Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Alcançar a estatura do Cristo em sua plenitude é a interpelação do apóstolo Paulo, na Carta aos Efésios, ao apontar a meta essencial à cidadania, aquela que leva o ser humano a tornar-se, verdadeiramente, um adulto. A maturação humana não vem pelas conquistas profissionais, técnicas ou somente pela excelência intelectual. As capacidades humanas carecem de uma espiritualidade que inspire condutas à altura de responsabilidades assumidas, em diferentes âmbitos. Não há maturidade sem o tempero e sem o horizonte da espiritualidade. Escorrega-se facilmente nas valas da mesquinhez que justificam apegos ao poder, amor doentio ao dinheiro, culto à hegemonia do próprio ego, adoecendo muitos, alimentando diferentes disputas – dos rancores entre as pessoas às guerras que sacrificam inocentes. As complexas e urgentes demandas contemporâneas da humanidade, para serem solucionadas, também dependem da competência espiritual que é caminho para levar o ser humano à maturidade, à estatura de Cristo.
O investimento espiritual capaz de incidir nos modos de se compreender o mundo e nas dinâmicas vivenciais tem influência determinante na estatura de cada pessoa. É sempre decepcionante e desastrosa a atuação de quem pode até ter competência técnica e intelectual, mas prescinde do tecido espiritual indispensável para garantir decisões e atitudes maduras. Não adianta ser um “gigante” no que se refere às habilidades técnicas e políticas, mas pequeno na competência humano-espiritual. Investir na espiritualidade é determinante na qualificação de desempenhos. É essencial para se viver adequadamente – o que não significa apenas usufruir de bens materiais ou alcançar reconhecimento na sociedade. Mas a força de hegemonias existenciais, alimentadas por paradigmas tecnocráticos, levam o ser humano a acreditar, equivocadamente, que, para alcançar uma vida de qualidade, deve-se buscar, exclusivamente, o lucro e o poder. Aprisionada nessa ilusão, a humanidade não consegue enfrentar os muitos adoecimentos contemporâneos e os desvirtuamentos institucionais.
Pode causar estranheza, mas é determinante investir em espiritualidade para se conquistar a estatura de adulto. A civilização contemporânea, tão avançada tecnologicamente, ao mesmo tempo é excessivamente “infantil”. Reúne muita gente “adulta” sem a adequada maturidade para dar conta da grandeza da própria tarefa e missão, comprometendo projetos e processos. A espiritualidade tem propriedades que fecundam a moralidade, tão preciosa para reverter descompassos que comprometem governos, funcionamentos institucionais, com graves impactos na sociedade. Sem a vivência da espiritualidade as capacidades humanas tornam-se insuficientes para enxergar a realidade com lucidez. Até mesmo a compaixão, indispensável para a edificação do bem, não flui adequadamente no coração de quem permanece alheio à espiritualidade. Mesmo com essa inegável importância, corre-se o risco de a espiritualidade ser ainda mais desconsiderada, neste tempo marcado pelos desafios e possibilidades da inteligência artificial.
Especialmente no mundo contemporâneo, de tantas inseguranças, vale investir na dimensão espiritual, que é fonte de sentido para a vida humana. A espiritualidade abre as portas e ilumina o caminho que leva à experiência da fé – única experiência com propriedades para fortalecer o ser humano, habilitando-o para suportar os sacrifícios exigidos pelo amor. Percebe-se que sem a espiritualidade e a fé, gradativamente, multiplica-se a indiferença, some o amor. Prevalece a incompreensão sobre a importância de dar e não receber – indispensável para superar as desigualdades sociais. A espiritualidade alimenta a esperança de modo fidedigno. Capacita o ser humano para agir sem depender de motivações relacionadas à busca por riquezas ou reconhecimento social e político.
No caminho da espiritualidade, aprende-se a sabedoria de ser pobre, mesmo possuindo todas as coisas. Essa sabedoria reveste o ser humano de corajoso desapego, por reconhecer que não há nada a perder. Trata-se de antídoto para o egoísmo. Dedicando-se, adequadamente à espiritualidade, pode-se aprender a lição incomum partilhada por São João Crisóstomo, que sabiamente disse: as dignidades do mundo se fazem conhecer pelos sinais exteriores, mas os sinais que identificam os cristãos devem provir da alma e do coração. Esse ensinamento permite enxergar um caminho sensato que leva à superação de superficialidades e de um modo de vida fútil. A espiritualidade é, assim, uma escola para todos, base para que a humanidade promova transformações capazes de semear a igualdade e a fraternidade universal.
A partir da espiritualidade é possível testemunhar uma verdade que ultrapassa a configuração de convicções próprias. Para os cristãos, é o testemunho da verdade de Cristo, o Salvador e Senhor. Aprende-se a reconhecer um gosto que não é pessoal, mas o gosto de Deus. Ora, sabe-se que a sabedoria divina é infinitamente superior à sabedoria humana, porque o pensamento de Deus tem fecundidades que nenhum outro possui. Aprende-se a vontade de Deus pela prática da espiritualidade que carrega as sementes do amor verdadeiro, com força libertadora. A estatura de “adulto”, neste e em outros tempos, é conquistada a partir da espiritualidade, com práticas ancoradas no silêncio contemplativo, distanciado dos ruídos que confundem, e pela escuta na dinâmica da meditação, que garante uma singular experiência de encontro consigo mesmo, com o outro e com Deus. Sem homens e mulheres verdadeiramente “adultos”, não será possível edificar um tempo de esperança. É hora de mais espiritualidade para ampliar o horizonte da humanidade no amor.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (fonte: https://arquidiocesebh.org.br/)