constitui um sinal sensível e significativo da salvação ou da ação salvadora de Cristo Jesus.

A exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini (Palavra do Senhor), de Bento XVI, sobre a Palavra de Deus vem insistir novamente que a Liturgia é o lugar privilegiado da Palavra de Deus. Na ação litúrgica, memorial da salvação, a Palavra de Deus é atual, viva e eficaz. Na celebração Deus nos toca e nos vivifica por sua Palavra. Sendo seus ouvintes atentos, concebemos a Palavra de Deus em nossos corações, a exemplo de Maria e a damos à luz por boas obras.

A gente não vai à igreja para estudar a Palavra de Deus ou para aprender mais sobre a fé ou a História da salvação, mas para vivenciar os mistérios revelados e comunicados por Deus através de sua Palavra lida e escutada. A gente não vai fazer uma leitura comunitária da Palavra de Deus. Não existe lugar para o folheto na escuta da Palavra de Deus. A escuta da palavra de Deus na celebração litúrgica torna-se oração. É preciso ouvi-la nas virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, em atitude de acolhida e de adesão a esta palavra. Na escuta e na resposta silenciosa realiza-se a conversão e se renova a aliança entre Deus e o ouvinte atento da Palavra de Deus. Após a escuta da Palavra de Deus, costuma seguir-se a homilia que quer ajudar a acolher no coração a Palavra de Deus e dar uma resposta a ela tanto na celebração como na vida.

Costumo dizer aos fiéis que devemos rezar a Palavra de Deus. Sim, ela constitui um rito comemorativo dos mistérios celebrados que se atualizam, não só através da ação sacramental, mas também pela Liturgia da Palavra. Rezamos pelos ouvidos. Importa, pois, deixar-nos envolver, iluminar e animar pela Palavra de Deus lida na Sagrada Liturgia. Para que ela possa atingir o nosso íntimo importa evitar todo ruído, todo barulho, todo movimento durante a sua leitura.

Recepção da Palavra de Deus

 

Assembleia recebe a Palavra de Deus ou a Palavra de Deus recebe a assembleia? Gostaria de refletir um pouco sobre o Livro da Palavra de Deus na Liturgia e os ritos relacionados com ele.

Os principais livros litúrgicos para a Missa são o Lecionário, o Evangeliário, o Missal.

Desde as origens da Igreja fazem-se leituras bíblicas. Antes de se realizar a ação sacramental de Deus, a Igreja faz memória do mistério pascal através das leituras, seja do Antigo Testamento, dos Atos e das Cartas dos Apóstolos.

Nos primeiros tempos, as leituras eram feitas diretamente da Bíblia, com o passar dos tempos, os textos bíblicos lidos na Liturgia foram agrupados em diversos livros, sobressaindo o Lecionário e, mais tarde um pouco, o Evangeliário.

O livro tem grande significado na Bíblia do Antigo e do Novo Testamento, bem como na Liturgia da Igreja. A Bíblia é chamada “o livro da vida”; nele estão inscritos os nomes dos eleitos. Ela contém o plano de Deus da salvação. As Escrituras contêm a mensagem de Deus; é a palavra do próprio Deus.

No início de sua missão messiânica na sinagoga de Nazaré, Jesus abriu o livro que lhe foi alcançado e leu um trecho do profeta Isaías. Depois disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21).

No Novo Testamento, a Palavra se identifica com o próprio Verbo encarnado, Jesus Cristo. Ele é a Palavra. Diz o Concílio Vaticano II: “Ele (Cristo) “está presente pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja” (SC 7).

As Escrituras são lidas e não proclamadas de cor. A Palavra de Deus na Liturgia deve ser ouvida, e não lida, cada um para si ou numa leitura comunitária. A Palavra de Deus na Liturgia constitui elemento ritual comemorativo dos mistérios celebrados. Ela tem caráter sacramental. A celebração da Palavra distingue-se dos grupos de reflexão e mesmo da leitura orante da Bíblia. Não se vai ouvir a Palavra de Deus para estudar, mas para viver a Bíblia.

A Palavra de Deus deve ser ouvida e acolhida nas virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade. Numa atitude de resposta, de conversão, acreditando que se trata de uma palavra, atual, viva e eficaz.

O Rito da Missa pede que na procissão de entrada se conduza solenemente o Evangeliário, não o Lecionário, logo após a cruz processional e seja colocado no centro do altar, significado que Cristo está presente no meio da assembleia celebrante tanto no altar como em sua Palavra. Cristo é o centro da celebração. Podemos dizer que Deus recebe, acolhe e constitui a assembleia celebrante através de sua Palavra simbolizada pelo Livro dos Evangelhos ou Evangeliário. Compreendido isso no ­­­seu significado mais profundo, não tem mais sentido que a assembleia antes do Rito da Palavra acolha a Palavra de Deus.

Nos anos depois do Concílio, não havia livros da Palavra de Deus para a Liturgia. As leituras eram feitas dos folhetos. O que acontecia? Acolhia-se solenemente a Bíblia e, em seguida, as leituras eram feitas dos folhetos. Total distorção! Hoje, tendo os livros da Palavra de Deus para a Liturgia, não tem mais sentido aquela acolhida da Palavra de Deus. A Palavra de Deus é que nos acolhe e nós, depois, na sua leitura, acolhemos a Palavra de Deus.

Esta acolhida no coração como terreno fértil acontece enquanto ela é lida e ouvida pelos fiéis. Possamos ser ouvintes atentos da Palavra de Deus lida na assembleia. Possamos acolhê-la e devolvê-la a Deus com frutos de boas obras. E que as leituras da Palavra de Deus sejam feitas dos Lecionários e do Evangeliário.

Rezar em Salmos

 

Rezar em salmos, ou rezar com salmos, melhor que rezar salmos.

A reforma da Liturgia das Horas promovida pelo Concílio Vaticano II manteve como principal elemento expressivo da Oração da Igreja os salmos. O que fazer com que os salmos sejam verdadeiramente oração e oração pessoal na Liturgia das Horas?

Aqui vão algumas dicas. De saída, devemos suspeitar que os salmos constituem um tesouro não só para o povo de Israel, mas para a Igreja e toda a humanidade.

Para tornar os salmos expressão da nossa oração pessoal devemos colocá-los na perspectiva do princípio da unidade da História da Salvação e do Mistério de Cristo. A História da Salvação é uma só como também o Mistério de Cristo. A História da Salvação realiza-se em várias fases ou etapas. Podemos definir quatro fases: Criação e providência (Antigo Testamento), o evento da Encarnação do Filho de Deus, o tempo da Igreja e a consumação escatológica. Devemos, então, fazê-los nossa oração a partir de Jesus Cristo, à luz de Jesus Cristo, descobrindo neles sempre a compreensão ou o sentido dos contemporâneos, quando os salmos foram compostos, sua compreensão à luz de Cristo, sua compreensão pela Igreja hoje, sempre aberta para a realidade última escatológica.

Além disso, temos mais algumas chaves para tornar os salmos nossa oração pessoal em Cristo e por Cristo, na Igreja.

1.Os salmos constituem uma síntese da História da Salvação e do Mistério pascal de Cristo em forma de oração. Os salmos são Palavra de Deus privilegiada, pois, neles Deus fala e se revela na resposta orante do ser humano. Cada versículo, cada estrofe, cada salmo constitui uma experiência de oração. Oração, não como recitação de palavras, mas como experiência de comunicação com Deus.

2.Os salmos são capazes de fazer memória e tornar presente o Mistério de Cristo e do ser humano em sua plenitude.

Devemos criar em nós um espírito comunitário e universal, vendo e vivendo, no eu dos salmos, Jesus Cristo, o indivíduo que reza, a comunidade orante e a humanidade toda em Cristo e por Cristo. Cristo acolhe e dá voz a toda a humanidade em sua comunhão com Deus.

3. A oração da Igreja é “oração que Cristo unido ao seu Corpo, eleva ao Pai”. Diz Santo Agostinho: “Reconheçamos, pois, a nossa voz nele, e a sua voz em nós”.

4. A santidade de vida. Quem reza com os salmos vibra com o Deus santo, com o modo de ser de Deus. Os salmos falam sempre com Deus e de Deus sobre as coisas divinas, sobre todas as realidades criadas em sua relação com Deus. Uma experiência gratificante é tomar salmos e tentar descobrir estes diversos aspectos: como eles constituem oração, como neles se revela o Mistério de Cristo e do ser humano, como o eu dos salmos pode expressar a vida da humanidade toda em Cristo, e como os salmos falam de Deus ou a Deus sobre o mundo e o ser humano em suas mais diversas circunstâncias.

Finalmente, podemos perceber como os salmos contam a vida do ser humano. Neles podemos identificar a nossa vida e a vida de toda a humanidade. Neles encontramos a história da humanidade, desde a criação até a parusia e a história de cada um de nós, desde as nossas origens até a consumação. Sob este aspecto, podemos agrupar os salmos em 10 grandes temas conforme o tema central de cada um. Sempre na unidade do Mistério de Cristo e da História da Salvação em suas diversas fases. São eles: 1. Criação e providência. 2. O Povo de Deus. 3. O rei, chefe do povo de Deus. 4. Jerusalém capital do Povo de Deus. 5. O Templo de Jerusalém. 6. A Lei do Povo de Deus. 7. Os inimigos do Povo de Deus. 8. O pecador arrependido no Povo de Deus. 9. O justo, o pobre do Senhor no Povo de Deus. 10. O louvor dos atributos de Deus e convites para louvá-lo.

“Cantai para o Senhor um canto novo, com arte sustentai a louvação!” (Sl 32,3).

Imagem: Ofício Divino das Irmãs Dominicanas em Nashville, EUA

O “Aleluia” na Aclamação do Evangelho

 

Só na Quaresma é que não se canta o Aleluia como aclamação ao Evangelho.

Aleluia significa “louvai a Deus” ou “louvai ao Senhor”. É expressão de profunda alegria e exultação em Deus. Através do Aleluia cantado a assembléia dos fiéis acolhe o Senhor que lhe vai falar no Evangelho, saúda-o e professa sua fé pelo canto. É cantado por todos, de pé, primeiramente pelo grupo de cantores ou cantor, sendo repetido, se for o caso; o versículo, porém, é cantado pelo grupo de cantores ou cantor (cf. IGMR, n. 62).

Aleluia é cantado em todo o tempo, exceto na Quaresma. O Versículo é tomado do Lecionário ou do Gradual.

No Tempo da Quaresma, no lugar do Aleluia, canta-se o versículo antes do Evangelho proposto no Lecionário. Pode-se cantar também um segundo salmo ou trato, como se encontra no Gradual (cf. n. 62).

Durante a Quaresma a Igreja como que faz jejum da alegria do Aleluia pascal.

Este canto recebe um destaque especial na Vigília Pascal. É cantado solenemente antes do anúncio da Páscoa na proclamação do Evangelho, diante do círio pascal. É o romper da Páscoa. A partir do Aleluia pascal inicia-se a grande festa de cinquenta dias de Aleluia até o Pentecostes. Durante a Oitava da Páscoa, o envio final da Missa e a resposta se fazem através do acréscimo de um duplo Aleluia. Trata-se de um grito de alegria e júbilo, pois “Este é o dia que o Senhor fez para nós; alegremo-nos e nele exultemos. Aleluia!” Este refrão vai se repetindo na Oitava da Páscoa tanto na Celebração eucarística como na Liturgia das Horas.

Se o Salmo responsorial se volta sobre a leitura que antecedeu, ou seja, a primeira leitura, o Aleluia com seu versículo se relaciona com o Evangelho que vai ser anunciado. Convém, pois, que se tome realmente o versículo previsto no Lecionário e não qualquer versículo referente à palavra em geral.

Entrou aqui um mau costume, a partir das aclamações do Evangelho do Tempo da Quaresma, relacionadas com a Campanha da Fraternidade. Criaram-se muitos cantos de aclamação ao Evangelho, alguns mais, outros menos felizes. Aconteceu que, passada a Quaresma, se continuou a entoar estes cantos de aclamação, sem o Aleluia.

Devemos notar ainda que há Aleluias de caráter diferente conforme os mistérios celebrados quanto à melodia e o caráter mais ou menos solene e alegre. Um Aleluia de Páscoa terá caráter diverso de um Aleluia de Advento.

