Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

As consoladoras mensagens cotidianas

27/06/2013

cristo

Leonardo Boff (*)

Por mais que estudemos e pesquisemos, buscando decifrar os mistérios da vida e vislumbrar os desígnios do Criador, na verdade, somos guiados por poucas mensagens que costumamos colocar sob o vidro de nossa escrivaninha ou dependuramos à frente de nossa mesa de trabalho. Elas são sempre lidas e relidas e possuem uma força secreta de nos tirar da opacidade natural da vida. Outras vezes, são fotografias de entes queridos, de pais, de filhos e filhas que amamos e que nos aliviam no trabalho geralmente fastidiante e até penoso.

Assim vi há dias na mesa do diretor de um banco uma frase que tirou da Imitação de Cristo, um livro que há mais de 800 anos ilumina tantas pessoas: “Ó Luz eterna, superior a toda luz criada, lançai do alto um raio que penetre o íntimo de meu coração. Purificai, alegrai, iluminai e vivificai o meu espírito com todas as suas potências para que a Vós se una em transportes de pura alegria”. Disse-me que, durante o dia, reza com frequência esta oração, entre negociações,  cálculos de taxas e de porcentagens de juros nos empréstimos.

Eu, de minha parte, possuo dependuradas à frente de minha escrivaninha, onde passo muitas horas pesquisando e escrevendo, vários cartões com mensagens que nunca deixam de me consolar e inspirar.

Em primeiro lugar, uma imagem, tirada da famosa Sagrada Face de Turim mas retrabalhada com traços fortes.  O rosto é desfigurado, com sangue escorrendo pela testa e os cabelos desgrenhados pela tortura. Os olhos são profundos, cheios de enternecimento e com uma força tal que nos obrigam a desviar o olhar. Parece que nos penetram na alma e nos fazem sentir todos os padecimentos da humandiade sofredora na qual Ele está encarnado e sofrendo conosco, como diria Pascal, até o fim do mundo.

Ao lado, uma foto de uma irmã querida, segurando ao colo, num gesto da Magna Mater, o filhinho pequeno, irmã arrancada da vida, aos trinta e tres anos, por um enfarte fulminante. Ai há tanta ternura e serenidade que custa conter as lágrimas. Por que uma flor foi quebrada quando ainda não acabara de desabrochar? Por quê? A resposta não vem de nenhum lugar. Apenas uma fé que crê para além de todas as razoabilidades, sustenta o tormento desta pergunta.

Logo acima, presa ao braço da lâmpada, uma mensagem em alemão que encontrei quando ainda fazia meus estudos no exterior e que me inspira durante toda essa fatigante existência: “Eu passarei uma única vez por esta vida. Se eu puder mostrar alguma gentileza ou proporcionar alguma coisa boa a quem está ao meu lado, então quero fazê-lo já, não quero nem prostergá-lo nem negligenciá-lo, pois eu nunca mais voltarei a passar novamente por este caminho”. Aqui se diz uma verdade pura, simples e sábia.

Viajo muito por muitos meios e por muitos caminhos. Nunca se está livre de riscos. Quantos não são aqueles que partem e nunca chegam. E ai leio num cartão à minha frente a frase tirada do Salmo 91,11: “Deus ordenou a seus anjos que te protejam, pelos caminhos que tomares”. Não é consolodar poder ler esta mensagem como se tivesse sido escrita diretamente para você, um pouco antes de partir para uma viagem qualquer, sem poder saber se voltará são e salvo ?

Mais consolador é ainda este outro cartão, colocado num vaso cheio de canetas, no qual Deus pelo profeta Isaías me sussurra ao ouvido: “Não temas; eu te chamei pelo nome; tu és meu”(43,1). Como temer? Já não me pertenço. Pertenço a Alguém maior que conhece meu nome e me chama e me diz: “Tu és meu”. A alma serena, as angústias da humana existência se acalmam, apenas ressoa a palavra bem-aventurada: “Tu és meu”.

Aqui há algo que antecipa a eternidade quando Deus nos revela nosso verdadeiro nome. Segundo o Apocalipse, somente Deus e a pessoa  conhecem esse nome e ninguém mais. Ai, seguramente, Deus repetirá: “Tu és meu”; e a pessoa retrucará: “Eu sou teu”. Essa comunhão do eu e do tu se prolongará pela eternidade afora, numa fusão sem distância nem limites pelos séculos dos séculos, sem fim.

Não serão, por acaso, coisas singelas como estas que orientam nossa vida e nos trazem alguma luz no meio de tanta penumbra e de questões sem  resposta?

(*) Leonardo Boff é autor de Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas, Vozes 2011.

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