Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Devotamento cidadão

05/09/2022

“Independência ou Morte”, por Pedro Américo. Exposta no Museu Paulista (domínio público, Wikipedia).

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Bicentenário da Independência do Brasil merece muitas análises, de especialistas e técnicos, para bem orientar governantes e representantes políticos, de modo a fortalecer instituições e segmentos que configuram o tecido cultural, político e econômico do Brasil, com seus avanços e retrocessos. As urgências são muitas, especialmentequandosão considerados os cenários de desigualdades sociais e os riscos à democracia. As análises sobre o Bicentenário da Independência precisam contribuir para construir e fortalecer o devotamento cidadão, priorizando a importância insubstituível de cada cidadãopara edificar uma sociedade mais justa e solidária, por meio de uma política melhor. Devotamento cidadão refere-se, pois, à contribuição participativa de cada pessoa nos processos permanentes que buscam promover o bem comum, a igualdade social, o sistema democrático e as relações capazes de harmonizar diferenças, tornando-as riquezas na busca pela paz.

Isso porque este momento eleitoral com debates e entrevistas, esforços para evidenciar o “lado mais forte” ou “mais fraco”, suas contradições, oferecem contribuições para definir os nomes a serem escolhidos nas urnas, mas são insuficientes. Para alavancar rumos novos urgidos, ante a quantidade de demandas e carências, é imprescindível a força que vem do devotamento cidadão, capaz de construir e impulsionar horizontes novos para a história do Brasil. Esse devotamento não pode ser confundido com desatinos de posicionamentos ideológicos que afrontam a sacralidade da vida e a busca por igualdade social. Precisa estar na contramão de lógicas excludentes e preconceituosas, para vencer situações insustentáveis, a exemplo daquela que esvazia o sentido pleno de cidadania para todos.

Sabe-se que muitos desvarios, em diferentes lugares, alimentando perseguições, indiferenças e manipulações, resultam da falta de substrato humanístico, esvaziando o sentido autênticododevotamento cidadão, essencial para que todos se reconheçam pertencentes a uma nação que busca, cotidianamente, consolidar a sua independência, a partir da riqueza de sua história, de valores culturais e princípios morais inquestionáveis.

Por isso, exercitar-se na mútuacompreensão é imprescindível, investindo no diálogo, na configuração de narrativas construtivas, capazes de bem administrar confrontos. Assim é possível se distanciar das polarizações que levam a violências físicas e verbais. A Semana da Pátria renova o convite para que todos assumam o compromisso de exercitar-se no devotamento cidadão, aquele que reconhece a pátria como valor maior que partidos políticos, mais importante que interesses oligárquicos. Esse exercitar-se contempla o esforço para qualificar a cidadania, buscando oferecer contribuições relevantes no exercício da liderança nas mais variadas responsabilidades cotidianas. Deve-se, ainda, tratar o próximo com reverência, considerá-lo o mais importante, conforme o ensinamento magno da espiritualidade cristã.

Muitas são as etapas de preparação para sealcançarum estágio adequado de devotamento cidadão.O primeiro passo será ter consciência da própria importância na configuração de uma sociedade renovada, mais justa, solidária e fraterna. Assim é possível qualificar ainda mais as próprias atitudes – tudo fazer com seriedade, tecendo em si uma moralidade que reverencia o bem comum, reconhece a sua sacralidade e identifica as urgências que afligem, principalmente, os mais pobres. No conjunto rico e plural das etapas a serem cumpridas para qualificar o devotamento cidadão, tenha-se como ponto de partida o reconhecimento de que cada cidadão é obreiro da paz. E obreiro da paz é quem assume a postura, simples e cotidiana, de fazer valer o respeito, movendo-se no caminho da solidariedade em relação aos pobres e fragilizados. Isto significa cultivar no próprio coração o anseio de promover a paz e de compreendê-la na sua dimensão de justiça e de igualdade social. A sociedade brasileira precisa contar com posturas altruístas emoldurando intuições criativas, capazes de mudar rumos – atitudes que expressam devotamento cidadão.


Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

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