Cada Comunidade deveria saber cantar em torno de uma dúzia de Aleluias. Por exemplo, um típico para o Natal, outro de Páscoa, outro de Pentecostes, vários para os domingos do Tempo Comum, que são sempre festas pascais, um para o Advento e, quem sabe, outro ainda para as festas e solenidades da Virgem Maria e um próprio dos Santos. O versículo, em geral, tirado do Evangelho do dia, que consta no Lecionário, será cantado pelo cantor ou grupo de cantores, num tom salmódico correspondente à melodia do Aleluia.

“Havendo apenas uma leitura antes do Evangelho:

a) No tempo em que se diz o Aleluia, pode haver um salmo aleluiático ou um salmo e o Aleluia com seu versículo;

b) No tempo em que não se diz o Aleluia, pode haver um salmo e o versículo antes do Evangelho ou somente o salmo;

c) O Aleluia ou o versículo antes do Evangelho podem ser omitidos quando não são cantados (cf. Instrução Geral, n. 62).

“Missa de diácono?”

 

Dia 8 de janeiro de 2012, no Brasil, Solenidade da Epifania. Encontrava-me de férias numa praia catarinense com minha irmã. Para não interferir de última hora na programação da Paróquia e da Comunidade, decidi participar da Missa dominical como qualquer fiel.

Entrei na igreja uns 10 minutos antes das 9h30, o horário da Missa. Aos poucos, a capela foi se enchendo. Em vez de silêncio, havia sons de instrumentos ensaiando cantos. A equipe de celebração já se encontrava à porta da igreja. Tudo preparado para o início da “Missa”: Intenções, comentário inicial. Tudo levava a crer que se tratava de “Missa dominical”, ou seja, da celebração da Eucaristia. Não havia folheto ou livro de canto para o povo.

Convidados a ficar de pé, teve início o canto de entrada. Entram pela porta da frente os acólitos e o ministro. Cochichei para minha irmã: “Ele está usando paramentos de diácono. Será que vai ser Missa?” Contudo, tudo foi se desenrolando como na Missa. “Em nome do Pai” cantado. Ato penitencial longamente introduzido. Com imposição das mãos, todos invocando o perdão na “absolvição geral”, repetindo as palavras do “padre”. Um hino de louvor para iniciar o novo Ano: “Vinde, cristãos,… Glória…”, oração do dia improvisada, pouco ligada à solenidade da Epifania. Liturgia da Palavra muito bem conduzida. A pregação foi muito longa e pouco baseada nas leituras da solenidade da Epifania. Seguiram-se o Creio e as Preces, tudo conforme o “folheto” usado para a Missa.

Seguiu-se a preparação do altar. O “sacerdote” abriu o corporal e esperou, no centro do mesmo, sempre ladeado de dois coroinhas, um menino e uma menina, a apresentação do dízimo. Outras duas acólitas passaram os cestinhos para as ofertas dos fiéis. Comecei a desconfiar mais seriamente quando uma ministra extraordinária da Comunhão eucarística trouxe um cibório e o colocou sobre o corporal. Novamente, pedindo que todos estendessem a mão em sinal de oferta, o “sacerdote” fez uma longa “oração sobre as oferendas” ou seja, sobre as ofertas do dízimo. As senhoras que recolheram as ofertas saíram pela porta lateral da igreja e dirigiram-se para a sacristia.

Após a longa oração sobre o dízimo, realçando o seu significado, o “sacerdote” introduziu longamente a “Oração eucarística”. Finalmente, proclamou o diálogo do Prefácio, abrindo a ação de graças. E foi falando, livremente, louvando, agradecendo, pedindo e intercedendo. Como não chegasse ao Santo, fiquei mais desconfiado. De repente, sem mais, introduziu o Pai nosso e continuou exatamente como na Missa. Antes da Comunhão, entoou mais um canto. Depois vieram o Cordeiro de Deus e uma longa introdução à apresentação das Hóstias consagradas.

Quem estava presidindo a Celebração da Palavra na ausência do presbítero era, de fato, um diácono permanente. Feita a distribuição da Comunhão, seguiram-se novas preces. Entre elas, uma Ave Maria. Mais uma Ave Maria para concluir a apresentação de uma parenta de um falecido de 7º dia. Tudo como se fosse Missa.

Seguiram-se mais avisos e comunicações sobre a renovação do novo Conselho da Comunidade. Finalmente, a oração depois da Comunhão, também dita por todos, repetindo as palavras do presidente da celebração. A oração não tinha nada a ver com a solenidade. Finalmente, a bênção invocada e a despedida com o Vamos em paz.

Meu Deus! Que crueldade! Acontece cada coisa na Sagrada Liturgia! O fiel vai à Missa e lhe é imposta uma “missa de diácono”. Onde fica a distinção entre “celebração do Sacramento da Eucaristia” e uma “celebração da Palavra com Comunhão eucarística”? Estamos diante de uma fotocópia de Missa, de uma minimissa, uma imitação, um arremedo de Missa. Por amor de Deus! Como suportar tal massacre?!

Parece que estamos na Idade Média quando, para o povo, qualquer celebração era considerada missa. Ora, a celebração da Palavra de Deus pura e simples não possui a mesma estrutura ou o esquema da Missa. Possui, sim, uma estrutura própria, também quando presidida por um diácono.

Quando vamos chegar a uma formação adequada, tanto para diáconos permanentes como para ministros da celebração da Palavra de Deus para que possam exercer com competência o seu ministério? Para não ficarmos na crítica voltaremos, oportunamente, ao assunto da Celebração da Palavra de Deus na ausência do presbítero.

Celebrações da Palavra de Deus

 

Aqui vamos tratar das celebrações da Palavra de Deus independente dos sacramentos. O Concílio do Vaticano II, pela Constituição Sacrosanctum Concilium, recomenda as celebrações da Palavra de Deus em si mesmas, nos seguintes termos: “Incentive-se a celebração sagrada da Palavra de Deus, nas vigílias das festas mais solenes, em algumas férias do Advento e da Quaresma, como também nos domingos e dias santos, sobretudo naqueles lugares onde falta o padre. Neste caso seja o diácono ou algum outro delegado pelo Bispo quem dirija a celebração” (SC 35,4).

Em 1988, a então Congregação do Culto Divino publicou um Diretório para as Celebrações Dominicais na Ausência do Presbítero. Este Diretório foi contemplado pela Conferência dos Bispos do Brasil através do documento “Orientações para a Celebração da Palavra de Deus” (Documentos da CNBB, n. 52). Constituem ótimas diretrizes.

A partir dessas orientações queremos dizer uma palavra sobre as celebrações da Palavra de Deus, fora do contexto da Missa e dos sacramentos. A celebração da Palavra de Deus não está necessariamente ligada aos sacramentos. Em si mesma ela tem sentido, pois torna presente o mistério do Cristo pregando a boa-nova do Evangelho. Esta forma de celebração da comunidade eclesial nos nossos dias está se tornando cada vez mais frequente e necessária, sobretudo, nas comunidades com falta de sacerdotes.

Estas celebrações distinguem-se dos grupos de reflexão bíblica, embora muitas vezes estejam ligadas a eles. Elas seguirão também certo esquema, que não é exatamente o da Missa. Haverá um grande espaço de liberdade e de criatividade.

Constará, normalmente, das seguintes partes: I. Abertura – um canto, saudação bíblica ou o “Em nome do Pai”, ato penitencial (que pode ser realizado também após as leituras), invocação do auxílio de Deus, invocação Espírito Santo, oração do dia. Pode-se escolher um ou outro elemento ou dar ênfase a algum dos elementos, diferente dos da Missa. II. Proclamação da Palavra – leitura da Bíblia, não faltando um trecho do Evangelho, seguida de reflexão, partilha e eventual leitura explicativa dos textos, quando não presidida por presbítero ou diácono, ou outros textos eclesiais de aprofundamentoIII. Resposta à Palavra de Deus – preces; pedido de perdão, oração de louvor, ladainhas, que pode ou não terminar com a Comunhão sacramental. Nunca faltará a oração do Pai-nosso. Mas não se deve jamais tomar como oração de louvor a Oração eucarística. Quando não houver Comunhão sacramental, poderá haver um gesto de comunhão, seja a coleta, seja a saudação da paz ou saudação fraterna. IV. Agradecimento e despedida – far-se-á por uma oração ou preces espontâneas ou algum canto apropriado. Fazem-se as comunicações necessárias e finalmente, se invoca a bênção. O ministro não-ordenado não traça o sinal da cruz sobre a comunidade. Pode-se encerrar a celebração com um canto final ou de encerramento.

Parece importante conservar ao menos o esquema da celebração, para que os participantes possam acompanhar mais facilmente. Importante será a escolha das leituras bíblicas. Convém que tal escolha seja feita a partir do Ano Litúrgico ou dos tempos e festas celebrados pela Igreja ou a partir de fatos especiais da comunidade que serão iluminados pela Palavra de Deus. Esta celebração da Palavra de Deus quer levar sempre à conversão dos corações. Daí a importância da resposta orante na celebração e na vida. Nada de ficar copiando o esquema da Missa. O que é próprio da Missa não se usa na Celebração da Palavra, como o Senhor, o Glória, o Santo, o Cordeiro.

Gostaria de lembrar a coleção de seis volumes “Dia do Senhor, Guia para as Celebrações das Comunidades”, Apostolado Litúrgico/Paulinas, que apresenta vários esquemas para todo o Ano Litúrgico e a Comemoração dos Santos.

 

Preparação da Mesa do Senhor

 

Aqui nos encontramos diante de um verdadeiro atoleiro ritual, de uma tremenda sobreposição de ritos. É um rito que ainda tem muito a ser trabalhado para que seja um momento de profunda oração da assembleia.

A Instrução Geral prevê um rito que se desenvolve em três tempos ou três etapas. Nada de precipitação e de sobreposição de ritos. Conforme o caso, após a homilia, o Credo ou as Preces, o sacerdote se assenta e acompanha o rito, vivendo-o também como seu através dos diversos ministros. Deve deixar que os ministros exerçam suas funções. É importante que todas as coisas estejam bem preparadas e dispostas, seja na credência, seja no fundo da igreja.

Primeira etapa ou momento: Preparação do altar. – O diácono ou, na falta dele, o acólito instituído ou designado, ou o coroinha, prepara o altar, ou seja: leva ritualmente, não de qualquer jeito, da credência, o cálice com o sanguinho, a pala e o corporal, colocando-o no lado direito do mesmo. O cálice não é oferenda, ficando, portanto, na credência. De pé, no centro do altar, o ministro abre o corporal e deixa o cálice do lado direito com o sanguinho e a pala em cima do cálice. Em seguida ou, se preferir, no início da preparação, o ministro coloca o missal sobre o lado esquerdo do altar.

Segunda etapa ou momento: procissão dos dons: – O segundo momento consiste na apresentação dos dons pelos fiéis ou pelos acólitos, quando são levados da credência. Se as oferendas estiverem na credência, o acólito leva a patena maior ou âmbula com as hóstias em rito processional, apresentando-as ao celebrante, que neste momento já se encontra no centro do altar. Em seguida, os acólitos apresentam-se com os recipientes do vinho e da água chamadas galhetas. Se os dons do pão, do vinho e da água forem trazidos pelos fiéis, os acólitos acompanham o celebrante para receber os dons diante do altar.

É importante que os dons do pão, do vinho e da água sejam trazidos em rito significativo de apresentação e de oferta, compassada ou processionalmente e sem pressa, enquanto os fiéis acompanham com a vista essa procissão da apresentação dos dons. De preferência os fiéis acompanham a apresentação dos dons em silêncio; também pode ser acompanhada por um canto.

Terceira etapa ou momento – Apresentação dos dons ao altar: – Recebidos os dons pelo diácono, quando houver, ou pelo sacerdote celebrante, eles são apresentados ao altar. Tanto na apresentação do pão como do cálice com vinho, o sacerdote os apresenta ao altar, segurando-os um pouco elevados sobre ele, enquanto profere a breve oração de louvor. Portanto, nada de elevar para o alto como se fosse uma oferta a Deus Pai. Apresenta, sim, ao altar que é Cristo.

Para lavar as mãos: – Neste ponto houve significativo progresso. A água seja diversa daquela das oferendas. Uma jarra, uma bacia e uma toalha, que possam garantir um gesto simbólico realmente significativo de purificação para toda a assembleia em preparação à grande ação de graças do sacrifício de louvor.

Conclusão do rito da apresentação dos dons: – Esta conclusão compreende o convite à oração e a Oração sobre as oferendas. O convite à oração é um Oremos, melhor, neste caso, o Orai, irmãos … com a resposta do povo, diferente, portanto, do convite antes da Oração do dia (coleta) e da Oração depois da Comunhão. A Oração sobre as oferendas recolhe o sentido de toda a preparação da Mesa do Senhor e a procissão dos dons e desperta a atitude sacrifical dos fiéis que se expressará na Oração eucarística.

