Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A educação e sua relação com a tentação do poder, do corpo e o rodízio de berinjela na inspiração de Lc 4,1-13

04/03/2022

Imagem: Félix Joseph Barrias (Wikimedia Commons, domínio público)

Frei Jacir de Freitas Faria [1]

O texto sobre o qual vamos refletir hoje é tirado de Lc 4,1-13. Trata-se das tentações de Jesus, no deserto, e de sua relação com o Tentador, o Diabo, aquele que provoca divisões. Estamos na Quaresma, isto é, um tempo de quarenta dias de preparação para a Páscoa, criado pela Igreja por volta do ano 350 E.C. Um tempo longo de deserto, de reflexão e de mudança de vida, tendo em vista a paixão, morte e ressurreição de Jesus.

A Igreja Católica, no Brasil, a cada ano, nesse período, propõe uma temática de reflexão. Esse ano é sobre a Educação. Vamos refletir a educação e sua relação com a tentação do poder, do corpo e o rodízio de beringela na inspiração de Lc 4,1-13.

O que é isso educar? Educar para quê? Quem educa, hoje: a família, a escola, a Igreja, a televisão ou as redes sociais? Qual a relação entre educação, poder e tentação? Por que a mulher é chamada de tentação? O que é isso: “rodízio de berinjela”?

Diante de tantas perguntas tentadoras, vamos a possíveis respostas. Comecemos o lema da Campanha da Fraternidade (CF), tirado do livro de Pr 31,26: “Fala com sabedoria, ensina com amor”. A máxima apresenta a proposta judaica de educar, conservada pelo livro de Provérbios, e assumida por Jesus, como demonstra o cartaz da CF. Jesus está encurvado, na posição de escuta diante da mulher adúltera, que não é Maria Madalena. Ele ouve, procura entender o que a mulher tem a lhe dizer. Condenada pelos mestres, a mulher também está curvada em sinal de acolhida dos ensinamentos de Jesus. Jesus e a mulher têm as mãos no coração, que é a sede do conhecimento, na visão judaica, e da misericórdia, conservada na tradução latina do substantivo hebraico hahim, resultado da junção dos substantivos compaixão (miseratio) e coração (cordis), isto é, ter compaixão do coração, sentir, ouvir o outro.

Educar é o movimento da escuta, da compaixão, da interpretação e do transmitir, com amor, a sabedoria adquirida. O contrário de educação é cair na tentação de inverter o sentido dos valores, deseducando. O texto de Lc 4,1-13 é reflexo da educação judaica, unida à fé. Jesus e todo o judeu professavam a máxima da Lei: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, o teu ser e as tuas posses” (Dt 6,4-5). Lucas mostra que Jesus, no início de sua missão, é tentado, testado para ver se, de fato, Ele era o Filho de Deus e se estava convicto de sua missão. O tentador entra em cena no deserto, lugar do demônio Azazel, chamado de Diabo, que é a tradução grega do aramaico Satanás, aquele que divide para se impor, dominar, assim como o capeta do imaginário popular. Jesus não aceita se submeter ao poder das riquezas, das glórias e da saciedade oferecidas pelo Diabo.

Para se tornar um mestre, Jesus, na educação judaica, deveria ser provado três vezes. E foi o que aconteceu com ele, durante 40 dias. Jesus era judeu, mas agiu de forma diferente do seu povo, que esteve, simbolicamente, no deserto, por 40 anos; não resistindo à fome no deserto; discutindo com Moisés; colocando Deus à prova, duvidando de sua presença no meio deles (Êx 17,1-7); cedendo à tentação do poder do bezerro de ouro (Dt 9,12).

A conclusão para Lucas é a de que Jesus é o mestre, o educador preparado para falar com sabedoria e ensinar com amor. O jejum no deserto mostrou-lhe o caminho de Deus. Jesus é o novo Adão que resistiu ao tentador, o novo Moisés que passou pelo deserto e carregou sobre si a tentação do povo.

Atualizando a nossa reflexão, partindo da ideia de que quando falamos de tentação, logo nos vem à mente a questão da sexualidade, e considerando que a Igreja ensinou, num passado recente, que existem dois tipos de diabos, demônios desencarnados e tentadores, o masculino, chamado Íncubus, e o feminino, Súcubus. A ação deles no ser humano começa pelo corpo, precisamente pela sexualidade, e atinge a alma. Eles podiam entrar no quarto de mulheres e homens durante a noite para ter relações com eles, tendo, assim, domínio sobre seus corpos.[2] Nessa perspectiva é que surge a visão de que a mulher é a presa fácil para a ação diabólica, pois elas não resistiam ao tentador. Acreditava-se que as feiticeiras tinham relação sexual, por meio de ritos orgíacos, com o demônio. O poder de fazer o mal de várias formas vinha dessa relação com o “Senhor do prazer”, o diabo.[3] Portanto, a mulher e suas malícias são obras do demônio, sobretudo as feiticeiras, por estragarem a ordem natural estabelecida do universo. O fim delas foi, infelizmente, a fogueira da inquisição.

A relação sexual entre seres humanos era sinal de fraqueza de ambos e colocava em risco o poder de domínio exercido por eles. Cultos, em civilizações antigas, celebravam o poder do homem, do macho, e a sua relação com o sagrado. A “tourada” é reminiscência dessa relação erótica de poder. O toureiro mostra o seu corpo bem formado para um público ávido de poder e erotismo. Ele mata o touro para restabelecer a ordem masculina do poder sagrado. Por mais vil que seja a cena, todos aplaudem a morte do touro.

Atualmente, essa relação de poder, que expõe o corpo, o erotismo e as futricas da vida real, exerce grande atração na televisão e nas redes sociais num programa que reina soberano há mais de 20 anos, o Big Brother, que de irmão não tem nada. As relações de poder são identificadas com o corpo e o prazer. Relação é estar 24 horas no mesmo local, fazendo a mesmice para os “mesmos de fora” assistirem fascinados a novela da vida real. Para muitos, isso é algo similar ao sabor de uma picanha suculenta, para outros, é semelhante a um “rodízio de berinjela” malpassada.  O vencedor do prêmio milionário é o que mais divide (diabo) na frenética luta de poder, no deserto da ausência da família e do mundo lá fora.

Como falar de educação diante dessa situação? Quais são os outros tipos de tentações que nos afligem? Ouso terminar com mais perguntas que respostas. Oxalá que o tempo quaresmal de reflexão e oração nos traga luzes para a vivência de uma educação que integra o ser e o poder, apesar dos tentadores. Deixemos que o Espírito Santo aja no deserto de nossas vidas. Amém!


[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apocrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ

[2] MELTON, J. Gordon. O Livro dos Vampiros: a Enciclopédia dos Mortos-Vivos. São Paulo: Makron Books, 1995. p. 29.

[3] KRAMER, Malleus Maleficarum, p. 31, citado por AVELINO, Jamil David. O medo na Idade Média (séculos X-XIII). 2010. 30p. Artigo (Licenciatura em História) – Faculdade Alfredo Nasser/Instituto Superior de Educação, Aparecida de Goiânia, 2010, p. 7.

Premium WordPress Themes Download
Download WordPress Themes Free
Premium WordPress Themes Download
Free Download WordPress Themes
download udemy paid course for free
download intex firmware
Download WordPress Themes Free
free download udemy course