Frei Vitório Mazzuco Filho
Mística é um encadeamento de paixão; uma experiência mais interna e mais intensa que nos leva às mais profundas motivações. Mística é transcender a realidade; é colocar enamoramento na vivência de uma causa, de um projeto, de uma vocação, de um ideal. É ser totalmente envolvido por um projeto!Quando falamos de Mística Franciscana, nos reportamos ao modo original como Francisco de Assis viveu: um rebelde com causa! Não satisfeito com a sociedade da época, não satisfeito com a qualidade de vida burguesa de sua família, não satisfeito com a ausência do Evangelho de certas experiências eclesiológicas, não conformado com a sua juventude ambiciosa, guerreira e seduzida pelo status de possuir títulos nobres, castelos e terras, resolveu mudar de lugar, mudar de mentalidade, mudar o rumo de sua vida.
Era uma pessoa de sucesso, mas não realizada. Para ser uma pessoa realizada não quis arriscar a sua vida por pouca coisa, mas optou pela causa das causas: Viver neste mundo no modo de Jesus Cristo! Ser igual a Ele e encarnar os valores do Evangelho para que a sua vida tivesse uma medida necessária.
Ao abraçar a causa do Reino de Deus pregado por Jesus Cristo, Francisco encantou-se com a maior prioridade do Reino: os Pobres! Ser pobre não é estar dentro de uma categoria econômica excludente, que diz que você nada possui.
Para Francisco, o ser pobre significa a coragem de repartir. O pouco que tenho eu dou! A identidade do pobre é a fraternidade, isto é, todos são meus irmãos e irmãs, todos são por demais importantes, todos são capazes, todos têm direito aos melhores frutos da terra. Assim Francisco aprendeu com o seu Mestre Jesus: ser pobre no meio dos pobres, cuidar incondicionalmente de toda humana criatura.
O começo de Francisco foi entre os leprosos da época: gente contaminada, excluída, desamada e fora de qualquer privilégio social. No meio deles, Francisco começou a moldar o rosto de uma nova humanidade que abraça, acolhe, mora junto e faz da obra concreta uma fé pessoal, comunitária, social e cósmica, perpassada pela graça de Deus e inserida na realidade histórica.
Francisco foi às práticas bem concretas para que na sua época e em todos os tempos fosse diminuída a iniqüidade, a injustiça, a dor, o sofrimento, a miséria. Para Francisco, tudo era coexistência no Amor; viver lá no meio das situações humanas e desumanas, viver lá onde são urgentes todas as experiências marcantes do cuidado que dá vida e criatividade à fé que um dia aprendemos. Tudo o que passa pelo afeto e pelo coração vira mística! Aí Francisco se transformou num ser livre para amar!
Francisco abraçou a causa dos pobres porque sabia que viver o Evangelho não é apenas professar uma doutrina, mas fazer valer um projeto de transformação: o serviço por amor, o voluntariado por amor, a capacidade de perdoar, a sensibilidade pelos fracos, a atmosfera de alegria e paz, a generosidade saindo pelos poros… Para Francisco, o Evangelho não era uma lei rigorosa, mas a vontade amorosa de um Deus que queria que o amor fosse amado.
A partir disto tudo, Francisco deu esmolas, pediu esmolas, curou feridas de leprosos, dividiu o prato de comida, fez de ruínas albergues de aconchego; evitou a agressividade, a ostentação, a sedução do poder de quem manda e de quem tem; plantou e colheu, trabalhou com as próprias mãos, aceitou simples, intelectuais e nobres que queriam ajudar e entrar na mesma Forma de Vida; recebeu o sagrado feminino de Clara que o ensinou a ser mãe; andou sempre com o companheirismo fiel de Leão que o ensinou a ser humilde e amigo.
Quem aprendeu a cuidar da ferida da lepra aprende também a tirar vermes da estrada e ver luz mais brilhante no sol, na lua, nas estrelas, na criação. Ontem, Francisco criou a mística encarnada do Pobre, hoje o Sefras continua a mística do coletivo, do respeito à pessoa, da defesa e da promoção dos pobres! O Sefras é o resgate da mística evangélica e do sentido político da fé cristã!