Canto das oferendas e coleta ou oferta dos fiéis

 

No rito da preparação da Mesa do Senhor na Missa temos dois elementos que ainda não conseguem ser harmoniosamente integrados no todo do rito e muitas vezes distraem do essencial. São eles o canto das oferendas e a coleta ou oferta dos fiéis.

Canto das oferendas ou da apresentação dos dons: – O canto é facultativo. Os fiéis devem ser preparados para viver o rito da apresentação dos dons e preparação da mesa da Ceia do Senhor, acompanhando o rito em silêncio, fazendo-o seu, transformando-o em verdadeira oração de louvor e de oferta a Deus daquilo que os dons do pão e do vinho com água significam. Durante o rito cada um vai dispondo o seu coração para entrar na atitude do Cristo, Corpo dado e Sangue derramado, cada qual vai despertando em si os motivos de ação de graças. Se houver canto, ele deve ajudar a viver a espiritualidade ou a mística desse momento. O ideal é que o canto, se houver, acompanhe os dois primeiros momentos do rito. E que no terceiro momento, o da apresentação dos dons ao altar, a assembléia acompanhe a pequena ação de graças proferida pelo celebrante e aclame da forma prevista. O canto pode também acompanhar as três etapas do rito (cf. IGMR, n. 73-76;139-145). A apresentação dos dons pode ser cantada pelo sacerdote e respondida pela assembleia: “Bendito seja Deus para sempre”.

A coleta ou oferta dos fiéis: – A coleta não pode ser um rito à parte, paralelo ou sobreposto a todo o rito das oferendas. Devem-se evitar ritos concomitantes, paralelos ou sobrepostos na Liturgia. As ações devem ser realizadas uma depois da outra.

Como realizar o rito da chamada coleta, sem que se torne um ruído, uma distração total do essencial. Duas maneiras são possíveis.

Primeira forma: Todos os fiéis levam sua contribuição ou oferta para junto do altar, colocando-a num cesto. Em cofre não é bonito, pois perde o significado do sinal. Nesta forma é importante observar o seguinte: Que o sacerdote aguarde assentado, até que termine a procissão das ofertas dos fiéis. Só depois se apresentam os dons do pão e do vinho com água para a Ceia e o Sacrifício. Não é adequado que as pessoas que não apresentem uma oferta também se dirijam ao cesto. O rito não seria autêntico. A oferta das pessoas como tais, vem significada na procissão ou apresentação dos dons e, depois, na Oração eucarística.

Segunda forma: O segundo modo é através do uso de tantas cestas e ministros da coleta, quantas forem as pontas dos bancos de um lado e de outro, e, se a igreja for muito longa, tanto à frente como atrás. Assim que o sacerdote se assenta e o acólito prepara o altar, pode-se iniciar o canto das oferendas e os ministros da coleta saem com os cestinhos da frente e detrás. A ação não demora dois minutos. Chegados ao centro da igreja, ou se for pequena, ao fundo, todos os ministros da coleta dirigem-se ao fundo da igreja e vêm em procissão até ao altar, seguidos dos fiéis que levam em procissão o pão, o vinho e a água para o Sacrifício. Quando próximos do altar, o sacerdote com os acólitos dirige-se até diante do altar para receber os dons. As ofertas serão depositadas junto ao altar, não em cima dele e lá permanecerão até o fim da celebração como sinal significativo do empenho dos fiéis de viverem a Eucaristia na partilha dos bens, na prática da caridade, a exemplo do Cristo, Corpo dado e Sangue derramado. A Instrução Geral diz que o sacerdote recebe também as ofertas dos fiéis. Por isso, o sistema dos cofres ou dos cestos colocados junto ao altar não atende bem a esta ação do sacerdote de receber os dons dos fiéis (cf. n. 140).

Importante é que tudo seja realizado com devoção. Por isso devem-se evitar os ritos concomitantes ou sobrepostos. Tudo é oração na linguagem do rito vivido no seu significado.

Ação de Graças

 

Falando sobre o Sacrossanto Mistério de Eucaristia a Sacrosanctum Concilium do Vaticano II ensina que a Missa é “Sacrifício Eucarístico do Corpo e Sangue de nosso Salvador” (cf. SC 47). “Por ele, perpetua pelos séculos, até que volte, o Sacrifício da Cruz, confiando destarte à Igreja, Sua dileta Esposa, o memorial de Sua Morte e Ressurreição” (SC 47). Portanto, sacrifício de ação de graças, perpetuação do Sacrifício da Cruz e memorial de Sua Morte e Ressurreição.

O que é mesmo ação de graças? São Paulo diz que devemos em tudo dar graças, pois esta é a vontade de Deus a vosso respeito, em Cristo Jesus (cf. 1Ts 5,18). Ação de graças, oração eucarística ou, simplesmente, eucaristia é a tradução da palavra hebraica berakah.

Para compreendermos o que seja berakah ou ação de graças, convém recorrermos a uma passagem do livro do Gênesis. No capítulo 24 lemos uma página onde encontramos uma oração eucarística. Sara havia morrido. Abraão, avançado em idade, preocupado com o futuro de seu filho Isaac, pediu, ao servo mais antigo da casa que fosse à terra dos seus antepassados buscar uma jovem que se tornasse esposa do seu filho Isaac. O servo partiu com as mãos cheias das riquezas de Abraão. Mas, como haveria ele de reconhecer a jovem que fosse a escolhida? Pediu, então, que Deus lhe manifestasse a sua bondade, apresentando-lhe um sinal pelo qual reconhecesse a donzela. O sinal aconteceu: a jovem dando de beber do seu cântaro ao servo e a todos os camelos.

Qual a reação do servo de Abraão diante da manifestação da bondade de Deus? “O servo inclinou-se diante do Senhor. “Bendito seja, exclamou ele, o Deus de Abraão, meu senhor, que não faltou à sua bondade e à sua fidelidade. Ele conduziu-me diretamente à casa dos parentes de meu senhor” (Gn 24,26-27). Eis uma ação de graças, uma oração eucarística ou berakah.

Ela consta dos seguintes elementos. Antes de tudo, temos um fato maravilhoso, uma bênção, um benefício, uma graça alcançada, manifestação da bondade de Deus. Depois, a admiração. O servo se inclina diante do Senhor. Esta admiração manifesta-se pela exclamação-aclamação: “Bendito seja o Senhor, o Deus de Abraão, meu senhor”. Segue-se o motivo, ou a razão da admiração e da exclamação. “Ele não faltou à sua bondade e à sua fidelidade”. Proclama, então, o fato, narra o acontecido, o benefício, a bênção recebida.

Temos, pois, o fato maravilhoso, a admiração, a exclamação-aclamação e a proclamação dos benefícios recebidos. Na ação de graças temos, em geral, ainda o pedido, para que Deus renove suas maravilhas, e o louvor final. Uma oração com tais elementos é chamada berakah e, em português, ação de graças ou oração eucarística, ou, simplesmente, eucaristia. Berakah significa ao mesmo tempo louvor, bendição, elogio, agradecimento, reconhecimento e confissão. Constituem atitudes fundamentais do ser humano diante do Deus Criador e Pai cheio de bondade.

A Oração eucarística da Missa compreende todos esses elementos, sendo que o fato maravilhoso é o mistério pascal de Cristo, a máxima bênção de Deus à humanidade. Temos nela a admiração que brota da apresentação dos dons, a narração do fato maravilhoso, a Morte e Ressurreição do Senhor e o pedido para que Deus renove suas maravilhas em favor da humanidade. E tudo se conclui com o louvor final: Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo toda a honra e toda a glória, agora e para sempre. Amém.

Principais elementos da Oração Eucarística

 

A Oração eucarística lança a assembleia celebrante no âmago do mistério pascal de Cristo celebrado na Missa. Diz a Instrução Geral do Missal Romano: “Inicia- se agora a Oração eucarística, centro e ápice de toda a celebração, prece de ação de graças e santificação. O sacerdote convida o povo a elevar os corações ao Senhor na oração e ação de graças e o associa à prece que dirige a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo, em nome de toda a comunidade. O sentido desta oração é que toda a assembleia se una com Cristo na proclamação das maravilhas de Deus e na oblação do sacrifício. A Oração eucarística exige que todos a ouçam respeitosamente e em silêncio” (n.78).

É importante que os fiéis conheçam bem a estrutura e o conteúdo da Oração eucarística. Conforme a Instrução Geral, “podem distinguir-se do seguinte modo os principais elementos que compõem a Oração eucarística:

a) Ação de graças (expressa principalmente no Prefácio) em que o sacerdote, em nome de todo o povo santo, glorifica a Deus Pai e lhe rende graças por toda a obra da salvação ou por um dos seus aspectos, de acordo com o dia, a festa ou o tempo.

b) A aclamação pela qual toda a assembleia, unindo-se aos espíritos celestes canta o Esta aclamação, parte da própria Oração eucarística, é proferida por todo o povo com o sacerdote.

c) A epiclese, na qual a Igreja implora por meio de invocações especiais a força do Espírito Santo para que os dons oferecidos pelo ser humano sejam consagrados, isto é, tornem-se o Corpo e Sangue de Cristo, e que a hóstia imaculada se torne a salvação daqueles que vão recebê-la em Comunhão.

d) A narrativa da instituição e a consagração, quando pelas palavras e ações de Cristo se realiza o sacrifício que ele instituiu na Última Ceia, ao oferecer o seu Corpo e Sangue sob as espécies de pão e vinho, ao entregá-los aos apóstolos como comida e bebida, dando-lhes a ordem de perpetuar este mistério.

e) A anamnese, pela qual cumprindo a ordem recebida do Cristo Senhor através dos apóstolos, a Igreja faz a memória do próprio Cristo, relembrando principalmente a sua bem-aventurada paixão, a gloriosa ressurreição e a ascensão aos céus.

f) A oblação, pela qual a Igreja, em particular a assembleia atualmente reunida, realizando esta memória, oferece ao Pai, no Espírito Santo, a hóstia imaculada; ela deseja, porém, que os fiéis não apenas ofereçam a hóstia imaculada, mas aprendam a oferecer-se a si próprios, e se aperfeiçoem, cada vez mais, pela mediação do Cristo, na união com Deus e com o próximo, para que finalmente Deus seja tudo em todos.

g) As intercessões, pelas quais se exprime que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja, tanto celeste como terrestre, que a oblação é feita por ela e por todos os seus membros vivos e defuntos, que foram chamados a participar da redenção e da salvação obtidas pelo Corpo e Sangue de Cristo.

h) A doxologia final que exprime a glorificação de Deus e é confirmada e concluída pela aclamação Amém do povo” (n. 79).

A Oração Eucarística lança a comunidade no coração de Deus, no mistério da comunhão trinitária. A Oração eucarística constitui uma grande ação de graças à Santíssima Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo. Contempla a obra da Santíssima Trindade na história dos homens e de cada um de nós. Digo mais, a ação de graças nasce no próprio mistério da Santíssima Trindade.

Consagração

 

A consagração se faz a Deus. E a consagração a Nossa Senhora? Em si não se consagra a Nossa Senhora. Talvez alguém estranhe esta afirmação. Então, vamos por partes.

Consagração vem do latim consecrare, consecratio, e significa ação de consagrar aos deuses; dedicar aos deuses, tornar sagrado. Temos ainda o verbo sacrareque significa consagrar, votar a uma divindade, dedicar, tornar sagrado, celebrar.

Em português a palavra consagração foi adquirindo um sentido mais amplo: honra ou aplauso manifestado pela opinião pública, exaltação, glorificação. A palavra é usada também para indicar a parte da missa em que o pão e o vinho são transubstanciados no corpo e sangue de Cristo; cerimônia em que se sagra um bispo; cerimônia praticada na profissão monástica; oferecer por culto ou voto: consagrar o recém-nascido a Nossa Senhora. Pode significar também oferecer afetuosamente; dedicar.

A partir de uma teologia litúrgica nos últimos decênios, usa-se na Liturgia a palavra consagração no sentido mais estrito. Abandonou-se o termo consagração sagração episcopal. O Ritual das Ordenações fala em “ordenação episcopal”, e não, “sagração” episcopal. Não se diz mais “sagrante principal”, mas “ordenante principal”. A oração principal é chamada “prece de ordenação”. O mesmo se diga em relação às igrejas e altares. Abandonou-se o termo “consagração” de uma igreja ou de um altar. Usa-se o termo “dedicação” de igreja, “dedicação” de altar.

