Os cristãos e judeus consideram a Bíblia como livro sagrado. Os católicos consideram como inspirados 73 livros, e os evangélicos, 66. Você sabia que há mais de 180 livros que ficaram fora da lista oficial que a Igreja reconheceu como inspirados? Entre eles, 140 são do Novo Testamento, os quais foram escritos no final do século I e, sobretudo, no século II, com o objetivo de acrescentar, esclarecer ou contrapor ensinamentos sobre Jesus e seus seguidores. Os apócrifos do Novo Testamento podem ser classificados, em relação aos canônicos, como aberrantes (exagerados), complementares e alternativos.
Com o objetivo de poder ajudar a compreender esses textos e dialogar ecumenicamente com essa literatura de origem, publiquei Bíblia Apócrifa: Segundo Testamento (ed. Vozes)1. Ela é o resultado de mais duas décadas de pesquisa, período na qual publiquei alguns livros sobre os apócrifos. São 784 páginas de fé, presente numa literatura pouco conhecida do grande público. A tradução apresentada baseia-se em textos originários em suas diversas traduções para as línguas modernas.
Essa obra é uma Bíblia, pois ela é também uma coleção de 67 livros, traduzidos e comentados de forma acessível ao estudo e ao contato com a fé de origem. Ela apresenta também informações sobre 38 outros textos e fragmentos apócrifos. Os livros foram chamados de Segundo, e não de Novo Testamento, por uma questão de diálogo e respeito como os nossos irmãos judeus.
Apócrifo é a tradução do termo grego “apokryphos” e significa escondido, oculto, isto é, no caso, livro utilizado, lido de forma escondida. Seria a Bíblia Apócrifa outra Bíblia? Sim e não! Como apresentação de um pensamento diferenciado, é, sim, outra Bíblia, mas, em relação a seu objetivo, que é o de dialogar com os vários cristianismos de origem, não. Ela é um convite ao diálogo e amadurecimento na fé, bem como o de levar o leitor (a) a compreender a revelação do Espírito Santo na oralidade da fé, na catequese que chegou até os nossos dias.
Para que isso fique bem claro, a obra inicia com grande introdução à Bíblia Canônica e à Bíblia Apócrifa. Na sequência, a tradução dos apócrifos do Segundo Testamento está distribuída da seguinte forma:
- Cinco Evangelhos do nascimento e infância de Jesus (Segundo Pseudo-Tomé, Infância do Salvador…).
- Seis Evangelhos sobre Maria (livro do Descanso, Protoevangelho de Tiago…).
- Um Evangelho sobre São José (História de José, o Carpinteiro).
- Cinco Evangelhos da Paixão, morte e ressurreição de Jesus (Sentença de Pilatos, Descida de Cristo aos infernos, Evangelhos Segundo Pedro…).
- 6 Evangelhos gnósticos (Evangelho de Maria Madalena, Evangelho de Tomé, Evangelho de Judas Iscariotes…).
- Oito História de Pilatos (Relatório de Pilatos a César, Vingança do Salvador, Morte de Pilatos…).
- Catorze Atos dos Apóstolos (Atos de André, Atos de São Judas Tadeu, A filha de Pedro…).
- Dezoito Cartas (Carta dos Coríntios a Paulo, Carta de Paulo aos Laodicences, Cartas entre Paulo e Sêneca…).
- Quatro Apocalipses (Apocalipse de Paulo, Apocalipse de Tomé…).
No início de cada livro apócrifo, há um comentário com as principais informações sobre seus contextos histórico e literário. É importante ressaltar, dentre outros pontos, que os apócrifos do Segundo Testamento:
- Resgatam a face dos cristianismos perdidos ou excluídos, possibilitando-nos o conhecimento dessas correntes de pensamento condenadas ao ostracismo, nas quais poderiam estar traços do pensamento de Jesus que foram afastados pelo cristianismo que se tornou hegemônico.
- Eles também revelam a luta desenfreada pelo poder, nos primórdios do cristianismo, entre suas lideranças. Nesse sentido, os apócrifos, sobretudo os gnósticos, evidenciam o papel, a liderança da mulher na era apostólica. Maria Madalena é o melhor exemplo.
- Oferecem elementos da catequese não propriamente herética dos primeiros cristãos, ainda hoje presentes no imaginário popular, espelho de uma fé simples, piedosa e devocional em relação a Maria, por exemplo, os quais serviram de base para dogmas de fé na Igreja.
- Influenciaram a arte e a literatura cristã na Idade Média e Moderna como a Legenda áurea, de Jacopo de Varezze, e a Divina Comédia, de Dante, as pinturas nas igrejas romanas, com imagens inspiradas nos apócrifos, e tantas outras obras, evidenciando o encontro inevitável entre o evangelho e a cultura, mesmo na sua condição de escrito não canônico.
- Verdade ou não, os apócrifos do Segundo Testamento respondem questões que os canônicos não conseguiram.
Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento, por mais polêmica que seja, abre um canal de diálogo com os valores cristãos de ontem e de hoje.
Frei Jacir de Freitas Faria