Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

“Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Água, que é mui útil e humilde e preciosa e casta”

08/09/2025

Virtudes e valores: relações saudáveis com os irmãos e com o povo, disposição ao serviço, promoção da vida.

Neste ano, a Família Franciscana celebra os oitocentos anos da composição do Cântico das Criaturas, a presente edição das Comunicações convida a refletir sobre a água, fonte da vida e sua espiritualidade. O simbolismo da água, profundo e presente em todas as culturas, reflete seu significado espiritual e prático. A água é considerada um elemento sagrado e frequentemente vista como um símbolo de renovação, pureza e vida.

Em diversas tradições religiosas, a água é venerada e tem um papel fundamental na sustentação e na ligação com o “sagrado”. No Antigo Testamento, há vários exemplos, começando pelo relato da Criação: “O espírito de Deus pairava sobre as águas”, “Deus separa as águas [as de baixo e as de cima do firmamento]” (Gn 1,2). A água é tida como um novo recomeço no dilúvio (Gn. 6,13-19). Moisés, quando criança, foi retirado das águas (Ex 2). A água do mar vermelho está no centro da libertação do povo do Egito (Ex 14,1-28; 15,1-22). Moisés faz jorrar água da pedra (Nm 20,10-18). Nos salmos encontram-se inúmeras passagens que mencionam a água, como exemplo o salmo 46, “nos braços de um rio vem trazer a alegria à cidade de Deus, à morada do Altíssimo”. O profeta Ezequiel também fala sobre a água que jorra no templo e corre para o leste, transformando-se em um rio que gera a vida (Ez 47).

No Novo Testamento, Jesus tem uma relação direta com a água. Ele mesmo se deixou batizar no Jordão. Ele chamou alguns dos seus discípulos que dependiam da água como pescadores. O encontro com a Samaritana junto ao poço de Jacó, na última ceia, quando ele lavou os pés dos discípulos e, no alto da cruz, perfurado, jorrou do seu corpo sangue e água.

Não restam dúvidas de que água é fonte da vida. Por outro lado, ela também simboliza a morte. Em algumas culturas, mergulhar nas águas pode significar voltar ao caos, ao pré-formal, ao preexistente, dissolvendo a vida. O mar é o lugar dos monstros, do desconhecido e até dos demônios.

A água é sagrada, é irmã, usada na missa como purificação, símbolo da humanidade na preparação do cálice com vinho, levada também pelos fiéis nas novenas para ser abençoada, com ela abençoamos as pessoas, aspergimos os mortos e os objetos. Passar pelas águas pode significar adquirir uma nova identidade ou um novo começo.

Celebrar, recordar e proteger a água sagrada

No dia 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Dia Mundial da Água. Ela mobiliza a comunidade internacional para colocar em pauta questões essenciais que envolvem os recursos hídricos, garantindo que a água limpa e segura e o saneamento básico são direitos humanos.

Em 2004, a Igreja no Brasil, com a campanha da fraternidade, convidou aos fiéis e a sociedade brasileira a refletirem sobre a fraternidade e a água, com o lema: “água, fonte da vida”. O objetivo da campanha era conscientizar a sociedade que a água é fonte da vida, necessidade de todos os seres vivos e um direito humano, e a CNBB desejou mobilizar a sociedade para que este direito à água com qualidade seja efetivado para as gerações presentes e futuras.

O Papa João Paulo II escreveu uma carta por ocasião da abertura da Campanha da Fraternidade de 2004. Ele expressou a necessidade de cuidar da água: “Como dom de Deus, a água é instrumento vital, imprescindível para a sobrevivência e, portanto, um direito de todos. É necessário prestar atenção aos problemas decorrentes da sua evidente escassez em muitas partes do mundo, e não só do Brasil. A água não é um recurso ilimitado. Seu uso racional e solidário exige a colaboração de todos os homens de boa vontade com as autoridades governamentais, para conseguir uma proteção eficaz do meio ambiente, considerado dom de Deus (cf. Exortação Apostólica Ecclesia in America, 25). É uma questão que necessita, portanto, ser enquadrada para estabelecer critérios morais baseados precisamente no valor da vida e no respeito pelos direitos e pela dignidade de todos os seres humanos”.

A Campanha da Fraternidade de 2004 buscou refletir sobre tal tema devido aos grandes problemas que o Brasil e o mundo enfrentavam e enfrentam. Todas as formas de vida dependem da água. Não se pode separar vida e água, pois sem ela não existe vida. O manual da Campanha apresentou uma estatística da ONU, no qual denunciava que 40% da humanidade teriam problemas com o abastecimento de água até 2025. Além disso, a Campanha da Fraternidade quis lembrar que poluir as águas, danificar os rios, os lençóis subterrâneos, destruir as nascentes são atentados contra a vida.

Frei Francisco de Assis e a “Irmã Água”

Buscando observar a palavra “água” nas fontes franciscanas, encontramos três passagens, a primeira dos quais vem por excelência do Cântico das Criaturas: “Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã Água, que é mui útil e humilde, e preciosa e casta”.  A segunda passagem presente em Frei Tomás de Celano, afirma que Francisco tinha um afeto e compaixão pelos peixes que eram capturados, e que os lançava de volta as águas (cf. 1Cel 61).

Em outra passagem hagiográfica Frei Francisco, muito doente, passando pelo eremitério de Santo Urbano, pediu um copo de vinho. Não tendo, pediu um copo de água, fez o sinal da cruz e a água se transformou em vinho (cf. LM 5,10). Dada a pobreza do lugar e os mistérios de Deus, pode-se compreender que na convalescença Frei Francisco experimentou um novo sabor, vinhos novos em odres novos, ou talvez a água e o vinho simbolizem o despojamento do homem velho para se revestir do novo.