Esta mudança no uso do termo consagrar reservado para a dedicação ou oferta a Deus, também foi adotada no Ritual do Batismo. Não se usa mais o termo “consagração” a Nossa Senhora ou madrinha de “consagração”. O próprio batismo constitui a verdadeira consagração a Deus. Sugere-se a palavra “entrega” a Nossa Senhora ou colocar sob a proteção de Nossa Senhora. O Ritual do Batismo diz: “Onde for costume, no final da celebração, pode realizar-se um ato de devoção a Maria, confiando à sua proteção a vida e a fé das crianças”. Quem confia a criança à proteção de Maria são os pais. Não se prevê “madrinha de consagração”. Mas seria bom abandonar o termo “consagração”, reservando-o para Deus.

A própria Santa Sé tem-se manifestado a respeito do uso do termo consagração. No Diretório sobre a Piedade Popular e Liturgia, tratando da “Veneração da Santa Mãe do Senhor”, no item “A consagração/abandono a Maria” se diz: “À luz do testamento de Cristo (cf. Jo 19,25-27), o ato de “consagração” é, de fato, reconhecimento consciente do lugar especial que Maria de Nazaré ocupa no mistério de Cristo e da Igreja, do valor exemplar e universal do seu testemunho evangélico, da confiança em sua intercessão e na eficácia de sua proteção, da múltipla função materna que ela exerce, como verdadeira mãe na ordem da graça, em favor de todos e de cada um de seus filhos. Entretanto, nota-se que o termo “consagração” é usado com certa amplidão e impropriedade. Por exemplo, diz-se ‘consagrar as crianças a Nossa Senhora’, quando na realidade se entende apenas colocar os pequenos sob a proteção da Virgem e pedir para eles a sua materna bênção. Compreende-se também a sugestão de utilizar, no lugar de “consagração”, outros termos, tais como “entrega”, “doação”.

De fato, em nosso tempo, os progressos realizados pela teologia litúrgica e a consequente exigência de um uso rigoroso dos termos, sugerem que se reserve o termo consagração à oferta de si mesmo que tem como meta Deus, como características, a totalidade e a perpetuidade, como garantia, a intervenção da Igreja, como fundamentos, os sacramentos do batismo e da confirmação” (n. 204). Fazemos votos que esta terminologia também mude no Santuário Nacional de Aparecida em que os devotos são solenemente confiados ou entregues a Maria, padroeira e rainha do povo brasileiro.

Sacerdote

 

Pela unção na cabeça logo após o batismo, o cristão é ungido rei, sacerdote e profeta, dignidade que ele adquiriu no próprio batismo. Gostaria de refletir com os leitores sobre a natureza e a dignidade do sacerdócio. O que é mesmo ser sacerdote.

Sacerdócio e sacerdote têm praticamente o mesmo sentido. Sacerdote, do latim, vem de sacer e dosSacer significa sagrado, divino. Dos significa dom, ou dote.

Termo comum de dois, sacerdote, no fundo, significa: dom sagrado, dom divino, dom de Deus. Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem é sacerdote, chamado a reconhecer a sua vida como dom de Deus e transformar sua vida num dom ou oferta a Deus.

O sacerdote é chamado a “sacrificar”, termo que também deve ser bem entendido. Sacrificar é tornar sagrado, santo, tornar divino ou fazer coisa divina. Assim, o ser humano pela própria criação é chamado a sacrificar, orientando e oferecendo a Deus a própria vida.

Por causa da ruptura com Deus pelo pecado da desobediência, o ser humano não mais quis reconhecer a vida como dom de Deus e orientá-la totalmente a Ele. Quis, sim, apropriar-se dela como propriedade sua. Símbolo disso é o comer da fruta proibida para ser como Deus.

Mas, Deus é misericordioso. Já no Antigo Testamento escolheu um povo como “um reino de sacerdotes” (cf. Ex 19,6). Pelo fato de o povo ser infiel a esta sua vocação de reis e sacerdotes, Deus escolhe homens para ajudar o povo a viver como sacerdotes. Estes oferecem a Deus os “sacrifícios” em nome do povo, tornando-se mediadores entre Deus e o seu povo. Daí vão surgindo, como entre quase todos os povos primitivos, os “sacrifícios”, as ofertas a Deus, significando a oferta da própria vida. Ora, é aceitando ser mortal que o ser humano melhor pode reconhecer que a vida vem de Deus, é dom de Deus e não propriedade sua. Por isso, mata animais e os oferece a Deus. A morte é a maior experiência da condição de criatura do ser humano. Vem daí a prática da imolação da vítima, a morte ligada ao sacrifício. Os profetas e os salmos ensinam, porém, que o mais perfeito sacrifício a Deus é o sacrifício de louvor, o sacrifício da ação de graças. É oferecer a Deus um coração contrito e humilhado.

Ora, Jesus foi o grande mediador entre Deus e a humanidade. Foi exemplo de sacerdote para a humanidade em sua vida mortal, aprendendo a obediência entre preces, súplicas e sofrimentos (cf. Hb 5,7-10). Pela obediência ele reconheceu que sua humanidade era dom de Deus. Expressou esta obediência amorosa ao Pai por sua morte, a grande oferta, a grande oblação de sua vida ao Pai: “Em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

Cristo assumiu em si toda a humanidade. Por Ele, a humanidade pode tornar-se de novo, uma oblação, um sacrifício agradável a Deus. Jesus Cristo é, assim, o Sumo Sacerdote, o único verdadeiro sacerdote. Mas, ele partilha o seu sacerdócio, concedendo que, pelo seu Espírito, todos os que nele creem e esperam possam viver sua vocação sacerdotal: acolher a vida como dom de Deus e orientá-la, oferecê-la totalmente a Ele. Pedro afirma: “Vós sois a geração escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo que ele conquistou para proclamar os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável” (1Pd 2,9).

O sacerdócio dos cristãos, sobretudo, o sacerdócio universal do batismo, é participação no sacerdócio de Cristo. Jesus, por sua vez, escolheu pessoas que, na força do Espírito Santo, exercem o sacerdócio ministerial. Ministerial porque a serviço de todo um povo sacerdotal. Nos primeiros séculos, os cristãos evitavam o uso do termo sacerdote para expressar o novo sacerdotal em Cristo Jesus. Os ministros ordenados, vistos na tríplice função messiânica de Cristo, profeta, sacerdote e rei, eram chamados bispos e presbíteros. No Rito da Ordenação, ainda hoje, o padre não é chamado de sacerdote, mas de presbítero. Os ministros ordenados são, em Cristo, os grandes mediadores entre Deus os homens. Por isso, demos graças a Deus!

Sacrifício: o que significa?

 

A Igreja ensina que a Missa é um sacrifício de ação de graças. Mas, o que é sacrifício?

A palavra sacrifício é muito mal entendida ou, então, entendida num sentido muito negativo pela maioria dos cristãos. Para a gente em geral, sacrifício é algo que custa, é renúncia de alguma cosia, algo difícil de fazer. Ou então, parece que exige imolação. Acaba sendo sinônimo de morte, como na expressão “sacrificar um animal”. Sacrificar, então, significa matar.

A palavra sacrifício, no entanto, tem um sentido muito mais amplo e positivo. A palavra sacrifício vem do latim e é composta de duas palavras: sacer e facereSacer significa sagrado, divino e facere significa fazer. Sacrifício significa, pois, o que é feito sagrado, divino. E sacrificar significa tornar sagrado, fazer algo divino, tornar algo divino. Orientar algo para Deus.

Quem sacrifica é sacerdote. Sacerdote também tem a ver com sagrado. Sacerdote vem de sacer (sagrado, divino) e dos (dote, dom). Sacerdote é, então, dom sagrado, dom divino. Assim, pela própria criação à imagem e semelhança de Deus, o ser humano é sacerdote: um dom que vem de Deus, que ele recebe de Deus e um dom para Deus. Esta é a sua vocação.

O Antigo Testamento e, sobretudo, os salmos dizem que Deus deseja um sacrifício de ação de graças, um coração contrito e humilhado. Este é o verdadeiro sacrifício espiritual. Deseja que o ser humano acolha a vida como dom de Deus e a ofereça como uma doação a Deus. Diz o salmista que o sacrifício mais agradável a Deus, o mais sublime, é o sacrifício de louvor. Sim, o louvor é sacrifício, pois nele reconhecemos que tudo é de Deus e tudo vem de Deus.

Por que, então, a palavra sacrifício acabou incluindo a conotação de renúncia, de imolação e até de morte? Porque a expressão mais radical da entrega da vida a Deus é reconhecer que ela é mortal. Pelo fato de o ser humano sempre tentar possuir a vida não como dom, mas como um direito e querer apropriar-se dela, a exemplo dos primeiros pais, ele deixa de ser sacerdote, frustra sua vocação divina e cai na morte.

Ora, Jesus Cristo, por seu exemplo, veio convencer a humanidade de sua condição de criatura mortal. Ele a viveu de maneira plena e total como dom do Pai e entregou, ofereceu a sua vida ao Pai na obediência e no amor. Jesus consagrou a sua vida, lançando-a em Deus, reconhecendo que era dom de Deus, entregando-a nas mãos do Pai: Em vossas mãos entrego o meu espírito, minha vida, minha sorte, meu destino. A linguagem do sacrifício de Cristo foi a paixão e a morte, mas o dom, a oferta a Deus foi a entrega de sua vida na obediência e no amor.

Por isso, a Eucaristia é a atualização desta entrega de Cristo ao Pai na ação de graças da Igreja pela sua entrega total. Por isso, a Missa é um sacrifício de ação de graças.

Por ele e nele, os cristãos que reconhecem a vida como dom de Deus no sacramento do Batismo, onde se tornaram sacerdotes, podem viver o seu sacerdócio, no sacerdócio de Cristo. Deixam-se divinizar, morrendo e ressuscitando com Cristo, acolhendo a própria vida como dom de Deus e oferecendo-a com Cristo e em Cristo ao Pai.

Este aspecto da divinização realiza-se também na Comunhão eucarística. Nela reconhecemos que Cristo nos arrebata para dentro de si, que ele nos diviniza e que nós colocamos a nossa sorte, toda a nossa vida Nele. Jesus Cristo nos diviniza, Jesus Cristo nos sacrifica.

No sacramento da Eucaristia isso acontece através do ministério do sacerdote ordenado.

Assim, toda a nossa vida, nosso ser e agir se tornam um sacrifício espiritual, um sacrifício de louvor a Deus, um sacrifício de ação de graças.

As Doxologias na Liturgia

 

Doxologia vem de doxa, glória em grego e logos, palavra em grego. Significa, então, palavra de glória. Doxologia é um louvor ou bendição a Deus. Em geral tem caráter trinitário. Aparece na Missa como hino de glorificação ou como conclusão de uma ação de graças.

As duas doxologias mais comuns começam com a palavra Glória. São elas o Glória a Deus nas alturas, chamada a grande doxologia e o Glória ao Pai, a pequena doxologia, muito usada pela Igreja na Liturgia das Horas e no final dos salmos.

Na Missa temos as seguintes doxologias: O Senhor, tende piedade, o Glória a Deus nas alturas, o Santo, o Por Cristo, com Cristo e em Cristo no final da Oração eucarística e, diria, o Senhor, eu não sou digno.

As doxologias na Missa, exceto, o Por Cristo, são hinos de passagem, de entrada no Santo dos Santos. Constituem uma profunda expressão de adoração, de experiência do sagrado, do santo, do divino. São, como que os portais de entrada no espaço do sagrado, no espaço de Deus.

Neste sentido, o Kyrie eleison, (Senhor piedade) não é propriamente um ato penitencial, de pedido de perdão, mas uma glorificação do Deus de bondade, do Deus que é piedade, e manifestou esta sua atitude de Pai, sobretudo em Cristo Jesus. Por isso, o Senhor, piedade como que introduz a assembleia na celebração do mistério celebrado, mistério da bondade e da misericórdia de Deus. A Igreja proclama Jesus Cristo o seu Senhor, o seu Deus. O Kyrie, tanto no Oriente como no Ocidente, desde os primeiros séculos da Igreja serviu de abertura da celebração.

Mais tarde, em dias solenes, se introduziu o Glória na Missa, como desdobramento do Kyrie. Por isso, hoje o Glória é cantado somente nas solenidades, nos domingos fora do Advento e da Quaresma e nas festas. Supõe o Kyrie que, sozinho, não constitui ato penitencial, sendo normalmente proclamado depois da absolvição geral do Ato penitencial.

