Frei Almir Ribeiro Guimarães
Pari… um dos bairros desta imensa cidade chamada São Paulo. Um bairro diferente do jeito dos sofisticados bairros dos “jardins” da Zona Sul ou do “pedaço” da Avenida Paulista. Tive a tentação de dizer que se trata de um bairro pobre. Seria inverdade. Muito dinheiro circula nesse comércio doido da Rua Oriente, da Barão de Ladário ou da Rio Bonito. Perto do centro velho de São Paulo, mas não tão perto assim. Pari, onde os frades se fizeram e se fazem belamente presentes.
Duas lembranças bem antigas assomam-me à mente quando me disponho a tecer algumas considerações a respeito do Pari. Na década de 50 morou neste bairro meu tio Euclides, irmão mais novo de meu pai, que foi gerente das Vozes de São Paulo. Quando ele ia a Petrópolis, por ocasião do Natal, nos falava das coisas maravilhosas de São Paulo e do bairro do Pari. Lembro-me de uma senhora amiga de tio Euclides e de tia Carminda que se chamava Dona Antônia, uma paulistana moradora do bairro e que transmitia uma grande alegria de viver. Conheci D. Antônia quando ia a Petrópolis. Já deve ter morrido. As pessoas duram muito tempo. Mas um dia as coisas terminam. E vamos ficando órfãos de amigos de verdade. A segunda lembrança é que aqui esteve trabalhando Frei Quirino Schmitz que depois se tornou bispo. No meu tempo de Filosofia e Teologia olhava para o dinamismo de Frei Quirino como modelar.
Nossa Igreja de Santo Antônio do Pari está situada numa movimentadíssima praça que deveria ser Praça Santo Antônio e não Praça Padre Bento, com todo respeito ao eclesiástico que deu seu nome à praça. O templo é majestoso. Diria mesmo majestosíssimo. Colunas enormes, estilo amplo, piso bem cuidado, altar mor grandioso, até mesmo com baldaquino. Uma belíssima igreja que foi espaço de celebração de inúmeros casamentos. Suas grandes e imponentes torres impressionam e ainda chamam a atenção dos passantes. Estamos no meio de toda a agitação comercial do bairro do Pari. Depois de incêndios e desgastes, a Igreja foi reformada com a garra e persistência de Frei Gilmar José da Silva. Realmente, como já se disse, ela é o cartão postal do bairro. O prefeito da cidade precisaria prestar atenção nisso. Ela está plantada no meio do burburinho da cidade. Há uma encruzilhada de ruas por onde circulam carros, coletivos, caminhões que, à sua passagem, fazem o solo tremer.
Belo templo. Se estas paredes pudessem falar, elas diriam do esplendor das celebrações aqui realizadas. Quantos e quantos, homens e mulheres, foram formados pelos frades do Pari. Quanto suor evangelizador! Quanta história que só Deus conhece.
A Praça Padre Bento está deteriorada. Não é lugar bonito e bem cuidado. Há muita sujeira. Um ponto de táxi, uma banca de jornal, bancos e mesas de concreto, aposentados jogando dominó ou cartas… farmácias, restaurantes, casas bancárias, lanchonetes, muitos pobres dormindo na praça, pombos, e o barulho trepidante dos ônibus e dos caminhões dia e noite. À noite tudo fica mais calmo, é verdade. Um bairro, um lugar onde moram pessoas pobres e até mesmo cheio de cortiços com bolivianos e muitos brasileiros chegados de outros estados. Muitas de suas ruas mostram a miséria dos locais onde essa pobre gente se protege do sol e da chuva.
