Frei Vitório Mazzuco
A tradição das Fontes Franciscanas coloca como marco da conversão definitiva de Francisco de Assis o seu encontro com o leproso. Velho e conhecido tema! Novo e sempre desafiador e fascinante tema! Que encontro foi este? Foi apenas ver, conhecer, cumprimentar, abraçar, beijar? Mera curiosidade? Afinal de contas quem não quer dar uma olhadinha na tragédia alheia? O certo é que Francisco foi onde ninguém do seu tempo queria ir: misturar-se com a miséria, com a pobreza, com a contaminação, com a doença, com o fétido, com o horrível. Foi e permaneceu ali como verdadeira iniciação: encontrar-se verdadeiramente com alguém é aproximar-se da sua realidade por mais terrível que ela seja. Encontrar-se é fazer vibrar o coração, é perceber o que se passa na intimidade do outro e da outra. O encontro de Francisco com o leproso, mais do que um momento, é uma atitude que vai envolvendo toda a vida.
E isto tudo começa quando ele percebe-se infeliz e não satisfeito com o seu status: rico, empreendedor emergente, comerciante próspero, filho de Pedro Bernardone, líder da juventude em Assis, boêmio, generoso, folgazão, pródigo e vivaz. Tem tudo para dar certo e ser uma pessoa de sucesso, mas ele descobre que ser uma pessoa realizada é muito mais importante que ser uma pessoa de sucesso. O sucesso é efêmero, a realização é para sempre!
Para encontrar-se com a necessidade do outro e da outra é preciso mudar de lugar. A conversão de Francisco é mudar de lugar! Ele dá um salto, sai da sua situação e mergulha na proposta do Evangelho: o Reino de Deus é a ética do cuidado! Por isso vai para as ruínas, sai fora dos limites da cidade, aproxima-se dos excluídos, vai viver com eles.
Quando a sociedade exclui a pessoa, ela apodrece o humano. A pior lepra que existe é ser colocado à margem de tudo. A pior doença que existe é tirar da pessoa a possibilidade de conviver.
Abraçar o que perdeu a chance de estar onde todos devem estar é que causa impacto. Conversão é deixar-se impactar-se. O leproso abala as estruturas todas de Francisco e afina seus sentidos para cuidar do humano. Aprendeu com a fala da Cruz que reconstruir significa colocar novamente a humanidade em pé.
Como um enfermeiro ousado, como um terapeuta engajado, como um assistente social comprometido, como um evangelizador inserido, ele vai lá consertar o indivíduo para consertar a humanidade toda, melhorar o leprosário para tornar o mundo todo mais sadio de amor, ternura, afeto. Usou um único remédio que conhecia: a fraternidade.
As Fontes Franciscanas falam do beijo. Beijar é passar o sopro de vida, o hálito que alenta, o toque que refaz. Mas quem beijou quem? Deixar-se beijar é mais do que beijar. Francisco recebe o toque de quem tem um último sopro de vida e esperança, um último fio de confiança. A confiança perdida é o paraíso perdido.
“E o Senhor mesmo me conduziu entre eles e eu tive misericórdia com eles” (Testamento, 2). Não disse “eu tive dó deles”, “que judiação!”, “que pena!”, mas disse “eu tive misericórdia com eles”. Ter misericórdia com! Ir lá junto do sofrimento, misturar-se com a paixão dos que padecem a falta de cuidado. Quem vai lá, pouco a pouco, traz de volta ao Paraíso. Reconduz o humano ao seu melhor lugar. É preciso ir com o coração nas mãos e nas palavras. É muito diferente ser tocado por alguém que tem o coração nas mãos. Foi assim que o leproso beijou Francisco.