Outra grande doxologia de passagem e de introdução é o Santo. Ele conclui o grande louvor a Deus do Prefácio e introduz no Santo dos Santos da Oração eucarística, quando os dons são santificados, onde o Deus Santo se torna presente no meio da Igreja no Sacramento.

Temos, depois, a grande e solene doxologia do Por Cristo, com Cristo… Ela sintetiza e conclui a grande Oração de ação de graças, a Oração eucarística, proclamada pelo sacerdote. Por essa doxologia o sacerdote expressa a glorificação de Deus, a conclui, e o povo presente a confirma pelo Amém.

Senhor, eu não sou digno, antes da Comunhão, também pode ser considerada mais como um reconhecimento da bondade de Deus, uma doxologia, do que um pedido de perdão. Um ato de humildade, de adoração, de reconhecimento do Deus santo que vem a nós.

É importante cultivarmos a atitude expressa nas doxologias da Missa. Elas nos levam a uma atitude de humildade, de adoração, de louvor Àquele que é três vezes Santo, que é o Santo dos santos, de Quem não somos dignos de pronunciar o nome. Ajudam-nos a cultivar aquela dimensão do sagrado, própria do mistério que celebramos e vivemos na Liturgia.

É claro que estes textos doxológicos devem ser proclamados na íntegra. Eles constituem um tesouro da fé cristã. Expressam a atitude fundamental do ser humano, diante do Deus Criador e Pai santo, que pede: Sede santos como eu sou Santo.

Santo, Santo, Santo…

 

O Hino angélico de adoração e de louvor a Deus, o Santo, Kadosh (em hebraico), Sanctus (em latim), Hággios (em grego), está presente na Oração Eucarística em todos os ritos litúrgicos tanto do Oriente como do Ocidente. Entre os principais elementos da Oração eucarística, a Instrução Geral do Missal Romano aponta: “A aclamação pela qual toda a assembleia, unindo-se aos espíritos celestes, canta o Santo. Esta aclamação, parte da própria Oração Eucarística, é proferida por todo o povo com o sacerdote” (n.79). 

No Ocidente este hino chamado triságio (três vezes Santo) ou epinício (hino triunfal) foi introduzido na Oração eucarística pelos fins do século quinto. No memorial do sacrifício eucarístico da morte e ressurreição de Jesus, uma pessoa é incumbida de narrar as maravilhas de Deus operadas na história da salvação, tornando-o novamente presente. É o sacerdote ordenado “O povo, por sua vez, se associe ao sacerdote na fé e em silêncio e por intervenções previstas no decurso da Oração Eucarística. Estas aclamações são as respostas no diálogo do Prefácio, o Santo, a aclamação após a Consagração, e a aclamação Amém, após a doxologia final, bem como outras aclamações aprovadas pela Conferência dos Bispos e reconhecidas pela Santa Sé” (cf. IGMR, n. 147). Quando o sacerdote evoca o mistério pascal de Cristo, sentindo a necessidade de a assembleia se manifestar, ele convida a assembleia a participar do hino triunfal dos anjos, dos santos e de todos os seres do universo.

Eis dois desses convites pelo fim do Prefácio:

“Por isso, enquanto esperamos sua chegada, unidos aos anjos e a todos os santos, cheios de esperança e alegria, nós vos louvamos cantando a uma só voz: Santo, Santo, Santo…”. 

“Por ele, os anjos celebram vossa grandeza e os santos proclamam vossa glória. Concedei-nos também a nós associar-nos a seus louvores, cantando a uma só voz: Santo, Santo, Santo…”. 

Estamos diante de uma doxologia de entrada no Santo dos Santos da Oração Eucarística, a Consagração. A primeira parte deste hino de vitória ou triságio proclama a transcendência de Deus, a majestade do Senhor, o Deus Santo, o Deus Senhor dos exércitos ou das multidões celestes e terrestres, Aquele que enche o céu e a terra de sua glória. É um texto totalmente bíblico. Basta consultar Is 6,3, Dn 7,10 e Ap 4,8. A segunda parte, – Bendito aquele que vem…- ”, um acréscimo posterior, realça o Deus imanente, o Deus que vem, o que caminha com a humanidade em sua história, Jesus Cristo. Evoca o hino de vitória proclamado na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.

Por dois motivos importa que o texto seja fiel e completo. Primeiro, porque faz parte integrante da Oração Eucarística. Segundo, porque constitui o elo de transição do Prefácio, a ação de graças pelas maravilhas de Deus que chega ao auge na memória do mistério pascal de Cristo Jesus, para o que se segue após o hino angélico do Santo como o temos há séculos. A maioria das Orações eucarísticas retoma como gancho o tema do Santo: “Na verdade, ó Pai, vós sois santo e fonte de toda santidade…” (Or. euc. II). Em outras, sobretudo no Oriente, mas também na nossa IV Oração Eucarística, se continua a narração das maravilhas de Deus a partir do “Pleni sunt caeli et terra glória tua” (O céu e a terra estão cheios de vossa glória). Por causa do Prefácio próprio, a Quarta Oração Eucarística retoma o tema da criação do mundo e do ser humano, pois a doxologia pelo hino angélico do Santo se dá na contemplação da obra da criação. A tradução O céu e a terra proclamam a vossa glória” empobrece o sentido original do hino. Verifica-se um empobrecimento do seu sentido teológico. A música deste hino terá que ser sóbria e solene. Sendo hino, não há lugar para repetições do tríplice Santo nem de refrãos. Nada de espalhar o Santo por todo o hino. Ele é abertura do hino.

Comer a Ceia do Senhor!

 

Duas vezes ocorre a expressão “comer a ceia do Senhor” no documento conciliar sobre a Sagrada Liturgia, a Constituição Sacrosanctum Concilium. A primeira vez é no Art. 6, ao dizer que a Obra de Cristo continua na Igreja e se coroa em sua Liturgia: “Da mesma forma, toda vez que comem a ceia do Senhor, anunciam-lhe a morte até que venha”. A segunda, encontra-se no Art. 10 que trata da liturgia como cume para o qual tende a ação da Igreja e fonte donde emana toda a sua força: “Pois os trabalhos apostólicos se ordenam a isso: que todos, feitos pela fé e pelo Batismo filhos de Deus, juntos se reúnam, louvem a Deus no meio da Igreja, participem do sacrifício e comam a ceia do Senhor”.

A Missa como memorial do mistério pascal realiza-se em forma de ceia, chamada também “banquete pascal, em que Cristo nos é comunicado em alimento, o espírito é repleto de graça e nos é dado o penhor da futura glória” (cf. SC 47).

A ceia se realiza em torno da mesa, com comida e bebida preparadas para a ocasião como Jesus fez com os discípulos na última Ceia. No rito da Missa, temos o momento da preparação da Mesa do Senhor e a participação da Mesa do Senhor, onde o próprio Cristo é alimento e bebida, seu Corpo e Sangue. A Missa somente será plena quando os fiéis comem e bebem a Ceia do Senhor, quando comem o Corpo do Senhor e bebem do seu Sangue, do pão e do vinho eucaristizados na mesma Missa celebrada.

Como está sendo difícil compreender e pôr em prática a recomendação de que os fiéis comunguem de hóstias consagradas na Missa e não da sagrada Reserva!

Introduziram-se práticas que contrariam esta recomendação. Acontece que em Missas de dia de semana, por exemplo, de quarta ou quinta-feira, o padre já consagrara vários cibórios cheios que então são guardados no tabernáculo para a Comunhão das Missas de domingo. Chega o domingo, coloca-se uma só hóstia grande a ser consagrada na patena e lá vai a turma de ministros extraordinários da comunhão eucarística buscar os cibórios e levá-los até ao altar, atrapalhando, muitas vezes, o rito da paz e da fração do Pão.

Nada disso deveria acontecer. A Instrução Geral do Missal diz que os ministros extraordinários não se aproximem do altar antes que o sacerdote tiver comungado (cf. n. 162). Isso tem sua lógica, pois, se o pão foi consagrado em âmbulas na Missa, não há razão para buscar da Sagrada Reserva no tabernáculo.

A respeito das hóstias consagradas na mesma Missa, diz a Instrução: “É muito recomendável que os fiéis, como também o próprio sacerdote deve fazer, recebam o Corpo do Senhor em hóstias consagradas na mesma Missa e participem do cálice nos casos previstos (cf. n. 283), para que, também através dos sinais, a Comunhão se manifeste mais claramente como participação no sacrifício celebrado atualmente” (n. 85).

Vejam ainda o que se diz sobre a forma do pão: “A verdade do sinal exige que a matéria da celebração eucarística pareça realmente um alimento. Convém, portanto, que, embora ázimo e com a forma tradicional, seja o pão eucarístico de tal modo preparado que o sacerdote, na Missa com povo, possa de fato partir a hóstia em diversas partes e distribuí-las ao menos a alguns dos fiéis” (n.321). Por isso, a necessidade de uma patena maior do que a tradicional: “Para consagrar as hóstias é conveniente usar uma patena de maior dimensão, onde se coloca tanto o pão para o sacerdote e o diácono, bem como para os demais ministros e fiéis” (n. 331). Vemos que a patena tradicional caiu praticamente em desuso.

Quanta coisa a ser melhorada na Missa como Ceia do Senhor!

O rito da paz

 

O canto da paz não existe. Ele foi introduzido indevidamente por causa de uma compreensão imperfeita do rito da paz na Missa.

O “rito da paz” na preparação para a Comunhão eucarística se compõe de três elementos: A oração pela paz, que a Igreja deseja que seja presidencial, a saudação da paz com a resposta do povo e o cumprimento da paz, sendo que o cumprimento é facultativo.

Trata-se, antes de tudo, da paz que é Cristo, da paz na própria comunidade celebrante, da paz no interior da Igreja de Cristo, da paz para toda a família humana.

No decurso da história, rito da paz já esteve colocado em vários outros momentos da Missa. A reforma da Missa após o Vaticano II preferiu mantê-lo antes do rito da Comunhão, como preparação imediata a ela. Pensa-se hoje numa possível mudança de lugar. Em todo caso, se bem feito, o atual é o lugar mais adequado. Só pode entrar em comunhão com Cristo, quem estiver em comunhão com o próximo. Em outros momentos a saudação poderá ter outros sentidos: de acolhida, de despedida.

Para que não se torne um momento de dispersão da assembleia, importa compreendê-lo no seu verdadeiro sentido. Que seja sóbrio, sem tumulto e não se prolongue demais, invadindo o rito que se segue, o da fração do Pão, que deve ser intensamente vivido.

Infelizmente, aconteceu que o rito foi desvirtuado, acabando, muitas vezes, em verdadeiro tumulto. O padre, saindo do presbitério e indo até o fundo da igreja; todos querendo saudar a todos. Para interromper ou concluir a “saudação da paz”, o padre celebrante grita o início do “Cordeiro de Deus”, correndo para junto do altar, a fim de realizar o rito da fração do Pão. Em momento tão solene de preparação para a Comunhão, cria-se um verdadeiro tumulto, ficando o Corpo e o Sangue do Senhor sobre o altar em total abandono.

Para dar o devido lugar ao rito e ao cumprimento da paz, a Instrução Geral sobre o Missal Romano, em sua terceira edição típica, reconduz o rito à sua verdadeira proporção.

Diz a Instrução Geral: “Segue-se o rito da paz no qual a Igreja implora a paz e a unidade para si mesma e para toda a família humana e os fiéis exprimem entre si a comunhão eclesial e a mútua caridade, antes de comungar do Sacramento… Convém, no entanto, que cada qual expresse a paz de maneira sóbria apenas aos que lhe estão mais próximos” (n. 82). Ao descrever o rito no Cap. IV, temos a seguinte orientação: “Depois, conforme o caso, o sacerdote acrescenta: Meus irmãos e minhas irmãs, saudai-vos em Cristo Jesus. O sacerdote pode dar a paz aos ministros, mas sempre permanecendo no âmbito do presbitério, para que não se perturbe a celebração. Faça o mesmo se por motivo razoável quiser dar a paz para alguns poucos fiéis. Todos, porém, conforme as normas estabelecidas pela Conferência dos Bispos, expressam mutuamente a paz, a comunhão e a caridade. Enquanto se dá a paz, pode-se dizer: A paz do Senhor esteja sempre contigo, sendo a resposta: Amém” (n. 154).

Na XI Assembléia Geral de 1970, a CNBB decidiu que “o rito da paz seja realizado por cumprimento entre as pessoas do modo com que as mesmas se cumprimentam entre si em qualquer lugar público”.