Impressiona a existência de prédios e galpões muito grandes. Penso aqui nas construções comerciais. A vocação do Pari é o comércio. Os antigos habitantes fugiram, venderam casas e terrenos para que os grandes comerciantes pudessem construir imensas lojas… À noite e nos finais de semana, um deserto… As pessoas compraram casas em outros bairros e se foram… Para não dizer que se esqueceram do Pari elas vêm aos milhares e milhares para a festa de Santo Antônio… À nossa volta poucas residências. Há alguns edifícios mais sofisticados onde moram os libaneses e muçulmanos ricos, como também os coreanos. Calçadas cheias de gente circulando, lojas simples e mal cuidadas, centros comerciais de atacado, sofisticados, luxuosos, com hotel e restaurantes de primeiro mundo. Roupas, vestidos, jeans, camisetas, bolsas… imitações grotescas e outras quase iguais às marcas originais… Camisetas baratas… e esses ônibus de todos os cantos trazendo compradores que arrastam em malas com rodas o que vão vender em Santa Catarina, na região de Belo Horizonte ou no interior de São Paulo…. Em poucos meses, à rua João Teodoro, ergueu-se um grande centro comercial… Nos dias de dezembro já havia uma placa : “Inaugurado”. Os lojistas querem vender… e vendem mesmo. Tudo gira em torno do dinheiro? E onde ficou a alma do Pari?
Por aí realiza-se a famosa feirinha da madrugada. Comerciantes, por vezes sem lenço nem documento, expõem as mercadorias em bancas móveis… tudo …. roupas, relógios, louças, … mas sobretudo roupas… Os ônibus urbanos precisam circular com imenso cuidado…. A feirinha da madrugada é conhecida. Houve choques entre a polícia e esses ambulantes em noite de ônibus queimados, de manifestações de violência. Na Praça Pe. Bento houve choques. Policiais montados em cavalos disparavam tiros de efeito moral… Os moradores de rua se levantavam, afirmando que nada tinham a ver com a história … carregando seus colchões. Davam a impressão daqueles curados do evangelho que iam para a casa carregando a maca…
Durante a semana, o trânsito se torna insuportável nesse miolo da Barão de Ladário, João Teodoro e Oriente até chegar à Av. do Estado. Nem adianta tomar táxi. Melhor ir a pé até a estação Tiradentes do metrô paulistano.
Muitas perguntas e muitos questionamentos fazem os frades do Pari e os poucos paulistas que andam por aqui. Haverá que descobrir um outro jeito de ser paróquia no Pari. Os libaneses e coreanos chegam para o trabalho, mas moram bem, muito bem em outros bairros. Há também chineses, muitos chineses, sempre chineses… Aliás, o mundo será chinês. Quem viver verá. Não é aqui o espaço de fazer uma reflexão sobre a pastoral e a evangelização do bairro. Mas ela se impõe. Do ponto de vista de uma verdadeira evangelização muitas questionamentos são feitos.
Gostaria de me deter num aspecto particular da igreja do Pari. De 2ª. a sábado é celebrada missa às 7 horas da manhã. Muitas vezes celebrei a eucaristia nesse horário. Poucas vezes me dei conta de uma assembleia tão piedosa e tão especial como essa da Missa das 7 horas (menos em dias de sábado). A frequência varia, mas gira em torno de 50 pessoas. Há mais gentes às terças-feiras. Os frequentadores são pessoas que não moram no bairro, que chegam de ônibus ou de carro para trabalhar como gerentes, balconistas ou serventes nas lojas. Cria-se no templo um clima de oração. As pessoas não vêm à sacristia falar, falar… falar… Chegam, tomam seu lugar no templo… quase sempre o mesmo… Há essas duas mulheres que devem ser gerentes de lojas. Vestem-se corretamente. Há um casal que mora no bairro e vem nas festas e às terças-feiras. Há um homem de seus 60 anos que se veste com roupa de grife. Uma portuguesa dos tempos passados, todos os dias, percorre a igreja com cestinha. Outras duas cuidam da cesta dos pães de Santo Antônio. Aquele senhor é gerente de negócios que têm sua sede em Goiânia. Quando está em São Paulo vem todos os dias à missa. Um jovem senhor, de seus 35 anos, casado, aparece às vezes. A expressão serena de seu rosto me ajuda a rezar, como também aquela senhora alta, negra, elegante no andar e com uma expressão de piedade sem melosidade.
Escrevo estas linhas numa manhã de quinta-feira, na semana antes do Natal. A impressão que tenho é que o movimento em vista do Natal está terminando, mas os ônibus circulam: Liberdade, Terminal Princesa Isabel, Brás. A vida continua neste bairro e neste quarteirão onde moram os frades e onde está o belo templo de Santo Antônio do Pari.