Outra palavra associada à água é “fonte”, quando usada no âmbito franciscano, vem em mente, o santuário Fonte Colombo. O local encontra-se a cinco quilômetros da cidade de Rieti, na Itália. Segundo a tradição, Frei Francisco esteve no local pela primeira vez em 1217 e, junto a uma pequena fonte, deu o nome de Fons Columbarum.

Sabe-se que, Frei Francisco escreveu a Regra definitiva em Fonte Colombo. A fonte de água pura saciou a sede de Frei Francisco e de muitos outros frades que residiram ou passaram por Fonte Colombo. A Regra de Vida dos frades é água pura recolhida da fonte. O Santo Evangelho é a fonte, dele fluem a graça e a vida que purificam e sustentam.

Virtudes e valores: relações saudáveis com os irmãos e com o povo, disposição ao serviço, promoção da vida.

As virtudes e os valores evangélicos e franciscanos são itinerário de realização para um novo estilo de vida?

Não há dúvidas que Frei Francisco de Assis, quando jovem na Idade Média, construiu sua vida sobre os princípios da Cavalaria. Entre estes encontravam-se virtudes e valores.

Na “Saudação às Virtudes”, o Pobre de Assis dá uma categorização valiosa do que ele entendia por virtudes e chamava de santa. São elas: sabedoria, pura simplicidade, pobreza, humildade, caridade, obediência.

No contexto atual, em meio ao caos econômico global, as guerras e a destruição ambiental, a reflexão teológica, franciscana e ecológica, aliada à crise do atual tempo, leva a repensar as relações e a necessidade urgente de uma transformação antropológica do atual modo de estar no mundo. Hoje, é urgente repensar a questão do consumo e a necessidade de gerar lucros crescentes às custas da Terra e de outras pessoas. Sabe-se que o maior problema são os grandes empresários e políticos que lutam para manter esse sistema.

Sim, segundo Frei Francisco de Assis, as virtudes e os valores são um itinerário para um novo estilo de vida. A santa sabedoria confunde Satanás e todas as suas malícias, liberta a humanidade da sedução do acusador (Satã) que pode levar: ao isolamento, à autossuficiência, as relações superficiais e à falta de confiança, gerando um grande vazio existencial.

A Santa Simplicidade confunde toda a sabedoria deste mundo. A Santa Pobreza confunde a ganância e a avareza. Neste sentido, recorda-se também o voto de não ter nada de próprio, que liberta o ser humano de qualquer ilusão, “eu sou pó e ao pó retornarei”: nem a vida é propriedade do indivíduo.

A Santa Humildade confunde a soberba, a Santa Caridade confunde as tentações e a Santa Obediência confunde a vontade própria. A mudança de época que estamos vivendo pode favorecer um novo estilo de vida. O estilo de vida franciscana vai sendo novo à medida que é redescoberto o valor da novidade evangélica e que esta responda as urgências do atual contexto.  A expressão “tudo está interligado” também se refere ao carisma franciscano, especialmente aos votos, os quais são valores que ajudam a viver e a manter relacionamentos saudáveis, nas relações de fraternidade e com o povo.

Na 27ª Admoestação, Frei Francisco exorta afirmando que a virtude afugenta o vício.

 

Onde há…                                                                                     Aí não há… 

Caridade e sabedoria                                                                 temor e ignorância

Paciência e humildade                                                               ira e perturbação

Pobreza e alegria                                                                         ganância nem avareza

Quietude e meditação                                                                 preocupação e divagação

Temor do Senhor                                                                         o inimigo fazendo morada

Misericórdia e discernimento                                                   superficialidade e rigidez

 

Se por um lado as virtudes e os valores ajudam a construir novas relações, a “Irmã Água” consegue purificar e curar as relações fragilizadas. Quem não se lembra de ter caído quando criança, e de como os arranhões ardiam, e de como falava sua mãe: “Lava isso aí, lava bem, com sabão”. Mais do que nunca, precisamos lavar, lavar a existência humana esfolada pelas experiências nocivas. Irmã Água, muito útil e humilde, preciosa e casta. Água virtuosa, água pura, que segundo Frei Francisco, regenera, limpa e refresca.

Aqui também se compreende a frase do Evangelho de João (3,5): “nascer da água e do espírito”. O novo estilo de vida se inaugurará nas fontes: imersão e emersão, banho, limpeza, vida nova. O Espírito, que é Santo, nos auxiliará para não envelhecermos com as vaidades do tempo presente e enfraquecer nas relações.

Construir pontes, interconectar e criar vínculo faz parte do carisma franciscano, assim como serviço.

A chave é a disposição de servir, como Jesus Cristo. Ele lavou os pés dos discípulos e da humanidade. Meditar sobre a irmã água ajuda a recordar que nós também somos água, criaturas de Deus. Celebrar a “Irmã Água” e bebê-la todos os dias confere um novo significado à própria vida, permitindo-nos ser um pouco mais “humildes, preciosos e castos” nas relações e no serviço.

Então, quem sabe, talvez possamos continuar a lavar os pés daqueles que estão cansados, desiludidos da vida, deprimidos e oprimidos, quase sem fôlego. Se não houver oportunidade de lavar os pés, pegue a moringa de barro, derrame a água na caneca de alumínio e a leve a quem precisa, recomeçar na alegria franciscana: “porque pouco ou nada fizemos” (1Cel 103).


Frei Gilberto da Silva

Download Nulled WordPress Themes
Download Nulled WordPress Themes
Free Download WordPress Themes
Download Best WordPress Themes Free Download
udemy paid course free download
download redmi firmware
Download Nulled WordPress Themes
free download udemy paid course