Realizando-se o cumprimento dessa forma, não há lugar para um canto, pois, nem há tempo para isso. O gesto de paz, de comunhão e de caridade manifestado ao vizinho realmente se dirige a todos os presentes, bem como aos ausentes. Querer saudar a todos nesta hora é quase impossível. E corre-se o risco de omitir alguém, tornando-se a ação, quem sabe, sinal não de paz e de amor, mas talvez de discórdia. Trata-se, pois, de um gesto ritual simbólico significativo da paz e do amor em Cristo que abrange a todos.

“O ‘Cordeiro de Deus’ e a fração do pão”

 

O padre não tem nada a ver com o “Cordeiro de Deus” na Missa. Quem o inicia, cantado ou recitado, é normalmente o animador do canto ou o cantor.

Importante aqui é o rito da Fração do Pão. Vamos ver o que diz a Instrução Geral sobre o Missal Romano: “O sacerdote parte o pão eucarístico, ajudado, se for o caso, pelo diácono ou um concelebrante. O gesto da fração realizado por Cristo na última Ceia que, no tempo apostólico deu o nome a toda ação eucarística, significa que muitos fiéis pela Comunhão no único Pão da vida, que é o Cristo, morto e ressuscitado pela salvação do mundo, formam um só corpo (1Cor 10,17). A fração se inicia terminada a transmissão da paz, e é realizada com a devida reverência, contudo, de modo que não se prolongue desnecessariamente nem seja considerada de excessiva importância. Este rito é reservado ao sacerdote e ao diácono. O sacerdote faz a fração do pão e coloca uma parte da hóstia no cálice, para significar a unidade do Corpo e do Sangue do Senhor na obra da salvação, ou seja, do Corpo vivente e glorioso de Cristo Jesus. O grupo dos cantores ou o cantor ordinariamente canta ou, ao menos, diz em voz alta a súplica Cordeiro de Deus, à qual o povo responde. A invocação acompanha a fração do pão; por isso, pode-se repetir quantas vezes for necessário até o final do rito. A última vez conclui-se com as palavras dai-nos a paz” (n. 83).

Algumas observações. O rito da Fração do Pão não se realiza na hora da Consagração justamente para lhe dar maior relevo antes da distribuição do Corpo e Sangue do Senhor. Para que este rito expresse realmente o que Cristo fez na última Ceia, pede a Instrução Geral: “Convém, portanto, que, embora ázimo e com a forma tradicional, seja o pão eucarístico de tal modo preparado que o sacerdote, na Missa com povo, possa de fato partir a hóstia em diversas partes e distribuí-las ao menos a alguns dos fiéis. Não se excluem, porém, as hóstias pequenas, quando assim o exigirem o número dos comungantes e outras razões pastorais. O gesto, porém, da fração do pão, que por si só designava a Eucaristia nos tempos apostólicos, manifestará mais claramente o valor e a importância do sinal da unidade de todos num só pão, e da caridade fraterna pelo fato de um único pão ser repartido entre os irmãos” (n. 321). Daí a conveniência de uma patena de maior dimensão: “Para consagrar as hóstias é conveniente usar uma patena de maior dimensão, onde se coloca tanto o pão para o sacerdote e o diácono, bem como para os demais ministros e fiéis”. (n. 331). Portanto, a patena pequena sobre o cálice praticamente foi abolida. Outra coisa importante: Que se procure comungar das hóstias consagradas na mesma Missa e se tome da Sagrada Reserva quando realmente faltarem hóstias consagradas na mesma Missa (cf. 85).

O “Cordeiro de Deus” é a invocação que acompanha a fração do pão (cf. n. 83 e 155). Esta invocação que manifesta a humildade de quem se aproxima da mesa do Senhor é uma prece em forma de ladainha. Em si, as invocações seriam cantadas ou proclamadas pelo cantor ou pelo grupo de cantores e o povo responderia o “tende piedade de nós dai-nos a paz”. Em todo caso, deve haver uma sincronia entre o rito da fração e da intinção da partícula de hóstia no cálice e o canto “Cordeiro de Deus”. O canto não deve prolongar-se além do rito, inclusive para que o povo, enquanto o sacerdote se prepara com uma oração silenciosa para a comunhão, também se prepare devidamente por uma oração silenciosa. Em geral não se dá oportunidade para isso.

Para dar é preciso partir. Como Jesus se dá a nós, também nós somos chamados a partilhar a vida com os irmãos e irmãs; tornar-nos pão partilhado, o Cristo repartido.

O silêncio sagrado

 

Silêncio! Como a sociedade atual necessita de silêncio! Somos todos bombardeados por estímulos de todo gênero, que nos atingem os ouvidos, a vista, o olfato, o paladar, o tato, enfim, todos os nossos sentidos. Esses ruídos penetram o nosso ser, o enchem à saturação, não deixando muitas vezes, espaço para as coisas boas da vida, para Deus nem para nós mesmos. Caímos na superficialidade, na exterioridade, na solidão. Eis o som do rádio, da televisão, do telefone, da internet; o ruído dos carros, das buzinas, dos tiros, dos foguetes. São as imagens de todo tipo com suas mensagens. As ofertas ao paladar, os perfumes de todo tipo, os objetos de prazer imediato. Não nos é dado tempo para escolher o que nos convém, para assimilar as coisas. Tornamo-nos todos saturados. O homem moderno tem medo do silêncio, foge dele, porque foge de si mesmo. Sente dificuldade de confrontar-se consigo mesmo, com a natureza, com o próximo e com Deus.

Daí a necessidade do jejum, ou seja, de abster-se de tantos estímulos que nos atingem a cada hora do dia e mesmo da noite. As pessoas têm necessidade de jejuar do som, das imagens, dos aromas, do paladar, do tato. O silêncio constitui uma forma de jejum. Trata-se de criar espaço em nós mesmos para acolher o que convém. Fazer silêncio é entrar em nós mesmos, fazer espaço para o bem, para o amor ao próximo e o amor a Deus.

Tal silêncio que nos leva a acolher o mistério, a fazê-lo nidificar em nós e repercuti-lo na ressonância do nosso ser interior, o silêncio que nos leva a jejuar das palavras vãs para acolher a Palavra e deixá-la tomar forma em nós, a exemplo de Maria, a serva da Palavra, é indispensável também na celebração da Sagrada Liturgia. Acontece que muitas de nossas assembleias estão se transformando em verdadeiras plateias de show, de espetáculo.

Nossas celebrações são por demais barulhentas, cheias de ruídos tanto acústicos como visuais. Há muito palavrório, muita conversa, muita distração, que acabam abafando a oração. Infelizmente, após o Concílio, não se entendeu corretamente o sentido da participação ativa na Liturgia. O Concílio pede uma participação eficaz ou frutuosa. Para que seja frutuosa é preciso que seja consciente, ativa e plena. Mas se pensou quase só na participação ativa e ainda mal entendida. Identificou-se o ativo com o verbal, com palavras. Por isso, o acento nos diálogos, nas aclamações e nos cantos. Ora, a participação ativa não se restringe às palavras. Participamos ouvindo, vendo, cheirando, degustando; participamos pelo tato, pela ação, pelos movimentos, bem como pelo silêncio.

Por isso, quando fala da participação ativa na Liturgia, o Concílio diz: “Para promover a participação ativa, trate-se de incentivar as aclamações do povo, as respostas, as salmodias, as antífonas e os cantos, bem como as ações e os gestos e o porte do corpo. A seu tempo, seja também guardado o sagrado silêncio” (SC 30). Não se trata de um silêncio morto, mas cheio. Trata-se de um silêncio sagrado, porque capaz de relacionar a pessoa com Deus.

Apresentam-se, portanto, vários modos de participar ativamente da Sagrada Liturgia: as aclamações do povo, as respostas, a salmodia, as antífonas e os cantos. Estes vão todos na linha do uso da palavra. Mas, temos as ações e os gestos e o porte do corpo que em geral são realizados ou acompanhados em silêncio. Finalmente, temos o próprio silêncio como momentos significativos e expressões de participação ativa. Temos, portanto, o silêncio que acompanha ações, gestos e posturas do corpo, o silêncio na escuta da palavra, como a Palavra de Deus e orações presidenciais e momentos de silêncio propriamente ditos.

Momentos de silêncio na Santa Missa

 

Depois de expor o sentido e a importância do silêncio na Liturgia em geral, vejamos agora o silêncio na Celebração da Eucaristia. Vamos restringir-nos aos momentos de silêncio explícito.

A Instrução Geral sobre o Missal Romano diz: “Oportunamente, como parte da celebração, deve-se observar o silêncio sagrado. A sua natureza depende do momento em que ocorre em cada celebração. Assim, no ato penitencial e após o convite à oração, cada fiel se recolhe; após uma leitura ou a homilia, meditam brevemente o que ouviram; após a comunhão, enfim, louvam e rezam a Deus no íntimo do coração. Convém que, já antes da própria celebração, conserve-se o silêncio na igreja, na sacristia, na secretaria e mesmo nos lugares mais próximos, para que todos se disponham devota e devidamente para realizarem os sagrados mistérios” (n. 45).

Desta orientação geral decorrem algumas observações quanto ao silêncio. Trata-se de um silêncio sagrado, feito oração, portanto, cheio de Deus. Faz parte da celebração. Pede-se silêncio, mesmo antes do início da celebração. O silêncio é visto como preparação para realizar os sagrados mistérios. O silêncio adquire sentidos diversos, conforme os momentos da celebração.

Acompanhemos, agora, os momentos de silêncio na Missa, parte por parte.

Antes do início da celebração: – Na igreja, na sacristia, na secretaria e nos lugares mais próximos. O espaço da celebração, a igreja, convida ao silêncio, ao recolhimento, ao encontro com o Sagrado. Todos aí se encontram para realizar os sagrados mistérios. Os fiéis podem prepara-se com uma visita ao Santíssimo, com a oração de uma Hora do Oficio Divino ou mesmo o Rosário. A pessoa pode se recolher na recitação de algum salmo ou de outras orações de Manuais, como o “Livro de Orações do Cristão Católico” ou ainda pela meditação. Importa dispor-se para a realização dos mistérios.

Antes do Ato penitencial: – Trata-se de um silêncio de recolhimento, fazendo um exame de consciência e colocando-se como pobre e necessitado diante de Deus.

Antes da Oração do dia ou da Oração depois da Comunhão: – É também um silêncio de recolhimento. Os fiéis são convidados a tomarem consciência de que estão na presença de Deus e a formularem interiormente os seus pedidos (cf. n. 54).

Na Liturgia da Palavra: – A Instrução Geral diz: “A Liturgia da Palavra deve ser celebrada de tal modo que favoreça a meditação; por isso deve ser de todo evitada qualquer pressa que impeça o recolhimento. Integram-na também breves momentos de silêncio, de acordo com a assembleia reunida, pelos quais, sob a ação do Espírito Santo, se acolhe no coração a Palavra de Deus e se prepara a resposta pela oração. Convém que tais momentos de silêncio sejam observados, por exemplo, antes de se iniciar a própria Liturgia da Palavra, após a primeira e a segunda leitura, como também após o término da homilia” (n. 56). Quanta coisa a ser cultivada! O silêncio no início da proclamação da Palavra praticamente ainda não é observado.

Antes e depois da Comunhão: – Sim, também antes. Enquanto o sacerdote se prepara com uma oração em silêncio, os fiéis fazem o mesmo, rezando em silêncio (cf. n. 84). Já o descobrimos? É um verdadeiro jejum pelo qual a gente renuncia a tudo que não é Jesus Cristo, fazendo espaço para o Pão descido do céu. Ocorre entre o Cordeiro e a sua apresentação.

A resposta às Preces: – Após cada invocação, a resposta orante pode ser por breve silêncio.

Depois da Comunhão: – Após a Santa Comunhão recomenda-se um momento de oração silenciosa, oração do coração, oração de comunhão, de adoração, de louvor e agradecimento.

Silêncio nas leituras, orações, ações e posturas corporais na Liturgia

 

Na Liturgia, o silêncio é observado não só em momentos determinados. O recolhimento perpassa toda a celebração. Há momentos explícitos de silêncio, mas ele é observado também na escuta da palavra e acompanha certas orações chamadas presidenciais. Além disso, temos muitas ações, gestos, movimentos e posturas do corpo realizados ou acompanhados em silêncio, através do ouvido e da vista. Ouve-se em silêncio, acompanha-se em silêncio pela vista, contemplando o que se realiza ou é realizado pelo sacerdote presidente em nome de toda a assembleia.

