Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Onde está o nó da questão ecológica (II)

14/01/2015

Foto ciclone SC: (Reprodução / Nasa / Imagem de satélite)

 

Leonardo Boff

No artigo anterior com o mesmo título abordamos o lado objetivo da questão ecológica, tentando superar o mero ambientalismo a partir de uma nova visão do planeta, da natureza e do ser humano, como a porção pensante da Terra.

Mas esta consideração é insuficiente se não for completada por uma visão subjetiva, aquela que afeta as estruturas mentais e os hábitos dos seres humanos. Não basta ver e pensar diferente. Temos também que agir diferente. Não  podemos mudar simplesmente o mundo. Mas sempre podemos começar a mudar este pedaço do mundo que somos cada um de nós. E se a maioria incorporar esse processo daremos o salto quântico necessário para um novo paradigma de habitar a única Casa Comum que temos.

Inspira-nos a Carta da Terra, de cuja redação tive a honra de participar sob a coordenação M. Gorbachev entre outros. Insatisfeitos com os resultados finais da Rio+20 um grupo decidiu entre eles, chefes de Estado, fazer uma consulta nas bases da humanidade para levantar princípios e valores em vista de uma nova relação para com a Terra e a nossa convivência sobre ela. Cito a parte final que resume tudo:

“Como nunca antes da história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo… Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Conclui a Carta: “Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a perspectiva de um modo de vida sustentável em nível local, regional, nacional e global”(n. 16 f).

Note-se que se fala de um novo começo e não apenas de alguma reforma ou simples modificação do mesmo. Duas dimensões são imprescindíveis: uma mudança na mente e no coração. A mudança na mente já foi abordada no artigo anterior: a nova visão sistêmica, envolvendo Terra e humanidade como uma única entidade. Valeria incluir também o inteiro universo em processo cosmogênico dentro do qual nos movemos e somos produto dele.

Agora cabe aprofundar, ainda que suscintamente, a mudança do coração. Para mim aqui está um dos nós essenciais do problema ecológico que deve ser desatado se quisermos mesmo fazer a grande travessia para o novo paradigma.

Trata-se do resgate dos direitos do coração. Numa linguagem científico-filosófica importa, junto com inteligência racional e instrumental, incorporar a inteligência cordial ou sensível (veja Muniz Sodré, Adela Cortina, Michel Maffesoli).

Toda nossa cultura moderna exacerbou a inteligência racional até ao ponto de torná-la irracional com a criação dos instrumentos  de nossa autodestruição e da devastação do sistema-Terra. Esta exacerbação difamou e recalcou a inteligência sensível a pretexto de que atrapalhava o olhar objetivista da razão. Hoje sabemos pela nova epistemologia e principalmente pela física quântica que todo saber, por mais objetivo que seja, vem impregnado de emoção  e de interesses.

O resgate da inteligência sensível e cordial, cujo sítio reside no cérebro límbico que possui mais de 200 milhões de anos, quando emergiram os mamíferos, é a sede das emoções, dos sentimentos do amor, do cuidado, dos valores e de seus contrários. Nossa realidade mais profunda (previamente existe o cérebro reptílio de 313 milhões de anos) é o afeto, o cuidado, o amor ou ódio, os sentimentos básicos da vida. O neocortex, sítio da razão intelectual, começou a se formar há 5 milhões de anos, se aperfeiçoou com o homo sapiens há 200 mil anos e culminou com o homo sapiens dotado de inteligência racional completa, há apenas cem mil anos. Portanto, somos fundamentalmente seres de emoções e de afetos, base de todo o discurso psicanalítico.

Temos que  enriquecer a inteligência intelectual e instrumental da qual não podemos prescindir se quisermos dar conta dos problemas humanos. Mas sozinha ela se transforma em fundamentalismo da razão que é sua loucura, capaz de criar o Estado Islâmico que degola todos os diferentes ou a shoah, a solução final para os judeus. Diz o filósofo Patrick Viveret: “Só podemos utilizar a face positiva da racionalidade moderna se a utilizarmos amalgamada com a sensibilidade do coração” (Por uma sobriedade feliz, 2012, 41).

Sem o casamento da razão com o coração nunca nos moveremos para amar de verdade a Mãe Terra, reconhecer o valor intrínseco de cada ser e respeitá-lo e nos empenhar em salvar nossa civilização. Bem dizia o Papa Francisco: nossa civilização é cínica, pois perdeu a capacidade de sentir a dor do outro. Não sabe mais chorar face à tragédia de muitos milhares de refugiados.

A categoria central desta visão é o cuidado como ética e como cultura humanística. Se não cuidarmos da vida, da Terra e de nós mesmos, tudo adoece e acabamos por não garantir a sustentabilidade nem resgatar o que E. Wilson chama de biofilia, o amor à vida. Tudo o que cuidamos também amamos. Tudo o que amamos também cuidamos.

Para mim, o núcleo da razão instrumental analítica que nos deu a tecnociência com seus benefícios e também com suas ameaças deve ser impregnada pelo núcleo da razão cordial e sensível. Juntas constituem o nó de uma ecologia integral.

Então seremos plenamente humanos. Sentir-nos-emos parte a natureza e verdadeiramente a própria Terra que pensa, ama e cuida. Então podemos crer e esperar que ainda nos podemos salvar sem precisar pensar como Martin Heidegger: “Somente um Deus nos poderá salvar”.


 Leonardo Boff é autor do livreto com DVD As quatro ecologias: a ambiental, a social, a mental e a integral, Mar de Idéias, Rio 2011.

Download Premium WordPress Themes Free
Download WordPress Themes
Download WordPress Themes
Download WordPress Themes
udemy course download free
download mobile firmware
Free Download WordPress Themes
udemy paid course free download

Conteúdo Relacionado