Silêncio na escuta da Palavra de Deus – Para ouvir é preciso silenciar, fazer espaço interior para acolher a Palavra na força do Espírito Santo. É Cristo, a Palavra, quem fala quando na igreja se lêem as Escrituras. Quantos ruídos estão atrapalhando a escuta da Palavra de Deus em nossas assembleias! É ruído demais a distrair. É ruído acústico. É o cochicho na Equipe de celebração. É ruído de microfonia dos aparelhos acústicos. É o ventilador ruidoso. É a conversa entre os “assistentes”. Pior ainda é o ruído visual. Pessoas chegando atrasadas, pessoas deslocando-se de um lugar para outro na igreja. É acólito querendo ajustar o microfone quando a leitura já se iniciou. O silêncio é indispensável para uma escuta frutuosa da Palavra de Deus.

Silêncio que acompanha orações do sacerdote – A Liturgia distingue-se por seu caráter dialogal. Nem todos dizem tudo. Há partes da assembleia e outras, próprias do sacerdote. Por isso, os fiéis ouvem as orações em silêncio, fazendo-as suas e dando seu assentimento através do Amém final ou por aclamações. Isso vale, sobretudo, para a Oração eucarística que é sacerdotal por sua natureza. Diz a Instrução: “O sacerdote convida o povo a elevar os corações ao Senhor na oração e ação de graças e o associa à prece que dirige a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo, em nome de toda a comunidade. A oração eucarística exige que todos a ouçam respeitosamente e em silêncio” (cf. n. 79). O mesmo se diga da Oração pela paz que é dita só pelo sacerdote.

Silêncio que acompanha ações, gestos e movimentos – Todo gesto realizado pelo presidente da assembleia é feito em nome de toda a assembléia. São gestos litúrgicos significativos dos mistérios celebrados. Assim todos os fiéis presentes podem e devem transformá-los em verdadeira oração: traçar o sinal da cruz, persignar-se, impor as mãos, lavar as mãos, unir as mãos, elevar as mãos, inclinações de cabeça, genuflexões e assim por diante. Os fiéis acompanham tudo em silêncio, fazendo-os seus, transformando-os em oração.

Quase todos os movimentos são acompanhados em silêncio. Gostaria de realçar a procissão da apresentação das oferendas. O canto que a acompanha é facultativo. Os fiéis que levam as oferendas ao altar estão realizando uma procissão de ofertas em nome do todos os fiéis presentes. Cada um deve encontrar-se nas oferendas, fazendo sua a apresentação das oferendas com tudo o que elas significam. O ideal é que a procissão seja acompanhada pelo olhar, em silêncio. A própria ação de se reunir em assembléia, já parte da celebração, é feita em silêncio.

Silêncio que acompanha posturas corporais da assembléia – Estar de pé, levantar-se, sentar-se e estar assentado, ajoelhar e estar de joelhos, prostrar-se e estar prostrado são ações comemorativas dos mistérios celebrados, expressões orantes, modos de a assembleia comunicar-se com Deus. O corpo todo reza, comunica-se com Deus na fé, na esperança e na caridade. Tudo isso é realizado no silêncio das palavras. Celebremos, pois, de corpo inteiro, comunicamo-nos com Deus, inclusive, através da gestualidade corporal no silêncio das palavras. Tudo é oração.

Liturgia: repouso e não estresse

 

Hoje em dia muitas celebrações litúrgicas, em vez de levarem ao repouso, conduzem a um verdadeiro cansaço, um perigoso estresse. Uma senhora me dizia, em Goiânia, que na terra onde mora, perto de Belém do Pará, as Missas estão se tornando insuportáveis devido ao estrépito, à barulheira do canto, dos conjuntos musicais, além de comentários intermináveis e avisos que não terminam. Às vezes, ainda consegue levar o marido à Missa, diz ela, mas a certa altura ele diz: “Mulher, não agüento mais, vou embora”. De fato, levanta-se e se retira.

Ora, a sagrada Liturgia não constitui um espetáculo. Toda a assembléia celebrante brinca diante de Deus e em Deus. A Liturgia não é conquista humana. Não é eficaz pela força das palavras como se fosse uma conquista. É obra de Deus, puro dom divino, Deus mesmo a ser acolhido. A Liturgia leva a assembléia ao repouso em Deus e não ao cansaço, ao estresse do esgotamento físico e psíquico.

Na ação litúrgica já participamos do “repouso” prometido por Deus a seu povo (cf. Sl 94). Ela conduz à tranqüilidade, ao descanso, ao sossego da comunhão de vida e do amor com Deus e em Deus. Seu desenrolar aos poucos vai aquietando os corações dos que chegam à assembléia celebrante cheios de tensões causadas pela vida agitada, pelas preocupações do dia a dia. Aos poucos, na escuta da Palavra de Deus, o coração se deixa reconciliar, estabelece-se novamente a harmonia com Deus, com o próximo e com toda a criação. Os participantes acolhem a Palavra e a deixam aninhar-se no seu coração. Todos vão se deixando enlevar pelo ritmo dos diversos ritos, que estabelecem o clima de oração, melhor, que constituem oração, relação efetiva e afetiva com Deus por Cristo e em Cristo Jesus.

Por isso, as nossas celebrações devem voltar a ser mais contemplativas dos mistérios de Cristo que se tornam presentes, onde entrará, sobretudo, a linguagem da escuta atenta, da acolhida, da contemplação, dos ritos em si mesmos, inclusive, do silêncio.

A celebração cristã não pode estar repleta de estímulos externos, de estrépito, de barulho, repleta de ruídos. Evitar-se-ão toda surpresa, toda quebra do ritmo do rito, toda interrupção do fluir da relação orante com Deus através de todas as faculdades e todos os sentidos, embalada pelo ritmo do rito. A palavra, o som, o canto e a música constituem apenas um aspecto da participação ativa. É um desastre quando o som da palavra e da música se torna atordoante e ensurdecedor. Isto não leva ao repouso em Deus, mas a maior tensão, ao estresse. As pessoas deixam a celebração mais tensas do que quando chegaram.

Diria que a participação ativa é antes uma acolhida passiva do dom de Deus, do próprio Deus no coração, deixando-se envolver por Deus, revestir-se de Deus, fazendo sua a glorificação prestada por Jesus Cristo ao Pai. Deus não se agrada com um culto de multiplicação de palavras. Compraz-se com um coração contrito e humilhado.

Toda celebração litúrgica, particularmente a Eucaristia, possui uma dinâmica interna. O início pode ser mais vivo para despertar e motivar a celebração. Aos poucos, porém, a partir da escuta e da contemplação dos mistérios, brota a resposta orante de admiração, de adoração, de louvor, de ação de graças. Comer e beber juntos exige tranqüilidade, sossego, satisfação, plenitude. Assim, toda a assembleia flui para o repouso, a comunhão, a linguagem do coração, a linguagem do esposo e da esposa, para o silêncio profundo da satisfação em Deus. Acontece, então, a reconciliação total, o descanso, o repouso em Deus. O coração e a alma se retemperam em Deus, se fortalecem com o dom de Deus. Assim, reconciliadas, as pessoas podem retornar à luta do dia a dia.

A dinâmica da comunhão ao longo da Missa

 

Existe uma dinâmica de comunhão ao longo da Missa que vai num crescendo desde a reunião da assembleia até a participação do mesmo Pão e do mesmo Cálice. Comunhão aqui é mais do que mera união, mera relação pessoal ou um estar juntos. A comunhão é uma verdadeira fusão. Tornar-se um em dois ou dois em um, a exemplo do mistério de amor do esposo e da esposa. Isto entre Deus e o ser humano, sem que cada um perca a sua identidade.

A primeira expressão de comunhão é a própria reunião da assembleia. Todos os fiéis convocados pela mesma fé em Jesus Cristo ressuscitado reúnem-se. Esta reunião já expressa o Corpo de Cristo, a Igreja, formada de pedras vivas.

Tendo dispostos os corações, todos ouvem a Palavra de Deus procurando conformar suas vidas com a mesma. Todos rezam para que possam realizar em suas vidas a mensagem ouvida.

Na preparação e apresentação dos dons, a comunhão já se expressa de modo mais eloquente. Assim como a hóstia é formada de muitos grãos de trigo e o vinho composto de muitas uvas, os fiéis reunidos, representados no pão e no vinho formam um só povo de irmãos e irmãs, uma só oferenda a ser apresentada por Cristo ao Pai.

Pela Oração eucarística, Deus aceita as oferendas. Não só as aceita, mas as transforma no Corpo e no Sangue de Cristo. Todos os fiéis, de modo misterioso, mas real, também são transformados em Cristo e oferecidos com Ele e Nele ao Pai. Na hora da Consagração e no memorial explícito da morte e ressurreição de Jesus, todos fazendo sua a Oração eucarística, tornam um com Cristo e em Cristo. As palavras do Pai a seu Filho dirigem-se a todos os que estão em comunhão com Ele: “Este é o meu filho muito amado, esta é minha filha muito amada, nos quais pus a minha complacência”. Isto é participação ativa, eficaz e frutuosa na Liturgia.

Assim reconciliados e feitos irmãos de Cristo e filhos do Pai celeste, todos podem exclamar e dizer “Pai nosso…”. Todos manifestam a paz e a comunhão entre si, irmanados em Jesus Cristo.

E Deus não se deixa vencer em generosidade. Em resposta à oferta de suas vidas aceitas como dom de Deus, o Pai convida seus filhos à mesa divina, onde o próprio Deus se dá em alimento. É o momento sublime em que todos participam do mesmo Corpo e do mesmo Sangue do Senhor, tornando-se um só corpo e um só espírito. Aí se realiza o desejo do ser humano de ser como Deus, de participar de sua divindade. Não na atitude de orgulho, querendo a vida como direito, mas acolhendo-a como dom de Deus, incluindo a sua condição mortal. Jesus se deixa comer e beber como garantia da imortalidade. Antegoza-se a realidade da vida e da felicidade eterna em Deus.

Este processo dinâmico de comunhão com Deus e com os irmãos na Missa deve ser acompanhado da dinâmica do silêncio progressivo até chegar à plenitude na hora da Comunhão. A linguagem eloquente da comunhão e da saciedade é o silêncio. Isso vale, sobretudo, para o canto da Missa. A abertura pode ser mais veemente. Trata-se de busca, de súplica. Como grande doxologia de abertura temos o “Glória” que pode ser vibrante. A Palavra de Deus já se torna mais contemplativa e orante como o Salmo Responsorial. Da apresentação das oferendas em diante, o canto já se torna mais confiante. A partir do Pai nosso, o canto se torna ainda mais contemplativo e sereno. Assim, o Cordeiro de Deus, o canto de Comunhão e o hino de louvor e agradecimento depois da Comunhão deverão ser calmos e contemplativos, deixando espaço também à oração silenciosa após a Comunhão, oração do coração, oração de comunhão, oração do silêncio.

Comunicações necessárias

 

Toda celebração litúrgica possui um rito de abertura ou ritos iniciais e um rito de encerramento. Os Ritos de encerramento da Missa têm o caráter de conclusão, de despedida e de envio. Comecemos a analisar os Ritos de Encerramento.

A Instrução Geral do Missal Romano apresenta os elementos dos Ritos de Encerramento desta forma:

“Aos ritos de encerramento pertencem: a) breves comunicações, se forem necessárias; b) saudação e bênção do sacerdote, que em certos dias e ocasiões é enriquecida e expressa pela oração sobre o povo, ou por outra fórmula mais solene; c) despedida do povo pelo diácono ou pelo sacerdote, para que cada qual retorne às suas boas obras, louvando e bendizendo a Deus; d) o beijo ao altar pelo sacerdote e o diácono e, em seguida, a inclinação profunda ao altar pelo sacerdote, o diácono e os outros ministros” (IGMR, n. 90). Temos fundamentalmente a saudação, a bênção e a despedida ou envio. Quem é abençoado é também chamado e enviado a abençoar.

Comunicações necessárias:

Hoje queremos abordar um elemento, o menos importante, dos Ritos de encerramento, ou seja, Comunicações necessárias.

Antes dos ritos finais propriamente ditos, pode haver breves comunicações, se forem necessárias. Não são chamadas avisos e não deveriam constituir um verdadeiro “Jornal Nacional”. Os ritos de encerramento deveriam brotar naturalmente do clima do rito da Comunhão. Toda a celebração vai convergindo para a comunhão, para o silêncio, resultado da plenitude, da saciedade. Por isso, nada de avisos ou comunicações logo após a Comunhão, antes da Oração depois da Comunhão. Nada de ruídos dispersivos. Hoje, no Brasil, com aprovação da CNBB e da Sé Apostólica, em vez do canto final, que não existe na estrutura da Missa, pode-se entoar ainda um canto devocional, eventualmente, em honra de Nossa Senhora. Ele é facultativo. Neste espaço mais livre entre a Oração depois da Comunhão e os Ritos de encerramento, há lugar ainda para alguma breve mensagem final.

A sensação de plenitude, de saciedade, gerada por toda a celebração, especialmente, pela Sagrada Comunhão, não deve ser desfeita. A celebração deve fluir harmoniosamente para o seu fim. Até a dispersão transmitirá um clima de interioridade, de conversa moderada, pois todos, como irmãos e irmãs acolheram em si o Senhor Jesus, plena vida e amor total.

Na descrição dos Ritos finais na Instrução Geral se diz: “Terminada a oração depois da Comunhão, façam-se, se necessário, breves comunicações ao povo” (n. 166).

Portanto, “se necessário”. Deve-se evitar que sejam numerosas e enfadonhas. Não é hora de instruir o povo, nem de promover campanhas, nem de passar todo o planejamento das diversas pastorais da paróquia, ou de apresentar todo um planejamento de festas da Comunidade. Para isso, deve-se lançar mão de outros meios, como boletins, jornaizinhos da Comunidade, cartazes, rádio e televisão.

A plenitude, a saciedade exige reverência e profundo respeito, pois neste momento todos estão na dinâmica do repouso em Deus, do compromisso, do retirar-se “para retornar às suas boas obras, louvando e bendizendo a Deus”. Os fiéis respondem com fé ao envio de despedida Ide em paz e o Senhor vos acompanhe, com o Graças a Deus”vamos fazer da vida uma ação de graças.

A bênção final da Missa

 

Digo “bênção final”, pois, toda a Missa constitui uma grande bênção, no fundo, a maior de todas as bênçãos, o próprio Bem, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Dos Ritos finais da Missa faz parte “a saudação e bênção do sacerdote que, em certos dias e ocasiões, é enriquecida e expressa pela oração sobre o povo ou por outra fórmula mais solene” (IGMR, n. 90b).

Antes da reforma promovida pelo Concílio, a bênção era dada depois do Ide em paz. A ordem atual é mais lógica. Saudação, bênção e despedida constituem um todo, cujos elementos não devem ser separados.

A bênção faz parte do encerramento de uma celebração. E quem abençoa é o sacerdote, como mediador do grande benfeitor, Jesus Cristo. Em toda a celebração, o sacerdote agiu em nome de Cristo e agora é também em nome da Santíssima Trindade que ele abençoa. Assim como ele abriu a celebração em nome da Santíssima Trindade, agora ele a encerra em nome da Santíssima Trindade. Nas bênçãos, o sacerdote age como mediador. Por isso, não se deve incluir. Ele não invoca a bênção, mas abençoa em nome de Deus Uno e Trino.

Possuímos três tipos de bênçãos para o encerramento da Missa:

A bênção simples: – “Abençoe-vos o Deus todo-poderoso…”

A bênção sobre o povo: Pode ser usada pelo sacerdote no fim da celebração da Missa, de uma Celebração da Palavra de Deus, no fim de uma Hora do Ofício Divino, ou da celebração dos Sacramentos. Antes da oração, o diácono ou o sacerdote pode convidar o povo a inclinar-se para receber a bênção. O sacerdote reza uma oração com as mãos estendidas sobre o povo, a que todos respondem “Amém”, e segue-se a bênção comum. Na última edição típica do Missal Romano são oferecidas “orações sobre o povo” próprias para todos os dias de semana do Tempo da Quaresma.

A bênção solene: Também ela pode ser usada, a critério do sacerdote, no fim da celebração da Missa, nas Celebrações da Palavra de Deus, nas celebrações do Ofício Divino ou dos Sacramentos. É usada, particularmente, nos domingos, solenidades e em Missas rituais. Também nesta forma de bênção o diácono ou o próprio sacerdote convida os fiéis a receberem a bênção. Em seguida, o sacerdote, de mãos estendidas sobre o povo profere a bênção em tríplice invocação e segue-se a bênção comum.

Duas observações finais.

Primeira: Não tem sentido fazer a exposição e a bênção do Santíssimo logo após a Missa. Aliás, isto está proibido no Ritual da Sagrada Comunhão e do Culto do Mistério eucarístico fora da Missa, onde se diz: “Proíbe-se a exposição feita unicamente para dar a bênção” (n. 89).

Segunda: Compreende-se pela tradição da piedade popular, mas não se justifica o costume de muitas pessoas, principalmente mães solícitas pelos filhos, dirigirem-se à sacristia e pedirem ao padre uma “bênção especial” para o filhinho ou a filhinha ou para si mesma. O padre vai ter compreensão e vai abençoar, mas aos poucos os fiéis deveriam superar esta mentalidade, pois a Missa como tal é a bênção por excelência e já temos a bênção de todos no fim da Celebração da Eucaristia.

É importante superar a mentalidade da religião de bênçãos do Catolicismo tradicional. Antes de invocar a bênção somos chamados a bendizer a Deus pelos benefícios, as bênçãos recebidas. Na bênção o ser humano está no centro, na bendição é Deus que está no centro. Neste caso, o próprio pedido de bênção se torna um louvor.

Ide em paz, e o Senhor vos acompanhe

 

A despedida da Missa que pode ser chamada também de envio, em latim soa assim: Ite, missa est. A resposta é: Deo gratias. Traduzindo literalmente temos: Ide, a missa terminou. A tradução brasileira procurou encontrar sua fórmula: Ide em paz e o Senhor vos acompanhe. Graças a Deus! É o sacerdote celebrante quem envia ou o diácono, quanto presente. Por isso, enviando, eles não se incluem: Ide, e não, Vamos.

Quem é abençoado é enviado a abençoar, a ser bênção para o próximo, a ser Corpo dado e Sangue derramado, a exemplo de Jesus Cristo.

Importa realçar a riqueza da despedida. Despede-se o povo “para que cada qual retorne às suas boas obras, louvando e bendizendo a Deus”. No fim de cada Missa realiza-se um envio. Os cristãos são novamente enviados em missão. A missão de levar a paz, de levar o Senhor ao próximo, em seus trabalhos, em toda a sua vida.

A própria fórmula latina Ite, missa est, parece traduzir esta missão. Até hoje não se conseguiu descobrir bem o significado do termomissa, que deu o nome a toda a Celebração eucarísticaParece, contudo, poder significar as duas coisas: despedida e envio. Ide, a Missa que está sendo encerrada, inclui uma missão; ide, a vós é confiada uma missão. A missão de transformar a vossa vida numa ação de graças a Deus: Deo gratias. A missão de fazer de vossa vida toda um louvor, um agradecimento, um reconhecimento a Deus, com as vossas boas obras. Ide, vós não fizestes da Missa apenas uma ação de graças a Deus, mas deveis ser na vida uma ação de graças; deveis fazer de toda a vossa vida uma ação de graças, viver em ação de graças.

Compreende-se, então, que este momento não é uma mera despedida apressada, mas novo envio para realizar a missão de cristão no mundo, de construir a paz, de impregnar a sociedade, a família e todas as ações com o Senhor. Tornar o Senhor presente no mundo como Ele se tornou sacramentalmente presente na assembleia eucarística e na Comunhão.

Sem negar a beleza e a riqueza da fórmula atual Ide em paz, e o Senhor vos acompanhe, creio que será útil recuperar a compreensão do termo missa, pelo qual é denominada toda a celebração.

Missa, conforme o grande estudioso da Liturgia, André Jungmann, vem de missio ou demissio, que quer dizer missão ou demissão, ou seja, despedida. Mas, a missão era sempre acompanhada de uma bênção. Jesus ao subir aos céus, antes de enviar os discípulos ao mundo inteiro, abençoou-os. Ora, a bênção por excelência é a presença de Jesus Cristo na assembleia celebrante, na sua Palavra, no sacramento do seu Corpo e Sangue. Assim, terminadas as bênçãos da consagração e da comunhão, os cristãos são enviados ao mundo, sendo também este envio-despedida envolto com uma bênção. Aos poucos, a bênção do envio começou a significar todas as bênçãos da celebração, de tal maneira que a palavra missa começou a significar também bênção. Ite, missa est, então, pode significar também: Ide, recebestes uma bênção e uma missão a cumprir. Em nome de Cristo vos envio abençoados, para que sejais bênção para o mundo. Fostes abençoados para serdes enviados novamente.

Vemos, então, que missa no sentido de bênção acaba sendo sinônimo de eucaristia, que, literalmente, significa boa graça. Em cada Celebração eucarística os cristãos são abençoados por Deus ao lhes dar seu próprio Filho; e na bênção final são reenviados ao mundo, tornando-se fonte de bênção. Compreendida assim, a palavra missa readquire todo o seu significado.

Graças a Deus!

 

A resposta ao envio no fim da missa é Graças a Deus! Não, graças a Deus que a Missa terminou, mas Graças a Deus porque pudemos viver a Missa, porque pudemos dar graças a Deus por Cristo; graças a Deus porque pudemos renovar a aliança com Deus; graças a Deus porque pudemos receber seu Filho em alimento para prosseguirmos na caminhada rumo à casa do Pai.

Toda a Missa foi uma ação de graças, um louvor, um agradecimento e um reconhecimento pelos benefícios recebidos, particularmente pela bênção por excelência, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. E agora, no fim da celebração, dizemos mais uma vez Graças a Deus! Vamos desfazer esta assembleia eucarística, mas prolongaremos em nossa vida a ação de graças vivida na Missa. Vamos dar graças a Deus, transformando a nossa vida numa ação de graças a Deus e ao próximo. Como? Vivendo a nossa vocação e missão de batizados, cada qual no seu estado de vida, exercendo sua profissão.

De fato, existe um movimento da Missa para a vida e da vida para a Missa. Nossa resposta ao Senhor que nos deu tudo, até seu próprio Filho, não pode restringir-se ao tempo da Celebração eucarística. Deve ser uma resposta concreta, através de nossa vida diária. Trata-se de viver o novo mandamento. Na Eucaristia o cristão realizou sua vocação última de rei, sacerdote e profeta, vivendo o Mistério da fé, oferecendo-se com Cristo ao Pai, elevando tudo a Deus na ação de graças, dando testemunho da Morte e Ressurreição de Cristo. Ele parte, então, com a missão de viver esta sua vocação no serviço fraterno. De cada Celebração eucarística o cristão leva uma realidade, o Cristo. Ele o leva ao próximo como Caminho, Verdade e Vida, como luz do mundo e sal da terra. De cada Celebração eucarística o cristão leva uma mensagem de justiça e de paz. O homem eucarístico não será, pois, a pessoa dos braços cruzados, já de posse do paraíso, mas o agente do progresso integral do ser humano, uma pessoa engajada na sua missão de sacerdote, profeta e rei da criação.

Assim, a vida não será apenas uma ressonância da Celebração eucarística, tornando-se ela também uma ação de graças, uma glorificação do Pai, um agradecimento, uma profissão de fé, um exercício de sua vocação de sacerdote, rei e profeta. A vida diária, o seu engajamento humano torna-se uma ação de graças para Deus e para o próximo e todo o criado, uma preparação para a seguinte Celebração eucarística.

Para o cristão não poderá haver duas Eucaristias iguais. De uma para a outra a pessoa cresceu, abraçou novas realidades, encontra-se diante de Deus de modo diverso, de modo novo. Está diante do Pai com Cristo, no Espírito Santo com aquela parcela do mundo que ele conquistou, ou melhor, que ele conseguiu servir. Ele está diante do Pai e com o Pai com aqueles que ele conseguiu abraçar no amor, levando a eles o Cristo.

Os dons do pão e do vinho, que pela Ação de graças se transformam, são símbolo daquilo que o homem conquistou por Cristo, procurando, a exemplo dele, a vontade do Pai em tudo. Para isso, é preciso que o homem saiba oferecer um banquete. Mais ainda, é preciso transforma-se em banquete, a exemplo de Cristo. É preciso que ele se transforme em pão e vinho para os seus irmãos; que se dê em alimento e bebida a serviço da vida do próximo, tornando-se uma bênção a exemplo de Cristo. Assim, a nossa vida cristã corresponderá sempre mais àquilo que celebramos para que a nossa Eucaristia seja cada vez mais verdadeira. Desta forma, podemos dizer que a Eucaristia é lava-pés, que a Eucaristia é serviço fraterno. Trata-se de celebrar e de viver a Eucaristia.